Este artigo foi publicado no WSWS, originalmente em inglês,
no dia 27 de dezembro de 2006.
A confirmação da sentença de morte contra
Saddam Hussein, noticiada na terça-feira (26/12), é
o ato final em uma farsa jurídica orquestrada por Washington.
A Corte de Apelações Iraquiana confirmou o veredicto
contra Saddam e dois de seus cúmplicesBarzan Ibrahim
al-Tikriti e Awad Hamed al-Bandarexpedido em 5 de novembro,
devido à execução de 148 xiitas da cidade
de Dujail, em 1982. Com a recusa da única possibilidade
de apelação, os três podem ser enforcados
a qualquer momento, nos próximos 30 dias.
O porta-voz da Casa Branca, Scott Stanzel, louvou a decisão
da corte, declarando que ela era um marco importante
nos esforços de substituir o domínio de um
tirano pelo domínio da lei. Na realidade, o governo
Bush tem demonstrado freqüentemente seu desprezo pelas normas
legais básicas, passando por cima de leis norte-americanas
e internacionais. O governo Bush pressionou para que a execução
de Saddam fosse aprovada, como um meio de demonstrar ao mundo
a sua capacidade de eliminar seus oponentes.
A decisão da Corte de Apelações não
causa nenhuma surpresa. Do começo ao fim, o julgamento
de Saddam e figuras-chave no seu regime fez parte do teatro político,
cujo resultado já havia sido pré-determinado. O
governo Bush recusou-se a colocar o antigo homem-forte iraquiano
num tribunal internacional, redigiu as frágeis leis para
a Suprema Corte Iraquiana e supervisionou cada aspecto do caso
por meio de uma enorme equipe de advogados norte-americanos, estabelecidos
na embaixada dos EUA em Bagdá.
O governo-fantoche iraquiano, predominantemente xiita, interferiu
abertamente no julgamento, explorando-o para aumentar seu apoio
social. Pouco após o veredicto ser anunciado, em novembro,
o primeiro-ministro iraquiano, Nuri al-Maliki, antecipou o resultado
do processo de apelação, dizendo à BBC que
ele esperava que Saddam fosse enforcado antes do fim do ano. É
significativo que a decisão tomada ontem não tenha
sido anunciada pela Corte de Apelações, mas por
um ministro do governoo Conselheiro de Segurança
Nacional, Mouwafak al-Rubaie.
Especialistas em direito internacional e defensores dos direitos
humanos têm criticado freqüentemente o processo jurídico.
Numa declaração realizada terça-feira (26/12),
o Observatório dos Direitos Humanos (ODH), baseado nos
EUA, descreveu o julgamento como profundamente frágil
e pediu para que o governo iraquiano não realize a execução.
Um relatório detalhado de 97 páginas do ODH sobre
o caso de Dujail, publicado no último mês, destacou
numerosas falhas elementares no processo jurídico, acusando
o governo de ter interferido no julgamento. O relatório
concluiu que a conduta da corte refletiu uma falta de compreensão
dos princípios básicos de um julgamento.
Em Janeiro de 2006, o juiz chefe no caso, Rizgar Muhammed Amin,
foi forçado a renunciar, após a denúncia
feita por altos membros do governo, de que ele teria dado muito
tempo de manobra aos acusados e aos advogados de defesa. Seu substituto,
Raouf Abdel Rahman, cancelou várias vezes os protestos
da defesa, expulsando os acusados e seus advogados da corte. A
recusa da defesa em legitimar uma corte estabelecida através
de uma invasão ilegal foi simplesmente ignorada. O ex-procurador-geral
nos EUA, Ramsay Clark, que fez parte da equipe de defesa de Hussein,
descreveu, na terça-feira (26/12) o processo legal como
uma paródia.
O objetivo do julgamento nunca foi o de realizar justiça.
A primeira acusação foi deliberadamente confinada
aos assassinatos de Dujail, em 1982, a fim de evitar qualquer
referência à íntima colaboração
de Washington com o antigo homem-forte iraquiano, particularmente
no fim dos anos 80. O governo Bush sabia muito bem que Saddam
poderia seguir o exemplo do ex-presidente sérvio, Slobodan
Milosevic, e envolver os EUA nos crimes do regime Baathista.
Depois da queda do Xá do Irã em 1979, os EUA
estimularam de maneira ativa Saddam Hussein a invadir o Irã,
em 1980, como um meio de enfraquecer o recém-formado regime
islâmico. O incidente em Dujail ocorreu em meio a uma série
de derrotas do exército iraquiano na Guerra Irã-Iraque.
A execução dos homens e meninos da cidade de Dujail
foi realizada como represália à tentativa de assassinato
de Saddam por membros do Dawao mesmo partido islâmico
a qual pertence o primeiro-ministro Maliki.
Em 1983 e 1984, o ex-secretário da defesa, Donald Rumsfeld,
foi enviado à Bagdá na condição de
embaixador presidencial especial a fim de fortalecer os laços
com o regime de Saddam. Após essa visita, os EUA providenciaram
assistência econômica e militar ao Iraque, incluindo
o desenvolvimento de armas químicas, que eram usadas contra
as tropas iranianas e os curdos aliados ao Irã. Um segundo
julgamento está, no presente momento, a caminho, sobre
as atrocidades contra os curdos no fim dos anos 80a chamada
campanha Anfal. Há, logicamente, um completo silêncio
na corte sobre a cumplicidade norte-americana.
Se os crimes de Saddam são inquestionáveis, o
governo Bush também é diretamente responsável
pelos enormes crimes de guerra no Iraque. Estimativas apontam
que mais de 650 mil iraquianos morreram como resultado direto
da invasão e ocupação ilegal do paísliderada
pelos EUA. A acusação da qual Saddam foi condenadouma
represália de uma tentativa de assassinatoé
o procedimento padrão para os militares norte-americanos
no Iraque, que impiedosamente bombardeiam e destroem prédios
e vilas suspeitos de abrigarem rebeldes anti-ocupação.
A invasão de casas e as prisões de iraquianos
fazem parte da rotina das tropas dos EUA. Milhares continuam presos
sem julgamento em penitenciárias norte-americanas, sujeitos
a tortura. Prisioneiros de primeiro escalão simplesmente
desaparecem dentro do gulag norte-americano de prisões
secretas e câmaras de tortura. Muitos dos esquadrões
da morte xiitas que agora são criticados na imprensa norte-americana
têm suas origens na opção Salvador,
implantada em 2004, seguindo os conselhos do embaixador dos EUA,
John Negroponte. Esquadrões da morte, que operam sob a
proteção do Ministro do Interior, são considerados
os responsáveis pelo assassinato de três dos advogados
de defesa de Saddam Hussein.
O anúncio da Corte de Apelações coincide
com os planos do governo Bush para uma escalada de violência
contra o povo iraquiano. O presidente Bush está se preparando
para anunciar o envio de 20 mil a 50 mil soldados ao Iraque, numa
ofensiva sangrenta em Bagdá e na província ocidental
de Anbar, contra os rebeldes anti-EUA e a milícia xiita
do clérigo Moqtada al-Sadr. O que está sendo preparado
é um crime que superará tudo o que Saddam já
fez.
Os responsáveis pela invasão criminosa e ocupação
do IraqueBush, Cheney e o resto dos gangsters na Casa Brancadeveriam
ser todos julgados por crimes de guerra.