O texto seguinte é a segunda parte de palestras de
Nick Beams, secretário nacional do Socialist Equality Party
(SEP) na Austrália e membro do comite editorial internacional
do World Socialist Web Site, realizadas em encontros públicos
em Sydney e Melbourne nos dias 9 e 15 de abril.
O SEP e o International Students for Social Equality chamaram
os encontros públicos para discutir o significado para
o mundo do aprofundamento da crise que arruína o sistema
financeiro e bancário dos EUA. Em ambos os encontros foi
alto o comparecimento, com a audiência incluindo trabalhadores
e estudantes universitários, alguns do exterior. Após
o relato de Beams, houve discussões importantes cobrindo
uma ampla gama de questões sobre as causas e implicações
do caos financeiro. A primeira parte
foi publicada no dia 6 de maio 2008 e a segunda
parte o dia 7 de maio 2008.
Quais as implicações dessa crise econômica
e financeira?
No documento do conselho editorial publicado no World Socialist
Web Site no dia 18 de março, explicávamos que
as tarefas políticas postas para a classe trabalhadora
estavam centradas na luta por um programa socialista internacional
que almeja acabar com a subordinação da economia
aos interesses do lucro privado e que se utiliza da vasta riqueza
que é criada pelo trabalho da classe trabalhadora pelo
mundo afora em benefício de todos.
Seria isso mera retórica? Não haveria talvez
algum tipo de reforma do sistema financeiro mais imediata, prática,
a qual possamos apoiar?
Examinemos as possíveis propostas. Uma defende novos
mecanismos regulatórios para controlar as práticas
mais predatórias que levaram ao desastre atual. Mas aqui,
parece-nos já termos ouvido isso antes em algum lugar.
Não foi justamente isso o que foi proposto no início
do colapso da Enron e da World Com no final dos anos 90? E qual
o resultado? O tipo de atividade criminosa de que estas duas (e
outras) companhias se tornaram sinônimos, apenas se ampliou
em escala ainda maior.
Houve até legislação, introduzida na forma
do Ato de parlamento Sarbanes-Oxley de 2002. Bush transformou-o
em lei em julho de 2002, declarando que ele traria as reformas
de mais amplo alcance sobre as práticas de mercado americanas
desde o tempo de Franklin D. Roosevelt.
Mas essa legislação esteve sob fogo, desde então,
pois a regulamentação mais rígida tornou
Wall Street desvantajosa enquanto centro financeiro em relação
à Londres. Assim, a recente proposta regulatória
do secretário do Tesouro Henry Paulson procura justamente
diminuir, e não aumentar, a vigilância sobre o sistema
financeiro. Em outras palavras, a regulação, quando
o mercado financeiro é de alcance mundial e é também
alvo de competição feroz entre os diferentes mercados
localizados nacionalmente, é uma fantasia.
Além do mais, a própria natureza de uma crise
financeira é resultado de procedimentos regulatórios
para a falência. Anteriormente, citamos o comentário
do presidente do SEC, Cox, afirmando que o Bear Stearns havia
atendido a todos os padrões de supervisão. De fato
isso ocorreu. Mas estes padrões se mostraram completamente
inúteis. A razão está na natureza irracional
do próprio mercado, que da forma como funciona se baseia
nos interesses privados de grandes instituições
financeiras.
Existe uma contradição fundamental bem no cerne
do mercado que nenhum tipo de regulação é
capaz de prevenir - isto é, a contradição
entre a racionalidade individual e a irracionalidade do sistema
como um todo.
Indivíduos sobre-endividados ou empresas individuais
têm apenas três opções: cortar gastos,
vender ações ou declarar falência. Mas se
pessoas cortam demais seus gastos, uma baixa na economia irá
ocorrer, causando problemas. Se ações são
vendidas em demasia, seu valor irá cair ainda mais, levando
à pressão para que sejam vendidas antes que seu
valor volte a cair novamente. E se muitos vão à
falência, acionando seus intermediários financeiros
que provém seguros, estes são também atingidos.
Em outras palavras, ao mesmo tempo que do ponto de vista de um
indivíduo possa parecer completamente racional tomar essas
medidas, as conseqüências disso podem piorar ainda
mais a situação geral.
Em discurso no dia 6 de março, o presidente do Banco
Federal Reserve de Nova Iorque, Timothy Geithner, explicou
de que maneira essa contradição se revela.
O presente episódio tem uma dinâmica em
comum com todas as crises passadas. Como participantes do mercado
mudaram para reduzir sua exposição à perdas
futuras, pisando no freio, o freio virou acelerador, aumentando
a colisão. O risco mensurável tem aumentado numa
velocidade muito maior do que boa parte das instituições
têm sido capazes de reduzí-lo, e as tentativas que
houveram de reduzí-lo aumentaram a volatilidade e pressionaram
os preços para baixo, aumentando, assim, a exposição
ao risco. Incertezas quanto ao valor de mercado das securities
e sobre os riscos de contrapartida aumentaram, e diversos fundos
não tiveram a performance desejada. As medidas racionais
tomadas mesmo pelas mais fortes instituições financeiras,
para reduzir a exposição a perdas futuras, causaram
danos colaterais significativos ao funcionamento do mercado. Este,
na contrapartida, intensificou os problemas de liquidez para um
largo espectro de instituições bancárias
e não bancárias...
Em outras palavras, o que parece racional para a instituição
financeira individual pode produzir conseqüências desastrosas.
E Geithner continuou: Essa dinâmica auto-regulatória
dos mercados financeiros intensificou os riscos negativos ao crescimento
de uma economia que já se confronta com um ajuste significativo
no mercado imobiliário e de um significativo aumento nas
economias familiares.
Diante do aumento da exposição aos ativos de
risco, os bancos, ou seus SIVs (veículos estruturados de
investimento), correram para vendê-los, diminuindo sua exposição
e aumentando sua quantidade de dinheiro. Mas a conseqüência
é uma queda no preço desses ativos, piorando a situação
das outras instituições que os detinham. Isso leva,
em contrapartida, a um enfraquecimento posterior na posição
de outros bancos e instituições financeiras que
não haviam sido afetadas na queda inicial. Elas podem inclusive
sequer ter possuído o tipo de ativo que havia sido inicialmente
afetado.
O banco britânico Northern Rock, que entrou em colapso,
não foi exposto às hipotecas subprime dos
EUA. Mas ele era altamente dependente do dinheiro a curto-prazo
para os fundos que usava para financiar hipotecas. Como as taxas
de interesse nesse mercado começaram a subir, o Northern
Rock sucumbiu. Essa dinâmica alto-fortalecedora,
como Geithner a classifica, envolve vastas somas... Em alguns
casos, valores maiores do que economias inteiras. Pode parecer
completamente racional para uma instituição que
enfrenta problemas causados por ativos de risco vendê-los.
Mas essa ação racional pode levar a toda uma série
de vendas forçadas, resultando eventualmente numa crise
e colapso econômico de proporções ainda maiores.
Milhões de vidas de pessoas, seu bem-estar social, seus
empregos, a educação futura de seus filhos, são
dominados pelo funcionamento de um sistema sobre o qual elas não
têm nenhum controle e sobre o qual ninguém tem nenhum
controle. Isto é, a racionalidade do mercado para o banco
ou instituição financeira individual produz socialmente
irracionalidade e loucura. Essa loucura não pode ser curada
por mecanismos regulatórios, mas apenas pela abolição
do mercado financeiro e pela sua substituição por
um sistema de controle social sobre a riqueza e ativos criado
pelo trabalho da sociedade como um todo.
Revolução socialista
No desenvolvimento histórico do capitalismo, a perspectiva
para a revolução socialista está fundamentada
em processos objetivos. A crise financeira global atual constitui
a abertura de um novo capítulo dessa história.
Para compreender sua significância é necessário
colocá-la em um determinado contexto. Em 1919, no início
da Revolução Russa, Leon Trotsky comentou o fato
de que a imprensa naquele dia se preocupava com os nomes de Lênin,
o líder da revolução, e Woodrow Wilson, presidente
dos Estados Unidos, que havia viajado à Europa no afã
de impedir o avanço da revolução pelo resto
do continente europeu. Lênin e Wilson - aqui estão
os dois princípios apocalípticos da história
moderna, observou Trotsky.
Qual dos dois venceria? Hoje já sabemos a resposta.
Apenas com grande dificuldade, e apenas com a assistência
dada pelas lideranças stalinistas e social democratas através
de suas traições à classe trabalhadora, os
Estados Unidos - depois de três décadas de guerra
sangrenta, depressão, fascismo e da morte de dezenas de
milhões- puderam re-estabilizar o sistema capitalista mundial.
Do ponto de vista econômico, o novo equilíbrio
se apoiava na força do capitalismo americano. Agora temos
uma gravíssima crise - a mais severa desde a década
de 1930 - que golpeou o capitalismo mundial no seu cerne.
Essa crise significa o fim de toda um era na história.
Por décadas, os EUA funcionaram com estabilizadores do
capitalismo mundial. Agora, eles são os maiores desestabilizadores.
Assim como a ascensão do poderio econômico americano
mudou o curso da história mundial, sua queda terá
conseqüências de um alcance ainda maior.
O declínio do capitalismo americano se estende já
por décadas. No início dos anos 80, ele procurou
superar a primeira fase de seu declínio através
de um vasto processo de reestruturação. Mas os mesmos
processos que ele pôs em movimento naquela época
agora deram à crise proporções ainda mais
devastadoras.
Todas as contradições com as quais se confrontou
a classe trabalhadora nas primeiras décadas do século
XX e que levaram milhões de trabalhadores, juventude e
intelectuais de esquerda a ingressarem na luta pelo socialismo
internacional, retornaram com força renovada. Não
apenas enfrentamos a ameaça de um colapso global, se não
uma depressão, mas também uma crescente tensão
econômica entre os principais poderes capitalistas - resultando
do declínio dos EUA - fator que deve aumentar o risco de
guerras.
Pelos últimos 35 anos a economia mundial tem funcionado
tendo como base o dólar americano como principal reserva.
Isso tem conferido enormes vantagem aos EUA. Mas o declínio
do dólar significa que os Estados Unidos terão de
enfrentar ainda novos desafios à sua supremacia. E isso
não advém de más intenções
de quem quer que seja, mas se ergue da lógica própria
dos processos econômicos. Por quanto tempo pode o resto
do mundo capitalista - os velhos poderes na Europa e Japão,
ao lado das novas potências que surgem, China e Índia,
assim como os países exportadores de petróleo do
Oriente Médio - prosseguir financiando os EUA com em torno
de US$ 2 bilhões por dia, repondo vastas reservas dos instrumentos
de crédito que têm constantemente perdido seu valor?
Claro que todas as potências capitalistas têm interesse
em preservar a estabilidade global - afinal ninguém deseja
provocar uma crise. Porém, a um certo ponto, os custos
de manutenção do sistema atual se tornam proibitivos.
Como poderão os Estados Unidos responderem a tal situação?
No Iraque, já vimos a resposta a essa pergunta. Os EUA
irão procurar manter sua posição por meios
militares.
Mais uma vez, a humanidade global enfrenta o perigo de depressão
e de guerra. A única resposta a essa ameaça é
a luta por um programa socialista e internacionalista. É
esta a perspectiva do SEP e do CI-IV (1953).