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Trump e Jerusalém: o fim da farsa no processo de paz do Oriente Médio

Bill Van Auken
10 de março de 2018

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Publicado originalmente em 8 de dezembro de 2017

O discurso arrogante e provocativo do presidente dos EUA, Donald Trump, declarando o reconhecimento de Jerusalém como capital do estado de Israel, e a intenção de Washington de mudar sua embaixada para lá, gerou seus primeiros frutos na última quinta-feira quando mais de cem trabalhadores e jovens palestinos foram feridos por tropas israelenses que usavam munição de verdade, balas de borracha e gás lacrimogêneo para abafar os protestos em todos os territórios ocupados.

Em seu discurso de quarta, Trump acabou com sete décadas de uma política norte-americana baseada na hipocrisia. Enquanto o Departamento de Estado tem sustentado formalmente que o estatuto de Jerusalém só pode ser determinado a partir de um acordo negociado entre israelenses e palestinos, sucessivos candidatos presidenciais norte-americanos, tanto democratas como republicanos, juraram mudar a embaixada para, em seguida, recuarem da promessa uma vez empossados. Da mesma forma, o congresso norte-americano votou quase unanimemente pela mudança ao mesmo tempo em que, alegando questões de segurança nacional, fornecia ao presidente uma desculpa para adiá-la.

O caráter explosivo das disputas ligadas à jurisdição de Jerusalém, lugar em que estão alguns dos sítios mais sagrados do islã, do cristianismo e do judaísmo, foi reconhecido pela diplomacia internacional muito antes da fundação do estado de Israel.

De uma só tacada, Trump desautorizou a postura de todos os governos anteriores. Ao fazê-lo, mandou um sinal claro para o governo de direita do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu de que a expansão dos assentamentos sionistas, a expropriação das terras palestinas, a limpeza étnica e a repressão pura e simples gozarão de apoio incondicional por parte de Washington.

À Autoridade Palestina, ele ofereceu apenas a exigência de que continue em seu papel de guarda e vigia para Israel e o Ocidente, conclamando-a a juntar-se à cruzada americana “para derrotar o radicalismo” e assegurar que o povo palestino “reaja à discordância com um debate razoável, não com violência”.

Um povo submetido à incessante violência israelense, ao confisco de suas terras, à prisão arbitrária de sua juventude e à matança de dezenas de milhares dos seus em guerras sucessivas e atos de repressão é admoestado a se engajar em um “debate razoável”, enquanto as decisões já foram tomadas em total detrimento de suas aspirações e direitos fundamentais.

Trump apresentou o reconhecimento da soberania israelense sobre Jerusalém - habitada por cerca de 320.000 palestinos (40% dos seus residentes) a quem a cidadania é negada – e a mudança da embaixada norte-americana para lá como “um passo há muito esperado no avanço do processo de paz”. Esse é um “processo” supervisionado por seu genro, Jared Kushner, e pelos antigos advogados de sua empresa, Jason Greenblatt e David Friedman, atual embaixador dos EUA em Israel, todos apoiadores ardentes dos assentamentos israelenses ilegais nos territórios ocupados.

Trump se referiu de forma ignóbil ao próprio discurso como o “cumprimento” de uma promessa de campanha feita em 2016 para conquistar o apoio tanto dos cristãos evangélicos de direita como de um pequeno grupo de sionistas americanos de direita, muito ricos, que também financiaram sua campanha. Na medida em que seu governo está mergulhado em múltiplas crises, ele está ansioso para solidificar essa “base de apoio”.

Mais fundamentalmente, no entanto, este ato de agressão política aos palestinos está ligado à pressão pelo alastramento da guerra por todo o Oriente Médio, especialmente contra o Irã. No mesmo dia em que Trump fez este discurso, o Pentágono reconheceu que deslocou 2.000 soldados para a Síria – número quatro vezes maior do que o previamente admitido – e que não tem a intenção de retirá-los após a eliminação do Estado Islâmico.

Na esteira do discurso de Trump, houve inúmeros avisos de que a mudança na política norte-americana a este respeito provocará novos ataques, com grupos islamistas, como a Al-Quaeda, apelando aos sentimentos religiosos dos fiéis. Não há dúvidas de que isto foi levado em conta nos cálculos do aparato militar e de inteligência norte-americanos, prontos a se aproveitar de qualquer novo ato de terrorismo como um pretexto para ações militares no exterior – particularmente contra o Irã – e para a intensificação dos ataques aos direitos democráticos nos EUA.

O discurso de Trump foi condenado quase universalmente, incluindo praticamente todos os regimes árabes, assim como todos os aliados nominais de Washington na Europa Ocidental.

A burguesia européia vê a provocação unilateral de Washington como um gesto, contrário aos seus interesses, que pode incitar as populações muçulmanas que vivem em suas fronteiras enquanto incentiva uma política anti-iraniana que lhes negaria acesso a investimentos e mercados lucrativos. Ao mesmo tempo, está claro pela resposta dos governos alemão e francês, em particular, que as classes dominantes européias usarão a manobra de Trump como justificativa para perseguir de forma independente seus próprios interesses como grandes potências, tanto no Oriente Médio como em outros lugares, inclusive através de meios militares.

Em relação aos regimes árabes, seus protestos soam ainda mais vazios e protocolares. A monarquia saudita, a ditadura militar do general Sisi no Egito, a monarquia hashemita da Jordânia e a Autoridade Palestina (AP) de Mahmoud Abbas foram todas informadas com antecedência da mudança na política norte-americana acerca de Jerusalém.

Há relatos plausíveis de que o homem-forte da Arábia Saudita, o príncipe Mohammed bin-Salman, convocou Abbas a Riyadh, no mês passado, para ditar-lhe os termos de uma “paz” israelo-americana que deixaria toda a cidade de Jerusalém e virtualmente todos os assentamentos da Cisjordânia em mãos israelenses, negando aos refugiados palestinos o direito de retorno e reduzindo o “estado” palestino a uma teia de bantustões descontínuos cujas fronteiras permaneceriam sob controle israelense. Abbas teria recebido um ultimato: aceitar tal monstruosidade ou ser “demitido”, isto é, ter cortado o acesso ao dinheiro saudita de que depende sua Autoridade Palestina.

Os regimes árabes, que vêm traindo os palestinos por inúmeras vezes nos últimos setenta anos, não têm interesse em se opor a Trump e Netanyahu. A Arábia Saudita e outras monarquias sauditas reacionárias do Golfo querem uni-los contra o Irã.

O grupo islamista palestino Hamas, que está em negociações com a Autoridade Palestina acerca da partilha do poder na isolada faixa de Gaza, não é diferente. Enquanto adverte que a decisão de Trump pode “abrir as portas do inferno”, representa apenas mais uma facção da burguesia palestina, disfarçada pelo manto do fundamentalismo religioso, que busca um compromisso com os imperialistas e com Israel.

Enquanto Netanyahu saudou a decisão de Trump como um “marco histórico”, a realidade é que se trata apenas de uma lápide erguida sobre a tumba de ficções políticas conhecidas como “processo de paz” e “solução dos dois estados”, usadas para mascarar e justificar a opressão do povo palestino durante décadas.

A ação de Trump escancarou – uma vez mais – a fraude representada pelas alegações de que as aspirações do povo palestino e o fim de sua opressão pelo estado sionista possam ser obtidas através de negociações e de manobras entre o imperialismo e os regimes árabes burgueses.

A intensa crise no Oriente Médio, marcada por múltiplas guerras em curso e uma crescente tensão entre israelenses e palestinos, expõe a falência histórica do nacionalismo burguês. Em sua variante sionista, este se legitima a partir do estabelecimento de um lar nacional para os judeus que fugiam dos horrores do Holocausto. Em vez disso, criou-se um estado militarizado que se baseia no colonialismo e no expansionismo territorial, colocando a população judia contra os palestinos e outros povos da região, enquanto estabelece-se uma das sociedades mais desiguais do planeta. Como advertiu Leon Trotsky, a criação deste estado se revelou como uma “armadilha sangrenta” para o povo judeu.

Já o nacionalismo palestino demonstrou ser totalmente incapaz de realizar as aspirações sociais democráticas do povo palestino a partir de um programa nacionalista burguês de criação de um novo mini-estado no Oriente Médio. Em vez disso, gerou apenas a Autoridade Palestina, que não representa os interesses de mais ninguém a não ser Abbas e seus acólitos e apoiadores, funcionários “de estado” e financistas, que “se nutrem” de contratos de auxílio financeiro externo e verbas da CIA enquanto reprimem a resistência à ocupação.

Pôr um fim a décadas de opressão, pobreza e violência, infligidas aos palestinos, e evitar o perigo de uma guerra que se alastre por toda a região, são as tarefas da classe trabalhadora, que deve unir suas forças através de todas as fronteiras nacionais e religiosas em uma luta comum contra o imperialismo e seus agentes locais, tanto israelenses quanto árabes.

A falência das ficções políticas que dominaram a região, insuflada pela crise insolúvel do capitalismo, coloca a necessidade urgente de união entre a classe trabalhadora judaica e a classe trabalhadora árabe na luta por uma Federação Socialista do Oriente Médio que contribua para o fim do capitalismo em todo o planeta.