Este artigo foi publicado no WSWS, originalmente em inglês,
no dia 16 de setembro de 2006
Na sexta-feira o presidente George Bush convocou uma entrevista
coletiva com a imprensa a fim de divulgar um projeto de lei enviado
ao Congresso que autoriza métodos de interrogação.
Estes métodos foram proibidos pela Convenção
de Genebra por serem considerados tortura, de acordo com a legislação
internacional.
Este projeto de lei foi elaborado com a intenção
de contornar uma decisão, tomada em junho pelo Supremo
Tribunal norte-americano, segundo a qual o Tribunal passava a
não reconhecer os tribunais militares criados pelo Executivo
em conseqüência do ataque de onze de setembro. O Supremo
Tribunal considerou que as comissões militares estabelecidas
para julgar prisioneiros em Guantánamo violaram o Decreto
de Direitos da Constituição norte-americana, assim
como os princípios fundamentais da Convenção
de Genebra, no que diz respeito ao tratamento dado aos combatentes
capturados em guerra.
Bush considera que, em época de guerra, o decreto proposto
pelo Senado em relação às comissões
militares deve ser desconsiderado, porque ele não esclarece
à Convenção de Genebra que esta deve autorizar
o programa de interrogatórios da CIA efetuados em prisões
secretas, cuja existência o presidente tomou conhecimento
somente na semana passada.
O bloqueio do acesso da Cruz Vermelha Internacional às
prisões da CIA, que são defendidas abertamente por
Bush, tornou-as ilegais frente à legislação
internacional. Esses prisioneiros de campos de trabalho forçado
foram sujeitados ao que Bush chama métodos de interrogatório
alternativoque seria um eufemismo para tortura.
O projeto de lei do governo Bush sancionaria a evidente utilização
da coerção pelas comissões militareso
que significa um claro desacato aos fundamentos básicos
da legislação internacional. Impossibilitaria ainda
o acesso dos responsáveis pela defesa dos presos à
simples boatos e a provas secretas.
Numa conferência com a imprensa, Bush afirmou que ele
fará um teste a respeito de qualquer legislação
que o Congresso pretenda aprovar: a inteligência me
dirá se o projeto que o Congresso enviou a mim permitirá
a continuidade desse programa vital (da CIA). Numa tentativa
de fazer chantagem política àqueles que se opõem
ao seu projeto no Senadoincluindo quatro destacados republicanos
do Comitê de Serviço Armado do SenadoBush declarou
que descartaria o programa de interrogatórios da CIA caso
o Senado concordasse com seu esclarecimento, isto
é, a deturpação feita por ele do Terceiro
Artigo Comum da Convenção de Genebra.
O resultado evidente disso foi que os senadores que, de fato,
bloquearam a autorização da tortura, poderiam ser
classificados como cúmplices dos terroristas.
Em junho de 2006, o Supremo Tribunal declarou que todos os
prisioneiros sob custódia nos EUA devem ser tratados de
acordo com o Terceiro Acordo Comum da Convenção
de Genebra, o que proíbe a tortura e abusos contra
a dignidade pessoal, incluindo tratamentos humilhantes e degradantes.
Esta linguagem, segundo Bush, é tão vaga
que é impossível pedir a qualquer pessoa que participe
do programapois a pessoa terá medo de desrespeitar
a lei.
Bush reafirmou que o Supremo Tribunal teria aprovado as comissões
desde que estas fossem autorizadas pelo Congresso, e não
somente deliberadas por meio de ordens do executivo. Na verdade,
o que não é aceito na atual legislação
é que a comissão militar faça uso de provas
secretas, provas baseadas em boatos e provas obtidas por meio
da coerção. O governo está tentando eliminar
estes impedimentos por meio de uma nova legislação.
Na sexta-feira de manhã, Bush convocou a imprensa para
uma improvisada entrevista coletiva, um dia após a derrota
no Comitê de Serviço Armado do Senado, quando quatro
republicanos uniram-se aos democratas para derrubar o projeto
do governo e aprovar aquele que a Casa Branca havia rejeitado
por considerá-lo inaceitável. A rebelião
republicana foi encabeçada por John Warner, da Virginia,
presidente do Comitê, com apoio de John McCain, do Arizona,
Lindsey Graham, da Carolina do Sul, e Susan Collins, do Maine.
Na quinta-feira, Bush e o vice-presidente, Dick Cheney, foram
ao Capitólio para tentar pressionar os recalcitrantes senadores
republicanos a apoiarem o decreto do governo.
Três dos senadores republicanos que se opuseram ao projeto
de BushWarner, McCain e Grahampossuem estreitos laços
com a elite militar. Eles propuseram uma versão alternativa
ao projeto, que não incluísse a redefinição
do Terceiro Artigo Comum e barrasse o uso de tratamento cruel
ou abusivo na busca de provas.
O Secretário de Estado do primeiro mandato de Bush,
Colin Powell, general aposentado que foi presidente do pessoal
da comunidade judaica na época da guerra do Golfo Pérsico,
em 1991, aderiu aos senadores republicanos que se opõem
ao desprezo de Bush à Convenção de Genebra.
Numa carta a McCainque foi prisioneiro de guerra no Vietnãtornada
pública na quinta-feira, Powell escreveu: O mundo
está começando a desconfiar da base moral da nossa
luta contra o terrorismo. Redefinir o Terceiro Artigo Comum deve
aumentar esta desconfiança. Além do mais, isso colocará
nossas próprias tropas em risco.
A carta de Powell realça o conteúdo essencial
da oposição no Senado ao projeto de Bush. Setores
da elite norte-americana consideram que a posição
do imperialismo norte-americano está sendo drasticamente
enfraquecida em conseqüência do desprezo insolente
do governo à legislação internacional.
Entre os militares há ainda a preocupação
de que o desrespeito à Convenção de Genebra
coloca em risco os soldados norte-americanos capturados em combates.
Estas divergências vêm se intensificando em conseqüência
das crises nas operações militares dos EUA no Iraque
e no Afeganistão. Importantes setores da elite dominante,
além de militares de alta patente, culpam Bush por este
fracasso, que debilitou profundamente a estabilidade institucional
do exército.
Em resposta às observações de Bush, o
senador McCain esclareceu que ele apóia as prisões
secretas da CIA, insistindo que a versão da legislação
defendida por ele não forçaria a interrupção
do programa da CIA. Ele disse ainda que ambas as versões
da medida protegeriam os norte-americanos de interrogatórios
e processos.
O Comitê Nacional de Serviços Armados já
aprovou uma legislação que inclui todas as medidas
defendidas pelo governo Bush. A decisão do Comitê
contou com o apoio dos dois partidos - democrata e republicanocom
52 votos a favor e 8 contra.
O Partido Democrata assumiu uma posição totalmente
covarde no debate sobre os tribunais militares e o programa da
CIA. Os líderes do Partido Democrata estavam felizes por
ocupar um papel secundário e deixar os opositores republicanos
do projeto de Bush assumir a liderança. A última
coisa que os Democratas desejam é serem associados à
obstrução de qualquer medida defendida pelo governo
em nome da guerra ao terror.
Tanto a versão do Comitê Nacional quanto a do
Comitê do Senado contêm diversas medidas antidemocráticas,
pois as duas consideram que nenhuma pessoa pode utilizar, nos
tribunais norte-americanos, a Convenção de Genebra
como base para a defesa de seus direitos legais. Ambas limitam
severamente a possibilidade dos prisioneiros de contestar suas
detenções no tribunal. De acordo com um artigo do
New York Times publicado na sexta-feira, mais de
25 juízes federais enviaram uma carta ao Congresso argumentando
que tal medida poderia conduzir a um processo permanente de detenções
ilegais, além de desacatar precedentes do Tribunal.
O maior interesse do governo é obter uma autorização
legal para a tortura de forma retroativapara acobertar todas
as ações do governo desde o dia 11 de setembro de
2001. Isso asseguraria que membros dos mais altos escalões
do governo, incluindo Bush, Cheney, Rumfeld e outros, não
corram o risco de serem processados por crimes de guerra.