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Socialismo em um só país ou revolução permanente—Parte 3

Por Bill Van Auken
1 de agosto de 2006

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O texto abaixo é a terceira parte de uma exposição realizada por Bill Van Auken no encontro do curso de verão do Socialist Equality Party/ World Socialist Web Site, ocorrido entre 14 e 20 de agosto de 2005, em Ann Arbor, Michigan.

A reação contra o Outubro de 1917

A campanha contra a revolução permanente foi uma expressão necessária do crescimento do nacionalismo no interior do Partido Bolchevique e o começo da reação contra a Revolução de Outubro, que foi realizada embasada nessa teoria.

Aqueles que, como Stalin, denunciaram Trotsky em 1924 pela falta de crença na construção, em Rússia, do “socialismo em um só país”, o tinham atacado entre 1905 e 1917 como um revolucionário utópico por sustentar que o proletariado russo podia chegar ao poder antes dos trabalhadores da Europa Ocidental. Insistiam eles, naquele tempo, que a Rússia era um país muito atrasado.

Trotsky tinha assegurado que a natureza da Revolução Russa seria determinada, em última análise, não pelo nível de desenvolvimento da sua própria economia nacional, mas sim, pela dominação da Rússia pelo capitalismo mundial e pela sua crise internacional. Em países como a Rússia, com um desenvolvimento capitalista tardio, com uma integração na economia capitalista mundial e com um crescimento da classe trabalhadora, se tornara impossível para a burguesia levar até o fim as tarefas associadas com a revolução burguesa.

Resumiu sua teoria em artigo de 1939, “Três concepções da Revolução Russa”: “A completa vitória da revolução democrática na Rússia é inconcebível de outra maneira que na forma de ditadura do proletariado embasado ele próprio sobre o campesinato. A ditadura do proletariado, que colocará inevitavelmente na ordem do dia não somente as tarefas democráticas, mas também as tarefas socialistas, proporcionará ao mesmo tempo um forte impulso à revolução socialista internacional. Somente a vitória do proletariado no Ocidente protegerá a Rússia de uma restauração burguesa e lhe assegurará a construção do socialismo de forma acabada”.

Rejeitando os fundamentos internacionalistas dessa teoria—confirmados na experiência da Revolução de Outubro- a direção de Stalin se embasou em um caminho formalmente nacionalista, dividindo o mundo em diferentes tipos de países fez suposições se estes possuíam ou não as pré-condições necessárias para uma construção socialista.

Trotsky denunciou esse caminho como duplamente enganoso. Ressaltou que o desenvolvimento da economia capitalista mundial não somente coloca a questão da conquista do poder pela classe trabalhadora nos países atrasados, como também torna irrealizável a construção do socialismo no interior das fronteiras nacionais mesmo nos países capitalistas avançados.

Escreveu ele: “Os lineamentos desse programa esquecem a tese fundamental da incompatibilidade entre as atuais forças produtivas e as fronteiras nacionais, e disto se segue que forças produtivas altamente desenvolvidas não significam um inferior obstáculo para a construção do socialismo em um só país do que forças produtivas menores, embora em razão inversa, ou seja, enquanto no último caso as forças produtivas são insuficientes para servirem como base do socialismo, estas mesmas forças são a base que limitará as primeiras”.

Ou seja, os países coloniais carecem de uma base econômica/industrial, enquanto em um país capitalista avançado a economia capitalista há muito tempo cresceu para além das fronteiras nacionais. A Inglaterra, como salientou Trotsky, devido ao desenvolvimento de suas forças produtivas, precisou de matérias primas e mercados do mundo inteiro. Uma tentativa de construir o socialismo sobre uma ilha conduziria necessariamente para um retrocesso econômico irracional.

Socialismo em um só país e China

Na verdade, o tempo não nos permite fazer uma análise mais detalhada sobre as conseqüências da política do “socialismo em um só país” para as seções da Internacional Comunista. Todavia, penso que é necessário se referir, embora de forma sumária, à traição da Revolução Chinesa de 1925-27. Esta traição aconteceu em plena luta de Trotsky contra a teoria retrógrada de Stalin e representou uma confirmação terrível de sua advertência de que a concepção stalinista somente poderia conduzir a derrotas catastróficas para a classe operária internacional.

Escrevendo em 1930, Trotsky descreveu esta “segunda” Revolução Chinesa como o “maior acontecimento da história moderna depois da Revolução Russa de 1917”. A onda nascida da luta revolucionária da classe operária e camponesa chinesas, assim como, o rápido crescimento numérico do Partido Comunista Chinês e de sua autoridade política, após sua recente fundação em 1920, ofereceram à União Soviética a possibilidade mais oportuna para romper o cerco e o isolamento.

No entanto, havendo repudiado a Revolução Permanente e ressuscitado a teoria menchevique dos “dois estágios” para a revolução nos países coloniais e semi-coloniais, a direção stalinista insistiu que a classe trabalhadora chinesa precisava subordinar sua luta ao Kuomintang, organização burguês-nacionalista sob o comando de Chiang Kai-shek.

Contra a oposição de Trotsky, o Partido Comunista Chinês foi instruído a entrar no Kuomintang e submeter-se à sua disciplina organizativa. Ao mesmo tempo, Chiang Kai-shek havia sido eleito como membro honorário do comitê executivo do Comintern (a Internacional Comunista), com apenas um voto contrário, a saber, aquele de Trotsky.

A direção stalinista qualificou o Kuomintang como o “bloco de quatro classes”, consistindo na classe operária, no campesinato, na pequena burguesia e na burguesia nacional.

Stalin defendeu a posição que a China ainda não estava madura para uma revolução socialista, e que faltava ao país o “mínimo suficiente” de desenvolvimento para a construção do socialismo. Por isso, a classe trabalhadora não poderia lutar pelo poder político.

Como estabelece a resolução do Komintern de fevereiro de 1927: “O atual período da revolução chinesa é um período de revolução democrático-burguesa, que não foi completado nem do ponto de vista econômico (revolução agrária e aniquilação das relações feudais), nem do ponto de vista da luta nacional contra o imperialismo (a unificação da China e o estabelecimento da independência nacional), nem do ponto de vista da natureza de classe do estado (ditadura do proletariado e do campesinato)”.

Trotsky ressaltou que tudo nessa resolução sobre a China ecoava a posição sustentada pelos mencheviques e mesmo por muitos da direção bolchevique—Stalin inclusive—nos momentos seguintes à Revolução Russa de Fevereiro de 1917. Naquela época, estes insistiam que a revolução não poderia saltar o estágio democrático-burguês de seu desenvolvimento e chamavam por uma sustentação condicional do governo burguês provisório. Eles rejeitaram como “trotsquismo” as teses anunciadas por Lênin, em abril de 1917. Nestas teses afirma-se que as tarefas essenciais da revolução democrático-burguesa somente poderiam ser completadas pela classe operária tomando o poder e estabelecendo a sua própria ditadura.

A direção stalinista insistiu que a opressão imperialista sofrida pela China—e na verdade por todos os países coloniais e semi-coloniais—unificou conjuntamente todas as classes, do proletariado à burguesia em uma luta comum contra o imperialismo, justificando sua unificação em um partido comum.

Contra esta concepção, Trotsky estabeleceu que a luta contra o imperialismo, a qual desfrutava de muitos laços com a burguesia nativa, somente intensificava a luta de classes. “A luta contra o imperialismo, precisamente devido ao poderio econômico e militar deste, exige um poderoso empenho das forças mais profundas do povo chinês”, escreveu ele. “Porém, tudo que coloca em movimento as massas oprimidas de trabalhadores, inevitavelmente, impele a burguesia nacional a um bloco aberto com o imperialismo. A luta de classes entre a burguesia e as massas de trabalhadores e camponeses não é enfraquecida, mas, ao contrário, é agravada pela opressão imperialista, ao ponto de guerra civil sangrenta em todo conflito mais sério”.

Stalin foi hábil para impor a política menchevique na China, contra a vontade do Partido Comunista Chinês, o qual foi instruído a frear tanto os trabalhadores na cidade como a revolução agrária no campo. Finalmente, ordenou que estes entregassem suas armas ao exército de Chiang Kai-shek. O resultado foi um massacre de aproximadamente 20 mil comunistas e trabalhadores praticado exatamente por este exército, em Shangai, no dia 12 de abril de 1927.

A direção stalinista, então, insistiu que o massacre tinha somente confirmado sua linha e que Chiang Kai-shek somente representava a burguesia, não os “nove décimos” do Kuomintang formados por operários e camponeses. O líder legítimo destes “nove décimos”, proclamaram agora os stalinistas, era Wang Ching-wei, que comandou o governo de “esquerda” do Kuomintang em Wuhan, a quem ordenaram que deveria subordinar-se novamente o PCC. Em julho de 1927, após Wang haver realizado um acordo com Chiang Kai-shek, repetiu-se o massacre dos trabalhadores e comunistas assistido em Shangai.

É digno de nota que esse líder da “esquerda” do Kuomitang—proclamado por Stálin o cabeça de uma “ditadura democrática revolucionária”—mais tarde, tornou-se o chefe do regime marionete da ocupação japonesa em Nanking.

Em uma rápida tentativa de acobertar as conseqüências catastróficas do oportunismo do Comintern em Shangai e Wuhan, Stalin insistiu que a revolução chinesa estava ainda em ascenso e sancionou uma revolta aventureira em Cantão, que terminou ainda em outro massacre.

O resultado foi a aniquilação física do Partido Comunista Chinês e a derrota daquela que tinha sido a mais promissora oportunidade revolucionária desde 1917.

O oportunismo da direção stalinista na China baseava-se sobre a concepção de que o sucesso do Kuomintang podia servir como um contrapeso para o imperialismo e, por isso, conceder à União Soviética um tempo de fôlego para o projeto de construir o “socialismo em um só pais”.

Como se vê, a política oportunista e anti-marxista na China originou-se dos mais íntimos suportes nacionalistas da teoria do “socialismo em um só país”. Aplicado à China, este método analisou a revolução nacional isolada da revolução mundial. Disto resultou, por um lado, a visão da China como insuficientemente madura para o socialismo e, de outro, dotou a burguesia nacional e a própria forma do estado nacional de um papel historicamente progressista.

Trotsky rejeitou ambas as concepções, insistindo que o caráter da revolução chinesa era determinada pelo desenvolvimento mundial do capitalismo, o qual, como na Rússia, em 1917, colocava a tomada do poder pela classe operária como a única possibilidade de resolver as tarefas democráticas e nacionais da revolução.

As advertências anteriores de Trotsky sobre as conseqüências da política do “socialismo em um só país” haviam se confirmado, porém, como Trotsky preveniu aqueles que dentro da Oposição de Esquerda viam isso como um golpe mortal para Stalin, o impacto objetivo da derrota na China sobre as massas de trabalhadores soviéticos somente reforçou a mão da burocracia. Logo após a derrota, o próprio Trotsky foi expulso do partido em novembro de 1927 e, alguns meses mais tarde, banido para Alma Ata, fronteira entre a China e a Rússia.

A significação política da adoção da perspectiva de Stalin-Bukharin do “socialismo em um só país” combinada com a campanha contra a Revolução Permanente e a supressão de Trotsky e de seus co-pensadores foi muito bem compreendida pelos órgãos mais conscientes da classe burguesa mundial.

Assim, o New York Times publicou uma especial reportagem escrita por seu inefável correspondente em Moscou, Walter Duranty, em junho de 1931, declarando: “A característica essencial do ‘stalinismo’, que bruscamente define seu avanço e se diferencia do leninismo, é que visa francamente estabelecer com sucesso o socialismo em um só país, sem esperar pela revolução mundial”

“A importância deste dogma, que jogou um papel predominante na controvérsia amarga com Leon Trotsky, não pode ser exagerada. Trata-se do ‘slogan’ stalinista par excellence, e ele estigmatiza como heréticos ou ‘derrotistas’ todos os comunistas que se recusem a aceitá-lo, na Rússia ou fora dela”.

E continuou Duranty: “A teoria da ‘suficiência Socialista Soviética’, como isso pode ser chamado, envolve um certo decréscimo de interesse na revolução mundial—talvez, não de forma premeditada, mas por força das circunstâncias. A socialização stalinista da Rússia demanda, imperativamente, três coisas—toda pitada de esforço, cada centavo de dinheiro, e paz. Isto deixa o Kremlin sem tempo, dinheiro ou energia para a ‘propaganda vermelha’ no exterior, que, incidentalmente, seria uma causa provável de guerra, e, sendo uma força de destruição social, deve fatalmente chocar-se com o plano qüinqüenal que é uma força de construção social”.

De forma semelhante, o jornal francês Le Temps comentou dois anos depois: “Desde a remoção de Trotsky, que, com sua teoria da revolução permanente, representou um efetivo perigo internacional, a administração soviética encabeçada por Stalin aderiu à política da construção do socialismo em um só país, sem esperar a problemática revolução no resto do mundo”.

O artigo aconselhava então a classe dominante francesa a não levar muito a sério a retórica revolucionária da burocracia stalinista.

Trotsky propôs nesta época a criação de um “livro branco” copilando tais endossamentos do “socialismo em um só país” de parte da burguesia e um “livro amarelo” incluindo declarações de simpatia e sustentação da parte de social-democratas.

Oito décadas depois, podemos reconhecer claramente as implicações da luta entre a teoria da revolução permanente e a do “socialismo em um só país”. As advertências precisas e proféticas de Trotsky que a tentativa de separar o desenvolvimento socialista da União Soviética do desenvolvimento internacional e da revolução mundial somente poderia conduzir a uma catástrofe foram confirmadas na necessidade de redesenhar o mapa do mundo e no vasto empobrecimento da população trabalhadora da antiga URSS.

Somando-se à cisão no Comitê Internacional, o ano de 2005 marca também o vigésimo aniversário do início do programa da perestroika conduzido por Mikhail Gorbachov. Esta política marcou o acabamento da traição do stalinismo à Revolução de Outubro. Por trás do palavreado marxista, a burocracia já há muito tempo não mais considerava o socialismo como um programa para a derrubada revolucionária do capitalismo, mas, muito mais, como um meio de desenvolver uma economia nacional que fosse a base de seus próprios privilégios.

Foi para defender estes privilégios que a burocracia girou para uma política de restauração capitalista, que desencadeou um desastre de proporções histórico mundiais para o povo soviético. A mais forte manifestação disso é a implosão da população—nos últimos dez anos a população na Rússia diminuiu em aproximadamente 9,5 milhões de pessoas, apesar de que muitos milhares de russos regressaram das antigas repúblicas soviéticas. O número de crianças sem habitação é hoje muito maior do que nos piores momentos da Guerra Civil ou logo após a Segunda Guerra Mundial.

A dissolução da burocracia stalinista da URSS—uma resposta à pressão crescente do capitalismo globalmente integrado sobre a nacionalmente isolada economia soviética—representou a falência não do socialismo ou do marxismo, mas sim, aquela da tentativa da burocracia stalinista de manter em pé, isolada, uma economia nacional auto-suficiente—isto é, a perspectiva do socialismo em um só país.

A luta de Trotsky travada contra a teoria do socialismo em um só país proporcionou uma análise profunda dos fundamentos da reação contra a Revolução de Outubro e da sua significação para a classe trabalhadora internacional, no processo de elaborar um programa coerente para a construção do partido mundial da revolução socialista.

A defesa de Trotsky da Revolução Permanente e a concepção fundamental de que a economia mundial e a política mundial constituem o único fundamento objetivo para uma estratégia revolucionária representa, hoje, a pedra angular da perspectiva internacionalista do Comitê Internacional da Quarta Internacional.

(Concluído)

 



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