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A crise mundial do capitalismo e as perspectivas do socialismo

Parte 2

Por Nick Beams
1 de abril de 2008

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Publicamos abaixo a segunda parte da palestra ministrada por Nick Beams em um curso internacional realizado pelo International Committe of the Fourth International (ICFI) e pela ISSE (International Students for Social Equality) em Sidnei, Austrália, entre 21 e 25 de janeiro de 2008. Beams é membro do comitê editorial internacional do World Socialist Web Site (WSWS) e secretário nacional SEP Austrália. A primeira parte foi publicada no dia 21 de março 2008 .

A crise financeira nos EUA e o crescimento expandido da economia mundial, principalmente nos últimos sete anos nos países menos desenvolvidos, não são fatos isolados, mas faces ou aspectos diferentes do mesmo processo.

Em poucas palavras: O crescimento expandido da China, juntamente com outros países, não teria sido possível sem o enorme crescimento da dívida dos EUA. Mas este aumento das dívidas que sustentou tanto a economia americana como a demanda mundial, agora resultou em uma crise.

Ao mesmo tempo, a produção de baixo custo na China e em outras regiões, assim como a integração dessas regiões à economia mundial, fez baixar as pressões inflacionárias. Esse processo criou as condições para que as taxas de juros abaixassem, impulsionando dessa forma a expansão do crédito, que teve um papel crucial na sustentação da economia americana e na economia mundial como um todo.

Examinemos este processo mais de perto: A última crise financeira não caiu do céu, ela surgiu da resposta a crises anteriores até a queda do mercado financeiro de 1987. Àquela época, o futuro presidente do Banco Central americano, Alan Greenspan, abriu as linhas de crédito para assegurar a estabilidade do mercado.

Os primeiros anos da década de 90 após a recessão de 91-92 foram caracterizados por um crescimento lento, a assim chamada “recuperação do desemprego”. Mas, até metade da década ocorreu uma mudança. Em 1996, Greenspan chamou atenção para a elevação no valor das ações que cumpria um papel crucial no processo de levantar a economia americana e, em um discurso de fim do ano, alertou sobre a “exuberância irracional” desse processo.

Mas, após uma breve tentativa de aumentar as taxas de juros que se deparou com a reação hostil de Wall Street, Greenspan decidiu cortá-las. Quando a crise asiática irrompeu em 1997, o presidente dos EUA Bill Clinton referiu-se a ela como uma “falha técnica”, enquanto que Greenspan insistiu que ela era decorrente do “capitalismo de compadres” da Ásia e da sua incapacidade de adotar os métodos do “livre mercado”. De fato, a crise foi caracterizada como mais uma confirmação, após a queda da União Soviética e de outros regimes stalinistas, da superioridade histórica do sistema de “livre mercado” anglo-saxão.

Dentro de alguns meses, no entanto, ficou claro que a crise asiática era um sintoma de problemas mais profundos. Em agosto de 1998, a Rússia estava inadimplente em suas dívidas internacionais e em setembro o LTCM (um “hedge fund”, fundo de investimento de alto risco fortemente alavancado1) teve que ser socorrido com uma ajuda de 3 bilhões de dólares a fim de que sua queda não causasse uma crise financeira sistêmica. A resposta do banco central americano foi cortar as taxas de juros.

Como resultado disso, as tempestades econômicas pareciam passar de forma relativamente rápida e a economia americana passou por um “boom” no final da década, celebrada como o alvorecer da era da “nova economia”. Na realidade, enquanto o mercado de ações alcançava recordes, a taxa de lucro havia começado a cair e os lucros crescentes apresentados por companhias como a Enron e a WorldCom revelaram-se fictícios. A bolha do mercado de ações estourou em 2000 e a economia americana passou por uma recessão, levando à perda de 3 milhões de empregos na manufatura.

Porém, a queda foi relativamente passageira e a economia americana entrou num ascenso, que no entanto possuía algumas características peculiares. Enquanto este ascenso era largamente baseado no aumento do consumo, ele não era resultado de salários mais altos e nem de um aumento no emprego (na realidade os salários permaneciam praticamente estáticos), mas no aumento nas dívidas de consumidores, tornado possível pelos cortes de juros feito pela diretoria do banco central americano. Tais cortes alimentaram um boom imobiliário, que, por sua vez, possibilitou o aumento nos gastos de consumo.

Um dos fatores chave que fez com que o regime de juros baixos fosse tão central para o crescimento econômico foi o investimento pelas autoridades chinesas de quantias imensas de capital financeiro em ativos americanos.

Esta reciclagem de excedentes de comércio chineses no sistema financeiro americano parecia completar um ciclo virtuoso. A entrada de capital através da compra de títulos e outras dívidas americanas fez com que o banco central mantivesse as taxas de juro em baixa, o que ajudou a fomentar o mercado imobiliário, que, por sua vez, financiou os gastos de consumo em ascensão, providenciando um mercado para o produto expandido2 da China e aumentando o excedente comercial chinês com os EUA, que era então investido nos mercados financeiros americanos. Este processo era o centro do crescimento da economia mundial após a recessão americana de 2000-2001.

A injeção de quantias imensas de crédito no sistema financeiro desempenhou um papel fundamental no sustento da economia americana e mundial. Mas os créditos não desaparecem assim que sua tarefa de revitalizar a economia é cumprida. Ao invés disso, eles contribuem para o crescimento do capital financeiro na economia mundial, trazendo maiores implicações à estabilidade do sistema como um todo.

De acordo com Greenspan, fazendo uma retrospectiva dos últimos 25 anos, encontramos como resultado de taxas de juro efetivas e nominais mais baixas um aumento mais rápido nos preços dos ativos do que nos PIBs de cada ano desde 1981, com exceção de 1987 e 2001-2002.

Quais são as conseqüências deste processo? A primeira a se notar é que ações, imóveis e outras formas de títulos de propriedade, financiadas por crédito, são todas, de uma forma ou de outra, declarações de rendimento. Isto é, no fim das contas, são declarações de mais-valia extraída da classe trabalhadora.

O valor de tais ativos pode aumentar mais rapidamente que o PIB, contanto que a proporção da renda nacional em lucros esteja crescendo. Isto é, contanto que haja um poço mais fundo de onde se extraia mais-valia. Mas o processo no qual o valor de ativos, declarações de rendimento, cresce mais rapidamente do que o PIB não pode continuar interminavelmente.

Um sinal de quão longe chegou este processo foi mostrado num artigo do Financial Times de 25 de junho de 2007. Mostrou-se que, antes de 1995, a proporção da riqueza pessoal em relação ao PIB tendia a flutuar numa média aproximada de 3,4 para 1. O artigo registrava: “Agora, apesar da pobreza de poupança na economia americana, a proporção é de 4,1 para 1. Um retorno à media anterior significaria uma queda no patrimônio pessoal americano de aproximadamente 10.000 bilhões de dólares. Com tendências parecidas refletidas em grande parte do mundo, o total das perdas globais com a queda financeira poderia chegar facilmente a 25.000 e até a 30.000 bilhões de dólares.”

De acordo com o McKinsey Global Institute, até 2005 o estoque de ativos financeiros globais havia atingido 140 trilhões de dólares, isto é, mais do que o triplo do PIB mundial. Isso se compara à situação de 1980 na qual o estoque de ativos financeiros e o PIB mundial eram aproximadamente igualados.

Se pensarmos no mercado hipotecário, fica claro como ele tem sido por grande parte desta década um esquema fraudulento do tipo de uma “pirâmide”. Isto é, ativos na forma de dívidas hipotecárias derivavam seus valores não do fluxo esperado de pagamentos (era claro que nos casos de empréstimos “subprime” não havia possibilidade de manter os pagamentos), mas da expectativa de que o valor do ativo básico continuaria crescente enquanto mais crédito se tornasse disponível para alavancar o mercado. E um mercado em ascenso significava que riscos maiores poderiam ser assumidos, porque os ativos de garantia por trás das dívidas (imóveis residenciais) haviam aumentado de valor.

Em 2001, os empréstimos subprime somaram 8.6% (190 bilhões de dólares) da procedência de hipotecas. Até 2005, eles haviam crescido até 20% (US$ 625 bilhões). Estas hipotecas foram então vendidas na forma de ativos financeiros. Em 2001, os chamados “subprimes securitizados” somaram apenas US$ 95 bilhões, até 2005 esse número chegou a US$ 507 bilhões.

Em tempos passados, os bancos que geravam as hipotecas tinham que avaliar o risco. Essa era a época do assim chamado 3-6-3: contrair empréstimo de dinheiro a 3%, emprestar a compradores de imóvel a 6% e ir jogar golfe às 3 da tarde.

No novo mundo financeiro a avaliação de risco foi em grande parte extinta. Não havia necessidade para que credores de hipoteca cumprissem essa tarefa porque a hipoteca seria passada adiante a outra instituição. O gerador da hipoteca não correria este risco. Como se esperava que o risco fosse avaliado? Por agências de avaliação de risco como a Standard and Poor’s, Moody’s e a Fitch. Elas desempenhavam um papel fundamental assegurando que os pacotes de dívidas baseados em subprimes e outras hipotecas arriscadas recebiam uma avaliação, e era de seu interesse que o fizessem.

De acordo com um recente estudo sobre a crise do subprime, as taxas pagas às agências para ajudar a comercializar os títulos de hipotecas “eram aproximadamente o dobro do que eram para avaliar títulos corporativos (o negócio tradicional de avaliar firmas). Moody’s recebeu 44% de sua receita de 2006 das avaliações a ‘financiamentos estruturados’ (empréstimos estudantis, dívidas de cartão de crédito e hipotecas)”.¹

Agora todo o mercado de subprime desabou. É estimado que “muito mais do que um trilhão de dólares de hipotecas subprime americanas perderão metade de seu valor”. (idem, p. 22)

A expansão do crédito não só levantou o preço dos imóveis, mas levou a um aumento ainda maior no endividamento. “Enquanto os valores de propriedade imobiliária dobraram facilmente na última década de US$ 10 trilhões em 1997 a muito mais do que US$ 20 trilhões em 2005, as obrigações hipotecárias residenciais cresceram ainda mais rápido, de menos que US$ 2 trilhões em 1997 a US$ 10 trilhões em 2005. (Realmente, entre 2002-2006 o crédito total cresceu em US$ 8 trilhões enquanto que o PIB cresceu somente em US$ 2,8 trilhões).” (ibidem, p. 27)

Um dos mecanismos principais na criação desta bolha financeira é a securitização de hipotecas (a junção de um grande número de hipotecas em pacotes de dívidas que são então vendidos a terceiros). Isto supostamente moveria o risco dos balanços patrimoniais de bancos e outras instituições financeiras. Mas o que ocorreu é que o risco que foi então chutado pela porta da frente retornou pela porta de trás porque as dívidas de risco foram compradas por organizações criadas pelos bancos e não registráveis no balanço (as chamadas “veículos de investimento estruturado” - SIVs). O papel crescente das hipotecas subprime na criação destes títulos é tornado claro no seguinte gráfico publicado pelo FMI.

Crescendo rapidamente

Emissões de títulos hipotecários com grau inferior a de investimento incharam entre 2003 e 2006.

Bilhões de dólares (porcentagens do total)

Tipo - números...

Prime

Subprime

Alt-A

O processo de securitização significa que, fazendo uma volta, agora os bancos detêm pacotes de hipotecas geradas por organizações que não possuíam interesse em avaliar se eles poderiam ser administrados. Isso quer dizer que agora bancos detêm as dívidas de devedores cujos riscos nunca foram avaliados. Este processo, que gerou lucros imensos, estava baseado em uma hipótese crucial: que o oferecimento contínuo de crédito asseguraria que os preços de imóveis continuariam subindo para que não houvesse necessidade de avaliar o risco dos devedores, uma vez que em caso de inadimplência a casa poderia simplesmente ser vendida e concretizar um preço maior do que o da compra.

Essa hipótese havia funcionado bem por cerca de dez anos após 1994 e só começou a decepcionar em 2005-2006 quando [os preços] começaram a decair. Em 2004, o índice de preços de imóveis residenciais subiu 20% sobre o ano anterior. Em 2006, decaiu 5%.

Havia um erro inicial na bolha imobiliária: a renda da maioria avassaladora das famílias da classe trabalhadora, que tem que ser usada para amortizar sua dívida hipotecária, vem caindo ou estagnando-se desde o fim da última recessão em 2001. Nos últimos oito anos, o nível do PIB americano subiu em mais de 25%, enquanto os salários médios caíram em 4%.

Os problemas financeiros vão além do Mercado hipotecário subprime. No mercado de papéis comerciais, onde as firmas levantam dinheiro através da emissão de dívidas de curto prazo, há cerca de US$ 2,2 trilhões pendentes, dos quais US$ 1,2 trilhões são baseados em hipotecas residenciais, cartão de crédito a receber, financiamento de automóveis e outros títulos. Poderia haver até meio trilhão de dólares de papéis potencialmente sem valor detidos pelos maiores bancos. (Ibidem, p. 30)

Agora há alertas (ver, por exemplo, Financial Times, 14 de janeiro, 2008) de que os “credit default swaps” (um sistema de seguros contra o não cumprimento de obrigações de dívidas3) poderá ser a próxima área a entrar em crise.

Ninguém sabe ao certo a dimensão total das perdas. Quando a crise subprime começou a irromper, Bernanke fez uma estimativa de perdas ao redor de US$ 50 bilhões a US$ 100 bilhões. Agora, perdas esperadas variam de US$ 300 a 400 bilhões. Mas poderão ser muito mais. De acordo com uma estimativa, se os preços de imóveis residenciais caíssem 30%, as perdas de crédito poderiam alcançar US$ 900 bilhões.

Além da situação que os bancos enfrentam, há também a questão do impacto da depressão imobiliária nos gastos de consumo nos EUA, que desempenham papel tão decisivo no fornecimento de um mercado para os bens manufaturados da China e do resto da Ásia.

Com a renda real estagnada ou em queda para todos com exceção dos 20% mais ricos da população americana, o aumento no preço da casa própria cumpriu um papel decisivo no financiamento das dívidas cada vez maiores nas quais se afundava grande parte da população. Desde 2002, o total de refinanciamentos do tipo “cash out” (no qual o devedor refinancia a casa própria para retirar o dinheiro da possível valorização do imóvel) foi de US$ 1,2 trilhões, equivalentes a 46% do aumento nos gastos de consumo durante este período. As conseqüências sociais são devastadoras, como David North deixou claro em seu relatório à reunião nacional de membros do SEP (Partido Socialista da Igualdade) no início deste mês.²

“Assim, a queda do Mercado imobiliário privou a grande massa de trabalhadores americanos de um dos meios principais pelo qual ela buscava atenuar o fardo financeiro criado ao longo de três décadas e meia de estagnação salarial. A renda de um homem trabalhador ao redor de 30 anos de idade está agora 30% abaixo da de um trabalhador da mesma idade em 1978. Como notou o ex-secretário de Estado do Trabalho, Robert Reich, os “mecanismos de enfrentamento” empregados para lidar com a deflação salarial são: o forte movimento da entrada de mulheres na força de trabalho (de 38% em 1970 aos 70% atuais) e a adição de duas semanas à carga de trabalho. Americanos trabalham 350 horas a mais que a média européia.”

“Na virada do século XXI, quando os trabalhadores alcançaram o limite físico de sua habilidade de produzir dinheiro através do trabalho, eles começaram a depender cada vez mais de empréstimos, usando suas casas próprias como caução. Quando este meio de cruzar o precipício entre o rendimento e a necessidade desaparece, milhões deparam-se com o espectro de cair no abismo financeiro. Já durante a primeira metade de 2007, o número de falências pessoais aumentou 48%. O nível a que os trabalhadores são apertados até o limite em suas economias é confirmado pelo fato de que 27 milhões de trabalhadores terão que contrair empréstimos neste inverno para pagar despesas tão básicas como aquecimento. Mas o uso de cartão de crédito está se tornando tão problemático quanto os empréstimos imobiliários. Quando todos os meios individuais e tradicionais de enfrentar os problemas econômicos se esgotam, a classe trabalhadora é obrigada a recorrer ao único meio através do qual ela pode se defender: o da luta social e política consciente e coletiva contra o sistema capitalista.”

Em sua análise da parte desempenhada pelas dívidas na manutenção deste processo, L. Randall Wray do instituto Levy prova que não é preciso um crash financeiro para transformar o que poderia ser um desaceleramento em uma profunda recessão.

“Mantidas inalteradas todas as outras coisas, se o setor privado reduzisse seus gastos a somente 97 centavos por cada dólar de sua renda, isso reduziria o PIB em meia dúzia de pontos percentuais. E se o setor privado ficasse realmente assustado, ele poderia reduzí-los a 90 centavos por dólar, como acontece em uma recessão, retirando um trilhão e meio do PIB, deixando um buraco enorme que raramente seria coberto pela explosão dos déficits orçamentários ou pelas exportações.” (idem p. 44)

Fica claro, mesmo sob o alcance limitado das estatísticas, que a ordem capitalista mundial está sofrendo uma série de problemas que atingiram o cerne do sistema financeiro global. Martin Wolf do Financial Times advertiu que isto é o fim do modelo anglo-saxão. Malcolm Knight, o diretor geral do Banco de Compensações Internacionais (BIS, espécie de BC dos bancos internacionais), chamou atenção para o colapso do modelo “originar e distribuir” que está no centro das inovações financeiras da última década.

É amplamente reconhecido que os métodos e práticas financeiras desenvolvidos no último período geraram sérios problemas. Porém, esses métodos não foram planejados por nenhum comerciante picareta que por acaso acabou tomando controle da situação. Essas práticas foram endossadas nos mais altos níveis bancários e financeiros e foram entrelaçadas com desenvolvimentos da própria economia global. Não se trata, portanto, simplesmente de fazer outra tentativa, ou reverter o processo com métodos menos arriscados, como se isso fosse apenas uma questão de experimentar um outro par de sapatos.

Há agora amplo reconhecimento que a crise dos créditos traz implicações mais sérias para a estabilidade da economia capitalista mundial.

O texto continua em mais três partes

Notas:
1. (L Randall Wray, “Lessons from the Subprime Meltdown,” Levy Economics Institute, December 2007, p. 21).
2. (Ver “Notes on the political and economic crisis of the world capitalist system and the perspective and tasks of the Socialist Equality Party”).