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Uma farsa jurídica: Corte iraquiana confirma a sentença de morte de Saddam Hussein

Por Peter Symonds
4 Janeiro 2007

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Este artigo foi publicado no WSWS, originalmente em inglês, no dia 27 de dezembro de 2006.

A confirmação da sentença de morte contra Saddam Hussein, noticiada na terça-feira (26/12), é o ato final em uma farsa jurídica orquestrada por Washington. A Corte de Apelações Iraquiana confirmou o veredicto contra Saddam e dois de seus cúmplices—Barzan Ibrahim al-Tikriti e Awad Hamed al-Bandar—expedido em 5 de novembro, devido à execução de 148 xiitas da cidade de Dujail, em 1982. Com a recusa da única possibilidade de apelação, os três podem ser enforcados a qualquer momento, nos próximos 30 dias.

O porta-voz da Casa Branca, Scott Stanzel, louvou a decisão da corte, declarando que ela era “um marco importante” nos esforços “de substituir o domínio de um tirano pelo domínio da lei”. Na realidade, o governo Bush tem demonstrado freqüentemente seu desprezo pelas normas legais básicas, passando por cima de leis norte-americanas e internacionais. O governo Bush pressionou para que a execução de Saddam fosse aprovada, como um meio de demonstrar ao mundo a sua capacidade de eliminar seus oponentes.

A decisão da Corte de Apelações não causa nenhuma surpresa. Do começo ao fim, o julgamento de Saddam e figuras-chave no seu regime fez parte do teatro político, cujo resultado já havia sido pré-determinado. O governo Bush recusou-se a colocar o antigo homem-forte iraquiano num tribunal internacional, redigiu as frágeis leis para a Suprema Corte Iraquiana e supervisionou cada aspecto do caso por meio de uma enorme equipe de advogados norte-americanos, estabelecidos na embaixada dos EUA em Bagdá.

O governo-fantoche iraquiano, predominantemente xiita, interferiu abertamente no julgamento, explorando-o para aumentar seu apoio social. Pouco após o veredicto ser anunciado, em novembro, o primeiro-ministro iraquiano, Nuri al-Maliki, antecipou o resultado do processo de apelação, dizendo à BBC que ele esperava que Saddam fosse enforcado antes do fim do ano. É significativo que a decisão tomada ontem não tenha sido anunciada pela Corte de Apelações, mas por um ministro do governo—o Conselheiro de Segurança Nacional, Mouwafak al-Rubaie.

Especialistas em direito internacional e defensores dos direitos humanos têm criticado freqüentemente o processo jurídico. Numa declaração realizada terça-feira (26/12), o Observatório dos Direitos Humanos (ODH), baseado nos EUA, descreveu o julgamento como “profundamente frágil” e pediu para que o governo iraquiano não realize a execução. Um relatório detalhado de 97 páginas do ODH sobre o caso de Dujail, publicado no último mês, destacou numerosas falhas elementares no processo jurídico, acusando o governo de ter interferido no julgamento. O relatório concluiu que a conduta da corte refletiu “uma falta de compreensão dos princípios básicos de um julgamento”.

Em Janeiro de 2006, o juiz chefe no caso, Rizgar Muhammed Amin, foi forçado a renunciar, após a denúncia feita por altos membros do governo, de que ele teria dado muito tempo de manobra aos acusados e aos advogados de defesa. Seu substituto, Raouf Abdel Rahman, cancelou várias vezes os protestos da defesa, expulsando os acusados e seus advogados da corte. A recusa da defesa em legitimar uma corte estabelecida através de uma invasão ilegal foi simplesmente ignorada. O ex-procurador-geral nos EUA, Ramsay Clark, que fez parte da equipe de defesa de Hussein, descreveu, na terça-feira (26/12) o processo legal como uma paródia.

O objetivo do julgamento nunca foi o de realizar justiça. A primeira acusação foi deliberadamente confinada aos assassinatos de Dujail, em 1982, a fim de evitar qualquer referência à íntima colaboração de Washington com o antigo homem-forte iraquiano, particularmente no fim dos anos 80. O governo Bush sabia muito bem que Saddam poderia seguir o exemplo do ex-presidente sérvio, Slobodan Milosevic, e envolver os EUA nos crimes do regime Baathista.

Depois da queda do Xá do Irã em 1979, os EUA estimularam de maneira ativa Saddam Hussein a invadir o Irã, em 1980, como um meio de enfraquecer o recém-formado regime islâmico. O incidente em Dujail ocorreu em meio a uma série de derrotas do exército iraquiano na Guerra Irã-Iraque. A execução dos homens e meninos da cidade de Dujail foi realizada como represália à tentativa de assassinato de Saddam por membros do Dawa—o mesmo partido islâmico a qual pertence o primeiro-ministro Maliki.

Em 1983 e 1984, o ex-secretário da defesa, Donald Rumsfeld, foi enviado à Bagdá na condição de embaixador presidencial especial a fim de fortalecer os laços com o regime de Saddam. Após essa visita, os EUA providenciaram assistência econômica e militar ao Iraque, incluindo o desenvolvimento de armas químicas, que eram usadas contra as tropas iranianas e os curdos aliados ao Irã. Um segundo julgamento está, no presente momento, a caminho, sobre as atrocidades contra os curdos no fim dos anos 80—a chamada campanha Anfal. Há, logicamente, um completo silêncio na corte sobre a cumplicidade norte-americana.

Se os crimes de Saddam são inquestionáveis, o governo Bush também é diretamente responsável pelos enormes crimes de guerra no Iraque. Estimativas apontam que mais de 650 mil iraquianos morreram como resultado direto da invasão e ocupação ilegal do país—liderada pelos EUA. A acusação da qual Saddam foi condenado—uma represália de uma tentativa de assassinato—é o procedimento padrão para os militares norte-americanos no Iraque, que impiedosamente bombardeiam e destroem prédios e vilas suspeitos de abrigarem rebeldes anti-ocupação.

A invasão de casas e as prisões de iraquianos fazem parte da rotina das tropas dos EUA. Milhares continuam presos sem julgamento em penitenciárias norte-americanas, sujeitos a tortura. Prisioneiros de primeiro escalão simplesmente desaparecem dentro do gulag norte-americano de prisões secretas e câmaras de tortura. Muitos dos esquadrões da morte xiitas que agora são criticados na imprensa norte-americana têm suas origens na “opção Salvador”, implantada em 2004, seguindo os conselhos do embaixador dos EUA, John Negroponte. Esquadrões da morte, que operam sob a proteção do Ministro do Interior, são considerados os responsáveis pelo assassinato de três dos advogados de defesa de Saddam Hussein.

O anúncio da Corte de Apelações coincide com os planos do governo Bush para uma escalada de violência contra o povo iraquiano. O presidente Bush está se preparando para anunciar o envio de 20 mil a 50 mil soldados ao Iraque, numa ofensiva sangrenta em Bagdá e na província ocidental de Anbar, contra os rebeldes anti-EUA e a milícia xiita do clérigo Moqtada al-Sadr. O que está sendo preparado é um crime que superará tudo o que Saddam já fez.

Os responsáveis pela invasão criminosa e ocupação do Iraque—Bush, Cheney e o resto dos gangsters na Casa Branca—deveriam ser todos julgados por crimes de guerra.

 



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