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Como não lutar contra o juiz Roy Moore

Patrick Martin
22 de febrero de 2018

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Publicado originalmente em 14 de Novembro de 2017

O juiz Roy Moore, candidato Republicano para o Senado estadunidense na eleição especial de 12 de dezembro no Alabama, é um obstinado reacionário e inimigo da classe trabalhadora. Como um promotor defensor da “lei e da ordem” e um juiz que reivindicou que a Bíblia, e não a Constituição, era a suprema lei do país, ele tem um extenso histórico de políticas de extrema-direita. Moore é um político reacionário que voltaria o relógio em um século, se não mais, em termos dos direitos das mulheres, negros, gays e outras minorias.

A sua campanha para a nomeação Republicana ao Senado estadunidense pelo Alabama, para preencher a vaga criada pela nomeação de Jeff Sessions como procurador-geral pelo presidente Trump, teve o apoio de elementos abertamente fascistas, como os ex-assessores da Casa Branca Sebastian Gorka e Stephen Bannon, o presidente executivo do jornal Breitbart News. Concorrendo contra Moore está o Democrata de direita e ex-procurador dos EUA Doug Jones, que defende o aumento dos gastos militares dos Estados Unidos ainda além dos níveis estratosféricos estabelecidos por Trump e os congressistas Republicanos, em parte para beneficiar o conjunto de bases militares estadunidenses do Alabama.

O desafio na luta contra esses dois reacionários é denunciar as políticas de ambos os partidos capitalistas: de um lado, a política ultradireitista populista de Moore, que alega estar lutando pela população predominantemente rural do Alabama contra o “establishment Oriental”, e, do outro, a convencional agenda corporativa de Jones, que tem um enorme apoio na maior parte das áreas abastadas de Birmingham, Mobile e Montgomery, onde ele é visto como um defensor mais confiável e respeitável dos interesses de grandes proprietários.

Algo muito diferente está acontecendo agora, porém, com a intervenção da mídia corporativa, que teve início com um longo artigo no Washington Post da última sexta-feira descrevendo Moore como um predador sexual que atacou pelo menos uma vítima de 14 anos quando ele tinha 32 e era um promotor de condado. Após um final de semana de frenesi com a publicação da acusação, outra mulher acusou Moore de atacá-la décadas atrás, quando ela tinha 16 anos.

A campanha da mídia provocou uma enxurrada de declarações dos mais importantes congressistas Republicanos de que Moore deveria desistir da candidatura pelo partido e que a eleição deveria ser adiada para que um novo candidato pudesse substituí-lo. O líder Republicano no Senado Mitch McConnell disse segunda-feira que Moore havia sido desqualificado pelas acusações contra ele.

A conduta alegada contra Moore é repugnante. Mas não houve acusação criminal, inquérito, julgamento, nem qualquer procedimento jurídico para que os relatos das acusadoras de Moore, e sua defesa, pudessem ser comprovados de acordo com os ônus da prova. Considerados os quase 40 anos passados desde os delitos alegados, nunca haverá tal procedimento legal uma vez que já prescreveram há muitos anos.

Mesmo que as alegações contra Moore levassem a um julgamento, um dos requisitos do devido processo legal é a presunção de inocência da defesa até que um júri venha com uma declaração de culpa. Isso é um axiomático princípio democrático que tem sido completamente esquecido na atual atmosfera. Na sequência das acusações de má conduta sexual contra inúmeras figuras de Hollywood, acusações de abuso sexual e até mesmo estupro são tratadas como indiscutíveis verdades assim que elas se tornam públicas.

Aqueles da “esquerda” estadunidense que abraçaram as acusações contra Moore, e a campanha de abuso sexual “eu também” de uma forma geral, devem enfrentar as sérias consequências do abandono do princípio de “inocente até que se prove culpado”.

Há quase 20 anos, alegações muito parecidas a essas agora atingindo Hollywood e a corrida ao Senado estadunidense no Alabama foram direcionadas contra um presidente dos Estados Unidos em exercício. O World Socialist Web Site se colocou de maneira implacável contra as políticas e medidas de Bill Clinton, que, como presidente dos Estados unidos, foi o líder do imperialismo mundial, realizando uma guerra criminosa contra a Sérvia, bombardeando o Iraque, atacando a Somália e o Sudão e ameaçando uma guerra contra a Coréia do Norte e a China.

Mas nós nos opusemos à caça às bruxas organizada pela direita do Partido Republicano usando a investigação pelo procurador-independente Kenneth Starr na relação sexual de Clinton com Monica Lewinsky. Nós denunciamos o impeachment de Clinton como uma tentativa de golpe político, um esforço da direita Republicana em usar questões de comportamento sexual pessoal para derrubar os resultados de duas eleições presidenciais (à época, os Republicanos fracassaram em obter os votos necessários no Senado para condenar o presidente acusado, e Clinton permaneceu no cargo).

Se nós fossemos transportados no tempo 20 anos atrás, sabendo o que nós sabemos sobre a evolução posterior dos Clintons e do Partido Democrata, nós tomaríamos a mesma posição que tomamos em 1998. Embora isto deva ser dito, na atmosfera atual de caça às bruxas sexual, Clinton nunca teria sido eleito em 1992 (diante do escândalo de Gennifer Flowers), e ele certamente teria sofrido impeachment no seu primeiro mandato (quando o caso Paula Jones foi arquivado), ao invés de ganhar a eleição.

Aqueles que desejam adotar o princípio de “culpado assim que acusado” ao juiz Roy Moore devem considerar qual precedente está sendo definido para o futuro. O que acontecerá quando um candidato declaradamente de esquerda para presidência, digamos Bernie Sanders em 2020, encarar parecidas alegações e relatos indecentes? Não é difícil de imaginar o Breitbart, a Fox News e o Wall Street Journal liderando as acusações, trazendo mulheres para alegar má conduta de Sanders nos seus tempos de faculdade ou durante sua vida boêmia como carpinteiro em Vermont antes de entrar para a política. No atual ambiente de histeria, Sanders poderia esperar deserções em massa de sua campanha e seu colapso político do dia para a noite.

A presunção de inocência é um princípio democrático com amplas implicações. Caso Roy Moore fosse retirado da candidatura Republicana por meio de tais alegações, após ter tido uma clara vitória nas primárias do Partido, como isso desenvolveria a consciência política dos trabalhadores no Alabama, ou nos Estados Unidos como um todo?

Aqueles trabalhadores que por engano apoiam Moore e o Partido Republicano, contra os seus verdadeiros interesses de classe, estariam diante de uma grande hipocrisia, uma vez que um candidato seria descartado da corrida eleitoral por ofensas tanto não comprovadas quanto não muito diferentes daquelas alegadas contra vários presidentes, incluindo Clinton, Trump e até mesmo, mais recentemente, o ex-presidente de 93 anos George H. W. Bush.

O uso bem sucedido de tais acusações a fim de obter um resultado político apenas encorajaria a proliferação de calúnias e difamações. A vida política estadunidense já está degradada: Donald Trump é, afinal de contas, o presidente eleito. Tornar as eleições um referendo de supostas práticas sexuais de candidatos apenas as degradariam ainda mais. E o que degrada a consciência política e leva o debate político ralo abaixo beneficia somente a direita, que prospera numa atmosfera de ignorância, preconceito, calúnia e difamação.

É digno de se notar que nesse contexto os líderes Republicanos que condenaram Moore fizeram isso a partir de princípios explicitamente antidemocráticos. O candidato Republicano à presidência de 2012, Mitt Romney, declarou que “Inocente até declarada a culpa é para condenações criminais, não eleições”.

Roy Moore é um intolerante desprezível de direita que apoia a criminalização da homossexualidade e foi duas vezes removido de juiz principal da Suprema Corte do Alabama por recusar-se a respeitar as normas constitucionais de separação entre a Igreja e o Estado (como quando ele se recusou a retirar um monumento de três toneladas dos Dez mandamentos do Supremo Tribunal do Estado), e por instruir os juízes do tribunal da vara da família a continuar proibindo o casamento entre pessoas do mesmo sexo, medida que tinha sido revogada pelo tribunal federal.

Mas a luta contra tal figura política requer a educação política e a mobilização da classe trabalhadora, incluindo os trabalhadores brancos pobres do Alabama a quem Moore direcionou os seus apelos baseados no fundamentalismo religioso e no retrocesso social. Uma campanha contra Moore baseada em alegações não comprovadas – e admitidamente não comprováveis – de conduta sexual imprópria não contribui em nada para a educação política da classe trabalhadora, e, na verdade, acaba com ela.