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Egito: nova constituição torna lei marcial permanente

Por Jean Shaoul
20 Abril 2007

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Este artigo foi publicado no WSWS, originalmente em inglês, no dia 7 de abril de 2007.

Mubarak, presidente do Egito, realizou alterações constitucionais que vão no sentido de estabelecer um estado militar-policial permanente, inclusive garantindo a si próprio o poder de dissolver o parlamento.

As emendas constitucionais consolidam as supostamente temporárias leis emergenciais, estabelecidas depois do assassinato do presidente Anwar Sadat em 1981 por um militante islâmico que se opunha ao reconhecimento de Israel e à aliança com Washington.

O brutal regime militar que tem governado o Egito desde então tem se utilizado dessas leis emergenciais para acabar com as greves e divergências políticas, calar a imprensa, prender pessoas rotineiramente sem julgamento e torturar prisioneiros. Todas essas medidas têm sido apoiadas pelos Estados Unidos e não recebem nenhuma oposição por parte das potências européias.

As emendas constitucionais fortalecem o poder executivo, os partidos ilegais baseados em religiões e etnias e freiam os já limitados poderes do judiciário em criticar as claras falhas da legislação eleitoral. Trinta e quatro novos artigos foram introduzidos na constituição.

Referências ao “socialismo”, que remetem às reformas introduzidas pelo presidente Nasser depois do golpe militar de 1952, foram substituídas por formulações que sustentam as reformas de livre mercado; por exemplo, o “sistema econômico socialista” foi trocado por “baseado na liberdade da ação econômica... respeitando a propriedade privada e preservando os direitos dos trabalhadores”.

A constituição recebeu emendas que asseguram a dominação política do Partido Nacional Democrata de Mubarak e abrem o caminho para a transferência de poder dinástica ao filho de Mubarak, o amigo dos negócios Gamal. Atividades e partidos políticos “baseados em qualquer fundamento religioso” são ilegais. Isso é direcionado contra a Irmandade Muçulmana, o maior partido de oposição, que apesar de já ser proibido, é tolerado pelas autoridades e opera no parlamento como independente. Agora o partido, que Mubarak qualificou de “perigoso à segurança de estado”, é inconstitucional.

O artigo 7 exige que os candidatos à presidência tenham que ser nomeados por partidos que possuam ao menos 3% de membros eleitos no parlamento — uma soma inalcançável a qualquer partido de oposição.

O artigo 88 foi reescrito para retirar os poderes do judiciário na supervisão das eleições. Isso evita que aconteçam novamente situações como a do ano passado, na qual dois juízes exigiram, sem sucesso, a investigação de possíveis fraudes eleitorais durante a eleição geral de 2005. Ao invés disso, haverá uma comissão eleitoral cuja composição será definida numa lei futura — o que por enquanto ainda é apenas uma possibilidade.

O artigo 179 é o mais controverso. Ele substitui as perversas leis marciais, constantemente renovadas, por uma nova lei anti-terrorista - cujo conteúdo ainda é desconhecido - que será colocado antes dos três outros artigos que supostamente defendem os direitos democráticos.

A nova lei se aplicará somente a casos de terrorismo. Ela concede poderes devastadores à polícia e dá ao presidente o poder de entregar os casos terroristas a qualquer autoridade judicial que ele escolher — incluindo tribunais militares cujos veredictos não estão sujeitos a apelações.

Na prática, o governo agora tem o poder constitucional de fazer exatamente tudo aquilo que foi feito sob as leis emergenciais: deter pessoas sem julgamento ou mesmo acusações, conduzir buscas e inspeções sem justificativas e usar o tribunal militar para julgar casos sem as proteções usuais das cortes civis.

O governo egípcio mentiu ao afirmar que teve aprovação de 75,9% para as mudanças na constituição por meio de um referendum. O diário semi-oficial al-Ahram publicou a manchete: “A presença popular no referendum referente às emendas constitucionais superou as expectativas”.

O governo afirma que a presença de votantes foi de 27,1%, mas isso é um exagero grosseiro. Grupos de monitoramento independente disseram que o número de votantes não era maior que 5%. Os diversos locais de votação estavam verdadeiramente desertos. O referendum boicotou os partidos de oposição, pois foi chamado com apenas dois dias de antecedência e sete dias depois da sua regulamentação, ocorrida no dia 19 de março.

O Conselho Nacional pelos Direitos Humanos, um organismo indicado pelo Estado e liderado pelo ex-secretário geral da ONU, Boutros Ghali, relatou diversas falhas. “A lista de votantes era imprecisa, alguns monitores da sociedade civil foram impedidos de observar alguns locais de votação, autoridades locais em algumas províncias organizaram votações em massa, e alguns oficiais eleitorais intervieram no processo de votação, chegando a preencher as cédulas algumas vezes”, disse o conselho numa declaração.

“Votação em massa” é um eufemismo, pois os trabalhadores do Estado foram levados de ônibus às estações de votação — com a devida supervisão dos sindicatos.

“O mais importante e perigoso aspecto do referendum foi o baixo número de participantes, apesar da campanha da mídia nos três dias precedentes”, afirmou o conselho.

Um dos líderes do Kifaya, um grupo político ativista que teve um papel de liderança na campanha pelo boicote, zombou dos resultados anunciados.

“No Egito, ninguém acredita nas figuras oficiais, somente alguém insano o faz”, disse Abdel-Halim Qandil. “E, supondo que eu seja insano e acredite nessas figuras, isto significaria que a popularidade do governo foi dividida ao meio”, disse ele, referindo-se ao fato de que o governo declarou uma presença de 54% no referendum de 2005.

A Anistia Internacional condenou as emendas como sendo a “maior destruição” de direitos no Egito em vinte e seis anos. Elijah Zarwan, um pesquisador do Cairo da Proteção aos Direitos Humanos, disse: “isso torna o Egito um estado policial constitucional”.

Mohammed el Sayed Said, um analista do Centro para Estudos Políticos e Estratégicos Al-Ahram, disse que as emendas levam a um “golpe constitucional”.

EUA dão sinal verde a Mubarak

A resposta do governo Bush foi abafada. Mas a crítica que faz ao regime de Mubarak é somente para enganar o público. Antes de deixar Washington para uma viagem pelo Oriente Médio, a secretária de estado Condoleezza Rice descreveu a emenda como um “resultado realmente desapontador”. Mesmo essa suave repreensão foi abrandada alguns dias mais tarde, depois de um encontro com Mubarak no Cairo, para reforçar o apoio aos planos de Washington em atacar o Iraque.

Rice disse aos repórteres: “o processo de reformas é difícil. Deverá ter seus altos e baixos”.

Já há algum tempo a Casa Branca contradiz sua suposta política de promover a democracia no Oriente Médio. Logo depois das eleições parlamentares de 2005, o governo norte-americano anunciou seu apoio a Mubarak, um aliado chave na região, para desestabilizar a oposição, hegemonizada pela Irmandade Islâmica, em recompensa pelo apoio do regime à ocupação do Iraque e às ameaças contra o Irã.

As eleições de 2005 foram marcadas por um explícito controle do governo, incluindo o uso de gás lacrimogêneo, balas de borracha e munições vivas que deixaram 14 mortos e centenas de apoiadores da Irmandade na prisão. Monitores independentes chamaram isso de “uma campanha sistemática e planejada” para bloquear a oposição. Mas Sean McCormack, um porta-voz do Departamento de Estado, disse que os EUA “não receberam, até agora, qualquer indicação de que o governo egípcio não esteja interessado em realizar eleições pacíficas, livres e justas”.

Semanas mais tarde, depois de a Irmandade formar a maior oposição e o grupo islâmico Hamas ter uma vitória arrasadora nas eleições palestinas em janeiro de 2006, Rice disse, em sua passagem pela Universidade Americana do Cairo: “Nós temos de perceber que este é um parlamento fundamentalmente diferente do parlamento anterior às eleições, um presidente que procurou o consentimento dos governados”.

“Nós não podemos julgar o Egito”, disse ela. “Nós não podemos dizer ao Egito qual poderia ou deveria ser o seu caminho”. “Isso (a democratização) leva tempo”, acrescentou ela mais tarde. “Nós entendemos isso”.

As razões para as alterações constitucionais de Mubarak não são difíceis de entender. Tensões econômicas e sociais cresceram, em conseqüência do aumento da pobreza e da desigualdade social. Alguns comentadores a compararam à situação que precedeu o golpe de 1952 pelo Movimento dos Policiais Livres, que levou o Coronel Gamal Abdul Nasser ao poder.

O índice oficial de desemprego é de 12%, mas a maioria das pessoas acreditam que o número real deve ser pelo menos o dobro disso. Muitos estão desempregados. A maioria não recebe o suficiente para cobrir as necessidades básicas de suas famílias e muitos sofrem de subnutrição.

O Cairo, uma das mais populosas cidades do mundo, tem problemas crônicos com o pequeno número de casas adequadas. Favelas surgiram sem acesso à água limpa. Muitos não têm casa.

Com metade da população - que é de 70 milhões pessoas - menor de 25 anos de idade, a pobreza infantil é endêmica. Mesmo estimativas conservadoras colocam o número de crianças e pessoas jovens menores de 20 anos que moram na rua na incrível cifra de 2 milhões. Crianças de rua, algumas de até cinco anos, esquivam-se em meio aos carros, vendendo cigarros e pedindo comida. Gatos esqueléticos procuram por comida em meio aos mau-cheirosos montes de lixo. Os hospitais públicos possuem enfermeiras não capacitadas, equipamentos médicos ultrapassados e salas de espera lotadas, onde pessoas permanecem para dormir. Câncer, doenças respiratórias, diabetes e hepatite C têm crescido assustadoramente.

Esta semana foi constatada a 32ª vítima da gripe aviária: uma menina de quatro anos que vivia numa cidade ao norte do Cairo. Mulheres e crianças foram os mais atacados pelo vírus, uma vez que eles são os que cuidam das galinhas que muitas casas mantêm para complementar seus parcos recursos. Fora da Ásia, o Egito foi o país mais duramente afetado pelo vírus da gripe aviária.

A educação é terrível. As escolas públicas estão super-lotadas. As crianças se amontoam em quatro em cada mesa descascada. As paredes estão completamente pichadas e o chão está sempre sujo. Exige-se “pagamentos extras” educacionais para tudo, o que sangra grande parte dos recursos das famílias. As condições são tão ruins que houve manifestações dos pais nas escolas.

Greves — proibidas caso não tenham a aprovação da direção da Federação Geral dos Sindicatos Egípcios, que é controlado pelo Partido Democrata (ex-União Socialista Árabe) — cresceram, particularmente na indústria têxtil, um dos mais importantes setores produtivos do país.

Em dezembro, os trabalhadores da indústria do cimento em Helwan e Tura entraram em greve. Ao mesmo tempo, trabalhadores ligados à indústria automobilística em Mahalla al-Kubra realizaram uma greve e uma manifestação. Em janeiro, houve greves dos motoristas de caminhões e micro-ônibus, criadores de galinhas, lixeiros, jardineiros públicos e trabalhadores do saneamento.

Com oposição política amplamente canalizada pela Irmandade Muçulmana, menos por apoio político ao seu programa que por suas redes de bem-estar, o governo reteve centenas de seus membros, a maioria sem julgamento. Outros foram procurados. Em Alexandria, o regime sentenciou o autor de um blog, Abdel Karim Nabil Suleiman, a quatro anos de prisão entre outras coisas por difamar o presidente.

 



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