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Renasce movimento estudantil de massa no Brasil:

Traição acaba com 60 dias de greve e ocupações nas universidades

Por Julio Mariutti
9 de julio de 2007

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Na última semana de junho foram encerradas as últimas manifestações de um levante de dois meses de luta dos estudantes, funcionários e professores das universidades do estado de São Paulo e de todo o Brasil. Foi o renascimento do movimento estudantil de massa no Brasil, um movimento nacional como não se via desde a década de 60: assembléias com mais de 2000 pessoas, passeatas, ocupações, barricadas, enfrentamentos com a segurança interna das universidades e com a Polícia Militar.

Desde o início de maio, os estudantes das universidades estaduais paulistas ocuparam reitorias, diretorias e edifícios em 12 campi diferentes, e impulsionaram uma greve unificada que durou mais de um mês. O movimento encontrou apoio de estudantes em todo o país, e aconteceram mais 13 ocupações em outros 11 estados. A ocupação da reitoria da USP, a universidade mais importante do país, que durou 51 dias, foi o estopim de todo o processo e o centro do movimento.

A pauta central da greve estadual em São Paulo era a derrubada dos decretos inconstitucionais do governador reacionário José Serra, do PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira). O governador baixou, em seus primeiros meses de mandato, um conjunto de 5 decretos que fere a autonomia universitária e aprofunda a submissão das universidades paulistas (USP, UNESP e UNICAMP) ao grande capital, além de aprofundar também a ruína e a privatização do ensino técnico estadual. Os decretos de Serra impedem o controle das verbas pelos reitores das universidades, vetam a contratação de pessoal e privilegiam a pesquisa voltada aos interesses das grandes empresas. Como se não bastasse tudo isso, Serra ainda nomeou secretário do ensino superior um conhecido político corrupto ligado a uma grande rede de universidades privadas. Essas e várias outras medidas causaram, desde os primeiros dias do ano, revolta e indignação em toda a comunidade universitária.

Apesar desse ataque aberto do governador às universidades, nos primeiros meses do ano o que se desenhava era apenas mais uma típica greve salarial esvaziada das universidades paulistas, controlada pelos burocratas das associações docentes e dos sindicatos dos funcionários, muitos ainda ligados ao PT (Partido dos Trabalhadores) de Lula.

A ocupação da reitoria da USP

A coisa começou a mudar quando, no dia 3 de maio, cerca de 300 estudantes da Universidade de São Paulo ocuparam a reitoria da universidade. Os estudantes tinham uma audiência marcada com a reitora Suely Vilela para discutir os decretos, mas ela simplesmente não compareceu. Quando eles foram até o prédio da administração, a reitoria se recusou a recebê-los e fechou as portas. Revoltados, os estudantes arrombaram um portão de aço e, ainda que sem imaginar, deram início à maior movimentação estudantil do país dos últimos 20 ou 30 anos.

Naquele primeiro momento, os estudantes nem vislumbravam a possibilidade de derrubar os decretos, e a ocupação tinha uma pauta apenas assistencial e reformista; aumento das vagas de moradia, reforma em alguns prédios, contratação de professores. Porém, rapidamente o movimento cresceu, ganhou uma dimensão estadual e até nacional, e assumiu um caráter decididamente político.

Na semana seguinte à ocupação da reitoria, os estudantes da USP fizeram grandes assembléias com 1500, 2000 estudantes presentes; o apoio à ocupação e à construção da greve eram unânimes nas assembléias e cresciam a cada dia nos cursos. As propostas apresentadas pela reitoria, que ofereceu algumas migalhas para que os estudantes desocupassem, foram sistematicamente rechaçadas pela massa que mirava cada vez mais longe.

Na terceira semana de maio, chegavam à ocupação da USP notícias de grandes assembléias e das primeiras ocupações no interior do estado (Marília, depois Rio Claro, Assis, Ilha Solteira, Presidente Prudente e Franca). Os primeiros cursos começavam a entrar em greve na USP e na UNICAMP (Universidade Estadual de Campinas). Barricadas de cadeiras se multiplicavam bloqueando os corredores e impedindo a entrada nas salas de aulas. Os conflitos se radicalizavam. Funcionários e professores também entraram em greve. Diretores-burocratas escreviam cartas de repúdio e sobravam artigos nos jornais denunciando a “violência” estudantil. Professores de “esquerda” se escandalizavam com as ocupações e com as barricadas, e exigiam punições aos estudantes envolvidos.

No dia 24 de maio, os estudantes ocuparam a reitoria da UFAL (Universidade Federal de Alagoas), a primeira das 13 ocupações fora do estado de São Paulo (UFAL, UFSM, UFPE, UFMA, UFF, UFGD, UFPR, UFRGS, UFRJ, UFES, UFBA, UFPA e UFJF). Na grande maioria dessas ocupações de universidades federais, os estudantes apoiavam a ocupação da USP e protestavam contra a Reforma Universitária que está sendo empreendida por Lula, e que tem o mesmo sentido dos decretos de Serra.

No dia 28, somavam-se à luta os funcionários de 34 universidades federais, que entravam em greve contra Lula por melhorias salariais.

Um ato unificado na capital paulista, no dia 31, reuniu mais de 5 mil estudantes, funcionários e professores de todo o estado na USP. Naquela manhã, temeroso em relação ao ato que se direcionaria à sede do governo paulista, José Serra publicou o Decreto Declaratório No 1, uma “explicação” dos primeiros decretos, dizendo que a autonomia universitária estava assegurada. A medida não foi suficiente, e os grevistas saíram da USP em marcha rumo ao Palácio. O governador acionou então a tropa de choque da Polícia Militar, que bloqueou a avenida que levaria os manifestantes ao Palácio. Depois de cerca de 5 horas fechando uma das maiores avenidas da cidade e tentando forçar a passagem contra a polícia, o ato terminou voltando à USP.

No dia 6 de junho, o movimento da USP fez mais uma grande demonstração de força. Diretores reacionários de faculdades e institutos da USP articularam em conjunto com a reitora um ato contra a ocupação e a greve. Em resposta, os estudantes e funcionários chamaram, de um dia para o outro, um contra-ato para medir forças com a reação. Apesar de muitos funcionários terem sido coagidos a participar do ato anti-greve por professores e diretores (que até suspenderam o trabalho), o ato não reuniu mais de 100 professores reacionários e funcionários conservadores. Ao mesmo tempo que os diretores encurtavam o percurso da sua passeata esvaziada, mais de 800 estudantes e funcionários se manifestavam favoráveis à greve e defendiam a ocupação!

Depois de 3 semanas de ampliação incessante da greve, estudantes de todo o estado de São Paulo realizaram um encontro na reitoria ocupada da USP. Cerca de 700 estudantes debateram durante uma tarde inteira e aprovaram um programa unificado que significava um grande salto para a greve estadual. A partir do questionamento dos ataques de Lula e Serra à educação, o movimento superava as pautas meramente assistenciais-reformistas e avançava para o questionamento do poder da burocracia universitária, os agentes desses governos e do capital no interior da própria universidade. Eis os 5 pontos de pauta aprovados no encontro:

* contra os decretos de Serra;

* contra a Reforma Universitária de Lula;

* diretas já: eleições diretas para reitor, para diretor de unidade e para todos os conselhos, sem necessidade de titulação dos professores;

* aumento de verbas para a educação;

* contra as punições aos estudantes.

Outro salto fundamental do encontro estadual dos estudantes foi a criação de um organismo de tipo soviético para articular o movimento em todo o estado. A dimensão das assembléias, que reuniam centenas e até milhares de estudantes em cada campus, tanto quanto o obstáculo da distância física, tornava urgente a criação de uma forma de representação não-burocrática para dirigir o movimento e tomar decisões comuns legítimas. A partir do encontro, foi criado um Comando Estadual de Greve formado por delegados eleitos nas assembléias de cada curso de forma proporcional ao número de estudantes presentes. A primeira reunião do Comando reuniu quase 80 delegados, que representavam cerca de 4000 estudantes mobilizados em todo o estado.

Completava-se um mês desde que a reitoria da USP fora ocupada. O que havia começado como um ato isolado, semi-espontâneo e sem uma perspectiva clara, já era o centro de um grande movimento que pressionava o governo, ameaçava de fato os decretos e colocava em xeque o poder da burocracia universitária. O movimento ocupava todos os dias as capas dos principais jornais do Brasil, crescia o apoio de toda a população, e as ocupações se multiplicavam em todo o país.

A grande traição

Na semana seguinte ao encontro que indicava uma politização crescente da greve e que avançava na construção de uma direção clara do movimento estadual, a direção da Associação dos Docentes da USP deu um grande golpe. Baseando-se no “decreto declaratório” editado por Serra em 31 de maio e nas suas conquistas salariais, os professores saíram da greve no dia 11 de junho, alegando que a luta estava ganha e abandonando os estudantes e funcionários.

Com a saída dos professores, cresceu a pressão contrária à greve, e em muitos cursos da USP os estudantes voltaram às aulas. Pouco depois, os professores da UNICAMP também suspenderiam a greve, e voltariam a pressionar os estudantes a desfazer as barricadas.

Esse refluxo da greve na USP deu mais espaço para os diversos partidos de “esquerda” que desde as primeiras semanas tentavam acabar com a ocupação. Não só o Diretório Central dos Estudantes, controlado pelo PT e por outros partidos burgueses, mas também os “socialistas” do PSOL e os “trotskistas” do morenista PSTU, usaram todos os recursos para liquidar o movimento. Enquanto o DCE do PT se opunha abertamente à ocupação desde o início, PSOL e PSTU chegaram a participar da ocupação, porém defendendo desde o dia 10 de maio a desocupação a partir da primeira proposta oferecida pela reitora.

Esses partidos conciliadores desempenharam um papel central de bloqueio ao movimento, polarizando ao longo de todas essas semanas as plenárias, reuniões e assembléias em torno de uma única questão: desocupar ou não a reitoria. As assembléias intermináveis se estendiam até a madrugada e terminavam sempre da mesma forma: com a derrota dos conciliadores, cada vez mais desmoralizados, porém sem avançar em nenhum ponto do programa, sem construir atos, sem fazer nada. Os estudantes comprometidos com a ocupação gastavam toda sua energia para defendê-la contra os conciliadores, e assim deixavam de ampliar o movimento.

Assim, com a clara sensação de que as assembléias não estavam levando a lugar algum, os estudantes começaram a deixar de freqüentá-las. Após a traição dos professores, a saída de alguns cursos da greve só fortaleceu os conciliadores, que começaram então a esvaziar propositalmente a ocupação.

Apesar do relativo refluxo na USP, o movimento estadual continuava em franca expansão, com novas ocupações na UNESP Araraquara (13/06), na UNICAMP (18/06), na UNESP Ourinhos (19/06) e na UNESP São Paulo (20/06). Enquanto as assembléias na USP não reuniam mais de 500 estudantes, agora era a UNICAMP que fazia assembléias com 1000 e até 1500 estudantes.

Serra manda tropa de choque às universidades

Na madrugada do dia 20 de junho, numa ação que só encontra precedente nos anos sombrios da ditadura militar, o governador José Serra mandou a tropa de choque desalojar os estudantes que ocupavam a diretoria da UNESP Araraquara. Mais de 100 estudantes foram algemados e levados à delegacia, onde foram todos identificados e listados.

No dia seguinte, aconteceram atos em todo o estado em repúdio à ação da Polícia Militar. Na USP, a PM também tentou impedir uma manifestação, mas os estudantes e funcionários resistiram e a polícia recuou. Os estudantes da UNESP Franca, que iam desocupar a vice-diretoria do campus, decidiram manter a ocupação em solidariedade aos estudantes de Araraquara. Também na USP de Ribeirão Preto os estudantes que cogitavam suspender a greve mudaram de idéia e decidiram radicalizar e ocupar a prefeitura do campus. Da mesma forma, em muitos campi da UNESP foram discutidas ações radicalizadas para responder à entrada do choque em Araraquara.

Resposta à repressão: mais traição

No entanto, apesar da absurda ação repressiva da polícia, apesar das novas movimentações que apareciam em todo o estado e que indicavam que o movimento estava ganhando um novo impulso, os conciliadores do PSOL e do PSTU, junto com a LER (pequeno grupo morenista dissidente do PSTU) mantiveram o discurso do “refluxo”. Nas assembléias daquela semana, em todo o estado eles tentaram acabar com a greve e com as ocupações, rebaixar as pautas e encerrar o movimento garantindo apenas que nenhum estudante seria punido pelos reitores.

Na assembléia dos estudantes da USP no dia 21, com ajuda da LER, o PT, o PSOL e o PSTU finalmente conseguiram fazer o que tentavam desde o dia 10 de maio: acabar com a ocupação da USP, e assim derrubar toda a luta no resto do estado.

A assembléia da USP foi interrompida por um grupo de professores “notáveis”, combinados com o PSTU, PSOL e LER, que trouxe em tom solene uma proposta da reitoria, como se aquele fosse o último recurso antes da invasão da tropa de choque. A proposta apresentada não diferia em praticamente nada da proposta do dia 8 de maio, que já havia sido inúmeras vezes recusada pelos estudantes como migalhas. Nem mesmo a não-punição dos ocupantes foi garantida.

Sem sequer discutir o movimento estadual e nacional, as novas ocupações, a ação do pelotão de choque em Araraquara e o grande ato que ocorrera naquele mesmo dia na própria USP, o PSTU propôs que a assembléia fosse direto à votação da última proposta da reitoria. Como verdadeiros agentes da reitoria, os conciliadores defenderam a proposta da reitoria como uma “grande vitória” do movimento. Só convenceram a si mesmos da “grande vitória”! Quando a proposta da reitoria venceu, só os próprios militantes do PSOL e do PSTU comemoraram a “vitória”, vitória, na verdade, da traição ao movimento e ao sacrifício de quase 60 dias de luta.

Na verdade a ocupação foi vendida por migalhas, e a pauta central do movimento, a derrubada dos decretos do governador, foi totalmente esquecida. Defendendo a proposta da reitora, os conciliadores ainda colocaram os funcionários contra a parede, pressionando-os a aceitar no dia seguinte uma proposta ainda pior, e assim sair da greve.

Derrubada a ocupação da USP, os conciliadores finalmente conseguiram ser ouvidos no resto do estado. Na semana seguinte, a USP saiu da greve. Cresceram as ameaças de repressão dos reitores, e sem o apoio da USP as ocupações foram caindo uma a uma. No dia 28, já não restava nenhuma ocupação, e todos os cursos haviam saído da greve.

Volta à normalidade?

Graças a esses conciliadores, após dois meses de luta, greve e ocupações em todo o estado, as universidades agora voltam ao controle da burocracia, que agradece aos traidores pelo seu serviço.

Mas ao contrário do que diziam os defensores do recuo, o fim das ocupações e da greve estadual não trouxeram nenhuma garantia de que não haverá repressão. Pelo contrário. Os estudantes não conquistaram nenhuma garantia de que ações da tropa de choque na universidade, como as que aconteceram em Araraquara e na USP, não vão se repetir. Os reitores da USP, da UNESP e da UNICAMP têm declarado que haverá punições contra os ocupantes, inclusive na justiça. O controle da universidade volta a uma ínfima minoria que vai voltar a reprimir arbitrariamente a maioria dos estudantes: punições, processos, mais câmeras filmadoras, mais segurança, mais Polícia Militar e mais seguranças privados.

Os burocratas universitários e os traidores do movimento estudantil respiram aliviados: “agora está tudo bem!”. Mas por quanto tempo? Os estudantes que tomaram as universidades de todo o estado e do país vão voltar à normalidade, serem punidos e se calarem?

Certamente não! A luta apenas começou, marcando o renascimento do movimento estudantil de massa no Brasil, que unido aos trabalhadores e à juventude de todos os países do mundo, avista novamente no horizonte um território livre de burocratas e patrões, um território livre e socialista.

 



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