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Os EUA lançam-se em direção à ditadura militar

Andre Damon
22 de febrero de 2018

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Publicado originalmente em 23 de Outubro de 2017

O discurso agressivo e militarista do chefe de gabinete da Casa Branca, o general da marinha aposentado John Kelly, durante uma coletiva de imprensa da Casa Branca na semana passada, revelou um segredo da política americana: por trás da aparência de um governo democrático, os Estados Unidos cada vez mais se parecem com uma ditadura militar.

Respondendo às críticas da maneira como o presidente Donald Trump lidou com a morte de 4 soldados americanos no Níger, Kelly chamou os membros das forças armadas dos EUA de “o melhor 1% que este país produz.” Ele então anunciou que responderia perguntas apenas de jornalistas que eram familiares, amigos ou conhecidos dos soldados mortos em ação.

Com uma expressão de aberto desprezo em relação ao governo civil, Kelly denunciou a congressista Democrata Frederica Wilson, que havia exposto publicamente a insensibilidade de Trump em seu telefonema de condolências à viúva de um dos soldados morto no incidente de 4 de Outubro. Kelly acusou falsamente Wilson de se gabar por ter conseguido recursos para um prédio do governo em Miami nomeado em homenagem a agentes mortos do FBI, dizendo dela: “Barris vazios [fazem] o maior barulho.”

No dia seguinte, a porta-voz da Casa Branca, Sarah Huckabee Sanders, sugeriu em uma coletiva de imprensa que qualquer questionamento sobre os pronunciamentos do militares estava proibida. “Se você quiser entrar em um debate com um general da marinha de quatro estrelas”, disse ela, “acho que isso é algo extremamente inapropriado.”

Preocupados com o aberto desprezo da Casa Branca pelo princípio constitucional do controle civil sobre os militares, alguns militares procuraram se distanciar verbalmente das declarações de Kelly. O programa “This Week” da rede ABC, no domingo, liderou essa tentativa com uma entrevista com o general do Exército aposentado de quatro estrelas e o ex-diretor da CIA, David Petraeus, que declarou: “Nós em uniforme militar...somos ferozes protetores dos direitos de nossos compatriotas de se expressar, mesmo que isso inclua criticar-nos.”

A fala de Kelly suscitou declaração tão defensivas não porque desafia cerca de 250 anos de governo civil nos Estados Unidos, mas porque as seções do establishment político dos EUA consideram necessário, pelo menos por enquanto, esconder o enorme poder exercido pelos militares sobre a vida política através de uma série de armadilhas formais do governo civil.

Essa tarefa, no entanto, é cada vez mais difícil. Pouco depois da entrevista de Petraeus, o líder Democrata no Senado, Charles Schumer, apareceu no programa “Meet the Press” da rede NBC e teve uma conversa extraordinária com o apresentador Chuck Todd. Perguntado se, como líder Democrata no Senado, tinha sido informado sobre a situação no Níger, Schumer respondeu com indiferença: “Ainda não.”

Quando Todd perguntou se Schumer sabia que os EUA tinham mil soldados no Níger, Schumer respondeu: "Uh, não, eu não sabia.”

Todd pressionou-o ainda mais: “Como você descreve esse situação de outra maneira que não de uma guerra sem fim?” Schumer deu uma resposta vaga que terminou com as seguintes palavras: “Nós temos que continuar com isso.”

Em outras palavras, a liderança civil do país não sabe onde o exército dos EUA atua, nem se atreve a perguntar. As guerras não são declaradas. Aqueles que as lideram não são responsáveis perante o Congresso ou o povo americano. Os militares são enviados ao redor de todo o mundo a critério do presidente e de seus generais, como acontece nos mais de uma dúzia de países africanos onde as tropas dos EUA estão envolvidas em operações de combate. A liderança do suposto partido de oposição não se importa com toda essa situação.

Alguém deveria se surpreender, então, quando Kelly, um dos três generais que ocupam as posições mais importantes no gabinete de Trump, denuncia um membro do Congresso por ousar questionar o comandante-chefe?

Para responder essa questão, basta considerar o resto da transmissão de domingo do programa de entrevista “This Week” da rede ABC. Com apenas algumas pequenas modificações, todo o programa poderia ter sido produzido em um país governando por uma junta militar. No meio da entrevista da apresentadora Martha Raddatz com Petraeus, o programa mostrou um trecho da visita de Raddatz ao porta-aviões USS Ronald Reagan durante exercícios de guerra na Costa da Coréia do Norte, com uma declaração entusiástica dela dizendo: “O Mar do Japão está cheio de navios de guerra.”

O trecho contou ainda com declarações do capitão, do comandante, de um oficial de sinalização e de um piloto a bordo do navio. Raddatz concluiu: “Com a região à beira do precipício, eles devem estar prontos para lutar esta noite.” O programa então passou a mostrar trechos de uma minissérie de oito partes prestes a ser exibida pelo National Geographic Channel glorificando a guerra no Iraque.

Quando chegou a esse ponto, três quartos do programa haviam se passado e nenhuma pessoa que não fosse um militar tinha aparecido em um dos principais programas políticos de entrevistas da maior “democracia” do mundo.

A fala de Kelly provocou declarações preocupadas em alguns segmentos da imprensa dos EUA. “Uma ditadura militar: isso é o que parece que a Casa Branca pensa que os Estados Unidos são”, declarou a âncora da rede CNN Erin Burnett. Masha Gessen escreveu na revista New Yorker: “Considere este cenário de pesadelo: um golpe militar. Sua imaginação não precisa se esforçar – tudo o que você precisa fazer é assistir à coletiva de imprensa da Casa Branca de quinta-feira, na qual o chefe de gabinete, John Kelly, defendeu o telefonema do presidente Trump para a viúva de um militar, Myeshia Johnson. A coletiva de imprensa poderia servir como uma prévia do que seria um golpe militar neste país.”

Mas isso levanta a seguinte questão: os Estados Unidos realmente precisariam ter um golpe para passarem a se tornar uma ditadura militar? Será que realmente pareceria muito diferente da “democracia” atual? Com certeza haveria o mesmo desfile de generais pelo noticiário, os mesmos repórteres “embutidos” entrevistando comandantes na linha de frente e os mesmos membros do Congresso (a maioria das ditaduras não dissolve o parlamento) declarando que eles “ainda não” foram informados sobre o que os militares decidiram fazer.

Alguém pode dizer que uma ditadura militar censuraria a imprensa. Porém, isso em grande medida já foi realizado. O gigante da busca eletrônica, Google, anunciou que está promovendo o conteúdo de notícias “confiáveis”, enquanto impede o acesso aos sites de esquerda em resultados de busca, removendo quase inteiramente os resultados de notícias do World Socialist Web Site.

O poder cada vez maior dos militares nos Estados Unidos não é um acidente ou um desvio causado pela personalidade de Donald Trump. Apesar de ter estado em guerra durante os oito anos de seu mandato, o antecessor de Trump do Partido Democrático, Barack Obama, não foi uma vez sequer ao Congresso para obter autorização para usar a força militar, tendo defendido as ordens que deu para assassinar com drones cidadãos americanos como parte das prerrogativas do comandante-chefe.

No atual conflito político sobre as mortes dos soldados no Níger, os Democratas não questionaram a legalidade do envio de milhares de tropas dos EUA para a África, realizadas sem qualquer discussão pública e escondidas da população, mas procuraram atacar Trump pela direita por ser insuficientemente atencioso aos militares.

Afinal, são os Democratas e os jornais em geral alinhados com eles, em particular o New York Times e o Washington Post, que elogiaram o general Kelly, juntamente com os colegas generais H.R. McMaster (conselheiro de segurança nacional) e James Mattis (secretário de defesa), como os “adultos” na Casa Branca, com o colunista do Times, Thomas Friedman, pedindo aos generais que “revertam a podridão moral que infectou a administração Trump” na pessoa do presidente.

As formas cada vez mais ditatoriais de governo que surgem nos Estados Unidos são o resultado de longos e profundos processos. Diante de níveis de desigualdade social maiores até do que no final do século XIX, depois do fim da guerra civil americana, a democracia burguesa nos EUA está colapsando, sendo substituído diretamente pela oligarquia e seus parceiros nas forças armadas.

Esse processo foi acelerado durante 25 de guerras de agressão após a dissolução da União Soviética, que chegou ao ponto de uma “guerra sem fim”, nas palavras de Chuck Todd da CNN, ser a nova realidade americana, atualmente atingindo um estágio mais elevado com a ameaça iminente de guerra nuclear sobre a Coréia do Norte.

O movimento em direção à ditadura nos Estados Unidos, acompanhado do impulso para uma guerra mundial, está acontecendo a uma velocidade muito grande. Não há mais muito tempo. Os trabalhadores e os jovens devem mobilizarem-se agora para se opor a tudo isso a partir de um programa socialista e internacionalista com o objetivo de derrubar o sistema capitalista – a causa da guerra, da desigualdade social e da ditadura.