Este artigo foi publicado no WSWS, originalmente em inglês,
no dia 7 de abril de 2007.
Mubarak, presidente do Egito, realizou alterações
constitucionais que vão no sentido de estabelecer um estado
militar-policial permanente, inclusive garantindo a si próprio
o poder de dissolver o parlamento.
As emendas constitucionais consolidam as supostamente temporárias
leis emergenciais, estabelecidas depois do assassinato do presidente
Anwar Sadat em 1981 por um militante islâmico que se opunha
ao reconhecimento de Israel e à aliança com Washington.
O brutal regime militar que tem governado o Egito desde então
tem se utilizado dessas leis emergenciais para acabar com as greves
e divergências políticas, calar a imprensa, prender
pessoas rotineiramente sem julgamento e torturar prisioneiros.
Todas essas medidas têm sido apoiadas pelos Estados Unidos
e não recebem nenhuma oposição por parte
das potências européias.
As emendas constitucionais fortalecem o poder executivo, os
partidos ilegais baseados em religiões e etnias e freiam
os já limitados poderes do judiciário em criticar
as claras falhas da legislação eleitoral. Trinta
e quatro novos artigos foram introduzidos na constituição.
Referências ao socialismo, que remetem às
reformas introduzidas pelo presidente Nasser depois do golpe militar
de 1952, foram substituídas por formulações
que sustentam as reformas de livre mercado; por exemplo, o sistema
econômico socialista foi trocado por baseado
na liberdade da ação econômica... respeitando
a propriedade privada e preservando os direitos dos trabalhadores.
A constituição recebeu emendas que asseguram
a dominação política do Partido Nacional
Democrata de Mubarak e abrem o caminho para a transferência
de poder dinástica ao filho de Mubarak, o amigo dos negócios
Gamal. Atividades e partidos políticos baseados em
qualquer fundamento religioso são ilegais. Isso é
direcionado contra a Irmandade Muçulmana, o maior partido
de oposição, que apesar de já ser proibido,
é tolerado pelas autoridades e opera no parlamento como
independente. Agora o partido, que Mubarak qualificou de perigoso
à segurança de estado, é inconstitucional.
O artigo 7 exige que os candidatos à presidência
tenham que ser nomeados por partidos que possuam ao menos 3% de
membros eleitos no parlamento uma soma inalcançável
a qualquer partido de oposição.
O artigo 88 foi reescrito para retirar os poderes do judiciário
na supervisão das eleições. Isso evita que
aconteçam novamente situações como a do ano
passado, na qual dois juízes exigiram, sem sucesso, a investigação
de possíveis fraudes eleitorais durante a eleição
geral de 2005. Ao invés disso, haverá uma comissão
eleitoral cuja composição será definida numa
lei futura o que por enquanto ainda é apenas uma
possibilidade.
O artigo 179 é o mais controverso. Ele substitui as
perversas leis marciais, constantemente renovadas, por uma nova
lei anti-terrorista - cujo conteúdo ainda é desconhecido
- que será colocado antes dos três outros artigos
que supostamente defendem os direitos democráticos.
A nova lei se aplicará somente a casos de terrorismo.
Ela concede poderes devastadores à polícia e dá
ao presidente o poder de entregar os casos terroristas a qualquer
autoridade judicial que ele escolher incluindo tribunais
militares cujos veredictos não estão sujeitos a
apelações.
Na prática, o governo agora tem o poder constitucional
de fazer exatamente tudo aquilo que foi feito sob as leis emergenciais:
deter pessoas sem julgamento ou mesmo acusações,
conduzir buscas e inspeções sem justificativas e
usar o tribunal militar para julgar casos sem as proteções
usuais das cortes civis.
O governo egípcio mentiu ao afirmar que teve aprovação
de 75,9% para as mudanças na constituição
por meio de um referendum. O diário semi-oficial al-Ahram
publicou a manchete: A presença popular no referendum
referente às emendas constitucionais superou as expectativas.
O governo afirma que a presença de votantes foi de 27,1%,
mas isso é um exagero grosseiro. Grupos de monitoramento
independente disseram que o número de votantes não
era maior que 5%. Os diversos locais de votação
estavam verdadeiramente desertos. O referendum boicotou os partidos
de oposição, pois foi chamado com apenas dois dias
de antecedência e sete dias depois da sua regulamentação,
ocorrida no dia 19 de março.
O Conselho Nacional pelos Direitos Humanos, um organismo indicado
pelo Estado e liderado pelo ex-secretário geral da ONU,
Boutros Ghali, relatou diversas falhas. A lista de votantes
era imprecisa, alguns monitores da sociedade civil foram impedidos
de observar alguns locais de votação, autoridades
locais em algumas províncias organizaram votações
em massa, e alguns oficiais eleitorais intervieram no processo
de votação, chegando a preencher as cédulas
algumas vezes, disse o conselho numa declaração.
Votação em massa é um eufemismo,
pois os trabalhadores do Estado foram levados de ônibus
às estações de votação
com a devida supervisão dos sindicatos.
O mais importante e perigoso aspecto do referendum foi
o baixo número de participantes, apesar da campanha da
mídia nos três dias precedentes, afirmou o
conselho.
Um dos líderes do Kifaya, um grupo político ativista
que teve um papel de liderança na campanha pelo boicote,
zombou dos resultados anunciados.
No Egito, ninguém acredita nas figuras oficiais,
somente alguém insano o faz, disse Abdel-Halim Qandil.
E, supondo que eu seja insano e acredite nessas figuras,
isto significaria que a popularidade do governo foi dividida ao
meio, disse ele, referindo-se ao fato de que o governo declarou
uma presença de 54% no referendum de 2005.
A Anistia Internacional condenou as emendas como sendo a maior
destruição de direitos no Egito em vinte e
seis anos. Elijah Zarwan, um pesquisador do Cairo da Proteção
aos Direitos Humanos, disse: isso torna o Egito um estado
policial constitucional.
Mohammed el Sayed Said, um analista do Centro para Estudos
Políticos e Estratégicos Al-Ahram, disse que as
emendas levam a um golpe constitucional.
EUA dão sinal verde a Mubarak
A resposta do governo Bush foi abafada. Mas a crítica
que faz ao regime de Mubarak é somente para enganar o público.
Antes de deixar Washington para uma viagem pelo Oriente Médio,
a secretária de estado Condoleezza Rice descreveu a emenda
como um resultado realmente desapontador. Mesmo essa
suave repreensão foi abrandada alguns dias mais tarde,
depois de um encontro com Mubarak no Cairo, para reforçar
o apoio aos planos de Washington em atacar o Iraque.
Rice disse aos repórteres: o processo de reformas
é difícil. Deverá ter seus altos e baixos.
Já há algum tempo a Casa Branca contradiz sua
suposta política de promover a democracia no Oriente Médio.
Logo depois das eleições parlamentares de 2005,
o governo norte-americano anunciou seu apoio a Mubarak, um aliado
chave na região, para desestabilizar a oposição,
hegemonizada pela Irmandade Islâmica, em recompensa pelo
apoio do regime à ocupação do Iraque e às
ameaças contra o Irã.
As eleições de 2005 foram marcadas por um explícito
controle do governo, incluindo o uso de gás lacrimogêneo,
balas de borracha e munições vivas que deixaram
14 mortos e centenas de apoiadores da Irmandade na prisão.
Monitores independentes chamaram isso de uma campanha sistemática
e planejada para bloquear a oposição. Mas
Sean McCormack, um porta-voz do Departamento de Estado, disse
que os EUA não receberam, até agora, qualquer
indicação de que o governo egípcio não
esteja interessado em realizar eleições pacíficas,
livres e justas.
Semanas mais tarde, depois de a Irmandade formar a maior oposição
e o grupo islâmico Hamas ter uma vitória arrasadora
nas eleições palestinas em janeiro de 2006, Rice
disse, em sua passagem pela Universidade Americana do Cairo: Nós
temos de perceber que este é um parlamento fundamentalmente
diferente do parlamento anterior às eleições,
um presidente que procurou o consentimento dos governados.
Nós não podemos julgar o Egito, disse
ela. Nós não podemos dizer ao Egito qual poderia
ou deveria ser o seu caminho. Isso (a democratização)
leva tempo, acrescentou ela mais tarde. Nós
entendemos isso.
As razões para as alterações constitucionais
de Mubarak não são difíceis de entender.
Tensões econômicas e sociais cresceram, em conseqüência
do aumento da pobreza e da desigualdade social. Alguns comentadores
a compararam à situação que precedeu o golpe
de 1952 pelo Movimento dos Policiais Livres, que levou o Coronel
Gamal Abdul Nasser ao poder.
O índice oficial de desemprego é de 12%, mas
a maioria das pessoas acreditam que o número real deve
ser pelo menos o dobro disso. Muitos estão desempregados.
A maioria não recebe o suficiente para cobrir as necessidades
básicas de suas famílias e muitos sofrem de subnutrição.
O Cairo, uma das mais populosas cidades do mundo, tem problemas
crônicos com o pequeno número de casas adequadas.
Favelas surgiram sem acesso à água limpa. Muitos
não têm casa.
Com metade da população - que é de 70
milhões pessoas - menor de 25 anos de idade, a pobreza
infantil é endêmica. Mesmo estimativas conservadoras
colocam o número de crianças e pessoas jovens menores
de 20 anos que moram na rua na incrível cifra de 2 milhões.
Crianças de rua, algumas de até cinco anos, esquivam-se
em meio aos carros, vendendo cigarros e pedindo comida. Gatos
esqueléticos procuram por comida em meio aos mau-cheirosos
montes de lixo. Os hospitais públicos possuem enfermeiras
não capacitadas, equipamentos médicos ultrapassados
e salas de espera lotadas, onde pessoas permanecem para dormir.
Câncer, doenças respiratórias, diabetes e
hepatite C têm crescido assustadoramente.
Esta semana foi constatada a 32ª vítima da gripe
aviária: uma menina de quatro anos que vivia numa cidade
ao norte do Cairo. Mulheres e crianças foram os mais atacados
pelo vírus, uma vez que eles são os que cuidam das
galinhas que muitas casas mantêm para complementar seus
parcos recursos. Fora da Ásia, o Egito foi o país
mais duramente afetado pelo vírus da gripe aviária.
A educação é terrível. As escolas
públicas estão super-lotadas. As crianças
se amontoam em quatro em cada mesa descascada. As paredes estão
completamente pichadas e o chão está sempre sujo.
Exige-se pagamentos extras educacionais para tudo,
o que sangra grande parte dos recursos das famílias. As
condições são tão ruins que houve
manifestações dos pais nas escolas.
Greves proibidas caso não tenham a aprovação
da direção da Federação Geral dos
Sindicatos Egípcios, que é controlado pelo Partido
Democrata (ex-União Socialista Árabe) cresceram,
particularmente na indústria têxtil, um dos mais
importantes setores produtivos do país.
Em dezembro, os trabalhadores da indústria do cimento
em Helwan e Tura entraram em greve. Ao mesmo tempo, trabalhadores
ligados à indústria automobilística em Mahalla
al-Kubra realizaram uma greve e uma manifestação.
Em janeiro, houve greves dos motoristas de caminhões e
micro-ônibus, criadores de galinhas, lixeiros, jardineiros
públicos e trabalhadores do saneamento.
Com oposição política amplamente canalizada
pela Irmandade Muçulmana, menos por apoio político
ao seu programa que por suas redes de bem-estar, o governo reteve
centenas de seus membros, a maioria sem julgamento. Outros foram
procurados. Em Alexandria, o regime sentenciou o autor de um blog,
Abdel Karim Nabil Suleiman, a quatro anos de prisão entre
outras coisas por difamar o presidente.