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1968: A greve geral e a revolta estudantil na França

Parte 5 - A linha centrista da OCI (1)

Por Peter Schwarz
16 de outubro de 2008

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Publicado no WSWS, em inglês, no dia 4 de setembro de 2008.

Este é o quinto em uma série de artigos sobre os eventos de maio/junho de 1968 na França. A parte 1, publicada em 28 de maio, aborda o desenvolvimento da revolta estudantil e da greve geral até seu ápice ao final de maio. A parte 2, publicada em 29 de maio, examina como o Partido Comunista (PCF) e sua central sindical associada, a CGT, permitiram que o Presidente Charles de Gaulle retomasse o controle. As partes 3 e 4, publicadas em 5 e 7 de julho, examinam o papel dos pablistas; as quatro partes finais examinarão o papel da organização de Pierre Lambert, a Organization Communiste Internationaliste (OCI).

A Organização Comunista Internacionalista (Organization Communiste Internationaliste — OCI) rompeu oficialmente com o Comitê Internacional da Quarta Internacional (CIQI) em 1971, mas o trajeto político percorrido por ela em 1968 já muito se distanciava da perspectiva revolucionária que havia defendido no começo da década de 1950, ao lado de outras seções do CIQI, contra o revisionismo pablista.

O programa assumido pela OCI em 1968 tinha muito mais em comum com as tradições do centrismo e do sindicalismo francês do que com o programa revolucionário da Quarta Internacional. Junto aos apoiadores franceses do Secretariado Unificado pablista, a Juventude Comunista Revolucionária (Jeunesse Communiste Révolutionnaire — JCR) liderada por Alain Krivine e o Partido Comunista Internacionalista (Parti Communiste Internationaliste — PCI) encabeçado por Pierre Frank, a OCI carrega um alto grau de responsabilidade pelo fato da liderança stalinista do Partido Comunista Francês (PCF) e a Confederação Geral do Trabalho (CGT) terem sufocado a greve geral de maio e salvo o regime gaullista.

O principal eixo da linha política da OCI foi a reivindicação de um comitê central de greve, que acompanhava um chamado universal por “unidade”, ou, conforme a fórmula apreciada pela OCI, uma “frente única da classe dos trabalhadores e suas organizações”. Nos meses cruciais de 1968, estes eram os principais slogans encontrados em todas as declarações e apelos políticos produzidos pela OCI e suas organizações associadas.

Na época, a OCI resumiu sua orientação em um livro de 300 páginas, publicado um ano após a greve geral. Ela concluiu: “A estratégia e tática do proletariado na luta pelo poder... consistiram na luta pela frente única da classe trabalhadora e suas organizações, luta que, em maio de 1968, tomou a forma específica da reivindicação por um comitê nacional de greve geral.”

O autor desse livro, publicado como um número especial do jornal da OCI, Information Ouvrières, é François de Massot, um membro proeminente da organização desde 1950. De Massot nos dá uma descrição detalhada de desenvolvimentos diários e o livro fornece material extenso sobre a intervenção da OCI, incluindo reproduções de apelos políticos e panfletos. O livro torna possível traçar com precisão a rota política da organização. [1]

A “frente única da classe”

Leon Trotsky, quem fundou a Quarta Internacional numa luta prolongada contra o centrismo, resumiu sua atitude diante da reivindicação de frente única com as seguintes palavras: “O centrista defende a política da frente única na mesma medida em que a esvazia de conteúdo revolucionário e a transforma de um método tático em um dos mais altos princípios”. Em 1932, escreveu sobre o centrista Partido Socialista dos Trabalhadores (SAP), da Alemanha: “De qualquer forma, a política de frente única não pode servir como programa para um partido revolucionário. E, no meio tempo, toda a atividade do SAP está sendo construída sobre ela.” [2]

Esta repreensão é igualmente aplicável às atividades da OCI em 1968. Ela transformou a política da frente única, um método tático, em seu princípio programático fundamental. Em nome da frente única, entendida como a unidade de todos os sindicatos, ela contornou qualquer forma de iniciativa genuinamente revolucionária.

Este foi o significado da estranha fórmula de “frente única da classe trabalhadora e suas organizações”, que aparecia ritualisticamente em todos os apelos e declarações da organização. Enquanto a OCI corretamente acusava os pablistas e líderes estudantis pequeno-burgueses de ignorar as organizações de massa existentes, adotava também uma atitude fetichista em relação a estas mesmas organizações e insistia que elas constituíam a única estrutura para qualquer luta assumida pelos trabalhadores.

No verão de 1967, um grande encontro organizado pela OCI adotou uma resolução que afirmava: “Nós declaramos, solenemente, que não é nossa intenção realizar, no lugar das organizações dos trabalhadores e suas centrais, ações em unidade — esta tarefa incumbe naturalmente aos sindicatos”.

De Massot cita a resolução em seu livro e prossegue justificando-a com o argumento de que, seja qual for a política de sua direção, o sindicato incorpora os interesses da classe trabalhadora. Ele escreve: “Os trabalhadores se tornam uma classe através das organizações que desenvolveram na luta contra a exploração, que servem como os meios de uni-los contra o inimigo de classe. Em função de sua posição objetiva na luta — isto é, independentemente da política de suas direções num dado momento — estas organizações incorporam posições da classe trabalhadora em sua luta constante contra a exploração. A frente única dos trabalhadores pode ser realizada apenas por meio das organizações de classe do proletariado” (ênfase adicionada).

A partir dessa avaliação, a OCI, em 1968, se absteve de criticar o programa burguês-reformista dos sindicatos. A única crítica que levantou contra as direções dos sindicatos foi que estas impediam a unidade dos trabalhadores. As iniciativas políticas próprias da OCI eram limitadas a pedir a cooperação em todos os níveis entre os diferentes sindicatos. Essa era a essência básica de sua reivindicação por um comitê central de greve, como veremos adiante.

Em seus panfletos e apelos amplamente distribuídos, a OCI também deixou de fazer qualquer crítica aberta aos partidos stalinistas e social-democratas. Enquanto o papel contra-revolucionário do stalinismo e da social-democracia era abordado em artigos teóricos e análises voltadas a um pequeno círculo de leitores, nos seus panfletos para as massas a OCI meramente pedia que os líderes dos sindicatos reformistas e stalinistas se unissem.

A interpretação da OCI de uma frente única não tinha nada em comum com a tática desenvolvida pelo movimento marxista. Em 1922, Leon Trotsky explicou a necessidade da frente única, falando da “necessidade urgente de garantir, para a classe trabalhadora, a possibilidade de uma frente única em sua luta contra o capitalismo, apesar de sua inevitável divisão, em um dado período, nas organizações políticas que se debruçam sobre a classe trabalhadora.” [3]

Um ano antes, o Terceiro Congresso da Internacional Comunista havia insistido que o Partido Comunista Alemão (KPD) assumisse a política da frente única. O Comintern tirou as lições do chamado “Movimento de Março”, um levante liderado pelo KPD que permaneceu isolado e foi sufocado. Ele concluiu dessa derrota que o KPD precisava conquistar o respeito das massas antes que pudesse conquistar o poder. Combinou a política da frente única diretamente com a exigência de um governo dos trabalhadores, a intervenção dentro dos sindicatos reformistas e um número de reivindicações transitórias, já que, como Trotsky argumentou, “a massa continua a viver sua vida diária em uma época revolucionária, mesmo que de maneira diferente” [4].

Dez anos depois, Trotsky novamente chamou a adoção da tática da frente única na Alemanha. A questão, agora, era impedir a ascensão de Hitler ao poder. Trotsky insistiu que comunistas e social-democratas formassem uma frente única contra a ameaça do nacional-socialismo (nazismo). As direções de ambos os partidos rejeitaram duramente tal linha de ação. A recusa dos líderes stalinistas do KPD em cooperar com o Partido Social Democrata (SPD), os quais chamaram de “social-fascistas”, dividiu e paralisou a classe trabalhadora, tornando possível a vitória de Hitler.

Em ambos os casos — o início da década de 1920 e o início da década de 1930 — a frente única foi colocada como uma tática e não como substituta de uma estratégia revolucionária. Limitava-se a uma cooperação em questões práticas e não significava que o KPD obscureceria seu próprio programa ou se omitiria de fazer a crítica ao SPD.

Trotsky nunca se rendeu à ilusão de que os líderes social-democratas se transformassem em revolucionários a partir de uma frente única. Pelo contrário, a frente única tinha o objetivo de quebrar a influência que os líderes da social-democracia tinham sobre as massas.

Na medida em que os comunistas conseguissem demonstrar, aos trabalhadores social-democratas dispostos a defender seus interesses cotidianos incondicionalmente, a necessidade de formar um bloco com o SPD em oposição aos fascistas, isto somente serviria para enfraquecer a direção do SPD, que preferia colaborar com o Estado burguês. Os membros do SPD poderiam, então, com base em sua própria experiência, julgar o valor de sua organização e sua direção.

Sob nenhuma circunstância a frente única significava a renúncia de uma política revolucionária independente. Trotsky ressaltou, em 1932: “Caso os reformistas comecem a frear a luta, em detrimento evidente do movimento e em contraposição à situação e estado de espírito das massas, nós, como uma organização independente, sempre reservamos o direito de liderar a luta até sua conclusão, sem os nossos semi-aliados temporários.” [5]

Sindicalismo em vez de marxismo

A OCI transformou a política da frente única de tática revolucionária em justificação oportunista para sua própria subordinação aos sindicatos. Ela insistiu que a luta conduzida por trabalhadores e estudantes deveria ser limitada pelas estruturas dessas organizações e separou-se de qualquer iniciativa política que pudesse intensificar o conflito entre os trabalhadores e o aparato sindical.

De fato, apenas uma minoria de trabalhadores estava organizada em sindicatos. Na época, menos de 30 por cento da força de trabalho era sindicalizada. (Hoje, o número caiu para 7 por cento.) Dois terços de todos os trabalhadores e a imensa maioria da juventude não estava organizada e tinha uma legítima desconfiança quanto aos sindicatos. A OCI foi incapaz de oferecer uma perspectiva para essas camadas e apenas as dirigia aos sindicatos.

Os estudantes eram direcionados à federação estudantil, UNEF, na época dominada pelo social-democrata Partido Socialista Unificado (Parti Socialiste Unifié — PSU), liderado por Michel Rocard. De Massot escreve: “Para organizar a resistência, os estudantes tinham um sindicato próprio, a União Nacional dos Estudantes da França (Union National des Étudiants de France)... Com o início da luta real, a UNEF recuperou sua completa significação, apesar da hesitação e fraqueza de sua direção. Com uma intervenção responsável no papel de organização sindical estudantil, a UNEF tornou a luta contra a repressão uma questão para as massas de estudantes e confrontou as organizações dos trabalhadores com suas responsabilidades próprias. Foi o meio para a mobilização dos estudantes e simultaneamente tornou possível uma luta genuína pela frente única” (ênfase no original).

Num ataque voltado aos pablistas, de Massot escreve: “Quem rejeita a luta pela frente única dos trabalhadores e suas organizações, em favor de uma assim chamada frente única a partir de baixo, e simplesmente ignora as organizações estabelecidas pela classe trabalhadora ao longo de um século e meio de luta e sacrifício — as organizações pelas quais ela se constituiu como classe, consciente de si e de sua luta contra o capital, nas fileiras das quais ela necessariamente se unifica para liderar esta luta —; quem confunde as organizações de massas com suas lideranças burocráticas; quem grita ‘traição da CGT’ e simplesmente varre, com uma passada da mão, os sindicatos e partidos políticos para fora do mapa da luta de classes, foge luta contra as burocracias e o estado capitalista”.

Essa glorificação dos sindicatos como organizações onde a classe trabalhadora “se constituiu como uma classe, consciente de si e de sua luta contra o capital” nada tem a ver com a tradição do marxismo, mas tem, realmente, com da tradição do sindicalismo, que possui uma longa e notável história na França. O movimento marxista sempre manteve uma postura crítica quanto aos sindicatos. Já no início do século vinte, Lênin ressaltou que a consciência nos sindicatos era a consciência burguesa, e que em períodos de extrema tensão social (como 1914 até 1918 na Alemanha) os sindicatos invariavelmente ficavam na extrema direita do movimento dos trabalhadores. [6]

Os sindicalistas franceses insistiram no princípio da não-interferência de partidos políticos no trabalho sindical. Em 1906, a CGT incorporou o princípio da independência total dos sindicatos em relação a todos os partidos políticos em sua Charter de Amiens. Enquanto essa independência estivesse direcionada contra o crescente conservadorismo e idiotismo parlamentar da social-democracia, o sindicalismo francês possuiria certo grau de vitalidade revolucionária. Apesar de negar o papel do partido, “era essencialmente nada mais que um partido anti-parlamentar da classe trabalhadora”, como observou Trotsky. [7]

No entanto, este deixava de ser o caso quando o princípio da independência política dos sindicatos era direcionado contra a influência do partido revolucionário. Em 1921, Trotsky, então líder da Internacional Comunista, escreveu: “A teoria de que há uma completa e incondicional divisão de trabalho entre partido e sindicatos e de que eles precisam praticar uma absoluta e mútua não-intervenção é precisamente o produto do desenvolvimento político francês. É a mais aguda expressão desse desenvolvimento. Essa teoria é baseada em um inalterado oportunismo.

“Enquanto a burocracia trabalhista, organizada nos sindicatos, realiza acordos salariais, enquanto o Partido Socialista defende reformas no parlamento, a divisão de trabalho e a não-intervenção mútua permanecem mais ou menos possíveis. Mas, em breve, as verdadeiras massas proletárias serão atraídas para a luta e não demorará para que o movimento assuma um caráter genuinamente revolucionário. Então, o princípio da não-intervenção degenerará num escolástico reacionarismo.

“A classe trabalhadora pode conquistar a vitória somente se for encabeçada por uma organização que represente sua experiência histórica viva, que é capaz de generalizar teoricamente e direcionar na prática a totalidade da luta. Por conta do próprio significado de sua tarefa histórica, o partido pode incluir apenas a mais consciente e ativa minoria da classe trabalhadora. Os sindicatos, por outro lado, procuram abarcar a classe trabalhadora como um todo. Aqueles que reconhecem que o proletariado urgentemente necessita da liderança ideológica e política de sua vanguarda, unida ao Partido Comunista, por conseguinte reconhece que o partido precisa tornar-se a força de liderança também dentro dos sindicatos, isto é, dentro das organizações de massa da classe trabalhadora.” [8]

Essa tradição de sindicalismo havia exercido considerável influência na OCI por longo tempo. Se observarmos a organização de Pierre Lambert, sua relação com os sindicatos tem sido baseada, por um longo período, em sindicalistas, e não em princípios marxistas.

Num trabalho autobiográfico escrito ao final de sua vida, Lambert afirma, orgulhosamente, que restabeleceu a Charter de Amiens dentro de sua própria organização em 1947. Baseado nas experiências do trabalho sindical ilegal durante a guerra, dentro da CGT dominada pelo stalinismo, propôs uma emenda no congresso da organização trotskista francesa “que foi aceita por unanimidade e substituiu os pontos 9 e 10 das 21 condições para aceitação da independência mútua de partidos e sindicatos” [9].

As “21 condições” eram condições de filiação determinadas pelo Segundo Congresso Mundial da Internacional Comunista em 1920, estabelecidas para excluir as organizações reformistas e centristas. O ponto 9 obrigava partidos membros a “desenvolver, sistemática e persistentemente, atividades comunistas dentro dos sindicatos” e a “expor em toda parte a traição dos social-patriotas e as vacilações dos ‘centristas’”. O ponto 10 exigia a ruptura com “a ‘Internacional’ de Amsterdã, das organizações sindicais amarelas” e o apoio aos sindicatos membros da Internacional Comunista.

A substituição desses dois pontos pela “aceitação da independência mútua de partidos e sindicatos” significava o abandono da luta política contra o reformismo e a burocracia sindical stalinista.

O esconde-esconde político

Enquanto a OCI acriticamente glorificava os sindicatos, seguia adiante com um jogo de esconde-esconde político em relação à sua verdadeira identidade, que, de modo geral, era mantida em segredo. Apenas raramente falava em seu próprio nome, preferindo se esconder por trás de organizações de fachada como os Comités d’alliance ouvrière (Comitês de aliança dos trabalhadores), cuja identidade política exata permanecia no escuro. Mesmo de Massot raramente fala da OCI referindo-se a seu nome real. Em geral, ele menciona a “vanguarda revolucionária”, deixando em aberto se fala da OCI, de uma de suas organizações de fachada ou simplesmente de um grupo de sindicalistas ativos.

Conforme o conflito com o regime gaullista aproximou-se de seu ponto alto em 29 de maio e o papel reacionário dos sindicatos ficou evidente, um panfleto amplamente distribuído, produzido pelos Comités d’alliance ouvrière, não chamou a construção da OCI ou da Quarta Internacional, mas a criação de uma fictícia “Liga Revolucionária dos Trabalhadores”.

Essa “Liga Revolucionária dos Trabalhadores” era uma idéia absurda. Ninguém havia ouvido falar dela antes. Não possuía membros, nem um programa, nem uma constituição. Não existia como uma entidade física. A única menção desta organização vem ao final de um manifesto de 40 páginas, escrito pela OCI em dezembro de 1967.

No manifesto, a “Liga Revolucionária dos Trabalhadores” é descrita como um “estágio no caminho da construção de um partido revolucionário”. De acordo com esse manifesto, a perspectiva da “Liga Revolucionária dos Trabalhadores” parte da noção de que apenas o programa da OCI “pode fornecer uma resposta à crise histórica da humanidade, mas os quadros organizadores da classe trabalhadora francesa ainda não estão prontos para juntar-se à OCI”. [10]

Esse gênero de camuflagem política é recorrente em toda a história da OCI e suas organizações sucessoras. Lembra-nos uma boneca Matryoshka. Da mesma forma que uma boneca russa se esconde dentro da outra, a OCI procura ocultar sua identidade por trás de uma sucessão de organizações de fachada ou camuflagem. O observador político nunca sabe realmente com quem ou com o que está lidando.

Esse jogo de esconde-esconde político é uma forma específica de oportunismo. A OCI se eximiu do princípio revolucionário: “Dizer a verdade!” Recusou-se a mostrar aos trabalhadores sua verdadeira face. Enquanto invocava a Quarta Internacional em pequenos círculos, apresentava às massas um programa pálido, assumindo que isso era tudo o que estavam prontas a aceitar.

Podem existir, é claro, circunstâncias onde um partido revolucionário deixe de apresentar abertamente seu programa — isto é, sob um regime ditatorial ou dentro de um sindicato reacionário. Mas, para a OCI, a tarefa não era enganar o aparato estatal ou a burocracia sindical, bastante cientes da identidade do partido. A OCI enganava trabalhadores e jovens que entravam na vida política com a intenção de encontrar uma nova orientação.

Em particular, a OCI primava por evitar qualquer embaraço que afetasse as fileiras mais baixas da burocracia sindical, cujo suporte buscava intensivamente. Escondendo sua própria identidade, criava condições onde sindicalistas podiam ter uma relação com a OCI sem arriscar um conflito aberto com a alta esfera anti-trotskista da burocracia.

A OCI descrevia esses sindicalistas de base dos sindicatos como “quadros organizadores da classe trabalhadora” ou “organizadores naturais da classe” — dois termos que aparecem repetidamente em seus escritos. A OCI tinha clareza que essa camada da burocracia era de crucial importância para o aparato sindical como um todo, no sentido de manter o controle sobre o conjunto dos membros. Argumentava que o conflito entre os níveis superior e inferior da burocracia — entre “aparato” e “quadros” — impulsionaria estes “quadros” numa direção revolucionária.

Uma declaração produzida pelo partido no começo de 1968, no La verité, explica que os “quadros” são “tanto os mediadores, através dos quais o aparato — e acima de tudo o aparato stalinista — assegura seu controle sobre a classe, quanto a camada militante que possibilita ao proletariado seu desenvolvimento e organização como uma classe”. Na mesma declaração, esses “quadros organizadores são quantificados como algo entre “10 mil e 15 mil ativistas” que “em larga medida são controlados e organizados pelo Partido Comunista” [11].

A OCI definiu como sua a tarefa de “empurrar para a maturidade e ruptura a contradição objetiva que traz a orientação pró-burguesia do aparato em conflito com esses ativistas e quadros organizadores, que são compelidos, pela necessidade, a oferecer resistência e lutar ao lado de sua classe”.

As passagens acima citadas estão ligadas a ataques ferozes ao pablismo. Mas, na realidade, a atitude adotada pela OCI em 1968 em relação aos sindicatos e aos stalinistas era virtualmente idêntica àquela dos pablistas em 1953.

Pablo concluíra, na época, que uma nova ofensiva revolucionária não se desenvolveria na forma de um movimento independente da classe trabalhadora sob a bandeira da Quarta Internacional, mas tomaria o contorno de uma guinada para a esquerda das seções do aparato stalinista, pressionadas pelos eventos objetivos. De maneira similar, a OCI prognosticou um desenvolvimento revolucionário emergente de “diferenciação interna dentro das organizações e o amadurecimento da atual contradição entre o aparato e os quadros organizacionais da classe” [12].

Apesar de existirem, em 1968, profundas divisões e tensões dentro dos sindicatos e do Partido Comunista, um movimento revolucionário poderia ter se desenvolvido apenas numa luta aberta e numa ruptura política contra o stalinismo. Mas, a OCI evitou esta tarefa pela elevação da tática de frente única ao estatuto de estratégia e pelo ocultamento de sua identidade.

Existem, inclusive, muitas passagens no livro escrito por de Massot indicando que os próprios stalinistas poderiam assumir uma direção revolucionária. O autor elogia, por exemplo, um apelo feito por uma organização da juventude stalinista em 13 de maio, por ela não ter atacado a “esquerda radical” e ter chamado a unidade de estudantes universitários, estudantes secundaristas e jovens trabalhadores, e ter advogado um governo dos trabalhadores. De Massot comenta: “O aparato não apenas se vê forçado a seguir o movimento. Para manter o controle e retomar a iniciativa na classe trabalhadora, ele precisa, também, de certa forma e dentro de certos limites, precedê-lo: tomar a liderança... Prosseguindo dessa maneira, o aparato reúne os ativistas ao seu redor, que radicalizam a classe trabalhadora como um todo” [13].

Continua

Notas:
1. François de Massot, “La grève générale (Mai-Juin 1968),” Supplément au numéro 437 d’ “Informations Ouvrières.” As notas seguintes sobre o texto de de Massot referem-se, também, a esse livro.
2. Leon Trotsky, “Two Articles On Centrism” (February/March 1934), Leon Trotsky, “What Next? Vital Questions for the German Proletariat” (January 1932).
3. Leon Trotsky, “What Next? Vital Questions for the German Proletariat” (January 1932).
4. Leon Trotsky, “The Third International After Lenin”.
5. Leon Trotsky, “What Next? Vital Questions for the German Proletariat” (January 1932).
6. Para a atitude dos Marxistas nos sindicatos, veja: David North, “Marxism and the Trade Unions”.
7. Leon Trotsky, “A School of Revolutionary Strategy”.
8. Leon Trotsky, “A School of Revolutionary Strategy”.
9. Daniel Gluckstein, Pierre Lambert, “Itinéraires,” Éditions du Rocher 2002, p. 51
10. La vérité, no. 541, avril-mai 1968
11. “Le bonapartisme gaulliste et les tâches de l’avant-garde,” La vérité No. 540, février-mars 1968, pp. 13-14
12. “Le bonapartisme gaulliste et les tâches de l’avant-garde,” La vérité No. 540, février-mars 1968, p. 15
13. François de Massot, « La grève générale (Mai-Juin 1968),” p. 58

 



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