Publicado no WSWS, em inglês, no dia 4 de setembro
de 2008.
Este é o quinto em uma série de artigos sobre
os eventos de maio/junho de 1968 na França. A parte
1, publicada em 28 de maio, aborda o desenvolvimento da revolta
estudantil e da greve geral até seu ápice ao final
de maio. A parte 2, publicada
em 29 de maio, examina como o Partido Comunista (PCF) e sua central
sindical associada, a CGT, permitiram que o Presidente Charles
de Gaulle retomasse o controle. As partes 3
e 4, publicadas em 5 e 7 de julho,
examinam o papel dos pablistas; as quatro partes finais examinarão
o papel da organização de Pierre Lambert, a Organization
Communiste Internationaliste (OCI).
A Organização Comunista Internacionalista (Organization
Communiste Internationaliste OCI) rompeu oficialmente com
o Comitê Internacional da Quarta Internacional (CIQI) em
1971, mas o trajeto político percorrido por ela em 1968
já muito se distanciava da perspectiva revolucionária
que havia defendido no começo da década de 1950,
ao lado de outras seções do CIQI, contra o revisionismo
pablista.
O programa assumido pela OCI em 1968 tinha muito mais em comum
com as tradições do centrismo e do sindicalismo
francês do que com o programa revolucionário da Quarta
Internacional. Junto aos apoiadores franceses do Secretariado
Unificado pablista, a Juventude Comunista Revolucionária
(Jeunesse Communiste Révolutionnaire JCR) liderada
por Alain Krivine e o Partido Comunista Internacionalista (Parti
Communiste Internationaliste PCI) encabeçado por
Pierre Frank, a OCI carrega um alto grau de responsabilidade pelo
fato da liderança stalinista do Partido Comunista Francês
(PCF) e a Confederação Geral do Trabalho (CGT) terem
sufocado a greve geral de maio e salvo o regime gaullista.
O principal eixo da linha política da OCI foi a reivindicação
de um comitê central de greve, que acompanhava um chamado
universal por unidade, ou, conforme a fórmula
apreciada pela OCI, uma frente única da classe dos
trabalhadores e suas organizações. Nos meses
cruciais de 1968, estes eram os principais slogans encontrados
em todas as declarações e apelos políticos
produzidos pela OCI e suas organizações associadas.
Na época, a OCI resumiu sua orientação
em um livro de 300 páginas, publicado um ano após
a greve geral. Ela concluiu: A estratégia e tática
do proletariado na luta pelo poder... consistiram na luta pela
frente única da classe trabalhadora e suas organizações,
luta que, em maio de 1968, tomou a forma específica da
reivindicação por um comitê nacional de greve
geral.
O autor desse livro, publicado como um número especial
do jornal da OCI, Information Ouvrières, é
François de Massot, um membro proeminente da organização
desde 1950. De Massot nos dá uma descrição
detalhada de desenvolvimentos diários e o livro fornece
material extenso sobre a intervenção da OCI, incluindo
reproduções de apelos políticos e panfletos.
O livro torna possível traçar com precisão
a rota política da organização. [1]
A frente única da classe
Leon Trotsky, quem fundou a Quarta Internacional numa luta
prolongada contra o centrismo, resumiu sua atitude diante da reivindicação
de frente única com as seguintes palavras: O centrista
defende a política da frente única na mesma medida
em que a esvazia de conteúdo revolucionário e a
transforma de um método tático em um dos mais altos
princípios. Em 1932, escreveu sobre o centrista Partido
Socialista dos Trabalhadores (SAP), da Alemanha: De qualquer
forma, a política de frente única não pode
servir como programa para um partido revolucionário. E,
no meio tempo, toda a atividade do SAP está sendo construída
sobre ela. [2]
Esta repreensão é igualmente aplicável
às atividades da OCI em 1968. Ela transformou a política
da frente única, um método tático, em seu
princípio programático fundamental. Em nome da frente
única, entendida como a unidade de todos os sindicatos,
ela contornou qualquer forma de iniciativa genuinamente revolucionária.
Este foi o significado da estranha fórmula de frente
única da classe trabalhadora e suas organizações,
que aparecia ritualisticamente em todos os apelos e declarações
da organização. Enquanto a OCI corretamente acusava
os pablistas e líderes estudantis pequeno-burgueses de
ignorar as organizações de massa existentes, adotava
também uma atitude fetichista em relação
a estas mesmas organizações e insistia que elas
constituíam a única estrutura para qualquer luta
assumida pelos trabalhadores.
No verão de 1967, um grande encontro organizado pela
OCI adotou uma resolução que afirmava: Nós
declaramos, solenemente, que não é nossa intenção
realizar, no lugar das organizações dos trabalhadores
e suas centrais, ações em unidade esta tarefa
incumbe naturalmente aos sindicatos.
De Massot cita a resolução em seu livro e prossegue
justificando-a com o argumento de que, seja qual for a política
de sua direção, o sindicato incorpora os interesses
da classe trabalhadora. Ele escreve: Os trabalhadores se
tornam uma classe através das organizações
que desenvolveram na luta contra a exploração, que
servem como os meios de uni-los contra o inimigo de classe. Em
função de sua posição objetiva na
luta isto é, independentemente da política
de suas direções num dado momento estas
organizações incorporam posições da
classe trabalhadora em sua luta constante contra a exploração.
A frente única dos trabalhadores pode ser realizada apenas
por meio das organizações de classe do proletariado
(ênfase adicionada).
A partir dessa avaliação, a OCI, em 1968, se
absteve de criticar o programa burguês-reformista dos sindicatos.
A única crítica que levantou contra as direções
dos sindicatos foi que estas impediam a unidade dos trabalhadores.
As iniciativas políticas próprias da OCI eram limitadas
a pedir a cooperação em todos os níveis entre
os diferentes sindicatos. Essa era a essência básica
de sua reivindicação por um comitê central
de greve, como veremos adiante.
Em seus panfletos e apelos amplamente distribuídos,
a OCI também deixou de fazer qualquer crítica aberta
aos partidos stalinistas e social-democratas. Enquanto o papel
contra-revolucionário do stalinismo e da social-democracia
era abordado em artigos teóricos e análises voltadas
a um pequeno círculo de leitores, nos seus panfletos para
as massas a OCI meramente pedia que os líderes dos sindicatos
reformistas e stalinistas se unissem.
A interpretação da OCI de uma frente única
não tinha nada em comum com a tática desenvolvida
pelo movimento marxista. Em 1922, Leon Trotsky explicou a necessidade
da frente única, falando da necessidade urgente de
garantir, para a classe trabalhadora, a possibilidade de uma frente
única em sua luta contra o capitalismo, apesar de sua inevitável
divisão, em um dado período, nas organizações
políticas que se debruçam sobre a classe trabalhadora.
[3]
Um ano antes, o Terceiro Congresso da Internacional Comunista
havia insistido que o Partido Comunista Alemão (KPD) assumisse
a política da frente única. O Comintern tirou as
lições do chamado Movimento de Março,
um levante liderado pelo KPD que permaneceu isolado e foi sufocado.
Ele concluiu dessa derrota que o KPD precisava conquistar o respeito
das massas antes que pudesse conquistar o poder. Combinou a política
da frente única diretamente com a exigência de um
governo dos trabalhadores, a intervenção dentro
dos sindicatos reformistas e um número de reivindicações
transitórias, já que, como Trotsky argumentou, a
massa continua a viver sua vida diária em uma época
revolucionária, mesmo que de maneira diferente [4].
Dez anos depois, Trotsky novamente chamou a adoção
da tática da frente única na Alemanha. A questão,
agora, era impedir a ascensão de Hitler ao poder. Trotsky
insistiu que comunistas e social-democratas formassem uma frente
única contra a ameaça do nacional-socialismo (nazismo).
As direções de ambos os partidos rejeitaram duramente
tal linha de ação. A recusa dos líderes stalinistas
do KPD em cooperar com o Partido Social Democrata (SPD), os quais
chamaram de social-fascistas, dividiu e paralisou
a classe trabalhadora, tornando possível a vitória
de Hitler.
Em ambos os casos o início da década de
1920 e o início da década de 1930 a frente
única foi colocada como uma tática e não
como substituta de uma estratégia revolucionária.
Limitava-se a uma cooperação em questões
práticas e não significava que o KPD obscureceria
seu próprio programa ou se omitiria de fazer a crítica
ao SPD.
Trotsky nunca se rendeu à ilusão de que os líderes
social-democratas se transformassem em revolucionários
a partir de uma frente única. Pelo contrário, a
frente única tinha o objetivo de quebrar a influência
que os líderes da social-democracia tinham sobre as massas.
Na medida em que os comunistas conseguissem demonstrar, aos
trabalhadores social-democratas dispostos a defender seus interesses
cotidianos incondicionalmente, a necessidade de formar um bloco
com o SPD em oposição aos fascistas, isto somente
serviria para enfraquecer a direção do SPD, que
preferia colaborar com o Estado burguês. Os membros do SPD
poderiam, então, com base em sua própria experiência,
julgar o valor de sua organização e sua direção.
Sob nenhuma circunstância a frente única significava
a renúncia de uma política revolucionária
independente. Trotsky ressaltou, em 1932: Caso os reformistas
comecem a frear a luta, em detrimento evidente do movimento e
em contraposição à situação
e estado de espírito das massas, nós, como uma organização
independente, sempre reservamos o direito de liderar a luta até
sua conclusão, sem os nossos semi-aliados temporários.
[5]
Sindicalismo em vez de marxismo
A OCI transformou a política da frente única
de tática revolucionária em justificação
oportunista para sua própria subordinação
aos sindicatos. Ela insistiu que a luta conduzida por trabalhadores
e estudantes deveria ser limitada pelas estruturas dessas organizações
e separou-se de qualquer iniciativa política que pudesse
intensificar o conflito entre os trabalhadores e o aparato sindical.
De fato, apenas uma minoria de trabalhadores estava organizada
em sindicatos. Na época, menos de 30 por cento da força
de trabalho era sindicalizada. (Hoje, o número caiu para
7 por cento.) Dois terços de todos os trabalhadores e a
imensa maioria da juventude não estava organizada e tinha
uma legítima desconfiança quanto aos sindicatos.
A OCI foi incapaz de oferecer uma perspectiva para essas camadas
e apenas as dirigia aos sindicatos.
Os estudantes eram direcionados à federação
estudantil, UNEF, na época dominada pelo social-democrata
Partido Socialista Unificado (Parti Socialiste Unifié
PSU), liderado por Michel Rocard. De Massot escreve: Para
organizar a resistência, os estudantes tinham um sindicato
próprio, a União Nacional dos Estudantes da
França (Union National des Étudiants de France)...
Com o início da luta real, a UNEF recuperou sua completa
significação, apesar da hesitação
e fraqueza de sua direção. Com uma intervenção
responsável no papel de organização sindical
estudantil, a UNEF tornou a luta contra a repressão uma
questão para as massas de estudantes e confrontou as organizações
dos trabalhadores com suas responsabilidades próprias.
Foi o meio para a mobilização dos estudantes e simultaneamente
tornou possível uma luta genuína pela frente única
(ênfase no original).
Num ataque voltado aos pablistas, de Massot escreve: Quem
rejeita a luta pela frente única dos trabalhadores e suas
organizações, em favor de uma assim chamada frente
única a partir de baixo, e simplesmente ignora as organizações
estabelecidas pela classe trabalhadora ao longo de um século
e meio de luta e sacrifício as organizações
pelas quais ela se constituiu como classe, consciente de si e
de sua luta contra o capital, nas fileiras das quais ela necessariamente
se unifica para liderar esta luta ; quem confunde as organizações
de massas com suas lideranças burocráticas; quem
grita traição da CGT e simplesmente
varre, com uma passada da mão, os sindicatos e partidos
políticos para fora do mapa da luta de classes, foge luta
contra as burocracias e o estado capitalista.
Essa glorificação dos sindicatos como organizações
onde a classe trabalhadora se constituiu como uma classe,
consciente de si e de sua luta contra o capital nada tem
a ver com a tradição do marxismo, mas tem, realmente,
com da tradição do sindicalismo, que possui uma
longa e notável história na França. O movimento
marxista sempre manteve uma postura crítica quanto aos
sindicatos. Já no início do século vinte,
Lênin ressaltou que a consciência nos sindicatos era
a consciência burguesa, e que em períodos de extrema
tensão social (como 1914 até 1918 na Alemanha) os
sindicatos invariavelmente ficavam na extrema direita do movimento
dos trabalhadores. [6]
Os sindicalistas franceses insistiram no princípio da
não-interferência de partidos políticos no
trabalho sindical. Em 1906, a CGT incorporou o princípio
da independência total dos sindicatos em relação
a todos os partidos políticos em sua Charter de Amiens.
Enquanto essa independência estivesse direcionada contra
o crescente conservadorismo e idiotismo parlamentar da social-democracia,
o sindicalismo francês possuiria certo grau de vitalidade
revolucionária. Apesar de negar o papel do partido, era
essencialmente nada mais que um partido anti-parlamentar da classe
trabalhadora, como observou Trotsky. [7]
No entanto, este deixava de ser o caso quando o princípio
da independência política dos sindicatos era direcionado
contra a influência do partido revolucionário. Em
1921, Trotsky, então líder da Internacional Comunista,
escreveu: A teoria de que há uma completa e incondicional
divisão de trabalho entre partido e sindicatos e de que
eles precisam praticar uma absoluta e mútua não-intervenção
é precisamente o produto do desenvolvimento político
francês. É a mais aguda expressão desse desenvolvimento.
Essa teoria é baseada em um inalterado oportunismo.
Enquanto a burocracia trabalhista, organizada nos sindicatos,
realiza acordos salariais, enquanto o Partido Socialista defende
reformas no parlamento, a divisão de trabalho e a não-intervenção
mútua permanecem mais ou menos possíveis. Mas, em
breve, as verdadeiras massas proletárias serão atraídas
para a luta e não demorará para que o movimento
assuma um caráter genuinamente revolucionário. Então,
o princípio da não-intervenção degenerará
num escolástico reacionarismo.
A classe trabalhadora pode conquistar a vitória
somente se for encabeçada por uma organização
que represente sua experiência histórica viva, que
é capaz de generalizar teoricamente e direcionar na prática
a totalidade da luta. Por conta do próprio significado
de sua tarefa histórica, o partido pode incluir apenas
a mais consciente e ativa minoria da classe trabalhadora. Os sindicatos,
por outro lado, procuram abarcar a classe trabalhadora como um
todo. Aqueles que reconhecem que o proletariado urgentemente necessita
da liderança ideológica e política de sua
vanguarda, unida ao Partido Comunista, por conseguinte reconhece
que o partido precisa tornar-se a força de liderança
também dentro dos sindicatos, isto é, dentro das
organizações de massa da classe trabalhadora.
[8]
Essa tradição de sindicalismo havia exercido
considerável influência na OCI por longo tempo. Se
observarmos a organização de Pierre Lambert, sua
relação com os sindicatos tem sido baseada, por
um longo período, em sindicalistas, e não em princípios
marxistas.
Num trabalho autobiográfico escrito ao final de sua
vida, Lambert afirma, orgulhosamente, que restabeleceu a Charter
de Amiens dentro de sua própria organização
em 1947. Baseado nas experiências do trabalho sindical ilegal
durante a guerra, dentro da CGT dominada pelo stalinismo, propôs
uma emenda no congresso da organização trotskista
francesa que foi aceita por unanimidade e substituiu os
pontos 9 e 10 das 21 condições para aceitação
da independência mútua de partidos e sindicatos
[9].
As 21 condições eram condições
de filiação determinadas pelo Segundo Congresso
Mundial da Internacional Comunista em 1920, estabelecidas para
excluir as organizações reformistas e centristas.
O ponto 9 obrigava partidos membros a desenvolver, sistemática
e persistentemente, atividades comunistas dentro dos sindicatos
e a expor em toda parte a traição dos social-patriotas
e as vacilações dos centristas.
O ponto 10 exigia a ruptura com a Internacional
de Amsterdã, das organizações sindicais amarelas
e o apoio aos sindicatos membros da Internacional Comunista.
A substituição desses dois pontos pela aceitação
da independência mútua de partidos e sindicatos
significava o abandono da luta política contra o reformismo
e a burocracia sindical stalinista.
O esconde-esconde político
Enquanto a OCI acriticamente glorificava os sindicatos, seguia
adiante com um jogo de esconde-esconde político em relação
à sua verdadeira identidade, que, de modo geral, era mantida
em segredo. Apenas raramente falava em seu próprio nome,
preferindo se esconder por trás de organizações
de fachada como os Comités dalliance ouvrière
(Comitês de aliança dos trabalhadores), cuja identidade
política exata permanecia no escuro. Mesmo de Massot raramente
fala da OCI referindo-se a seu nome real. Em geral, ele menciona
a vanguarda revolucionária, deixando em aberto
se fala da OCI, de uma de suas organizações de fachada
ou simplesmente de um grupo de sindicalistas ativos.
Conforme o conflito com o regime gaullista aproximou-se de
seu ponto alto em 29 de maio e o papel reacionário dos
sindicatos ficou evidente, um panfleto amplamente distribuído,
produzido pelos Comités dalliance ouvrière,
não chamou a construção da OCI ou da Quarta
Internacional, mas a criação de uma fictícia
Liga Revolucionária dos Trabalhadores.
Essa Liga Revolucionária dos Trabalhadores
era uma idéia absurda. Ninguém havia ouvido falar
dela antes. Não possuía membros, nem um programa,
nem uma constituição. Não existia como uma
entidade física. A única menção desta
organização vem ao final de um manifesto de 40 páginas,
escrito pela OCI em dezembro de 1967.
No manifesto, a Liga Revolucionária dos Trabalhadores
é descrita como um estágio no caminho da construção
de um partido revolucionário. De acordo com esse
manifesto, a perspectiva da Liga Revolucionária dos
Trabalhadores parte da noção de que apenas
o programa da OCI pode fornecer uma resposta à crise
histórica da humanidade, mas os quadros organizadores da
classe trabalhadora francesa ainda não estão prontos
para juntar-se à OCI. [10]
Esse gênero de camuflagem política é recorrente
em toda a história da OCI e suas organizações
sucessoras. Lembra-nos uma boneca Matryoshka. Da mesma forma que
uma boneca russa se esconde dentro da outra, a OCI procura ocultar
sua identidade por trás de uma sucessão de organizações
de fachada ou camuflagem. O observador político nunca sabe
realmente com quem ou com o que está lidando.
Esse jogo de esconde-esconde político é uma forma
específica de oportunismo. A OCI se eximiu do princípio
revolucionário: Dizer a verdade! Recusou-se
a mostrar aos trabalhadores sua verdadeira face. Enquanto invocava
a Quarta Internacional em pequenos círculos, apresentava
às massas um programa pálido, assumindo que isso
era tudo o que estavam prontas a aceitar.
Podem existir, é claro, circunstâncias onde um
partido revolucionário deixe de apresentar abertamente
seu programa isto é, sob um regime ditatorial ou
dentro de um sindicato reacionário. Mas, para a OCI, a
tarefa não era enganar o aparato estatal ou a burocracia
sindical, bastante cientes da identidade do partido. A OCI enganava
trabalhadores e jovens que entravam na vida política com
a intenção de encontrar uma nova orientação.
Em particular, a OCI primava por evitar qualquer embaraço
que afetasse as fileiras mais baixas da burocracia sindical, cujo
suporte buscava intensivamente. Escondendo sua própria
identidade, criava condições onde sindicalistas
podiam ter uma relação com a OCI sem arriscar um
conflito aberto com a alta esfera anti-trotskista da burocracia.
A OCI descrevia esses sindicalistas de base dos sindicatos
como quadros organizadores da classe trabalhadora
ou organizadores naturais da classe dois termos
que aparecem repetidamente em seus escritos. A OCI tinha clareza
que essa camada da burocracia era de crucial importância
para o aparato sindical como um todo, no sentido de manter o controle
sobre o conjunto dos membros. Argumentava que o conflito entre
os níveis superior e inferior da burocracia entre
aparato e quadros impulsionaria
estes quadros numa direção revolucionária.
Uma declaração produzida pelo partido no começo
de 1968, no La verité, explica que os quadros
são tanto os mediadores, através dos quais
o aparato e acima de tudo o aparato stalinista assegura
seu controle sobre a classe, quanto a camada militante que possibilita
ao proletariado seu desenvolvimento e organização
como uma classe. Na mesma declaração, esses
quadros organizadores são quantificados como algo
entre 10 mil e 15 mil ativistas que em larga
medida são controlados e organizados pelo Partido Comunista
[11].
A OCI definiu como sua a tarefa de empurrar para a maturidade
e ruptura a contradição objetiva que traz a orientação
pró-burguesia do aparato em conflito com esses ativistas
e quadros organizadores, que são compelidos, pela necessidade,
a oferecer resistência e lutar ao lado de sua classe.
As passagens acima citadas estão ligadas a ataques ferozes
ao pablismo. Mas, na realidade, a atitude adotada pela OCI em
1968 em relação aos sindicatos e aos stalinistas
era virtualmente idêntica àquela dos pablistas em
1953.
Pablo concluíra, na época, que uma nova ofensiva
revolucionária não se desenvolveria na forma de
um movimento independente da classe trabalhadora sob a bandeira
da Quarta Internacional, mas tomaria o contorno de uma guinada
para a esquerda das seções do aparato stalinista,
pressionadas pelos eventos objetivos. De maneira similar, a OCI
prognosticou um desenvolvimento revolucionário emergente
de diferenciação interna dentro das organizações
e o amadurecimento da atual contradição entre o
aparato e os quadros organizacionais da classe [12].
Apesar de existirem, em 1968, profundas divisões e tensões
dentro dos sindicatos e do Partido Comunista, um movimento revolucionário
poderia ter se desenvolvido apenas numa luta aberta e numa ruptura
política contra o stalinismo. Mas, a OCI evitou esta tarefa
pela elevação da tática de frente única
ao estatuto de estratégia e pelo ocultamento de sua identidade.
Existem, inclusive, muitas passagens no livro escrito por de
Massot indicando que os próprios stalinistas poderiam assumir
uma direção revolucionária. O autor elogia,
por exemplo, um apelo feito por uma organização
da juventude stalinista em 13 de maio, por ela não ter
atacado a esquerda radical e ter chamado a unidade
de estudantes universitários, estudantes secundaristas
e jovens trabalhadores, e ter advogado um governo dos trabalhadores.
De Massot comenta: O aparato não apenas se vê
forçado a seguir o movimento. Para manter o controle e
retomar a iniciativa na classe trabalhadora, ele precisa, também,
de certa forma e dentro de certos limites, precedê-lo: tomar
a liderança... Prosseguindo dessa maneira, o aparato reúne
os ativistas ao seu redor, que radicalizam a classe trabalhadora
como um todo [13].
Continua
Notas:
1. François de Massot, La grève générale
(Mai-Juin 1968), Supplément au numéro 437
d Informations Ouvrières. As notas seguintes
sobre o texto de de Massot referem-se, também, a esse livro.
2. Leon Trotsky, Two Articles On Centrism (February/March
1934), Leon Trotsky, What Next? Vital Questions for the
German Proletariat (January 1932).
3. Leon Trotsky, What Next? Vital Questions for the German
Proletariat (January 1932).
4. Leon Trotsky, The Third International After Lenin.
5. Leon Trotsky, What Next? Vital Questions for the German
Proletariat (January 1932).
6. Para a atitude dos Marxistas nos sindicatos, veja: David North,
Marxism and the Trade Unions.
7. Leon Trotsky, A School of Revolutionary Strategy.
8. Leon Trotsky, A School of Revolutionary Strategy.
9. Daniel Gluckstein, Pierre Lambert, Itinéraires,
Éditions du Rocher 2002, p. 51
10. La vérité, no. 541, avril-mai 1968
11. Le bonapartisme gaulliste et les tâches de lavant-garde,
La vérité No. 540, février-mars 1968,
pp. 13-14
12. Le bonapartisme gaulliste et les tâches de lavant-garde,
La vérité No. 540, février-mars 1968,
p. 15
13. François de Massot, « La grève générale
(Mai-Juin 1968), p. 58