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Sombras de 1929: as implicações globais do colapso bancário americano

Parte 3

Por Nick Beams
9 de maio de 2008

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O texto seguinte é a segunda parte de palestras de Nick Beams, secretário nacional do Socialist Equality Party (SEP) na Austrália e membro do comite editorial internacional do World Socialist Web Site, realizadas em encontros públicos em Sydney e Melbourne nos dias 9 e 15 de abril.

O SEP e o International Students for Social Equality chamaram os encontros públicos para discutir o significado para o mundo do aprofundamento da crise que arruína o sistema financeiro e bancário dos EUA. Em ambos os encontros foi alto o comparecimento, com a audiência incluindo trabalhadores e estudantes universitários, alguns do exterior. Após o relato de Beams, houve discussões importantes cobrindo uma ampla gama de questões sobre as causas e implicações do caos financeiro. A primeira parte foi publicada no dia 6 de maio 2008 e a segunda parte o dia 7 de maio 2008.

Quais as implicações dessa crise econômica e financeira?

No documento do conselho editorial publicado no World Socialist Web Site no dia 18 de março, explicávamos que as tarefas políticas postas para a classe trabalhadora estavam centradas na luta por um programa socialista internacional que “almeja acabar com a subordinação da economia aos interesses do lucro privado e que se utiliza da vasta riqueza que é criada pelo trabalho da classe trabalhadora pelo mundo afora em benefício de todos.”

Seria isso mera retórica? Não haveria talvez algum tipo de reforma do sistema financeiro mais imediata, prática, a qual possamos apoiar?

Examinemos as possíveis propostas. Uma defende novos mecanismos regulatórios para controlar as práticas mais predatórias que levaram ao desastre atual. Mas aqui, parece-nos já termos ouvido isso antes em algum lugar. Não foi justamente isso o que foi proposto no início do colapso da Enron e da World Com no final dos anos 90? E qual o resultado? O tipo de atividade criminosa de que estas duas (e outras) companhias se tornaram sinônimos, apenas se ampliou em escala ainda maior.

Houve até legislação, introduzida na forma do Ato de parlamento Sarbanes-Oxley de 2002. Bush transformou-o em lei em julho de 2002, declarando que ele traria “as reformas de mais amplo alcance sobre as práticas de mercado americanas desde o tempo de Franklin D. Roosevelt.”

Mas essa legislação esteve sob fogo, desde então, pois a regulamentação mais rígida tornou Wall Street desvantajosa enquanto centro financeiro em relação à Londres. Assim, a recente proposta regulatória do secretário do Tesouro Henry Paulson procura justamente diminuir, e não aumentar, a vigilância sobre o sistema financeiro. Em outras palavras, a regulação, quando o mercado financeiro é de alcance mundial e é também alvo de competição feroz entre os diferentes mercados localizados nacionalmente, é uma fantasia.

Além do mais, a própria natureza de uma crise financeira é resultado de procedimentos regulatórios para a falência. Anteriormente, citamos o comentário do presidente do SEC, Cox, afirmando que o Bear Stearns havia atendido a todos os padrões de supervisão. De fato isso ocorreu. Mas estes padrões se mostraram completamente inúteis. A razão está na natureza irracional do próprio mercado, que da forma como funciona se baseia nos interesses privados de grandes instituições financeiras.

Existe uma contradição fundamental bem no cerne do mercado que nenhum tipo de regulação é capaz de prevenir - isto é, a contradição entre a racionalidade individual e a irracionalidade do sistema como um todo.

Indivíduos sobre-endividados ou empresas individuais têm apenas três opções: cortar gastos, vender ações ou declarar falência. Mas se pessoas cortam demais seus gastos, uma baixa na economia irá ocorrer, causando problemas. Se ações são vendidas em demasia, seu valor irá cair ainda mais, levando à pressão para que sejam vendidas antes que seu valor volte a cair novamente. E se muitos vão à falência, acionando seus intermediários financeiros que provém seguros, estes são também atingidos. Em outras palavras, ao mesmo tempo que do ponto de vista de um indivíduo possa parecer completamente racional tomar essas medidas, as conseqüências disso podem piorar ainda mais a situação geral.

Em discurso no dia 6 de março, o presidente do Banco Federal Reserve de Nova Iorque, Timothy Geithner, explicou de que maneira essa contradição se revela.

“O presente episódio tem uma dinâmica em comum com todas as crises passadas. Como participantes do mercado mudaram para reduzir sua exposição à perdas futuras, pisando no freio, o freio virou acelerador, aumentando a colisão. O risco mensurável tem aumentado numa velocidade muito maior do que boa parte das instituições têm sido capazes de reduzí-lo, e as tentativas que houveram de reduzí-lo aumentaram a volatilidade e pressionaram os preços para baixo, aumentando, assim, a exposição ao risco. Incertezas quanto ao valor de mercado das securities e sobre os riscos de contrapartida aumentaram, e diversos fundos não tiveram a performance desejada. As medidas racionais tomadas mesmo pelas mais fortes instituições financeiras, para reduzir a exposição a perdas futuras, causaram danos colaterais significativos ao funcionamento do mercado. Este, na contrapartida, intensificou os problemas de liquidez para um largo espectro de instituições bancárias e não bancárias...

Em outras palavras, o que parece racional para a instituição financeira individual pode produzir conseqüências desastrosas.

E Geithner continuou: “Essa dinâmica auto-regulatória dos mercados financeiros intensificou os riscos negativos ao crescimento de uma economia que já se confronta com um ajuste significativo no mercado imobiliário e de um significativo aumento nas economias familiares.”

Diante do aumento da exposição aos ativos de risco, os bancos, ou seus SIVs (veículos estruturados de investimento), correram para vendê-los, diminuindo sua exposição e aumentando sua quantidade de dinheiro. Mas a conseqüência é uma queda no preço desses ativos, piorando a situação das outras instituições que os detinham. Isso leva, em contrapartida, a um enfraquecimento posterior na posição de outros bancos e instituições financeiras que não haviam sido afetadas na queda inicial. Elas podem inclusive sequer ter possuído o tipo de ativo que havia sido inicialmente afetado.

O banco britânico Northern Rock, que entrou em colapso, não foi exposto às hipotecas subprime dos EUA. Mas ele era altamente dependente do dinheiro a curto-prazo para os fundos que usava para financiar hipotecas. Como as taxas de interesse nesse mercado começaram a subir, o Northern Rock sucumbiu. Essa “dinâmica alto-fortalecedora”, como Geithner a classifica, envolve vastas somas... Em alguns casos, valores maiores do que economias inteiras. Pode parecer completamente racional para uma instituição que enfrenta problemas causados por ativos de risco vendê-los. Mas essa ação racional pode levar a toda uma série de vendas forçadas, resultando eventualmente numa crise e colapso econômico de proporções ainda maiores.

Milhões de vidas de pessoas, seu bem-estar social, seus empregos, a educação futura de seus filhos, são dominados pelo funcionamento de um sistema sobre o qual elas não têm nenhum controle e sobre o qual ninguém tem nenhum controle. Isto é, a racionalidade do mercado para o banco ou instituição financeira individual produz socialmente irracionalidade e loucura. Essa loucura não pode ser curada por mecanismos regulatórios, mas apenas pela abolição do mercado financeiro e pela sua substituição por um sistema de controle social sobre a riqueza e ativos criado pelo trabalho da sociedade como um todo.

Revolução socialista

No desenvolvimento histórico do capitalismo, a perspectiva para a revolução socialista está fundamentada em processos objetivos. A crise financeira global atual constitui a abertura de um novo capítulo dessa história.

Para compreender sua significância é necessário colocá-la em um determinado contexto. Em 1919, no início da Revolução Russa, Leon Trotsky comentou o fato de que a imprensa naquele dia se preocupava com os nomes de Lênin, o líder da revolução, e Woodrow Wilson, presidente dos Estados Unidos, que havia viajado à Europa no afã de impedir o avanço da revolução pelo resto do continente europeu. “Lênin e Wilson - aqui estão os dois princípios apocalípticos da história moderna,” observou Trotsky.

Qual dos dois venceria? Hoje já sabemos a resposta. Apenas com grande dificuldade, e apenas com a assistência dada pelas lideranças stalinistas e social democratas através de suas traições à classe trabalhadora, os Estados Unidos - depois de três décadas de guerra sangrenta, depressão, fascismo e da morte de dezenas de milhões- puderam re-estabilizar o sistema capitalista mundial.

Do ponto de vista econômico, o novo equilíbrio se apoiava na força do capitalismo americano. Agora temos uma gravíssima crise - a mais severa desde a década de 1930 - que golpeou o capitalismo mundial no seu cerne.

Essa crise significa o fim de toda um era na história. Por décadas, os EUA funcionaram com estabilizadores do capitalismo mundial. Agora, eles são os maiores desestabilizadores. Assim como a ascensão do poderio econômico americano mudou o curso da história mundial, sua queda terá conseqüências de um alcance ainda maior.

O declínio do capitalismo americano se estende já por décadas. No início dos anos 80, ele procurou superar a primeira fase de seu declínio através de um vasto processo de reestruturação. Mas os mesmos processos que ele pôs em movimento naquela época agora deram à crise proporções ainda mais devastadoras.

Todas as contradições com as quais se confrontou a classe trabalhadora nas primeiras décadas do século XX e que levaram milhões de trabalhadores, juventude e intelectuais de esquerda a ingressarem na luta pelo socialismo internacional, retornaram com força renovada. Não apenas enfrentamos a ameaça de um colapso global, se não uma depressão, mas também uma crescente tensão econômica entre os principais poderes capitalistas - resultando do declínio dos EUA - fator que deve aumentar o risco de guerras.

Pelos últimos 35 anos a economia mundial tem funcionado tendo como base o dólar americano como principal reserva. Isso tem conferido enormes vantagem aos EUA. Mas o declínio do dólar significa que os Estados Unidos terão de enfrentar ainda novos desafios à sua supremacia. E isso não advém de ‘más intenções’ de quem quer que seja, mas se ergue da lógica própria dos processos econômicos. Por quanto tempo pode o resto do mundo capitalista - os velhos poderes na Europa e Japão, ao lado das novas potências que surgem, China e Índia, assim como os países exportadores de petróleo do Oriente Médio - prosseguir financiando os EUA com em torno de US$ 2 bilhões por dia, repondo vastas reservas dos instrumentos de crédito que têm constantemente perdido seu valor?

Claro que todas as potências capitalistas têm interesse em preservar a estabilidade global - afinal ninguém deseja provocar uma crise. Porém, a um certo ponto, os custos de manutenção do sistema atual se tornam proibitivos.

Como poderão os Estados Unidos responderem a tal situação? No Iraque, já vimos a resposta a essa pergunta. Os EUA irão procurar manter sua posição por meios militares.

Mais uma vez, a humanidade global enfrenta o perigo de depressão e de guerra. A única resposta a essa ameaça é a luta por um programa socialista e internacionalista. É esta a perspectiva do SEP e do CI-IV (1953).

final