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Bush exige que o Congresso norte-americano aprove um projeto de lei que autoriza a tortura de presos

Por Joe Kay
22 Setembro 2006

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Este artigo foi publicado no WSWS, originalmente em inglês, no dia 16 de setembro de 2006

Na sexta-feira o presidente George Bush convocou uma entrevista coletiva com a imprensa a fim de divulgar um projeto de lei enviado ao Congresso que autoriza métodos de interrogação. Estes métodos foram proibidos pela Convenção de Genebra por serem considerados tortura, de acordo com a legislação internacional.

Este projeto de lei foi elaborado com a intenção de contornar uma decisão, tomada em junho pelo Supremo Tribunal norte-americano, segundo a qual o Tribunal passava a não reconhecer os tribunais militares criados pelo Executivo em conseqüência do ataque de onze de setembro. O Supremo Tribunal considerou que as comissões militares estabelecidas para julgar prisioneiros em Guantánamo violaram o Decreto de Direitos da Constituição norte-americana, assim como os princípios fundamentais da Convenção de Genebra, no que diz respeito ao tratamento dado aos combatentes capturados em guerra.

Bush considera que, em época de guerra, o decreto proposto pelo Senado em relação às comissões militares deve ser desconsiderado, porque ele não “esclarece” à Convenção de Genebra que esta deve autorizar o programa de interrogatórios da CIA efetuados em prisões secretas, cuja existência o presidente tomou conhecimento somente na semana passada.

O bloqueio do acesso da Cruz Vermelha Internacional às prisões da CIA, que são defendidas abertamente por Bush, tornou-as ilegais frente à legislação internacional. Esses prisioneiros de campos de trabalho forçado foram sujeitados ao que Bush chama “métodos de interrogatório alternativo”—que seria um eufemismo para tortura.

O projeto de lei do governo Bush sancionaria a evidente utilização da coerção pelas comissões militares—o que significa um claro desacato aos fundamentos básicos da legislação internacional. Impossibilitaria ainda o acesso dos responsáveis pela defesa dos presos à simples boatos e a provas secretas.

Numa conferência com a imprensa, Bush afirmou que ele fará “um teste” a respeito de qualquer legislação que o Congresso pretenda aprovar: “a inteligência me dirá se o projeto que o Congresso enviou a mim permitirá a continuidade desse programa vital (da CIA)”. Numa tentativa de fazer chantagem política àqueles que se opõem ao seu projeto no Senado—incluindo quatro destacados republicanos do Comitê de Serviço Armado do Senado—Bush declarou que descartaria o programa de interrogatórios da CIA caso o Senado concordasse com seu “esclarecimento”, isto é, a deturpação feita por ele do Terceiro Artigo Comum da Convenção de Genebra.

O resultado evidente disso foi que os senadores que, de fato, bloquearam a autorização da tortura, poderiam ser classificados como cúmplices dos terroristas.

Em junho de 2006, o Supremo Tribunal declarou que todos os prisioneiros sob custódia nos EUA devem ser tratados de acordo com o Terceiro Acordo Comum da Convenção de Genebra, o que proíbe a tortura e “abusos contra a dignidade pessoal, incluindo tratamentos humilhantes e degradantes”.

Esta linguagem, segundo Bush, é tão “vaga que é impossível pedir a qualquer pessoa que participe do programa—pois a pessoa terá medo de desrespeitar a lei”.

Bush reafirmou que o Supremo Tribunal teria aprovado as comissões desde que estas fossem autorizadas pelo Congresso, e não somente deliberadas por meio de ordens do executivo. Na verdade, o que não é aceito na atual legislação é que a comissão militar faça uso de provas secretas, provas baseadas em boatos e provas obtidas por meio da coerção. O governo está tentando eliminar estes impedimentos por meio de uma nova legislação.

Na sexta-feira de manhã, Bush convocou a imprensa para uma improvisada entrevista coletiva, um dia após a derrota no Comitê de Serviço Armado do Senado, quando quatro republicanos uniram-se aos democratas para derrubar o projeto do governo e aprovar aquele que a Casa Branca havia rejeitado por considerá-lo inaceitável. A rebelião republicana foi encabeçada por John Warner, da Virginia, presidente do Comitê, com apoio de John McCain, do Arizona, Lindsey Graham, da Carolina do Sul, e Susan Collins, do Maine.

Na quinta-feira, Bush e o vice-presidente, Dick Cheney, foram ao Capitólio para tentar pressionar os recalcitrantes senadores republicanos a apoiarem o decreto do governo.

Três dos senadores republicanos que se opuseram ao projeto de Bush—Warner, McCain e Graham—possuem estreitos laços com a elite militar. Eles propuseram uma versão alternativa ao projeto, que não incluísse a “redefinição” do Terceiro Artigo Comum e barrasse o uso de tratamento cruel ou abusivo na busca de provas.

O Secretário de Estado do primeiro mandato de Bush, Colin Powell, general aposentado que foi presidente do pessoal da comunidade judaica na época da guerra do Golfo Pérsico, em 1991, aderiu aos senadores republicanos que se opõem ao desprezo de Bush à Convenção de Genebra. Numa carta a McCain—que foi prisioneiro de guerra no Vietnã—tornada pública na quinta-feira, Powell escreveu: “O mundo está começando a desconfiar da base moral da nossa luta contra o terrorismo. Redefinir o Terceiro Artigo Comum deve aumentar esta desconfiança. Além do mais, isso colocará nossas próprias tropas em risco”.

A carta de Powell realça o conteúdo essencial da oposição no Senado ao projeto de Bush. Setores da elite norte-americana consideram que a posição do imperialismo norte-americano está sendo drasticamente enfraquecida em conseqüência do desprezo insolente do governo à legislação internacional.

Entre os militares há ainda a preocupação de que o desrespeito à Convenção de Genebra coloca em risco os soldados norte-americanos capturados em combates.

Estas divergências vêm se intensificando em conseqüência das crises nas operações militares dos EUA no Iraque e no Afeganistão. Importantes setores da elite dominante, além de militares de alta patente, culpam Bush por este fracasso, que debilitou profundamente a estabilidade institucional do exército.

Em resposta às observações de Bush, o senador McCain esclareceu que ele apóia as prisões secretas da CIA, insistindo que a versão da legislação defendida por ele não forçaria a interrupção do programa da CIA. Ele disse ainda que ambas as versões da medida protegeriam os norte-americanos de interrogatórios e processos.

O Comitê Nacional de Serviços Armados já aprovou uma legislação que inclui todas as medidas defendidas pelo governo Bush. A decisão do Comitê contou com o apoio dos dois partidos - democrata e republicano—com 52 votos a favor e 8 contra.

O Partido Democrata assumiu uma posição totalmente covarde no debate sobre os tribunais militares e o programa da CIA. Os líderes do Partido Democrata estavam felizes por ocupar um papel secundário e deixar os opositores republicanos do projeto de Bush assumir a liderança. A última coisa que os Democratas desejam é serem associados à obstrução de qualquer medida defendida pelo governo em nome da “guerra ao terror”.

Tanto a versão do Comitê Nacional quanto a do Comitê do Senado contêm diversas medidas antidemocráticas, pois as duas consideram que nenhuma pessoa pode utilizar, nos tribunais norte-americanos, a Convenção de Genebra como base para a defesa de seus direitos legais. Ambas limitam severamente a possibilidade dos prisioneiros de contestar suas detenções no tribunal. De acordo com um artigo do New York Times publicado na sexta-feira, “mais de 25 juízes federais enviaram uma carta ao Congresso argumentando que tal medida poderia conduzir a um processo permanente de detenções ilegais, além de desacatar precedentes do Tribunal”.

O maior interesse do governo é obter uma autorização legal para a tortura de forma retroativa—para acobertar todas as ações do governo desde o dia 11 de setembro de 2001. Isso asseguraria que membros dos mais altos escalões do governo, incluindo Bush, Cheney, Rumfeld e outros, não corram o risco de serem processados por crimes de guerra.

 



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