Publicado originalmente em inglês no WSWS em 8 de
setembro de 2008.
Esta é a oitava e última parte da uma série
de artigos abordando os eventos de maio/junho de 1968 na França.
A parte 1, publicada em
28 de maio, aborda o desenvolvimento da revolta estudantil e da
greve geral até seu ápice no final de maio. A parte 2, publicada em 29
de maio, examina como o Partido Comunista Francês (PCF)
e sua central sindical associada, a CGT, permitiram que o Presidente
Charles de Gaulle retomasse o controle. As partes 3
e 4, publicadas em 5 e 7 de julho,
examinam o papel dos pablistas; as partes 5,
6, 7
e 8 examinam a Organization Communiste Internationaliste (OCI)
de Pierre Lambert.
A trajetória política de Pierre
Lambert
Como resultado da falha da Socialist Labour League (Liga Socialista
dos Trabalhadores SLL, na sigla em inglês) em analisar
a degeneração política da OCI, sua história
permaneceu obscura por muitos anos. Pouco se sabia sobre o desenvolvimento
político da OCI, seus debates internos e a trajetória
de seus líderes.
Nos últimos 15 anos, porém, um grande número
de memórias pessoais, escritos de história de qualidade
variada e estudos acadêmicos sérios sobre a história
do movimento trotskista apareceu na França. Uma das principais
razões para o crescente interesse foi a eleição
de Lionel Jospin, um ex-membro da OCI, como primeiro-ministro
em 1997, e os sucessos eleitorais consideráveis dos auto-proclamados
trotskistas Arlette Laguiller e Olivier Besancenot.
Em setembro de 2006 Jean Hentzgen submeteu sua tese de mestrado,
um estudo detalhado sobre a infância da OCI, à faculdade
de história da Universidade de Paris, sob a direção
de Michel Dreyfus, autor de Histoire de la CGT e historiador
de movimentos trabalhistas franceses modernos. [36]
Com base em extenso material de arquivo, entrevistas com testemunhas
vivas e escritos já existentes, o autor forneceu um relato
da história do setor majoritário do PCI [predecessor
da OCI] de 1952 até 1955. Em 1952, Michel Pablo expulsou
a maioria da seção francesa, o PCI, da Quarta Internacional
porque ela se opunha à sua política do entrismo
sui generis, isto é, a entrada no Partido
Comunista Francês com base na dissolução do
PCI enquanto organização independente. Em 1953,
a maioria do PCI estava entre as organizações fundadoras
do Comitê Internacional da Quarta Internacional. Em 1965
passou a se chamar OCI.
O trabalho de Hentzgen deixa claro que havia duas correntes
dentro da maioria do PCI que sofrera a expulsão. Uma, liderada
por Pierre Lambert, era caracterizada pela perspectiva sindicalista.
Concentrou seu trabalho nos sindicatos e, depois, nos círculos
da social-democracia. A outra, liderada por Marcel Bleibtreu,
enfatizava a disputa com o Partido Comunista.
O conflito entre essas duas correntes cresceu em intensidade
e amargor. Em março de 1953, Lambert tomou o lugar de Bleibtreu
enquanto líder do PCI. Dois anos depois, Bleibtreu e seus
camaradas mais próximos foram expulsos do partido, apesar
do protesto do Comitê Internacional. Ambas as facções
exibiam fraquezas políticas substanciais, e muitas das
complexas questões conectadas à luta contra o revisionismo
pablista jamais foram esclarecidas dentro da seção
francesa.
Bleibtreu, usando o nome Favre, foi o primeiro a se opor às
teses revisionistas de Pablo num encontro do Comitê Executivo
Internacional da Quarta Internacional em novembro de 1950. Através
de um texto com o título Para onde está indo
Pablo?, ele submeteu as teses pablistas a uma intensa crítica
política e teórica. [37]
O documento foi publicado em junho de 1951 e contribuiu de
forma determinante para a orientação política
da maioria francesa. Bleibtreu, o líder mais importante
da tendência, nasceu em 1918 e juntou-se aos trotskistas
franceses em 1934, quando eles trabalhavam dentro da social-democrata
SFIO. Após a guerra, ele editou o órgão do
partido La Vérité e tornou-se secretário
político do PCI. Era um médico por ocupação,
e morreu em 2001.
Pierre Lambert (1920-2008) juntou-se ao grupo de Raymond Molinier
e Pierre Frank em 1937, que, em conseqüência de sua
linha oportunista, tinha profundas divergências com Trotsky
e a seção francesa oficial da época. Durante
a guerra, Lambert foi ativo nos sindicatos ilegais e, depois da
reunificação dos trotskistas franceses em 1944,
liderou seu trabalho sindical. Apoiou a maioria anti-pablista
depois de alguma hesitação inicial. Uma das mais
importantes razões de seu eventual apoio à maioria
anti-pablista parece ter sido que a política do entrismo
sui generis ameaçava destruir o trabalho sindical
do PCI. Dentro do contexto desse trabalho, muitos jovens camaradas
nas fábricas haviam corajosamente enfrentado os stalinistas.
Muitas características das políticas posteriores
de Lambert começaram a tomar forma antes da cisão
com os pablistas. Já apontamos que em 1947 ele encaminhou
uma resolução no PCI insistindo na completa independência
dos sindicatos em relação aos partidos políticos.
De 1950 a 1952, Lambert participou na publicação
do jornal sindical LUnité (Unidade), cujo
comitê editorial consistia em sindicalistas de diferentes
orientações políticas. Além dos trotskistas
do PCI, havia anarquistas e reformistas, incluindo anti-comunistas
declarados. Alguns deles como o anarquista Alexandre Hébert,
de 1947 a 1992 secretário do sindicato Force Ouvrière
na região de Loire Atlantique reteve uma lealdade
vitalícia a Lambert.
Em julho de 1952, o PCI realizou seu Oitavo Congresso onde,
pela primeira vez, a maioria e a minoria pablista se reuniram
separadamente. Como foco do congresso da maioria estava a luta
contra os pablistas, sobre a qual Bleibtreu e Lambert concordavam.
Eles também concordavam que o PCI não deveria permitir
sua expulsão forçada da Quarta Internacional, mas
em vez disso necessitava permanecer integrado e lutar por uma
mudança de orientação e pela readmissão.
Tensões, porém, desenvolveram-se ao redor do
foco do trabalho político. Embora Bleibtreu rejeitasse
a política pablista de liquidar toda a seção
com o entrismo no Partido Comunista, ele considerou uma necessidade
o desenvolvimento de uma facção secreta, composta
por quadros selecionados, dentro do Partido Comunista. De sua
parte, Lambert tinha a opinião que a organização
era fraca demais para esse trabalho, e preferia concentrar todas
as forças políticas do partido no trabalho sindical.
As tensões se aprofundaram nos meses subseqüentes.
Num encontro do comitê central no final de dezembro, Bleibtreu
deu o relato político; Lambert relatou o trabalho sindical.
Hentzgen sumariza os pontos de vista opostos da seguinte maneira:
De acordo com Bleibtreu, o PCI deve ligar a intervenção
do partido independente com o trabalho de uma facção
secreta, apoiando a formação de oposicionistas esquerdistas
[dentro do Partido Comunista]. O partido revolucionário
será desenvolvido com base nessa oposição
esquerdista.
De acordo com Lambert, a primeira tarefa dos revolucionários
consiste em reconstruir as organizações sindicais
extremamente enfraquecidas: primeiro a CGT, mas também
a FO. O trabalho ativo nos sindicatos permitirá que os
trotskistas penetrem nas massas e se ancorem nelas. Pela eficácia
de seus slogans e pelas ações que propõe,
os trotskistas terão sucesso em mobilizar os trabalhadores
para a ação, gradualmente assumindo o papel de liderança.
[38]
Ambos os pontos de vista estavam assustadoramente próximos
daqueles dos pablistas, que diziam que um partido revolucionário
não surgiria do quadro existente da Quarta Internacional,
mas a partir de uma facção esquerdista dentro das
organizações stalinistas ou reformistas influenciadas
pelos trotskistas.
As esperanças de Bleibtreu no desenvolvimento de uma
oposição esquerdista dentro do Partido Comunista
Francês (PCF) encontraram sua mais clara expressão
na aliança com André Marty. Esse stalinista veterano,
cuja fama devia a um motim em um navio de guerra francês
perto de Odessa em 1919, foi secretário da Internacional
Comunista de 1935 a 1943 e organizou as brigadas internacionais
na guerra civil espanhola. Ele caiu em desgraça em 1952
e foi expulso do PCF. Apesar das ações brutais de
Marty contra os Oposicionistas de Esquerda na Espanha terem lhe
rendido o nome de açougueiro de Albacete, e
apesar de haver pouco indício de um acerto de contas de
Marty com seu passado stalinista, Bleibtreu o considerava o líder
de uma oposição esquerdista.
Bleibtreu se encontrava pessoalmente com Marty, que proclamava
um interesse na colaboração, mas que estava também
em contato com os pablistas. A maioria do PCI conduziu uma campanha
para defender Marty, e para tanto criou os Comités de
redressement communiste [Comitês de Reorganização
Comunista], que deveriam formar uma oposição esquerdista
contra a liderança stalinista. Em janeiro de 1953, o La
Vérité apelou a Marty: Vá adiante
e você se tornará primeiro o líder e, então,
o organizador dos proletários revolucionários deste
país! [39]
Bleibtreu lisonjeou Marty por aproximadamente três anos,
encontrando considerável oposição dentro
do PCI. Bleibtreu ganhou a reputação de advogar
o pablismo sem Pablo, o que minou consideravelmente
sua autoridade. Em março de 1953, ela era minoria no comitê
central e assim Lambert assumiu a liderança do PCI.
Enquanto Bleibtreu mantinha contato com André Marty,
Lambert nutria grandes expectativas por um outro membro-líder
do Partido Comunista Francês, Benoit Frachon, o dirigente
da federação sindical CGT.
Em 1951 e novamente em 1953, Frachon apelou para a unidade
em ação de todos os sindicatos e assim ganhou total
apoio de Lambert. As tensões entre Frachon e outros líderes
do PCF nunca assumiram o caráter de divergências
fundamentais. Na realidade, a virada da CGT para a unidade
em ação vinha do fato de que o PCF estava
considerando a possibilidade de se juntar ao governo e procurava
por isso uma reaproximação com os partidos reformistas.
Em 1954, o PCF apoiou um governo de coalizão entre socialistas,
socialistas radicais e gaullistas de esquerda, todos sob Pierre
Mendès-France. Lambert, porém, afirmou que o aparato
da CGT contrário àquele do PCF estava
amarrado às massas.
A reivindicação de unidade estava no centro do
trabalho sindical do PCI. Desde 1953, apelava pela organização
de Sessões pela unidade dos sindicatos na ação
para juntar representantes de diferentes organizações
sindicais local e nacionalmente. Membros do PCI nos sindicatos
foram instruídos a ligar todos os problemas da manutenção
dos sindicatos ao slogan de Sessões nacionais pela
unidade dos sindicatos na ação.
O PCI manteve uma posição quase totalmente acrítica
em relação aos líderes sindicais. Em março
de 1954, organizou uma conferência nacional que estava expressamente
centrada em uma unidade democrática, e não
no programa do partido. A aparecimento de Georges Frischmann nessa
conferência, secretário-geral do sindicato dos carteiros
e funcionário do alto escalão da CGT, foi celebrado
como grande sucesso político. Posteriormente, o Comitê
Permanente de Julgamento enviou uma delegação
com três trotskistas a várias diretorias sindicais,
incluindo a CGT.
Finalmente, Lambert se encontrou pessoalmente com o líder
da CGT, Frachon e, por insistência, foi aceito novamente
como membro do sindicato do qual havia sido expulso. Frachon não
acreditava que a campanha pela unidade dos sindicatos ameaçasse
a burocracia.
Em 16 de novembro de 1953, o Socialist Workers Party (Partido
Socialista dos Trabalhadores SWP, em inglês) americano
publicou sua Carta Aberta, que chamava pela ruptura
com os pablistas e pelo estabelecimento do Comitê Internacional.
A carta foi recebida com entusiasmo pelo PCI. Seu isolamento interno
agora chegava ao fim.
O La Vérité apareceu com a manchete O
trotskismo triunfará, um apelo dos trotskistas americanos
contra os liquidacionistas da Quarta [Internacional]. Em
23 de novembro, o PCI organizou o primeiro encontro do Comitê
Internacional em Paris. Apesar de não ser mais um secretário
do partido, Bleibtreu representou o PCI no Comitê Internacional
e Gérard Bloch assumiu o papel de seu secretário.
Independentemente da mudança, as disputas dentro do PCI
continuaram com a mesma intensidade.
Mais diferenças foram somadas às que já
existiam. Depois da morte de Stalin e da supressão do levante
de junho de 1953 na Alemanha Oriental, diferentes avaliações
dos partidos stalinistas foram desenvolvidas. A tendência
de Bleibtreu argumentava por um apoio crítico às
correntes esquerdistas dentro da burocracia, enquanto a maioria
do partido ao redor de Lambert e Bloch rejeitava essa posição
e chamava por uma rebelião dos trabalhadores como
a que ocorrera na Berlim oriental.
Havia também diferenças em relação
aos movimentos de liberação nacional. Aqui Lambert
como os pablistas chamava pelo apoio incondicional
sem qualquer crítica, enquanto a tendência de Bleibtreu
dizia que o apoio deveria ser combinado com uma crítica
fraternal.
A partir de maio de 1952, o PCI manteve estreitas relações
políticas e pessoais com Messali Hadj, o líder do
movimento de liberação nacional argelino MTLD (Mouvement
pour le Triomphe des Libertés Démocratiques
Movimento pelo Triunfo das Liberdades Democráticas)
e MNA (Mouvement National Algérien Movimento
Nacional Argelino). Quando Hadj foi expulso da Argélia
pela polícia, os membros do PCI cuidaram de seus filhos.
O MTLD era apoiado por muitos trabalhadores argelinos na França,
alguns dos quais haviam trabalhado junto ao PCI dentro da CGT.
Hadj, porém, nunca deixou de ser um nacionalista burguês.
Com o início da guerra argelina de liberação
em 1954, o apoio ao MNA, que por um tempo Lambert considerou o
equivalente de um partido proletário revolucionário,
moveu-se mais para o centro do trabalho do PCI. O PCI assumiu
tarefas logísticas e participou no trabalho ilegal. A tendência
de Bleibtreu criticou essa posição e acusou a liderança
de demonstrar uma atitude de oportunismo servil quanto ao
MTLD e suas deficiências. [40]
Na Argélia, o MNA foi desagregado pela Frente de Liberação
Nacional (FLN), que emergiu de uma cisão dentro da organização
clandestina armada do MTLD e tinha poucas raízes na classe
trabalhadora. O FLN devia sua força tanto ao apoio do governo
egípcio de Gamal Abdel Nasser, que supria a organização
com armamento, quanto às ações bárbaras
contra seus rivais políticos. Hadj reagiu contra seu crescente
isolamento se movimentando politicamente para a direita. No verão
de 1958, seus apoiadores realizaram negociações
com o governo francês e o PCI rompeu relações
com ele.
As tensões entre as facções do PCI se
tornaram mais amargas no decurso de 1954. O Comitê Internacional,
e acima de tudo sua seção britânica, trabalharam
em vão para suavizar as tensões e induzir a cooperação
entre as duas alas. Finalmente Bleibtreu e dois de seus apoiadores
Michel Lequenne e Lucien Fontanel foram expulsos
devido a uma questão disciplinar: eles responderam a uma
intimação policial, contra os desejos do birô
político. Na delegacia, se recusaram a dar qualquer declaração,
como requerido pela política do partido. Mas o birô
político havia exigido que eles ignorassem a notificação,
o que teria como conseqüência a prisão.
Em uma declaração datada de 21 de maio de 1955,
o Comitê Internacional expressou sua irritação
diante da expulsão de Bleibtreu, Lequenne e Fontanel, exigindo
que eles fossem readmitidos e representados em todos os principais
comitês do partido. Não houve, no entanto, qualquer
resultado. O comitê central do PCI rejeitou as exigências
do Comitê Internacional.
A tendência de Lambert agora dominava o PCI, que tinha
somente um pequeno papel no trabalho do Comitê Internacional.
Em 1963, quando o SWP americano se reunificou com os pablistas
e uniu-se ao Secretariado Unificado, a seção francesa
permaneceu alinhada ao Comitê Internacional. Todos os documentos
importantes contra a reunificação, porém,
foram escritos pela seção britânica.
Na França, o PCI dedicou-se ao trabalho dentro das fábricas,
onde manteve uma aconchegante divisão de trabalho com a
oportunista Voix Ouvrière por muitos anos. Isso acabou
só em 1966, após o conflito no Terceiro Congresso
Mundial do Comitê Internacional. Desde 1959, as duas organizações
haviam conjuntamente produzido e distribuído panfletos
fora das fábricas. O líder da VO, Hardy, que como
vendedor de suprimentos médicos possuía um carro,
freqüentemente levava Lambert em conjuntamente em suas viagens.
Depois de sua expulsão, Bleibtreu e Lequenne também
se moveram mais para a direita. Tomaram parte na Nova Esquerda,
onde desenvolveram sua própria tendência e participaram
da fundação do Partie Socialiste Unifié
(PSU), um movimento esquerdista guarda-chuva do qual numerosos
líderes governamentais e ministros depois iriam emergir.
Em 1968, sob a liderança de Michel Rocard, o PSU controlava
a federação estudantil UNEF.
Por algum tempo Bleibtreu foi membro do comitê político
do PSU, e até serviu como secretário-geral até
sua partida em 1964. Depois disso ele foi ativo em um grande número
de iniciativas pela paz no Vietnam, contra a pobreza infantil
e, nos anos 90, contra o embargo ao Iraque. Lequenne foi para
a Argélia em 1963 para apoiar o regime nacional, onde se
juntou aos pablistas e se tornou membro do Secretariado Unificado.
De 1974 a 1995, trabalhou para o jornal Libération.
Lequenne morreu em 2006.
O centrismo da OCI, expresso claramente em 1968, tinha uma
longa pré-história. Em última análise,
ele resultou do abandono pela seção francesa da
luta contra o revisionismo pablista.
Artigo concluído.
Notas:
36. Jean Hentzgen, Agir au sein de la classe. Les trotskystes
français majoritaires de 1952 à 1955, Université
de Paris I, Setembro de 2006.
37. Where is Pablo Going? by Bleibtreu (Favre),
June 1951 in Trotskyism versus Revisionism, vol.
1, London, 1974
38. Hentzgen, op.cit., p. 57
39. quoted in ibid. p. 60
40. quoted in ibid. p. 148