Publicamos abaixo a segunda e última parte de um
artigo baseado em um relato feito por Peter Schwartz, membro do
Comitê Editorial do Site Socialista de Interligação
Mundial e secretário do Comitê Internacional da Quarta
Internacional, em um encontro do Partido da Igualdade Socialista
da Alemanha, ocorrido em Berlim no dia 7 de janeiro de 2012. A
primeira parte foi publicada
neste site no dia 19/02.
O poder da aristocracia financeira
É significativo que, apesar da crise econômica
mundial, o total acumulado pelos milionários europeus aumentou
mais rapidamente nos últimos anos do que a dívida
de todos os governos europeus somadas. As fortunas desses 3 milhões
de milionários dobrou nos últimos 13 anos, ao passo
que as dívidas governamentais demoraram 15 anos para registrar
a mesma porcentagem de crescimento. As riquezas totais dos milionários
europeus chegaram agora a cerca de U$ 10 trilhões. Essa
quantia é quase suficiente para pagar a dívida total
de todos os países europeus em uma tacada.
Somente na Alemanha, cerca de 830 mil milionários têm
a sua disposição títulos financeiros que
somam 2,2 trilhões. Isso é mais do que as
dívidas municipais, estaduais e federal dos governos do
país. Uma das publicações econômicas
mais prestigiadas, o Handelsblatt, estima que os gregos ricos
têm 560 bilhões guardados em contas no exterior,
o que representa mais do que o dobro da dívida nacional
grega.
O crescimento explosive dessas fortunas deve-se à intensificada
exploração da classe trabalhadora e de enormes cortes
de impostos para empresas e para aqueles que ganham grandes salários.
Se os cortes de impostos para os grandes negócios e para
o setor financeiro na Alemanha da última década
fossem revertidos, os cofres do Estado engordariam em mais de
100 bilhões.
Essas enormes riquezas foram fermentadas, isto
é, infladas pela especulação. E há
estatísticas muito interessantes em relação
a isso.
No início do século XX, o total de títulos
dos três maiores bancos da Grã-Bretanha igualava
7% do Produto Interno Bruto (PIB) britânico. No fim do século,
seus títulos haviam escalado para 75% e, em 2007, atingiram
200%.
O total dos títulos dos três maiores bancos britânicos,
dessa forma, somam mais do dobro do tamanho do produto interno
bruto britânico, ao mesmo tempo que o total de títulos
de todo o setor financeiro britânico agora representa mais
cinco vezes o PIB britânico. Em comparação
a seu próprio capital, os bancos britânicos agora
alocam dez vezes mais em empréstimos do que faziam cem
anos atrás. Naquela época, a soma de todos os empréstimos
representava o triplo dos capitais dos bancos. Hoje, a proporção
é de 30 vezes mais do que seus recursos.
Também nesse quesito, a Europa continental segue o mesmo
padrão, com um pequeno atraso. A soma dos títulos
do setor financeiro, tanto na Alemanha quanto na França,
é três vezes maior do que seus PIBs. Na Suíça,
o país recordista, é seis vezes maior.
Como vimos, essas enormes quantias de capital estão
concentradas nas mãos de uma pequena parcela da sociedade.
Mas os super-ricos não podem simplesmente armazenar suas
riquezas em cofres. Como disse Marx, o capital é trabalho
morto que, como vampiro, somente vive sugando trabalho vivo.
Ele vive a caçar lucros e juros. Se o capital é
retirado de seu ciclo econômico, ele rapidamente perde seu
valor.
Esta é a força por detrás da campanha
de austeridade que, levando em consideração a experiência
histórica do chanceler alemão Brüning (1930-1931),
parece se aproximar da loucura. Os gastos governamentais com educação,
formação profissional, saúde, pensões,
serviços públicos e infraestrutura são vistos
pela oligarquia financeira como um desvio ilegítimo de
sua acumulação de riquezas, assim como são
vistos os direitos e salários dos trabalhadores. Apesar
da profunda crise social, a elite financeira está indisposta
e é incapaz de ceder sequer uma parte de suas riquezas
e privilégios. Nesse sentido, ela se assemelha à
aristocracia francesa de antes de 1789. Naquela época,
havia apenas uma forma de finalmente se livrar da aristocracia:
por meio da revolução.
Nesse contexto, é sintomático que todos os grandes
partidos, sejam conservadores, social-democratas, verdes ou de
esquerda, apoiam os atuais programas de austeridade
e não oferecem nenhuma alternativa.
Dirigentes social-democratas como José Sócrates
(Portugal), George Papandreou (Grécia) e José Luis
Zapatero (Espanha) sacrificaram sua carreira política pessoal
e de seus partidos para empurrar programas de austeridade devastadores
diante da resistência de seus próprios eleitores.
Líderes conservadores como Angela Merkel (Alemanha), Nicolas
Sarkozy (França) e David Cameron (Grã-Bretanha)
deram o tom da contrarrevolução na Europa. Os verdes
promovem apaixonadamente a disciplina fiscal. E os sindicatos
abafam qualquer oposição às medidas de austeridade,
ao mesmo tempo que cooperam intimamente com seus respectivos governos.
O fato de que nenhum dos políticos no poder propõe
uma alternativa séria ao curso econômico da Europa
por si só já demonstra que não há
solução à crise no contexto do atual sistema
social.
A favor ou contra o Euro
Enquanto os vários setores das elites dominantes nacionais
concordam com a necessidade de medidas de austeridade, o aprofundamento
da crise está provocando sérios conflitos nacionais
e políticos entre eles.
Uma minoria agressiva está reivindicando a abolição
do Euro e da União Europeia. Esta minoria é composta
tanto por elementos nacionalistas de direita (como a Frente Nacional
na França; a Liga do Norte na Itália; o Partido
da Independência Britânica, na Grã-Bretanha
e o presidente da ex-Associação Federal da Indústria
Alemã, Hans Olaf Henkel, na Alemanha) e tendências
pequeno-burguesas de pseudoesquerda.
Um típico representante dessas tendências é
o professor Costas Lapavitsas, da Escola de Estudos Orientais
e Africanos da Universidade de Londres, que escreve regularmente
para o Guardian e para publicações como International
Viewpoint e Marx21. Lapavitsas reivindica o retorno da Grécia
ao drachma. Ele justifica sua proposta argumentando que assim
o país retomaria a soberania sobre sua política
econômica, desvalorizaria sua moeda, aumentaria as exportações
e traria uma recuperação econômica.
O professor Lapavitsas então propõe trocar o
empobrecimento da classe trabalhadora grega imposto por ditames
de austeridade da troika por uma política inflacionária
que iria cortar os salários reais, pensões e poupanças
e levar ao mesmo tipo de empobrecimento por outra via.
A recomendação de Lapavitsas acaba sendo uma
proposta de balcanização de uma Europa que se tornou
fortemente interligada economicamente. As consequências
de tal proposta seriam tão catastróficas quanto
a dissolução da Iugoslávia nos anos 1990.
Iria desencadear conflitos armados sobre fronteiras e propriedades,
assim como limpezas étnicas e guerras civis. Um estudo
do banco suíço UBS alertou sobre as consequências
de uma possível saída da Grécia da zona do
Euro: É notável que quase nenhuma união
monetária caiu sem que emergisse algum tipo de regime autoritário
ou militar, ou o início de uma guerra civil.
No entanto, as implicações desastrosas de uma
balcanização da Europa não significam que
devemos defender o Euro ou a União Europeia. A justificativa
de que a UE é equivalente à unificação
da Europa sempre foi uma mentira. A tarefa da UE nunca foi a de
conciliar contradições nacionais, sociais e econômicas,
mas reforçar os grandes negócios europeus diante
de seus rivais internacionais. Para este fim, a EU aumentou o
poder das maiores corporações e conglomerados industriais
ao mesmo tempo que reduzia salários e níveis de
vida, destruindo a vida de trabalhadores e levando países
inteiros à falência. Em última instância,
isso também leva à fragmentação da
Europa.
A questão de fortalecer a posição de competitividade
mundial do capital europeu fundamenta todos os debates sobre a
União Europeia. No início do novo milênio,
um encontro europeu em Lisboa formulou o objetivo de tornar a
União Europeia a economia com base de conhecimento
mais competitiva e dinâmica do mundo. Restou para
os propagandistas como o filósofo alemão Jürgen
Habermas, o historiador Heinrich August Winkler e Joschka Fischer,
do Partido Verde, a função de retratar a UE como
sendo o ápice atingido de uma longa evolução
a caminho da democracia e harmonia europeia.
A ideia amplamente divulgada de que a introdução
de uma moeda comum iria automaticamente levar à mitigação
de antagonismos dentro da Europa também se provou uma ilusão.
De fato, o contrário vem ocorrendo e os conflitos vêm
aumentando.
A economia alemã lucrou mais com o Euro e fortaleceu
sua posição dominante, ao passo que os Estados mais
fracos se tornaram ainda mais fracos. A indústria alemã
mais do que dobrou suas exportações desde a introdução
do Euro. Em 2007, ela registrou um superávit comercial
de quase 200 bilhões, enquanto que 19 dos 27 membros
da UE registraram um déficit de comércio exterior.
O Euro assegurou que a moeda alemã permanecesse estável
e relativamente baixa em valor tanto em nível europeu como
internacional, o que era extremamente favorável para a
indústria de exportações alemã. Tivesse
a Alemanha mantido o Marco como moeda, esse valor de câmbio
aumentaria significativamente. A introdução do Euro
surtiu efeito contrário nos países economicamente
mais frágeis, no sul e leste europeus. Seu comércio
e indústria eram incapazes de competir com importadores
dos Estados-membro mais fortes. Os preços e, em menor grau,
salários, aumentaram e prejudicaram a competitividade.
Diferentemente do passado, esta situação não
poderia mais ser reparada por uma desvalorização
das moedas nacionais.
O abismo que aumentava entre os países não era
imediatamente visível. A introdução do Euro
deu aos países mais frágeis acesso a empréstimos
a juros favoráveis. Isso fez disparar bolhas na especulação
e na indústria de construção na Espanha e
na Irlanda. No entanto, apenas a elite e alguns setores de classe
média se beneficiaram, ao passo que o Euro significou para
a classe trabalhadora o aumento de preços desde o começo,
assim como uma competição absurda para pequenos
negócios. A bolha finalmente estourou com o rompimento
da crise financeira internacional.
Inúmeras estatísticas demonstram a força
com que as divisões econômicas e sociais dentro da
União Europeia se aprofundaram desde a introdução
do Euro. A renda anual média de um trabalhador em uma grande
companhia varia em um fator que chega a 20 entre
43.000 na Dinamarca e 1.900 na Bulgária, de acordo
com estatísticas de 2006. A Grécia e a Espanha ocupam
uma posição intermediária, com 20.000.
A crise financeira de 2008 trouxe esses antagonismos à
tona. Os bancos europeus foram duramente atingidos. Eles haviam
investido em peso em ativos tóxicos americanos. Na Espanha,
a bolha da construção civil estourou, e na Irlanda,
o sistema bancário entrou em colapso. Os governos europeus
responderam usando enormes quantias dos fundos públicos
para resgatar os bancos e estimular a economia.
Esse é um dos motivos principais pelo aumento da dívida
governamental. Dentro de um curto período, a dívida
total do Estado irlandês subiu de 25% do PIB para 100% porque
o governo decidiu emitir uma garantia para cobrir todas as perdas
especulativas dos bancos.
Agora, os mercados financeiros estão usando o dinheiro
público dos resgates aos bancos para especular contra os
vários Estados que contraíram enormes dívidas
justamente ao resgatar os bancos. As contradições
internas e as proporções relativamente altas dos
gastos públicos tornam a Europa particularmente vulnerável.
Todos os partidos estabelecidos, assim como os sindicatos,
estão agora reivindicando que a classe trabalhadora faça
sacrifícios para preservar a União Europeia e resgatar
o Euro. Nós rejeitamos essa posição categoricamente.
Não há nada sobre a UE ou suas instituições
que seja progressista ou valha a pena ser defendido. Não
nos intimidaremos pela ameaça de que a falência da
UE trará sérias consequências.
A balcanização (a fragmentação
da UE em seus países-membros individuais) e a austeridade
(o resgate da UE por meio de cortes em gastos públicos
e da redução de salários) são meramente
duas estratégias empregadas pelo capital financeiro para
atacar a classe trabalhadora. Não é nosso papel
apoiar um ou outro campo da burguesia neste conflito. E isso,
no entanto, é justamente ao que se resume a política
das organizações de pseudoesquerda. Eles estão
discutindo fervorosamente sobre se unir aos propositores ou aos
opositores da UE da classe dominante.
Nos posicionamos por uma perspectiva independente que permitirá
à classe trabalhadora intervir nos eventos políticos
por si própria. O que é central em nossa perspectiva
é a unificação da classe trabalhadora europeia
na luta por um programa socialista.
Na era da economia mundial, o potencial econômico e cultural
do continente não pode se desenvolver sem superar sua divisão
em diversos pequenos Estados. Porém, tal união é
impensável sob o capitalismo. No início do século
passado, Leon Trotsky já havia apontado que a burguesia
é organicamente incapaz de unificar a Europa. A única
forma concebível de unidade para eles é
o domínio das nações mais frágeis
pelas mais fortes, como tentou fazer, e falhou, a Alemanha na
Primeira e Segunda Guerra Mundial.
A análise de Trotsky foi confirmada pela crise atual.
A União Europeia se tornou um sinônimo de destruição
das vidas da população trabalhadora, e suas políticas
foram recebidas com revolta, ódio e oposição
em todos os lugares. A única forma concebível pela
qual a Europa pode de fato se unir é construindo a União
dos Estados Socialistas da Europa: uma federação
de governos operários que exproprie os grandes bancos,
companhias e bens dos super-ricos e coloque esses recursos a serviço
das necessidades da população, em vez de a serviço
do lucro privado.
Disciplina fiscal ou abertura das comportas financeiras
Além das diferenças sobre os rumos da UE, a classe
dominante está dividida em relação à
política financeira. O governo alemão, principalmente,
insiste em uma rígida disciplina fiscal, ao mesmo tempo
que os EUA, a Grã-Bretanha e, até certo ponto, defendem
uma política fiscal mais generosa. Eles querem aliviar
a pressão sobre as taxas de juro para os países
endividados emitindo títulos de Euro, e resolver o problema
de liquidez dos bancos permitindo que o Banco Central Europeu
imprima mais dinheiro.
Eles não estão propondo pacotes de criação
de empregos, projetos de infraestrutura ou outras medidas como
aquelas tomadas por Franklin D. Roosevelt nos anos 1930 como parte
do New Deal. Em vez disso, propõem uma remessa mais generosa
de dinheiro aos bancos. Todos os advogados de uma política
fiscal mais generosa reivindicam, simultaneamente, cortes em gastos
públicos.
Nessa questão também nos recusamos a nos alinhar
com um ou outro campo da burguesia. O Partido Social-Democrata
(SPD), os verdes e o Partido de Esquerda na Alemanha reivindicam
títulos de Euro e uma política financeira mais estimuladora
por parte do Banco Central Europeu. Nos anos 1930, Trotsky escreveu
decisivamente em relação a um assunto parecido em
seu Programa de ação:
Tentando emergir do caos em que afundou o país,
a burguesia francesa primeiro deve resolver seu problema financeiro.
Um setor deseja fazer isso por meio da inflação,
isto é, a emissão de papel-moeda, a depreciação
dos salários, o aumento do custo de vida, a expropriação
da pequena burguesia; o outro, por meio da deflação,
isto é, retração sobre as costas dos trabalhadores
(diminuindo salários e pagamentos), aumento do desemprego,
arruinando os pequenos produtores camponeses e a pequena burguesia
das cidades.
Ambas as alternativas significam o aumento da miséria
dos explorados. Escolher entre esses dois métodos capitalistas
seria escolher entre dois instrumentos com quais os exploradores
vão cortar as gargantas dos trabalhadores. [...]
Ao programa de deflação, à redução
de seus meios de subsistência, os trabalhadores devem contrapor
seu próprio programa para transformar os fundamentos das
relações sociais por meio da completa deflação
dos privilégios e lucros dos bandos de Oustrics e Staviskys
[especuladores] que exploram o país! Este é o único
caminho da salvação.
Hoje, pouco deve ser acrescentado a essas palavras. A luta
pelos Estados Unidos Socialistas da Europa é inseparavelmente
ligada à mobilização da classe trabalhadora
para defender todas as suas conquistas sociais democráticas.
Isso requer um rompimento organizativo com todos os partidos e
sindicatos que defendem o capitalismo, assim como a construção
de seções do Comitê Internacional da Quarta
Internacional.