Abaixo estamos publicando a quarta parte do relato de abertura
feito por Nick Beams em um curso internacional oferecido pelo
International Committee of the Fourth International (ICFI) e a
International Students for Social Equality (ISSE) em Sidney, Austrália
de 21 a 25 de janeiro. Beams é membro do conselho editorial
internacional do World Socialist Web Site e o secretário
nacional do Socialist Equality Party of Australia. A primeira
parte foi publicada no dia 27 de março 2008 . A segunda parte foi publicada no dia1 de abril de 2008. E a terceira parte
foipublicada ontem.
A década de 1980 viu o despontar da resposta do capital
à queda da taxa de lucro na década anterior e os
severos problemas econômicos que isso desencadeou. Primeiramente
e antes de mais nada, o capital lançou uma ofensiva contra
a posição social da classe trabalhadora, que continua
até hoje, e procurou desencavar lucros e rendimentos adicionais
das antigas colônias, um processo que também continua.
Combinada com essas medidas veio uma reestruturação
da indústria através do uso de computadores e outras
tecnologias da informação tanto nos processos industriais
quanto na administração.
Computadores foram primeiro desenvolvidos no período
imediato ao pós-guerra e o transistor foi desenvolvido
na década de 1950, mas o computador pessoal não
fez uma aparição até 1981. Seu uso trouxe
à tona uma vasta transformação em toda uma
gama de práticas de administração e trabalho,
nas comunicações e em todas as áreas da vida
social.
Essas mudanças, porém, enquanto contribuíram
com um aumento da taxa de lucro nos anos de 1980, não resultaram
numa nova subida na curva do desenvolvimento capitalista. Isso
pode ser visto pelo exame dos dois gráficos seguintes.
("Long Waves and Historical Trends of Capitalist development,"
Minqi Li, et al)
(Fonte: US Bureau of Economic Analysis)
Se observarmos o segundo gráfico, que trata da taxa
de lucro dos EUA, descobrimos que enquanto há uma recuperação
nos anos de 1980, ela não é particularmente forte,
com um declínio marcante no meio da década antes
de uma recuperação limitada, e então outro
declínio no final da década, coincidindo com o princípio
da recessão de 1991-1992.
Desde o começo da década de 1990 há uma
recuperação estável, seguida por uma queda
brusca desde cerca de 1997 até 2001. Esses anos foram o
período da bolha do mercado de ações. As
razões para o colapso do mercado de ações
de 2000-2001 são muito claras: enquanto o preço
das ações agitava-se a novas alturas, a parcela
da receita que se traduzia em lucro declinava-um fato que companhias
como Enron e WorldCom procuraram obscurecer com procedimentos
de contabilidade fraudulentos.
Ao que se pode atribuir a mudança de direção
em 1991 e o começo de uma nova subida na curva do desenvolvimento
capitalista? Indubitavelmente a uma das mais amplas mudanças
estruturais na história do capitalismo mundial-o colapso
dos regimes stalinistas, a abertura da China, e o final das políticas
de desenvolvimento econômico nacional perseguido por países
como a Índia. Em seu artigo "A Curva do Desenvolvimento
Capitalista" Trotsky havia explicado que uma curva ascendente
não era produto de processos inerentes dentro da economia
capitalista em si, mas o resultado de mudanças nas condições
externas dentro das quais o capitalismo se desenvolve, como a
aquisição de "novos países e continentes".
Isso é exatamente o que ocorreu.
Muitos anos antes, Trotsky havia apontado para as condições
que poderiam fazer uma nova subida capitalista possível.
"Teoricamente, para se ter certeza, mesmo um novo capítulo
de um progresso capitalista geral nos países mais poderosos,
dominadores, e liderantes não está excluído.
Mas para isso, o capitalismo precisaria primeiro superar enormes
barreiras de um caráter de classe assim como de interdependência
das nações. Precisaria estrangular a revolução
proletária por um longo tempo; precisaria escravizar a
China completamente, depor a república soviética,
e assim em diante" (Trotsky, A Terceira Internacional
Depois de Lênin, New Park Publications, 1974, p. 61-62).
Trotsky havia considerado que a aquisição da
China e da União Soviética se daria por meios militares.
A história tomou um curso diferente.
Enquanto o colapso da União Soviética estava
enraizado em processos econômicos, a restauração
do capitalismo não foi realizada "automaticamente"
ou inevitavelmente. A burocracia stalinista estava temerosa de
que as crescentes deficiências da economia soviética
na nova era de desenvolvimento tecnológico tornada possível
pela informatização, e a inabilidade da economia
soviética de desenvolver sua produtividade-um resultado,
em última análise, de seu isolamento forçado
da divisão internacional do trabalho-traria uma insurgência
da classe trabalhadora que questionaria seu domínio. Os
desenvolvimentos na Polônia em 1980-81 foram um aviso.
Confrontados com esse prospecto, o aparato stalinista decidiu
por um ataque preventivo-a liquidação da União
Soviética de forma a consolidar seus privilégios
e posição social dentro do quadro das formas capitalistas
de propriedade. O fato de ter sido capaz de obter sucesso foi,
como enfatizamos na época, uma expressão da crise
de perspectiva da classe trabalhadora soviética e internacional-um
resultado do grande dano causado à consciência política
da classe trabalhadora tanto pelo genocídio político
do marxismo na União Soviética quanto pelo impacto
mortal das décadas de dominação burocrática
da classe trabalhadora nos principais países capitalistas.
Se tivesse havido uma resistência política à
liquidação da União Soviética, um
curso de desenvolvimento bem diferente teria se seguido. Em outras
palavras, enquanto a crise da URSS estava enraizada em processos
econômicos, sua liquidação e "a aquisição
pelo capitalismo de novos países e continentes" foi
algo desenvolvido a partir de fatores superestruturais.
Na China, a burocracia maoísta tem seguido uma política
orientada pelo mercado desde 1978, cuja base havia sido definida
na reaproximação com os EUA em 1971. Enquanto essa
política havia proporcionado um certo estímulo econômico,
estava produzindo uma série de contradições
sociais que culminaram nos eventos de 1989 e o massacre da Praça
Tiananmen. O alvo principal do regime não eram os estudantes,
mas a classe trabalhadora.
O colapso da União Soviética em 1991 confrontou
o regime chinês com uma nova série de problemas.
Em janeiro de 1992, apenas oito semanas após a liquidação
da URSS, Deng fez seu "tour ao sul", sinalizando a abertura
da economia chinesa ao investimento estrangeiro e a adoção
internamente de uma série de "reformas de mercado".
Em 1992, mais de 8500 novas zonas de investimento foram criadas.
Antes do tour de Deng havia apenas cem.
Em seqüência à retirada dos termos restritivos,
o influxo de investimentos estrangeiros quase triplicou em 1992
para $11 bilhões. Triplicou novamente para $34 bilhões
em 1994 e uma década depois, em 2004, havia quase duplicado
para $61 bilhões por ano. Pelo final de 2005, cerca de
50.000 firmas dos EUA estavam fazendo negócios de algum
tipo na China. Desde 1978, a economia chinesa cresceu mais ou
menos 9 por cento ao ano-quase 10 por cento, e algumas vezes mais,
durante os últimos 15 anos.
A China emergiu como principal centro manufaturador da economia
capitalista global. A parcela chinesa do PIB mundial quase triplicou
no último quarto de século como resultado da rápida
acumulação de capital, subindo de 5 por cento para
14 por cento (Andre Glyn, Capitalism Unleashed, Oxford
University Press, 2006, p. 90).
Houve um aumento de dez vezes nas exportações
de manufaturados chineses como uma parcela das exportações
mundiais de manufaturados durante os últimos 25 anos. Desde
1990, o crescimento das exportações chinesas excedeu
em termos absolutos os outros nove maiores exportadores juntos.
Até um terço dos manufaturados chineses é
produzido a partir de fábricas de propriedade estrangeira,
a maioria dessas japonesas, o que sustenta um fluxo de maquinário
e componentes importados do Japão para a China (Glyn, pp.
90-91).
Dez anos adiante, uma das conseqüências cruciais
da crise financeira asiática de 1997-98 emerge mais claramente.
Com a exceção da Coréia do Sul, os tigres
asiáticos, depois de sofrerem uma perda de saída
de até 10 por cento, estão agora crescendo numa
taxa 2 por cento inferior à obtida nos anos anteriores
a 1997. Antes de crise, os tigres haviam funcionado como fabricantes
de baixo custo para os mercados europeu e estadunidense. Depois
da crise, uma estrutura diferente emergiu. A China se tornou o
fabricante de baixo custo predominante, atraindo importações
de componentes e bens de consumo intermediários do sudeste
asiático.
A estrutura anterior era algumas vezes referida como o modelo
do "ganso voador" -os produtores asiáticos de
baixo custo se dispuseram em formação atrás
do Japão. A estrutura hoje é muito diferente. A
China forma o centro de uma grande rede manufatureira.
A crise asiática tem muitos aspectos, mas ao menos uma
das grandes causas foi a ascensão da China como fabricante
de baixo custo, capaz de enfraquecer os tigres asiáticos,
que haviam apreciado um crescimento aumentado do meio dos anos
de 1980 até meados de década de 1990.
O investimento massivo que a China recebe é parte de
um processo mais amplo. De acordo com o Banco Mundial: "De
um nível inicial baixo de $22 bilhões em 1990, o
investimento estrangeiro direto aplicado a países em desenvolvimento
está atualmente em cerca de $200 bilhões o ano,
2,5 por cento da somatória do PIB dos países em
desenvolvimento". Países em desenvolvimento atualmente
atraem cerca de um terço do investimento estrangeiro direto
total [FDI-Foreign Direct Investment].
Em meio a todos os fatos e números que documentam as
mudanças na estrutura da economia capitalista global, o
mais impactante, e o de maior alcance no que diz respeito à
perspectiva do socialismo, é o aumento da força
de trabalho mundial. A introdução de centenas de
milhões de trabalhadores no mercado do trabalho global
é um desenvolvimento que marca uma época.
Há várias estimativas sobre o tamanho dessa transformação.
Em um relatório preparado para a convenção
de 2006 do Federal Reserve Bank de Boston, Richard Freeman, um
economista do trabalho de Harvard, estimou que a entrada da China,
Índia e o ex-bloco soviético no mercado mundial
havia aproximadamente duplicado de 1.46 bilhões para 2.93
bilhões a força de trabalho na economia de mercado.
O Fundo Monetário Internacional forneceu uma estimativa
do crescimento da força de trabalho global em seu "World
Economic Outlook" publicado em maio de 2007. Analisando o
peso da força de trabalho de cada país por sua participação
na economia global-medida por sua taxa de exportações
em relação ao PIB-o FMI descobriu que: "A efetiva
força de trabalho mundial quadruplicou nas duas décadas
passadas. Essa piscina da mão-de-obra global está
sendo acessada por economias avançadas através de
diversos canais, incluindo a importação de bens
finalizados, transferência ao exterior da produção
de intermediários e imigração".
A maior parte do aumento se deu após 1990. O leste da
Ásia contribuiu com cerca de metade do aumento, enquanto
o sul da Ásia e os países do ex-bloco soviético
computaram aumentos menores. Enquanto a maior parte do aumento
absoluto no suprimento de mão-de-obra global consistiu
em trabalhadores menos educados, o suprimento de trabalhadores
com maior educação aumentou em 50 por cento nos
últimos 25 anos por conta de um aumento no suprimento dentro
das economias avançadas, mas também por causa da
China.
Essas vastas mudanças na estrutura da força de
trabalho global têm tido um vasto impacto nos salários
dos trabalhadores nos países capitalistas avançados
e na distribuição da renda nacional entre salários
e lucros. O FMI nota que nos países capitalistas avançados
desde 1980 tem havido um claro declínio na parcela da renda
nacional que pertence à força de trabalho. Estima
que essa translação tenha sido de cerca de 8 pontos
percentuais.
O impacto pode ser visto a partir deste gráfico.
Em seu relatório à conferência do Boston
Federal Reserve, Richard Freeman conclui que: "O advento
da China, Índia e a ex-União Soviética redefiniu
a razão capital-força de trabalho mundial maciçamente
contra os trabalhadores. A expansão da educação
superior em países em desenvolvimento aumentou o suprimento
de trabalhadores altamente educados e permitiu a competição
dos gigantes emergentes com os países avançados
mesmo nos setores de ponta que o modelo Norte-Sul assinalou para
o Norte como seu direito de nascença".
Ele estimou que a duplicação da força
de trabalho mundial reduziu a razão de capital para mão-de-obra
na economia global em 40 até 50 por cento. Em outras palavras,
enquanto o suprimento de mão-de-obra aumenta em relação
ao capital, seu preço-o salário-precisa declinar.
Em julho de 2007, a Economist notou: "Ano passado, os
lucros dos EUA computados após o pagamento de impostos
subiram ao mais alto patamar como uma proporção
do PIB em 75 anos; a porção do lucro na área
da Europa e Japão também está próxima
do seu maior valor em ao menos 25 anos... a emergência da
China à economia mundial fez a mão-de-obra relativamente
abundante e o capital relativamente escasso e assim o retorno
relativo do capital subiu".
O Financial Times observou em relatório de 14 de outubro
de 2006 que os lucros de companhias britânicas alcançaram
seus níveis mais altos em 2005, enquanto ganhos semanais
médios ajustados de acordo com a inflação
caíram em 0,4%.
"É a mesma história em todos os países
ricos do Ocidente," o relatório continua. "Em
uma recente nota de pesquisa sobre a economia dos EUA, Goldman
Sachs, o banco de investimentos norte americano, disse: 'Como
uma parcela do PIB, os lucros atingiram um patamar inédito
no primeiro quarto de 2006. Diversos fatores contribuíram
para a subida nas margens de lucro. O mais importante é
um declínio na parcela da renda nacional que pertence à
força de trabalho'".
O relatório citou um comentário duro pelos economistas
Stephen King e Janet Henry do HSBC Global Research: "A globalização
não é só a história do crescimento
de mercados de exportação para produtores ocidentais.
Mais precisamente, é uma história sobre ondas massivas
de redistribuição de renda, da mão-de-obra
rica para a pobre, da mão-de-obra como um todo ao capital,
de trabalhadores a consumidores e de usuários de energia
a produtores de energia. Esta é uma história sobre
vencedores e perdedores, não uma fábula sobre crescimento
econômico".
Mas o declínio na parcela dos salários não
é único modo através do qual os lucros foram
impulsionados. Não somente a entrada da China no mercado
mundial resultou no barateamento dos bens de consumo, houve também
uma redução no custo do equipamento industrial.
Isto é, em termos das categorias da economia política
marxista, não apenas aumentou a taxa de exploração,
devido à redução do valor da força
de trabalho, mas a composição orgânica do
capital tendeu a cair por conta do barateamento do capital constante,
assim tendendo a levantar a taxa de lucro média que permeia
a economia capitalista como um todo.