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As origens da crise do Euro - parte 2

Por Peter Schwarz
1 de março de 2012

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Publicamos abaixo a segunda e última parte de um artigo baseado em um relato feito por Peter Schwartz, membro do Comitê Editorial do Site Socialista de Interligação Mundial e secretário do Comitê Internacional da Quarta Internacional, em um encontro do Partido da Igualdade Socialista da Alemanha, ocorrido em Berlim no dia 7 de janeiro de 2012. A primeira parte foi publicada neste site no dia 19/02.

O poder da aristocracia financeira

É significativo que, apesar da crise econômica mundial, o total acumulado pelos milionários europeus aumentou mais rapidamente nos últimos anos do que a dívida de todos os governos europeus somadas. As fortunas desses 3 milhões de milionários dobrou nos últimos 13 anos, ao passo que as dívidas governamentais demoraram 15 anos para registrar a mesma porcentagem de crescimento. As riquezas totais dos milionários europeus chegaram agora a cerca de U$ 10 trilhões. Essa quantia é quase suficiente para pagar a dívida total de todos os países europeus em uma tacada.

Somente na Alemanha, cerca de 830 mil milionários têm a sua disposição títulos financeiros que somam € 2,2 trilhões. Isso é mais do que as dívidas municipais, estaduais e federal dos governos do país. Uma das publicações econômicas mais prestigiadas, o Handelsblatt, estima que os gregos ricos têm € 560 bilhões guardados em contas no exterior, o que representa mais do que o dobro da dívida nacional grega.

O crescimento explosive dessas fortunas deve-se à intensificada exploração da classe trabalhadora e de enormes cortes de impostos para empresas e para aqueles que ganham grandes salários. Se os cortes de impostos para os grandes negócios e para o setor financeiro na Alemanha da última década fossem revertidos, os cofres do Estado engordariam em mais de € 100 bilhões.

Essas enormes riquezas foram “fermentadas”, isto é, infladas pela especulação. E há estatísticas muito interessantes em relação a isso.

No início do século XX, o total de títulos dos três maiores bancos da Grã-Bretanha igualava 7% do Produto Interno Bruto (PIB) britânico. No fim do século, seus títulos haviam escalado para 75% e, em 2007, atingiram 200%.

O total dos títulos dos três maiores bancos britânicos, dessa forma, somam mais do dobro do tamanho do produto interno bruto britânico, ao mesmo tempo que o total de títulos de todo o setor financeiro britânico agora representa mais cinco vezes o PIB britânico. Em comparação a seu próprio capital, os bancos britânicos agora alocam dez vezes mais em empréstimos do que faziam cem anos atrás. Naquela época, a soma de todos os empréstimos representava o triplo dos capitais dos bancos. Hoje, a proporção é de 30 vezes mais do que seus recursos.

Também nesse quesito, a Europa continental segue o mesmo padrão, com um pequeno atraso. A soma dos títulos do setor financeiro, tanto na Alemanha quanto na França, é três vezes maior do que seus PIBs. Na Suíça, o país recordista, é seis vezes maior.

Como vimos, essas enormes quantias de capital estão concentradas nas mãos de uma pequena parcela da sociedade. Mas os super-ricos não podem simplesmente armazenar suas riquezas em cofres. Como disse Marx, o capital é “trabalho morto que, como vampiro, somente vive sugando trabalho vivo”. Ele vive a caçar lucros e juros. Se o capital é retirado de seu ciclo econômico, ele rapidamente perde seu valor.

Esta é a força por detrás da campanha de austeridade que, levando em consideração a experiência histórica do chanceler alemão Brüning (1930-1931), parece se aproximar da loucura. Os gastos governamentais com educação, formação profissional, saúde, pensões, serviços públicos e infraestrutura são vistos pela oligarquia financeira como um desvio ilegítimo de sua acumulação de riquezas, assim como são vistos os direitos e salários dos trabalhadores. Apesar da profunda crise social, a elite financeira está indisposta e é incapaz de ceder sequer uma parte de suas riquezas e privilégios. Nesse sentido, ela se assemelha à aristocracia francesa de antes de 1789. Naquela época, havia apenas uma forma de finalmente se livrar da aristocracia: por meio da revolução.

Nesse contexto, é sintomático que todos os grandes partidos, sejam conservadores, social-democratas, verdes ou de “esquerda”, apoiam os atuais programas de austeridade e não oferecem nenhuma alternativa.

Dirigentes social-democratas como José Sócrates (Portugal), George Papandreou (Grécia) e José Luis Zapatero (Espanha) sacrificaram sua carreira política pessoal e de seus partidos para empurrar programas de austeridade devastadores diante da resistência de seus próprios eleitores. Líderes conservadores como Angela Merkel (Alemanha), Nicolas Sarkozy (França) e David Cameron (Grã-Bretanha) deram o tom da contrarrevolução na Europa. Os verdes promovem apaixonadamente a disciplina fiscal. E os sindicatos abafam qualquer oposição às medidas de austeridade, ao mesmo tempo que cooperam intimamente com seus respectivos governos.

O fato de que nenhum dos políticos no poder propõe uma alternativa séria ao curso econômico da Europa por si só já demonstra que não há solução à crise no contexto do atual sistema social.

A favor ou contra o Euro

Enquanto os vários setores das elites dominantes nacionais concordam com a necessidade de medidas de austeridade, o aprofundamento da crise está provocando sérios conflitos nacionais e políticos entre eles.

Uma minoria agressiva está reivindicando a abolição do Euro e da União Europeia. Esta minoria é composta tanto por elementos nacionalistas de direita (como a Frente Nacional na França; a Liga do Norte na Itália; o Partido da Independência Britânica, na Grã-Bretanha e o presidente da ex-Associação Federal da Indústria Alemã, Hans –Olaf Henkel, na Alemanha) e tendências pequeno-burguesas de pseudoesquerda.

Um típico representante dessas tendências é o professor Costas Lapavitsas, da Escola de Estudos Orientais e Africanos da Universidade de Londres, que escreve regularmente para o Guardian e para publicações como International Viewpoint e Marx21. Lapavitsas reivindica o retorno da Grécia ao drachma. Ele justifica sua proposta argumentando que assim o país retomaria a soberania sobre sua política econômica, desvalorizaria sua moeda, aumentaria as exportações e traria uma recuperação econômica.

O professor Lapavitsas então propõe trocar o empobrecimento da classe trabalhadora grega imposto por ditames de austeridade da troika por uma política inflacionária que iria cortar os salários reais, pensões e poupanças e levar ao mesmo tipo de empobrecimento por outra via.

A recomendação de Lapavitsas acaba sendo uma proposta de balcanização de uma Europa que se tornou fortemente interligada economicamente. As consequências de tal proposta seriam tão catastróficas quanto a dissolução da Iugoslávia nos anos 1990. Iria desencadear conflitos armados sobre fronteiras e propriedades, assim como limpezas étnicas e guerras civis. Um estudo do banco suíço UBS alertou sobre as consequências de uma possível saída da Grécia da zona do Euro: “É notável que quase nenhuma união monetária caiu sem que emergisse algum tipo de regime autoritário ou militar, ou o início de uma guerra civil”.

No entanto, as implicações desastrosas de uma balcanização da Europa não significam que devemos defender o Euro ou a União Europeia. A justificativa de que a UE é equivalente à unificação da Europa sempre foi uma mentira. A tarefa da UE nunca foi a de conciliar contradições nacionais, sociais e econômicas, mas reforçar os grandes negócios europeus diante de seus rivais internacionais. Para este fim, a EU aumentou o poder das maiores corporações e conglomerados industriais ao mesmo tempo que reduzia salários e níveis de vida, destruindo a vida de trabalhadores e levando países inteiros à falência. Em última instância, isso também leva à fragmentação da Europa.

A questão de fortalecer a posição de competitividade mundial do capital europeu fundamenta todos os debates sobre a União Europeia. No início do novo milênio, um encontro europeu em Lisboa formulou o objetivo de tornar a União Europeia “a economia com base de conhecimento mais competitiva e dinâmica do mundo”. Restou para os propagandistas como o filósofo alemão Jürgen Habermas, o historiador Heinrich August Winkler e Joschka Fischer, do Partido Verde, a função de retratar a UE como sendo o ápice atingido de uma longa evolução a caminho da democracia e harmonia europeia.

A ideia amplamente divulgada de que a introdução de uma moeda comum iria automaticamente levar à mitigação de antagonismos dentro da Europa também se provou uma ilusão. De fato, o contrário vem ocorrendo e os conflitos vêm aumentando.

A economia alemã lucrou mais com o Euro e fortaleceu sua posição dominante, ao passo que os Estados mais fracos se tornaram ainda mais fracos. A indústria alemã mais do que dobrou suas exportações desde a introdução do Euro. Em 2007, ela registrou um superávit comercial de quase € 200 bilhões, enquanto que 19 dos 27 membros da UE registraram um déficit de comércio exterior.

O Euro assegurou que a moeda alemã permanecesse estável e relativamente baixa em valor tanto em nível europeu como internacional, o que era extremamente favorável para a indústria de exportações alemã. Tivesse a Alemanha mantido o Marco como moeda, esse valor de câmbio aumentaria significativamente. A introdução do Euro surtiu efeito contrário nos países economicamente mais frágeis, no sul e leste europeus. Seu comércio e indústria eram incapazes de competir com importadores dos Estados-membro mais fortes. Os preços e, em menor grau,
salários, aumentaram e prejudicaram a competitividade. Diferentemente do passado, esta situação não poderia mais ser reparada por uma desvalorização das moedas nacionais.

O abismo que aumentava entre os países não era imediatamente visível. A introdução do Euro deu aos países mais frágeis acesso a empréstimos a juros favoráveis. Isso fez disparar bolhas na especulação e na indústria de construção na Espanha e na Irlanda. No entanto, apenas a elite e alguns setores de classe média se beneficiaram, ao passo que o Euro significou para a classe trabalhadora o aumento de preços desde o começo, assim como uma competição absurda para pequenos negócios. A bolha finalmente estourou com o rompimento da crise financeira internacional.

Inúmeras estatísticas demonstram a força com que as divisões econômicas e sociais dentro da União Europeia se aprofundaram desde a introdução do Euro. A renda anual média de um trabalhador em uma grande companhia varia em um fator que chega a 20 – entre € 43.000 na Dinamarca e € 1.900 na Bulgária, de acordo com estatísticas de 2006. A Grécia e a Espanha ocupam uma posição intermediária, com € 20.000.

A crise financeira de 2008 trouxe esses antagonismos à tona. Os bancos europeus foram duramente atingidos. Eles haviam investido em peso em ativos tóxicos americanos. Na Espanha, a bolha da construção civil estourou, e na Irlanda, o sistema bancário entrou em colapso. Os governos europeus responderam usando enormes quantias dos fundos públicos para resgatar os bancos e estimular a economia.

Esse é um dos motivos principais pelo aumento da dívida governamental. Dentro de um curto período, a dívida total do Estado irlandês subiu de 25% do PIB para 100% porque o governo decidiu emitir uma garantia para cobrir todas as perdas especulativas dos bancos.

Agora, os mercados financeiros estão usando o dinheiro público dos resgates aos bancos para especular contra os vários Estados que contraíram enormes dívidas justamente ao resgatar os bancos. As contradições internas e as proporções relativamente altas dos gastos públicos tornam a Europa particularmente vulnerável.

Todos os partidos estabelecidos, assim como os sindicatos, estão agora reivindicando que a classe trabalhadora faça sacrifícios para preservar a União Europeia e resgatar o Euro. Nós rejeitamos essa posição categoricamente. Não há nada sobre a UE ou suas instituições que seja progressista ou valha a pena ser defendido. Não nos intimidaremos pela ameaça de que a falência da UE trará sérias consequências.

A balcanização (a fragmentação da UE em seus países-membros individuais) e a austeridade (o “resgate” da UE por meio de cortes em gastos públicos e da redução de salários) são meramente duas estratégias empregadas pelo capital financeiro para atacar a classe trabalhadora. Não é nosso papel apoiar um ou outro campo da burguesia neste conflito. E isso, no entanto, é justamente ao que se resume a política das organizações de pseudoesquerda. Eles estão discutindo fervorosamente sobre se unir aos propositores ou aos opositores da UE da classe dominante.

Nos posicionamos por uma perspectiva independente que permitirá à classe trabalhadora intervir nos eventos políticos por si própria. O que é central em nossa perspectiva é a unificação da classe trabalhadora europeia na luta por um programa socialista.

Na era da economia mundial, o potencial econômico e cultural do continente não pode se desenvolver sem superar sua divisão em diversos pequenos Estados. Porém, tal união é impensável sob o capitalismo. No início do século passado, Leon Trotsky já havia apontado que a burguesia é organicamente incapaz de unificar a Europa. A única forma concebível de “unidade” para eles é o domínio das nações mais frágeis pelas mais fortes, como tentou fazer, e falhou, a Alemanha na Primeira e Segunda Guerra Mundial.

A análise de Trotsky foi confirmada pela crise atual. A União Europeia se tornou um sinônimo de destruição das vidas da população trabalhadora, e suas políticas foram recebidas com revolta, ódio e oposição em todos os lugares. A única forma concebível pela qual a Europa pode de fato se unir é construindo a União dos Estados Socialistas da Europa: uma federação de governos operários que exproprie os grandes bancos, companhias e bens dos super-ricos e coloque esses recursos a serviço das necessidades da população, em vez de a serviço do lucro privado.

Disciplina fiscal ou abertura das comportas financeiras

Além das diferenças sobre os rumos da UE, a classe dominante está dividida em relação à política financeira. O governo alemão, principalmente, insiste em uma rígida disciplina fiscal, ao mesmo tempo que os EUA, a Grã-Bretanha e, até certo ponto, defendem uma política fiscal mais generosa. Eles querem aliviar a pressão sobre as taxas de juro para os países endividados emitindo títulos de Euro, e resolver o problema de liquidez dos bancos permitindo que o Banco Central Europeu imprima mais dinheiro.

Eles não estão propondo pacotes de criação de empregos, projetos de infraestrutura ou outras medidas como aquelas tomadas por Franklin D. Roosevelt nos anos 1930 como parte do New Deal. Em vez disso, propõem uma remessa mais generosa de dinheiro aos bancos. Todos os advogados de uma política fiscal mais generosa reivindicam, simultaneamente, cortes em gastos públicos.

Nessa questão também nos recusamos a nos alinhar com um ou outro campo da burguesia. O Partido Social-Democrata (SPD), os verdes e o Partido de Esquerda na Alemanha reivindicam títulos de Euro e uma política financeira mais estimuladora por parte do Banco Central Europeu. Nos anos 1930, Trotsky escreveu decisivamente em relação a um assunto parecido em seu Programa de ação:

“Tentando emergir do caos em que afundou o país, a burguesia francesa primeiro deve resolver seu problema financeiro. Um setor deseja fazer isso por meio da inflação, isto é, a emissão de papel-moeda, a depreciação dos salários, o aumento do custo de vida, a expropriação da pequena burguesia; o outro, por meio da deflação, isto é, retração sobre as costas dos trabalhadores (diminuindo salários e pagamentos), aumento do desemprego, arruinando os pequenos produtores camponeses e a pequena burguesia das cidades.

Ambas as alternativas significam o aumento da miséria dos explorados. Escolher entre esses dois métodos capitalistas seria escolher entre dois instrumentos com quais os exploradores vão cortar as gargantas dos trabalhadores. [...]

Ao programa de deflação, à redução de seus meios de subsistência, os trabalhadores devem contrapor seu próprio programa para transformar os fundamentos das relações sociais por meio da completa “deflação” dos privilégios e lucros dos bandos de Oustrics e Staviskys [especuladores] que exploram o país! Este é o único caminho da salvação.”

Hoje, pouco deve ser acrescentado a essas palavras. A luta pelos Estados Unidos Socialistas da Europa é inseparavelmente ligada à mobilização da classe trabalhadora para defender todas as suas conquistas sociais democráticas. Isso requer um rompimento organizativo com todos os partidos e sindicatos que defendem o capitalismo, assim como a construção de seções do Comitê Internacional da Quarta Internacional.

Fim
(traduzido por movimentonn.org