Na sexta-feira passada protestos contra a junta militar egípcia
se espalharam por todo o país. Eles são uma resposta
aos confrontos pró-regime que ocorreram em Port Said na
quarta-feira, quando 72 torcedores do time de futebol egípcio
mais famoso, o El-Ahly, foram mortos e centenas foram feridos.
No centro de Cairo milhares de trabalhadores e jovens derrubaram
o muro erguido pelo exército na rua Mohamed Mahmoud durante
os últimos confrontos em novembro e cercaram o Ministério
do Interior. Os manifestantes reivindicavam a queda do regime
e a execução do marechal de campo e chefe do Conselho
Supremo das Forças Armadas (CSFA), Mohamed Hussein Tantawi.
Sérios confrontos entre as Forças Centrais de
Segurança (FCS) e manifestantes prosseguiram durante toda
a noite de quinta-feira e continuaram pela sexta-feira. A FCS
atacou manifestantes com gás lacrimogêneo e balas
de borracha para prevenir que eles invadissem o Ministério.
Há relatos de que um manifestante foi morto por um projétil
e mais de 1.400 ficaram feridos.
Na cidade portuária de Suez, as forças de segurança
dispararam cinco rodadas de munição verdadeira sobre
multidões de manifestantes que atacavam uma delegacia de
polícia. Há informações de ao menos
dois mortos e muitos feridos. Os manifestantes também atacaram
lojas e destruíram a fachada do Banco Canal de Suez. A
Polícia isolou com arame farpado a sede das forças
de segurança de Suez e um complexo do Ministério
da Justiça.
Em Alexandria, o funeral do jovem Mahmoud El-Ghandour, de 23
anos, fundador da torcida organizada Ultras do El-Ahly, transformou-se
em uma manifestação contra a junta militar. Os manifestantes
marcharam em direção ao Comando do Distrito Norte
e cantavam palavras de ordem contra o CSFA.
Em Port Said, onde o massacre ocorreu, milhares de manifestantes
se juntaram em frente à sede do governo, entoando "Port
Said é inocente, esta é a verdade". Essa palavra
de ordem quer dizer que não eram os torcedores do Al-Masry
os responsáveis pela violência, mas infiltrados trabalhando
pelas forças de segurança.
Um manifestante disse ao Egyptian Independent: "Os torcedores
do Ahly eram em sua maioria de Port Said. Meu irmão era
um deles. Port Said está triste hoje, todos os habitantes
da cidade estão tristes e sentem-se como se seus próprios
parentes tivessem morrido".
Há fortes evidências de que o confronto foi um
ato de violência orquestrado. Testemunhas oculares que estavam
no estádio quando o El-Masry venceu o El-Ahly por 3 a 1
contaram que um policial chamou "torcedores" do El-Masry
- que estavam puxando palavras de ordem de apoio a Tantawi e à
junta - para irem ao campo depois do fim da partida. Alguns mostraram
que o portão entre as arquibancadas e o campo haviam sido
deixados abertos ao mesmo tempo que os portões do setor
dos torcedores do Ahly estavam fechados. Enquanto os gângsteres
atacavam os torcedores do Ahly com facas, garrafas, tacos e fogos
de artifício, as forças de segurança permaneceram
imóveis ao lado.
Promotores que chegaram ao estádio na sexta-feira viram
que um funcionário da limpeza já havia lavado o
chão e as paredes do vestuário do time visitante
e removido quaisquer traços potenciais de sangue. De acordo
com os jogadores do Ahly, muitos torcedores feridos do Ahly morreram
no vestuário devido aos ferimentos que haviam sofrido.
Dentro do próprio estádio, uma equipe forense encontrou
cápsulas de bala vazias nos assentos dos torcedores do
Ahly.
O massacre é reminiscente dos eventos que ocorreram
exatamente um ano atrás, quando gângsteres pró-governo
atacaram manifestantes com cavalos e camelos na praça Tahrir
em uma tentativa de esmagar a revolução. O ataque
infame foi apoiado pelos militares, que autorizaram os gângsteres
a passar por suas fileiras para chegarem à praça.
Porém, os jovens e trabalhadores manifestantes derrotaram
os gângsteres e apenas nove dias depois o ditador que estava
no poder havia muitos anos, Hosni Mubarak, foi obrigado a renunciar
após uma série de greves de massas. Os Ultras do
Ahly, juntamente com os Cavaleiros Brancos do Zamalek, que são
torcedores fanáticos do outro time de futebol de Cairo,
cumpriram um papel essencial na revolução desde
o princípio. Eles participaram dos confrontos de rua contra
o regime de Mubarak e seus sucessores no CSFA.
Muitos observadores acreditam que a junta organizou o massacre
na partida de futebol intencionalmente na quarta-feira para se
vingar e para acirrar a contrarrevolução. Saad Hagras,
um jornalista do Al Masry Al Youm, acusou o CSFA e remanescentes
do antigo regime, dizendo que o incidente foi "o resultado
de um complô organizado com antecedência".
O diretor da Rede Árabe de Informação
para os Direitos Humanos, Gamal Eid, disse ao Al Masry Al Youm
que o CSFA visa semear a discórdia no Egito e que a junta
seria o maior beneficiário dos eventos.
No dia 25 de janeiro, o aniversário da Revolução
Egípcia, milhões marcharam por todo o Egito e exigiram
a queda da junta militar e de todo o regime. As massas deixaram
claro que se opõem à "transição
democrática" patrocinada pelos EUA, que é apoiada
por toda a elite política egípcia. Amedrontados
com uma nova explosão das massas, a junta buscava obviamente
instigar o gangsterismo e a violência como pretextos para
justificar mais medidas de segurança.
Esse plano conta com o apoio de toda a elite dominante egípcia.
A organização de direita Irmandade Muçulmana
lançou uma declaração reivindicando "firmeza
na aplicação da lei a todos" para acabar com
"o estado de caos e desordem de segurança em todas
as partes do país".
Uma coalizão de grupos de jovens, partidos de "esquerda"
liberais ou pequeno-burgueses - incluindo o Movimento 6 de Abril,
a União da Juventude pela Revolução, o Partido
da Aliança Socialista e os Socialistas Revolucionários
- participaram dos protestos na sexta-feira. Seu objetivo é
controlar as manifestações contra a junta e prevenir
um fortalecimento ainda maior.
Quando os manifestantes revoltados escalaram o prédio
do fisco para avançar contra as forças de segurança
com pedras e coquetéis molotov, as forças pequeno-burguesas
de esquerda intervieram para detê-los. Amr Hamed, o porta-voz
da União da Juventude pela Revolução, declarou
que seu grupo conseguiu convencer os manifestantes a não
ocupar o prédio. "O prédio não foi invadido.
Nenhum dano ocorreu dentro dele. Convencemos os manifestantes
a descer para evitar de sujar suas imagens. Não queremos
que ninguém acuse nossa manifestação pacífica
de danificar o patrimônio público".
A posição de Hamed e de seus aliados pseudoesquerdistas
não poderia ter sido mais clara em escancarar o abismo
de classe que existe entre a juventude e os trabalhadores revolucionários
e os defensores pequeno-burgueses da ordem. Enquanto aqueles compreendem
que a junta e o sistema que ela defende devem ser derrubados por
meio de uma luta revolucionária continuada, este busca
desesperadamente promover ilusões de uma "transição
democrática pacífica".
Em uma declaração publicada na quinta-feira,
a aliança pequeno-burguesa convoca o novo Parlamento -
que é dominado por islamistas de direita e que foi eleito
com baixo quórum sob o governo militar - a assumir responsabilidade
política e tomar medidas que para reagir "aos recentes
atos deliberados e sistemáticos e assassinato e de incitação
ao caos com objetivo de sabotar e abortar a revolução",
demandando que o conselho militar transferisse o poder para uma
autoridade civil imediatamente.
Isso significa nada mais do que mudar a fachada parlamentar
por detrás da qual a junta governa, mesmo que as próprias
massas tenham deixado claro que elas exigem a queda dessa mesma
junta apoiada pelos EUA.