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A crise mundial do capitalismo e as perspectivas para o socialismo

Parte 5

Por Nick Beams
5 de abril de 2008

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Esta é a quinta e última parte do seminário de abertura de Nick Beams para o curso internacional realizado pelo Comitê Internacional da IV internacional e da Internacional Estudantil pela Igualdade Social (ISSE) em Sydney, Australia de 21 da 25 de Janeiro de 2008. Beams é membro do comitê editorial do WSWS e secretário do SEP da Austrália. A primeira parte foi publicada no dia 27 de março 2008, a segunda parte, o 1 de abril, a terceira parte o 3 de abril, e a quarta parte, ontem.

Quais são as implicações desta análise para o desenvolvimento de nossa perspectiva?

Será que a tendência de crescimento na curva do desenvolvimento capitalista desde 1992 significa que a revolução socialista pode ser tirada da agenda, ao menos para o futuro próximo?

Ou, por outro lado, é precisamente o desenvolvimento desta tendência que desenvolve novas tensões e novas contradições no sistema capitalista mundial que estabelecem novos elementos para um novo período de levantes e lutas revolucionárias?

Comecemos nossa análise apontando que o surgimento de uma curva de crescimento no desenvolvimento capitalista não elimina a possibilidade de uma revolução socialista. Ao contrário, a Primeira Guerra Mundial de 1914 e a Revolução Russa de 1917 correram justamente ao fim de um período de crescimento que se iniciou no fim da década de 1890. No início daqueles processos, Eduard Bernstein observou as mudanças na economia e concluiu que a revolução não era mais uma perspectiva válida e que o socialismo se realizaria apenas através de um período marcado por uma série de reformas. Quão errada essa perspectiva se mostrou.

Da mesma forma, o ressurgimento da força revolucionária da classe operária no período de 1968-75, que sob uma direção diferente, poderia certamente ter sido levada a uma revolução, veio depois do mais longo período de crescimento na história do capitalismo mundial. Isto aconteceu, como notamos anteriormente, exatamente no momento em que os teóricos da “Nova Esquerda”, como Marcuse, concluíram que a classe operária havia sido tão integrada na ordem capitalista, ao menos nos países avançados, que ela não seria mais capaz de representar um papel revolucionário. Aquela perspectiva também se mostrou completamente falida.

Posto isso, nossa tarefa aqui não é propriamente fazer um jogo de palavras ou simplesmente colocar um “mais” onde outros colocaram um “menos”, mas sim realizar uma análise clara das condições objetivas que se desenvolveram, examinar suas implicações e se preparar para os desdobramentos políticos que surgirão a partir disso.

Ao analizar as perspectivas da luta pelo socialismo, nós precisamos examinar o que Trotsky dizia sobre o equilíbrio capitalista. O capitalismo, ele diz, produz um certo equilíbrio, o rompe, e então reestabelece uma nova ordem para rompê-la novamente. Ele aponta três componentes chave: processos econômicos, relações de classe e relações entre os Estados capitalistas. Examinemos cada um destes aspectos, separando-os aqui como método de análise, mas lembrando que eles reagem e interagem uns com os outros.

Na esfera econômica, fica claro que a expansão dos últimos 15 anos produziu uma situação altamente instável-crescimento econômico acelerado em algumas regiões, ainda que sobre bases instáveis, como no caso da China, associados a profundas mudanças na estrutura econômica dos países capitalistas mais avançados.

Os EUA, que ainda é o país capitalista mais poderoso e o maior mercado mundial, construiu uma balança de pagamentos tão grande que é totalmente dependente do afluxo de 75% das reservas do resto do mundo para sustentá-la. Pelos últimos 15 anos, 20 se voltarmos ao colapso da bolsa em 1987, a economia americana tem sido sustentada artificialmente através de uma série de bolhas. Agora isto atingiu um estágio no qual surge uma série de ameaças a todo o sistema financeiro.

A reestruturação que se iniciou nos anos 80 e que acelerou pelos processos de globalização dos 90 aos dias de hoje modificaram a fisionomia do capitalismo americano.

A ascensão do capitalismo americano no século XX era associada acima de tudo com a dominância de sua indústria manufatureira. Ao fim do século XX, no entanto, o setor financeiro, imobiliário e securitário significavam 20% da economia americana, comparada aos 14,5% da indústria manufatureira.

Em seu livro American Theocracy, Kevin Phillips escreve: “O lucro do setor financeiro deixou para trás aqueles da indústria manufatureira nos meados da década de 90, avançando para muito além. Em 2004 as empresas financeiras atingiram 40% de todo o lucro americano. O setor financeiro comandou um quarto das bolsas americanas naquele ano, comparados aos 6% em 1980 e 11% em 1990. Historicamente, esta transformação é tão momentânea quanto a emergência das vias férreas, do ferro e do aço e do deslocamento da agricultura durante as décadas da Guerra Civil” (Kevin Phillips, American Theocracy, Penguin, 2006, pp. 265-266).

Estas vastas mudanças na economia americana não significaram simplesmente o avanço do mercado financeiro contra a indústria manufatureira, mas envolveu profundas modificações na forma como o próprio sistema financeiro passou a operar.

Durante o boom pós segunda guerra, o capital financeiro nos EUA acumulou lucros através de empréstimos para a indústria e outras formas de transações bancárias, assim como proveu empréstimos imobiliários de acordo como modelo 3-6-3. Isto é, havia uma relação direta entre a extração de mais-valia e apropriação de uma porção de mais-valia pelo capital financeiro. Agora existem mecanismos muito diferentes. Os lucros do capital financeiro não envolvem tanto uma apropriação direta da mais-valia já que eles são acumulados através de mudanças sucessivas nos valores dos títulos-isto é, através de múltiplas operações no mercado financeiro.

O que troxe essa mudança? Em poucas palavras, a queda da taxa de lucro nos anos 70 e o fracasso da recuperação destas taxas nos anos 80. Em outras palavras, o movimento de queda na curva do desenvolvimento capitalista não apenas trouxe mudanças na estrutura da indústria e uma ofensiva contra a classe trabalhadora, mas também a reestruturação do capital financeiro.

Um estudo recente demonstra esses processos: “Seguindo o declínio nos ganhos dos bancos comerciais nos EUA nos anos 80, as regulações limitando os empréstimos bancários foram afrouxadas para permitir uma gama maior de atividades financeiras, em particular, a incorporação de setores que não estavam previamente engajados nestas atividades.”

O autor observa que a seção 20 da emenda Glass-Steagall de 1933 havia regulado esse tipo de mecanismo, mas através dos anos 80 eles foram afrouxados.

Assim, o sistema bancário que emergiu da crise imobiliária dos anos 80 não mais servia empréstimos, nem estava mais dependente de margens de lucro para suas receitas. Ao invés disso, o sistema estava baseado na habilidade dos gerentes de bancos em gerar lucros e de...seus associados em produzir taxas e comissões...

“Este sistema produziu um novo conjunto de operações bancárias agora conhecidas como ‘originar e distribuir’ na qual os bancos procuram maximizar sua receita de taxas e comissões gerando títulos, gerenciando aqueles títulos em “off-balance-sheet”, riscando a distribuição primária de seguros colateralizados com estes títulos e servindo eles” (Jan Kregel Minsky, “Cushions of Safety,” Levy Institute Public Policy Brief No. 93, 2008, pp. 10-11).

Neste modelo, o banco lucra através de sua habilidade de vender os títulos que ele originou, não mais por reter aquele título em seu portfólio de empréstimos e segurar os lucros de suas margens de juros-a diferença entre os juros do dinheiro que empresta e aquele cobrado nos empréstimos.

No sistema “originar e distribuir”, a quantidade de empréstimos é determinada pela habilidade de distribuir os débitos-isto é, pela demanda dos mercados financeiros pelos empréstimos segurados. Com taxas de juros baixas, as demandas se mantiveram altas, com forte pressões do mercado financeiro por empréstimos, novos e mais arriscados.

O regime de baixas taxas de juros que era tão crucial para este processo, dependia, por sua vez, na manutenção de baixa inflação, mesmo frente a expansão do crédito. Isto só foi possível através da incorporação da China, India e os antígos países stalinistas no mercado mundial.

Agora existem claros sinais de que o regime de baixa inflação chega a seu fim e isto se coloca como um problema gigantesco de administração da política econômica.

O método favorito do antigo presidente do Fed Alan Greenspan para se contrapor à tendência recessionária e às consequências da crise financeira era reduzir as taxas de juros para esquentar os mercados financeiros. Mas agora o aumento da inflação coloca grandes problemas.

Por outro lado, como indicou o presidente do FED Bernake em sua fala em 10 de janeiro, o Fed está pronto para fazer o que for necessário para conter a recessão. Mas por outro lado, as pressões inflacionárias estão crescendo e qualquer tendência por “espectativas de inflação aumentam” poderia “complicar muito a tarefa de manter a estabilidade dos preços e reduzir a flexibilidade do banco central para conter quedas de crescimento no futuro.”

Isto não é um problema de curto prazo. Na sua recente autobiografia, Greenspan explicou que ele foi muito sortudo em seu mandato porque o impacto deflacionário resultante da incorporação da China no mercado mundial permitiu que ele não se preocupasse com o impacto inflacionário do corte de juros. Mas em entrevistas subseqüentes ele deixou claro que seus sucessores poderiam não ser tão sortudos, porque os preços e as pressões inflacionárias poderiam inevitavelmente começar a crescer.

É claro que na frente econômica existem grandes fatores tendendo a quebrar o equilíbrio do período anterior. As contradições que os encarregados das políticas econômicas enfrentam podem muito bem ser um sinal de que o impulso dado às taxas de lucro, sustentado pela diminuição do custo do trabalho e do capital durante os 15 últimos anos, está diminuindo e o período de crescimento capitalista chega ao fim.

A segunda questão chave são as relações entre as potências capitalistas. O crescimento da economia capitalista mundial, que foi traduzido em um boom de crescimento desde 2000 se manifestou como um processo desestabilizante.

A ascensão da China, assim como outras potências econômicas como a Rússia está rompendo o equilíbrio que fora estabelecido depois da II Guerra Mundial, assim como no período anterior a Alemanha o Japão e os EUA romperam o equilíbrio que havia sido estabelecido pela Inglaterra e seu Império. Naquele caso, o resultado de três décadas de guerras. Um novo equilíbrio interno foi finalmente estabelecido sob a égide dos EUA em 1945. Isto não foi ancorado apenas no poderio militar americano, mas sobre tudo, em sua superioridade econômica. Agora esta hegemonia econômica foi abalada. Uma estatística avassaladora resume tudo: A economia americana tem a mesma proporção que a economia mundial tinha em 1940.

Agora o imperialismo americano luta para conter a perda da sua dominância econômica e manter sua posição global através de meios militares. Este é o significado histórico do crescimento do militarismo americano do qual o Iraque é apenas o mais sangrento confronto de um conflito global. Do Ártico ao Oriente Médio, Ásia Central, África, Europa do Leste e os Balkãs, existe uma série de explosões iminentes onde os interesses de duas ou mais potências econômicas entram em conflito.

Revendo a história do século XX, fica claro que a “Pax Americana” estabelecida depois da II Guerra Mundial foi de fundamental importância na estabilização do sistema capitalista mundial depois de três décadas de turbulência. Agora, o declínio do capitalismo americano é o fator de maior peso nas relações internacionais, enquanto é desafiado por antigas e novas potências.

Está acontecendo a mais significativa mudança na estrutura econômica mundial. Quinze anos atrás, as economias dos G7 correspondiam a 70% da atividade econômica global (em termos nominais). Agora elas correspondem a apenas 62% da atividade econômica, e apenas 43 % de PPP.

Agora vamos focar na questão do equilíbrio de classe.

O fator marcante da vida social em todas as economias capitalistas é o crescimento da desigualdade social. A questão nos EUA é flagrante, mas eles não são uma exceção. Eles expressam um processo geral.

Como observou David North em seu boletim no encontro do SEP “Estudos recentes de Edward N. Wolff do the Levy Economics Institute of Bard College documentam o crescimento de níveis extremos de desigualdade social nos EUA. As estatísticas relativas a concentração de renda revelam o grau extraordinário de estratificação social. 34,3% da riqueza nacional dos EUA se concentram nas mãos de apenas 1% das famílias. Os próximos 4% mais ricos detém 24,6% e os próximos 5% detém 12,3%. Aproximadamente 71% da riqueza nacional está concentrada nas mãos de 10% das famílias americanas. Os próximos 10% mais ricos detém apenas 13,4% da riqueza. Os 80% mais pobres detém apenas 15,3% da riqueza. Os 40% mais pobres detém apenas 0,2% da riqueza!

“Quando a riqueza não familiar também é levada em consideração, a estratificação é ainda maior. Cerca de 42,2% da riqueza não familiar se concentra nas mãos de 1% das famílias. Os 10% do topo possuem pouco abaixo de 80% da riqueza. Os 80% mais pobres possuem 7,5% da riqueza não familiar. Os 40% mais pobres possuem 1,1% da riqueza não familiar.

“Medindo a receita, 1% das famílias recebem 20% do total. Os 10% do topo recebem 45% da receita total. Os 80% da base recebem 41,4 %. Os 40% mais pobres recebem apenas 10,1% da receita total”

Ainda há alguns outros aspectos deste estudo que demonstram o significado destes processos. Os primeiros anos deste século testemunharam a explosão da dívida familiar. A riqueza média -isto é, a riqueza dos lares medianos -diminuiu 0,7% entre 2001 e 2004. A única vez que isto aconteceu anteriormente foi durante um período de recessão. A riqueza não doméstica (riqueza total menos propriedade familiar) caiu 27% entre 2001 e 2004. A receita média caiu quase 7% de 2000 a 2003.

Observando um período mais amplo, a riqueza média dos 40% mais pobres caiu 59% entre 1983 e 2004. Durante o mesmo período, os 1% mais ricos receberam 35% correspondentes ao crescimento total, 42% do crescimento total em riqueza não doméstica e 33% do crescimento total da receita bruta. Para os três quintos da riqueza média, houve um crescimento gigantesco da proporção dívida-receita, de 100,3 a 141,2 % de 2001 a 2004, e a duplicação da relação dívida-patrimônio de 31,7 a 61,6 %.

O financiamento da economia norte-americana - um processo que foi reproduzido em todos os outros principais países capitalistas - tem sido o mecanismo central através do qual a riqueza foi transferida para as mãos da alta burguesia. Isto se baseou na manutenção de baixas taxas de juros e expansão do crédito, o que abasteceu o crescimento de títulos e a acumulação de lucros como resultado de transações financeiras. As baixas taxas de juros, por sua vez, foram possíveis graças ao impacto deflacionário de integração da China e outros produtores de baixo custo no mercado mundial.

Isto deixa clara a conexão entre o crescimento da desigualdade social e a formação de uma formação social que possuí interesse material direto na extensão dos domínios do “livre mercado”, sob a égide dos EUA, para todos os cantos do mundo.

Como explica David North em After the Slaughter: Political Lessons of the Balkan War (Depois de Slaughter: As lições políticas da guerra dos Balkãs), existe um setor nos países capitalistas avançados que foi diretamente beneficiado pela explosão do imperialismo e do militarismo. Esta formação social não é produto da administração Bush. Sua origem data de muito antes.

Clinton mencionou o fundamento do militarismo americano no despertar do bombardeio da Sérvia em abril de 1999. Ele disse: “Se nós vamos ter uma forte relação econômica que inclui nossa habilidade de vender ao redor do mundo, a Europa deve ser uma chave...É disso que se trata esta questão de Kosovo”.

O correspondente de assuntos internacionais do New York Times, Thomas Friedman, coloca a questão de forma um pouco mais crua: “A mão invisível do mercado jamais funcionará sem um pulso invisível-Mc Donald’s não pode prosperar sem McDonnell Douglas, o construtor do F-15. E o punho invisível que mantém o mundo a salvo para a tecnologia do Vale do Silício prosperar se chama Exército dos Estados Unidos da América, Força Aérea, Marinha...Sem a América em serviço, não haverá America Online (Without America on duty, there will be no America Online)” (New York Times Magazine, 28 de Março de 1999).

O desenvolvimento destes processos objetivos que nós explicamos, colocam as bases para o surgimento de conflitos de classe e mudanças decisivas na orientação política das massas. Todos os fatores objetivos apontam um novo período para o surgimento de novos conflitos revolucionários.

Devemos nos preparar politicamente para responder aos desafios colocados pelo aprofundamento das condições objetivas. É fundamental esclarecer e expôr os mecanismos políticos e ideológicos que são desenvolvidos para dispersar a classe operária, bloquear o desenvolvimento de uma orientação revolucionária e trazer o movimento de volta ao controle da burguesia.

Eu gostaria de concluir minhas observações examinando algumas dessas tendências na esfera da economia política.

O acadêmico David Harvey escreveu uma série de livros sobre política econômica e seus trabalhos contêm apontamentos importantes. Mas ao que concerne a seu “Marxismo Acadêmico” ele distorce completamente a história de luta do Marxismo e da classe trabalhadora.

Em seu livro “O Novo Imperialismo” Harvey polemiza com o que ele chama “visão clássica” da esquerda marxista, que definia os trabalhadores assalariados como o principal agente das transformações sociais. Conceber o proletariado como o principal agente de transformação histórica, ignorando movimentos sociais como feminismo e ambientalismo, e um setor de esquerdistas inspirados no marxismo, foi um erro fatal” (Harvey, The New Imperialism, Oxford University Press, 2004, p. 171).

Na visão de Harvey isso foi responsável pelos refluxos do pós-guerra. O problema não está onde Harvey tenta encontrá-lo, mas na liderança do movimento dos trabalhadores e nas traições das lutas do período entre 1968 e 1975 que abriram caminho para uma ofensiva da burguesia durante os 30 últimos anos.

A análise de Harvey apela para os pensamentos de Marcuse no período anterior. Exatamente no período em que os processos do capitalismo global criaram uma estagnação na classe operária-aquela classe que, independentemente do tipo de trabalho que executa, é separada dos meios de produção e recebe salário-ele insiste que devemos nos orientar para novos tipos de movimentos sociais.

Harvey identifica uma virada para a classe operária com a luta sindical pelos salários. Na verdade, o verdadeiro Marxismo sempre se opôs a estas concepções, insistindo que o movimento socialista só pode ser desenvolvido na base de uma luta política que abraça todas as formas de opressão.

Precisamos simplesmente lembrar as palavras de Lenin de que um líder revolucionário precisa lutar como “uma tribuna do povo”, capaz de “tirar vantagem de todos os eventos, ainda que pequenos, para levar adiante suas convicções socialistas e reivindicações democráticas para esclarecer para todos e todo mundo o significado histórico mundial da luta pela emancipação dos trabalhadores”. Em outras palavras, o movimento social é fundado na concepção de que apenas através da tomada do poder político pela classe trabalhadora podem ser resolvidos os problemas e contradições colocados pelo capitalismo.

No lugar desta luta o que propõe Harvey? Após observar que o surgimento do militarismo é uma tentativa desesperada dos EUA de preservar sua dominação global, ele escreve: “A única resposta possível, ainda que temporária para este problema é algum tipo de ‘New Deal’ que tenha um alcance global. Isto significa liberar a lógica da circulação do capital de suas amarras neo-liberais, reformulando o poder do Estado com outra linha muito mais redistributiva, observando o poder especulativo do capital financeiro e descentralizando ou controlando democraticamente o poder gigantesco dos oligopólios e monopólios (em particular a influência nefasta do complexo militar industrial) em ditar absolutamente tudo, desde os termos do comércio internacional até o que vemos, lemos e ouvimos na mídia. O efeito será um retorno a um ‘New Deal’ mais benevolente, preferivelmente conquistado através de uma coalisão das potências capitalistas que Kautsky visionou há muito tempo” (David Harvey, The New Imperialism, p. 209).

“Existem, é claro,” ele continua, “soluções muito mais radicais que não a construção de um ‘New Deal’ liderada pelos EUA e Europa, tanto nacional como internacionalmente, em face de forças sociais espetaculares e interesses especiais contra elas, pelas quais definitivamente vale a pena lutar” (Harvey, pp. 210-211).

A depredação do capital financeiro e o “livre mercado” neo-liberal produziram vários apelos pelo retorno de uma regulação.

Nas palavras de um escritor, é tempo de firmar uma posição e exigir o retorno da mão visível, mas não mais em nível nacional - que é claramente insuficiente-mas numa escala global. “Chegou a hora de estabelecer um contrato social global para construir um mundo com espaço suficiente para todos...o momento histórico chegou para a mão visível tomar o controle e reorganizar as relações de mercado para reintegrá-las às vidas das pessoas” (Wim Dierckxsens, The Limits of Capitalism, Zed Books, 2000, pp. 126-127).

Os economistas franceses Dumenil and Levy, associados ao movimento ATTAC, não deixam dúvidas sobre sua orientação política reformista, apesar de todas as suas referências a Marx. Eles insistem que a análise da crise do capitalismo ao fim do século XX tem demonstrado “a significação correta do diagnóstico Keynesiano: o controle da situação macroeconômica e instituições financeiras não devem ser deixados em mãos privadas, isto é aquelas do mercado financeiro.”

Eles continuam: “Esta visão Keynesiana da história do capitalismo, incluindo seus problemas atuais é muito sensível. Alguém só pode se arrepender que as condições políticas das últimas décadas não possibilitaram barrar a ofensiva neo-liberal e colocar em prática políticas alternativas - uma forma diferente de gerenciar a crise -no contexto de outras alianças sociais.

Keynes deve ser denunciado pelo seu reformismo por aqueles que ainda sonham com um futuro revolucionário?...O trabalho de Keynes é realmente o de um reformista. Suas perspectivas brilhantes, mas socialmente limitadas jamais foram uma alternativa para uma via mais radical...que fracassaram por décadas por toda a parte” (Dumenil and Levy, Capital Resurgent, Harvard University Press, 2004, pp. 201, 204).

Outros como Panitch e Gindin da Universidade de Nova York, associados ao jornal Socialist Register, sustentam que longe de passar por um declínio, o imperialismo americano é capaz de conter e gerenciar a crise da ordem capitalista mundial. “Na China, na América do Norte e em toda a parte”eles escrevem, “a questão central para os socialistas ainda é como desenvolver uma resistência que pode transformar o capitalismo”. A luta pela sua derrubada está definitivamente fora de cogitação.

Naomi Klein, a autora canadense radical, explica seu último livro, entitulado The Shock Doctrine, “é um desafio para os desejos mais centrais da estória oficial-que o triunfo do capitalismo desregulado nasce da liberdade, que os mercados livres andem de mãos dadas com a democracia.” Ao invés disso, ela argumenta que esta forma fundamentalista de capitalismo, venerada pelo economista de direita do livre mercado Milton Friedman e a assim chamada escola de Chicago, tem sido “acompanhada pelas formas mais brutais de coerção sobre a política e sobre os indivíduos” (Naomi Klein, The Shock Doctrine, Penguin, 2007, p. 18).

Mas Klein insiste que ela não está dizendo que “todas as formas de sociedade de mercado possuem uma violência inerente.” Ela escreve: “é possível ter uma economia de mercado que não requer qualquer brutalidade e exigências ou qualquer pureza ideológica. Pode haver livre mercado em produtos de consumo, ao lado de serviços públicos gratuitos, escolas publicas, um grande setor da economia guardado nas mãos do Estado, leis exigindo que as corporações paguem um salário digno e o respeito aos direitos dos sindicatos e a redistribuição da riqueza para diminuir a desigualdade.

“Keynes propôs exatamente este tipo misto de economia regulada depois da Grande Depressão, uma revolução em políticas públicas que criaram o New Deal e transformações como estas ao redor do mundo. Foi exatamente este sistema de compromissos, cheques e balanços que a contra-revolução de Friedman foi lançada para desmantelar metodicamente país após país” (Klein, p. 20).

Numa entrevista em seu livro, Klein deixa claro que ela defende a economia mista Keynesiana porque ela era “realista”.

Mas não há nada mais irrealista que a noção de que é possível fazer girar para trás a roda da história e reinventar o boom pós-segunda guerra do século XX.

Antes de mais nada, os advogados de tal proposição ignoram o fato de que aquele boom não surgiu por causa das políticas Keynesianas, mas estava ligado a profundas modificações na estrutura capitalista mundial, resultando da destruição violenta trazida pela II Guerra Mundial. E o colapso do boom-resultado de processos objetivos -medidas Keynesianas foram incapazes de aliviar a crise. Em algumas maneiras elas pioraram a crise e assim desenvolveram uma base social em meio à classe média para uma ofensiva contra o movimento operário.

Segundo, mesmo que um movimento significativo por uma reforma social que se desenvolva ao longo de linhas propostas por Klein e outros Keynesianos, ele seria rapidamente absorvido pela burguesia e seus aparatos para manter seus interesses.

Os proponentes de tais políticas dizem ser realistas na oposição aos marxistas que insistem que a única forma de progresso é a mobilização da classe operária numa luta política contra a ordem capitalista e levar adiante a luta pela consciência histórica com base nesta perspectiva.

Na verdade, eles seguem o mesmo procedimento que os radicais criticados por Marx mais de 150 anos atrás. Isto é, mais do que examinar os processos objetivos e desenvolvimentos e conceber o programa político necessário resultante desta análise, eles desenvolvem uma série de medidas mais convenientes e mais confortáveis para eles mesmos e então proclamam que essas medidas são uma solução universal.

A perspectiva da revolução socialista mundial e a reorganização da economia mundial não é uma perspectiva distante. Um exame da lógica dos processos econômicos objetivos e das tendências da economia capitalista demonstram que este é o único caminho viável pelo qual a classe trabalhadora mundial pode enfrentar o agravamento da crise do capitalismo global e as catástrofes que ela tem produzido. Nossa tarefa ao longo dos próximos cinco dias é desenvolver uma clarificação teórica e política para desenvolver a consciência política necessária para levar esta luta adiante.

Concluído.