Publicado originalmente no dia 7 de Julho de 2008, no wsws.org
Este é o quarto artigo numa série sobre os
eventos de maio/junho de 1968 na França. A parte
1, publicada originalmente em 28 de maio no WSWS, trata do
desenvolvimento da revolta estudantil e da greve geral até
seu ponto mais forte, ao final de maio. A parte
2, publicada no dia 29 de maio, examina como o Partido Comunista
Francês (PCF) e a central sindical controlada por ele, a
CGT, possibilitaram que o presidente Charles de Gaulle retomasse
o controle do país. A parte
3, publicada em 5 de julho, bem como a 4, publicada no dia
7, analisa o papel desempenhado pelos Pablistas. A parte final
examinará a Organização Comunista Internacionalista
(OCI), de Pierre Lambert.
Acobertando o stalinismo
Os stalinistas do Partido Comunista Francês e da CGT,
apesar de odiarem o espírito rebelde da juventude e, conseqüentemente,
os grupos estudantis de esquerda aos quais chamavam de
gauchistes (radicais de esquerda) e provocadores ,
não eram incapazes de conviver politicamente com eles.
As ações anarquistas de Daniel Cohn-Bendit mal ameaçavam
a dominação dos stalinistas dentro da classe trabalhadora.
O mesmo pode ser dito em relação aos maoístas
e seu entusiasmo pela Revolução Cultural Chinesa
e a luta armada.
Já os pablistas, evitaram cuidadosamente entrar em conflito
com os stalinistas. Eles se abstiveram de qualquer ação
política que tencionasse a relação entre
a classe trabalhadora e a direção stalinista, o
que poderia precipitar uma crise para estes. No ápice da
crise de 1968, quando os trabalhadores rejeitaram o acordo de
Grenelle e a questão da tomada do poder estava na ordem
do dia, a JCR (Jeunesse Communiste Révolutionnaire
Juventude Comunista Revolucionária) deu cobertura aos stalinistas.
Vinte anos após esses eventos, Alain Krivine e Daniel Bensaid
publicaram uma retrospectiva de 1968 que, mesmo se esforçando
em apresentar a JCR com cores favoráveis, expõe
claramente seu verdadeiro papel. 1
A JCR participou das duas grandes marchas convocadas pelos
social-democratas e stalinistas no auge do movimento de massas:
o encontro massivo de 27 de maio, no estádio Charléty,
organizado pela UNEF (União Nacional dos Estudantes da
França), pela central sindical CFDT (Confederação
Francesa Democrática do Trabalho) e pelo PSU (Partido Socialista
Unificado); e o ato de massas do PCF (Partido Comunista Francês)
e da CGT (Confederação Geral do Trabalho) em 29
de maio.
O objetivo do encontro no estádio Charléty era
preparar o terreno para um governo transitório sob controle
do experiente político burguês Pierre Mendès-France,
então membro do PSU. A tarefa a ser cumprida por este governo
seria a de controlar a greve, restaurar a ordem e preparar uma
nova eleição.
Até setores da imprensa de direita estavam, sobre isso,
convencidos de que somente um governo de esquerda
seria capaz de salvar a ordem existente. Conforme escreveu o jornal
financeiro Les Echos, em 28 de maio, a única escolha
era entre reforma e revolução, ou a anarquia.
Tendo como manchete Uma saída deve ser encontrada,
o jornal comentou:
Ninguém mais está disposto a ouvir ou acreditar
em alguém. Até agora, parecia que a CGT era um bastião
da ordem e da disciplina. Mas, neste momento, ela foi desestabilizada
por um bando de populares revoltosos, cuja rebelião ela
havia subestimado. Os dirigentes sindicais foram desbancados pelos
grevistas que não acreditam mais em nenhuma promessa, independente
de quem a faça. Isso sem falar do governo... Sim
à reforma, não à desordem foi dito
pelo General (de Gaulle) recentemente, de forma infeliz. Hoje
temos tanto a reforma quanto a anarquia, sob condições
nas quais não fica claro qual delas sairá vitoriosa.
Naquele momento, o PCF estava bem preparado para fazer parte
de um governo burguês. Seu secretário-geral, Waldeck
Rochet, propôs, no dia 27 de maio, que ele e François
Miterrand se encontrassem imediatamente a fim de discutir as condições
para uma substituição do regime Gaullista
por um governo popular de unidade democrática, erguido
sobre a base de um programa comum. Para aqueles acostumados
com a terminologia stalinista, não poderia haver dúvida
que o significado de um governo popular de unidade democrática
seria um governo burguês dedicado a defender a propriedade
capitalista.
O PCF temia, porém, que Miterrand e Mendès-France
formassem um governo sem ele. Assim, em conjunto com a CGT, organizou
sua própria manifestação de massas no dia
29 de maio, sob a bandeira de um Governo Popular.
Essa reivindicação adaptava-se ao estado de espírito
revolucionário das massas, ainda que o PCF nunca sonhasse
em tomar o poder pela derrubada do capitalismo e somente aspirasse
a um governo de coalizão com Miterrand ou algum outro político
burguês.
A JCR participou da manifestação do PCF-CGT com
a palavra de ordem: Governo Popular sim! Mitterrand, Mendes-France,
não! apoiando, assim, a manobra do PCF. Krivine e
Bensaid escreveram, em seu ensaio retrospectivo, o seguinte sobre
esta palavra de ordem:
A formulação jogava com ambigüidades.
Contrapunha um governo popular, que poderia ser interpretado como
a expressão mais combativa da greve, juntamente com seus
organismos, a um governo de figuras políticas. Sem rejeitar
por completo um governo de coalizão dos partidos de esquerda,
atacava as figuras que eram desprovidas de qualquer ligação
direta com a classe trabalhadora e estavam suscetíveis
a usar sua autonomia institucional existente como base para a
colaboração de classes... Apesar de sua proposital
falta de clareza, a formulação governo popular
apontava para um governo de partidos de esquerda, sem entrar em
mais detalhes.
Em outras palavras: a formulação utilizada pela
JCR tinha como objetivo de fazer com que os setores mais
combativos da classe trabalhadora acreditassem que um governo
de esquerda burguês, que incluísse o PCF, seria o
resultado da greve e de sua organização.
Esta é uma confissão reveladora. Em um momento em
que a crise revolucionária havia chegado ao seu ápice,
com a CGT tendo perdido sua autoridade e de Gaulle desaparecido
do mapa, isto é, em uma época em que era necessário
tomar uma decisão de forma aberta e decisiva, a JCR jogava
com ambigüidades e continuava sendo propositalmente
vaga. Ela escapou da decisiva questão a respeito de quem
seguraria o poder no país.
A reivindicação de um governo popular,
tomada dos stalinistas pela JCR, recebeu um apoio considerável
da população. Porém, a reivindicação
permaneceu imprecisa e evasiva. O Partido Comunista a interpretava
como sendo por um governo de coalizão com os social-democratas
e pequeno-burgueses radicais, cuja tarefa mais importante seria
a de manter a ordem existente. Nada era mais distante do pensamento
do PCF do que a tomada revolucionária do poder. Os pablistas,
por sua vez, nunca questionaram essa posição e foram
parar atrás das fileiras dos stalinistas.
O que a JCR deveria ter feito?
É claro que a JCR não possuía o apoio
suficiente para assumir o poder por si mesma. No entanto, há
inúmeros precedentes históricos que demonstram como
os marxistas, mesmo em minoria, podem lutar por seu programa e
ganhar a maioria dos trabalhadores para o seu lado.
No início de 1917, na Rússia, a base de Lênin
com os bolcheviques era consideravelmente menor do que a dos mencheviques
e a dos Socialistas-revolucionários (SR). No entanto, usando
uma política principista e habilidosa, os bolcheviques
trabalharam para conquistar o apoio da classe trabalhadora e tomar
o poder em outubro. Trotsky, quando esteve exilado na França,
entre 1933 e 1935, se interessou intensamente pelas atividades
da seção e apresentou propostas detalhadas de como
ela poderia lutar por um programa revolucionário, mesmo
sendo minoria. A questão central sempre foi a da independência
política da classe trabalhadora em relação
aos aparatos reformistas (e mais tarde também aos stalinistas)
e a construção de um partido revolucionário
independente.
Quando Lênin voltou à Rússia, em 1917,
após o exílio, ele atacou a atitude centrista dos
bolcheviques diante do governo provisório, onde os mencheviques
e social-revolucionários haviam assumido postos ministeriais.
Ele insistiu numa oposição resoluta, assim como
em um programa que se dirigisse à tomada do poder através
dos sovietes.
Baseados nesse programa, os bolcheviques usavam a tática
de aumentar a distância entre os trabalhadores e seus líderes
reformistas, direcionada, em última instância, a
separá-los. Os bolcheviques exigiam que os SR e os mencheviques
rompessem com a burguesia liberal e tomassem o poder em suas próprias
mãos. Ainda que eles fossem incapazes de formar um governo
independente da burguesia, Trotsky comenta essa experiência,
tempos depois, no Programa de Transição,
quando escreve que a reivindicação dos bolcheviques
endereçada aos mencheviques e socialistas-revolucionários
rompam com a burguesia, tomem em suas mãos
o poder tinha, para as massas, um enorme valor educativo.
A recusa obstinada dos mencheviques e socialistas-revolucionários
de tomar o poder, que se revelou tão tragicamente nas jornadas
de julho, perdeu-os definitivamente no espírito do povo
e preparou a vitória dos bolcheviques.
Em 1968, a JCR se encontrou na posição de exigir
que o PCF e a CGT tomassem o poder, baseados nas mobilizações
da greve geral. Junto com uma agitação sistemática
contrária à atitude conciliadora dos stalinistas
em relação aos partidos burgueses, esta reivindicação
teria tido um enorme peso político. Ela teria acirrado
o conflito entre a classe trabalhadora e a direção
stalinista, ajudando os trabalhadores a romper politicamente com
eles. No entanto, nada estava mais distante da mente dos pablistas
do que colocar os stalinistas numa situação difícil.
Tendo a crise revolucionária atingido seu ápice,
eles provaram ser um sustentáculo confiável para
a burocracia stalinista.
Mas os pablistas, no entanto, não podiam simplesmente
ignorar o papel contra-revolucionário cumprido pelos stalinistas,
num momento em que isso era discutido abertamente pela imprensa
burguesa. Em junho de 1968, Pierre Frank acusou o PCF e a CGT
de terem traído 10 milhões de trabalhadores
em troca de 5 milhões de votos. Ele chegou a comparar
essa traição da direção do PCF
com a traição histórica do Partido Social-Democrata
Alemão: Se esta liderança até agora
não agiu da mesma forma como os Noskes e os Eberts agiram
contra a revolução alemã de 1918-1919, é
simplesmente porque a burguesia não teve necessidade disso.
Mas sua atitude em relação aos ultra-esquerdistas
não deixa dúvidas de que estão prontos para
fazê-lo caso seja necessário 2.
Porém, a JCR, ao concentrar toda sua energia política
em ações aventureiras e ao defender os estudantes
como vanguarda revolucionária, evitava, assim, a questão
mais importante: a construção de uma nova direção
revolucionária na forma de uma seção da Quarta
Internacional. Eles se recusaram, propositalmente, a questionar
a dominação dos stalinistas. A perspectiva liquidacionista
de entrismo nos partidos stalinistas, que levou ao racha de 1953
na Quarta Internacional, também constituía a base
da política pablista em 1968.
Eles não chamaram a ruptura com o stalinismo e tampouco
lutaram pela construção da Quarta Internacional.
Ao invés disso, sua política baseava-se na convicção
de que as movimentações dos estudantes e da juventude
poderiam superar espontaneamente a traição stalinista
e resolver a crise de direção da classe trabalhadora.
Assim, a própria JCR se transformou no pior obstáculo
ao desenvolvimento da verdadeira vanguarda revolucionária.
Em 1935, Leon Trostky incentivou a construção
de comitês de ação na França, para
se oporem à frente popular, caracterizada por ele como
uma coalizão entre o proletariado e a burguesia imperialista
na forma de um Partido Radical.
Em dias de luta, cada duzentos, quinhentos ou mil cidadãos
aderindo à Frente Popular em uma dada cidade, distrito,
fábrica, quartel e vila elegem seus delegados ao comitê
de ação local, escreveu ele. Dentre aqueles
que podem fazer parte das eleições dos comitês
de ação, incluem-se não somente trabalhadores,
mas também servidores públicos, funcionários,
veteranos de guerra, artesãos, pequenos comerciantes e
camponeses. Assim, os comitês de ação estão
em harmonia com as tarefas da luta do proletariado por mais influência
sobre a pequena burguesia. Eles dificultam ao máximo, desta
forma, a colaboração entre a burocracia operária
e a burguesia. Trotsky ressaltou que não é
a representação democrática formal
de todos e quaisquer setores das massas, mas sim
a representação das massas em luta. O comitê
de ação é um aparato de luta. É
a única maneira de quebrar a oposição
contra-revolucionária de partido e aparelho sindical
(ênfase no original) 3.
Em 1968, os pablistas adotaram a reivindicação
por comitês de ação. No dia 21 de maio, por
exemplo, a JCR distribuiu um panfleto que fazia um chamado à
construção de comitês de ação
nas universidades e nos subúrbios. O panfleto chamava a
construção de um governo operário e enfatizava:
O poder que queremos deve advir dos comitês de greve
e de ação de trabalhadores e estudantes. No
entanto, a adaptação dos pablistas aos stalinistas
e aos radicais pequeno-burgueses esvaziou essa reivindicação
de qualquer conteúdo revolucionário. Ela, isolada
da construção de uma nova direção
revolucionária, quando levantada pelos pablistas somente
fazia ressoar os ruídos daquilo que, na realidade, eram
suas posições políticas totalmente oportunistas4.
Trotsky versus Pierre Frank
Essa não foi a primeira vez em que Pierre Frank cumpriu
tal papel na política. Trotsky o havia criticado ferozmente
em 1935 por razões semelhantes, quando acabou sendo expulso
do movimento trotskista. Naquela época, ele liderava um
grupo junto com Raymond Molinier em torno da revista La Commune,
que, em nome da ação revolucionária,
propôs a unificação com movimentos centristas
em particular a Esquerda Revolucionária, liderada
por Marceau Pivert. Pivert era um centrista incorrigível.
Ao mesmo tempo em que tendia a usar uma fraseologia revolucionária,
ele era, na prática, a ala esquerda do governo de Frente
Popular liderado por Leon Blum, governo que estrangulou a greve
geral de 1936.
Trotsky se opunha resolutamente ao centrismo de Pivert e às
manobras de Molinier e Frank. A essência da tendência
de Pivert é somente esta: aceitar slogans revolucionários,
mas sem tirar deles as conclusões necessárias, que
são: romper com Blum e Zyromsky [um social-democrata de
direita], criar um novo partido e uma nova internacional. Sem
isso, todos os slogans revolucionários tornam-se
nulos e vazios. Ele acusou Molinier e Frank de tentarem
conquistar a simpatia da Esquerda Revolucionária
através de manobras pessoais, lobbismo e, acima de tudo,
abandono dos nossos slogans e da crítica aos centristas
5.
Em artigo posterior, Trotsky descreveu a postura adotada por
Molinier e Frank como crime político. Ele os acusou de
esconderem o programa e submeterem aos trabalhadores falsos
passaportes. Isso é um crime! Ele insistiu que a
defesa de um programa revolucionário tinha prioridade sobre
a atividade prática unificada. Papel de massas?
Ação revolucionária? Comunas em todos os
lugares?... Muito bem, muito bem... Mas o programa em primeiro
lugar! 6.
Sem um partido revolucionário, o proletariado
francês está fadado à catástrofe,
prosseguiu ele. O partido do proletariado somente pode ser
internacional. A Segunda e a Terceira Internacional se tornaram
o maior obstáculo à revolução. É
necessário criar uma nova Internacional a Quarta.
Devemos proclamar isso abertamente. Eles são centristas
pequeno-burgueses que vacilam a cada passo antes de sofrer as
conseqüências de suas próprias idéias.
O trabalhador revolucionário pode ser paralisado por sua
ligação tradicional à Segunda ou Terceira
Internacional, mas, assim que ele compreender a verdade, passará
diretamente à bandeira da Quarta Internacional. É
por isso que devemos apresentar às massas um programa completo.
Através de fórmulas ambíguas só poderemos
servir Molinier, que, por sua vez, serve Pivert, que dá
cobertura a Leon Blum. Este último dispende todas as suas
energias apoiando o [fascista] de la Rocque...
Três décadas depois, Pierre Frank não havia
apreendido nada desse conflito com Trotsky. Na verdade, ele se
posicionou mais à direita em 1968 do que em 1935. Dessa
vez, ele não somente buscou a unidade com centristas como
Marceau Pivert, mas também com os anarquistas, os maoístas
e outras tendências anti-operárias. A reprovação
de Trotsky ao crime político de 1935 era ainda
mais justificável para 1968. Os pablistas constituíram
o obstáculo crucial que impediu os trabalhadores e a juventude
de voltarem-se ao marxismo revolucionário.
Eles transferiram, assim, às costas da classe trabalhadora,
a responsabilidade da traição cometida pelos stalinistas
e a de seu próprio fracasso. Cerca de 20 anos depois, Krivine
e Bensaid escreveram: Pode-se atribuir a fraqueza das forças
revolucionárias no início do movimento aos crimes
do stalinismo e da social-democracia. Mas, se não queremos
nos perder em idealismos insanos, então, na verdade, e
de forma distorcida, isso também é a expressão
de uma condição mais geral da própria classe
trabalhadora, de suas correntes combativas e de sua vanguarda
natural nas fábricas e sindicatos. Escrevem eles,
também, que havia contradições entre a dinâmica
da luta e a do Partido Comunista, porém, elas continuavam
em segundo plano... A massa de grevistas queria equilibrar o conflito
social e se livrar do jugo de um regime autoritário. Deste
ponto até uma revolução ainda havia um longo
caminho a ser percorrido.
Passados mais 20 anos, Krivine é ainda mais claro. Em
sua autobiografia, de 2006, ele escreveu: Certamente, na
direção da JCR nós não sabíamos
quão longe iria o movimento. Era uma revolta de tamanho
sem igual, mas não era uma revolução. Não
havia nem um programa nem organizações confiáveis
preparadas para tomar o poder 7.
Essa linha de argumentação é típica
do oportunismo pablista. Em sua polêmica com o POUM, Trotsky
certa vez descreveu-o como uma filosofia impotente que procura
resignar-se diante das derrotas, como um elo necessário
na cadeia da evolução cósmica, sendo completamente
incapaz de reconhecer - e se nega a fazê-lo - que fatores
concretos, tais como programas, partidos e personalidades, foram
os organizadores da derrota 8.
A LCR hoje
O Ministro do Interior francês, Raymond Marcellin, baniu
a JCR e sua organização sucessora, a Liga Comunista
(Ligue communiste) em não menos de duas ocasiões:
em 12 de junho de 1968, quando ele dissolveu um total de 12 organizações
de esquerda, e em 28 de junho de 1973, logo após violentos
confrontos com a polícia em um ato contra o fascismo, em
Paris. No entanto, após 1968, os elementos mais visionários
da elite governante estavam certos de que a LCR não representava
ameaça alguma à ordem burguesa e de que eles poderiam
contar com ela em tempos de crise.
Após a ressaca da maré revolucionária
de 1968, a LCR e as organizações com que ela trabalhava
tornaram-se um campo fértil de recrutamento para os partidos
estabelecidos, a mídia burguesa, as universidades e os
aparatos estatais. Antigos membros da LCR podem ser encontrados
em posições de liderança no Partido Socialista
(Henri Weber, Julien Dray, Gérard Filoche, etc.), ocupando
cadeiras de filósofos (Daniel Bensaid) e em conselhos editoriais
dos principais jornais burgueses.
Edwy Plenel, que ascendeu das fileiras da LCR a chefe do conselho
editorial do renomado diário Le Monde, escreve em
suas memórias: Eu não fui o único:
éramos certamente dezenas de milhares aqueles que,
após terem sido militantes da extrema esquerda (trotskista
ou não-trotskista) rejeitaram as lições
da militância e se voltaram de forma parcialmente crítica
às nossas ilusões daquele período, sem deixar
de manter certa lealdade ao nosso ódio original e sem esconder
nossas dívidas ao treinamento que recebemos 9.
O anarquista Daniel Cohn-Bendit tornou-se o mentor político
e amigo íntimo de Joschka Fischer, ministro do exterior
alemão de 1998 a 2005. Cohn-Bendit é atualmente
o líder do Partido Verde (PV) no Parlamento Europeu e pertence
à ala à direita daquele que hoje é um partido
completamente de direita.
Em 1990, o maoísta Alain Geismar tomou posse como chefe
da Inspection générale de ladministration
de léducation nationale et de la recherche (importante
órgão do Ministério de Educação
Nacional do Governo Francês) e prosseguiu preenchendo inúmeras
vagas de subsecretariado estatal em diversos ministérios
comandados pelo Partido Socialista. A fundação do
diário Libération também tinha suas
raízes no maoísmo. Ele foi criado originalmente
em 1973 como sendo uma publicação maoísta,
tendo como editor-chefe Jean-Paul Sartre.
O grande número de radicais de 68 que tiveram a chance
de subir de carreira na França não pode ser explicado
somente como sendo o retorno dos filhos pródigos.
É muito mais o resultado da perspectiva dos pablistas e
seus aliados, que, apesar de sua retórica radical, sempre
almejaram a políticas oportunistas compatíveis com
a ordem burguesa.
Diante da crise econômica e política que está,
hoje, muito mais grave do que aquela de 1968, os serviços
da LCR são mais necessários do que nunca. A globalização
da produção, a crise mundial financeira e o aumento
do preço do petróleo destruíram as bases
dos compromissos sociais na França, assim como em todos
os países. Nesse meio tempo, o PCF e a CGT são apenas
a sombra do que costumavam ser e somente 7% da força de
trabalho está organizada em sindicatos. O Partido Socialista,
fundado em resposta aos eventos de 1968, o mais importante pilar
de apoio da dominação burguesa nas últimas
três décadas, está destroçado por suas
divergências internas e rapidamente perdendo apoio. Conflitos
sociais estão a ponto de irromper e, nos últimos
12 anos, o país tem sido abalado por uma onda de greves
e manifestações após outra.
Sob tais circunstâncias, a elite governante precisa de
um novo sustentáculo de esquerda que seja capaz de desorientar
o crescente número de trabalhadores e jovens que perderam
a fé em uma solução reformista para a crise
social, impedindo-os de optar por uma alternativa revolucionária.
Para este papel, precisamente, está sendo criado o novo
Partido Anti-Capitalista, partido que a LCR planeja
fundar no fim do ano. Seu porta-voz, Olivier Besancenot (um apadrinhado
de Alain Krivine), foi recebido positivamente pela mídia
após a última eleição presidencial,
na qual obteve 1,5 milhões de votos.
Os paralelos entre a JCR de 1968 e o Partido Anti-Capitalista
da LCR de hoje são bem aparentes. A começar pela
glorificação de Che Guevara, reconhecido por Besancenot
como um importante modelo a ser seguido. Ele chegou a escrever
um livro sobre Che Guevara no ano passado. Outros paralelos incluem
a adaptação sem qualquer crítica a diversas
correntes radicais pequeno-burguesas. De acordo com Besancenot,
seu novo partido está aberto a ex-membros de partidos
políticos, ativistas do movimento sindical, feministas,
opositores do liberalismo, anarquistas, comunistas ou anti-neoliberais.
Além disso, ele rejeita explicitamente qualquer ligação
histórica com o trotskismo. Tal partido eclético
e sem princípios, sem qualquer programa claro, pode ser
facilmente manipulado e ajustado para servir aos interesses da
classe dominante.
As lições que podemos tirar de 1968 não
são de mero interesse histórico. Com a ajuda dos
stalinistas e dos pablistas, a classe dominante foi capaz de retomar
o controle e estabilizar sua dominação durante um
período de crise revolucionária naquela época.
A classe trabalhadora não permitirá ser enganada
pela segunda vez.
Notas: 1 Alain Krivine, Daniel Bensaid, Mai
si! 1968-1988: Rebelles et repentis Montreuil: 1988.
2 Pierre Frank, Mai 68 : première phase de la révolution
socialiste française.
3 Leon Trotsky, Frente Popular e Comitês de Ação,
em Aonde Vai a França?, 26 de Novembro de 1935.
4 Jeunesse Communiste Revolutionnaire, Travailleurs, Étudiants,
21 de maio de 1968. Versão em inglês pode ser lida
em: http://marxists.org/history/france/may-1968/workers-students.htm
5 Leon Trotsky, What is a 'Mass Paper'? in The Crisis of the French
section (1935-36), New York: 1977, pp. 98, 101.
6 Leon Trotsky, Against False Passports in Politics, ibid, pp.
115, 119.
7 Alain Krivine, Ça te passera avec l'âge, Flammarion:
2006, pp. 103-104.
8 Leon Trotsky, Classe - Partido - Direção, Agosto
de 1940.
9 Edwy Plenel, Secrets de jeunesse, Editions Stock: 2001, pp.
21-22.