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Os 150 anos da publicação d’O Capital

Nick Beams
7 de novembro de 2017

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Publicado originalmente em 18 de Setembro de 2017

No dia de 14 de Setembro, completaram-se 150 anos da publicação do primeiro volume d’O Capital de Karl Marx. Essa publicação marcou uma virada no desenvolvimento intelectual e histórico da humanidade, revelando as leis do movimento da sociedade capitalista e as causas das depredações sociais causadas por ela. Porém, mais importante do que qualquer outra coisa, com O Capital, a luta por um mundo livre de exploração e o estabelecimento da genuína liberdade humana – isto é, a luta pelo socialismo – foi transformada de um desejo esperançoso em uma ciência.

Em 16 de agosto de 1867, às duas da manhã, depois de ter concluído as últimas revisões, Marx escreveu a seu amigo e colaborador de uma vida inteira, Frederick Engels: “Então, este volume está terminado. Eu devo-o a você sozinho que tornou-o possível. Sem o seu auto-sacrifício por mim, eu não poderia ter realizado o imenso trabalho exigido...”

Resumindo a enorme conquista, Engels explicou em seu discurso no enterro de Marx, quase 16 anos depois, que, assim como Darwin descobrira a lei do desenvolvimento da natureza orgânica, Marx descobriu a lei do desenvolvimento da sociedade e da história humana.

Antes de Marx, o estudo dessas questões havia sido dominado pela mistificação religiosa ou pela invocação de preceitos e ideias morais. Marx estabeleceu que a sociedade humana deveria ser explicada não a partir de suas concepções ideológicas – a arte, a política, a filosofia, o espírito da época, etc. –, mas através de seu desenvolvimento econômico, a partir do qual suas instituições e suas concepções ideológicas surgiram.

Essas concepções constituíram os fundamentos do Manifesto Comunista, publicado em novembro de 1847. Os 20 anos que se seguiram foram tomados pelo enorme trabalho de aplicar essa nova teoria ao estudo da sociedade capitalista moderna.

Marx, no posfácio à segunda edição d’O Capital, cita longamente uma resenha da primeira edição do livro para mostrar seu procedimento: “Marx”, escreveu o crítico, “apenas se preocupa com uma coisa: mostrar, através de uma exata investigação científica, e estabelecer, da maneira mais impecável possível, os fatos a partir dos quais começa e de que depende. Para isso, é o bastante se ele provar ao mesmo tempo tanto a necessidade da ordem atual das coisas quanto a necessidade de outra ordem para a qual o primeiro deve inevitavelmente passar... Marx trata o movimento social como o desenvolvimento da história natural, regido por leis não só independentes da vontade, da consciência e da inteligência humana, mas também, pelo contrário, determinando essa vontade, consciência e inteligência.”

Isso não significa que Marx acreditava que o capitalismo simplesmente entraria em colapso segundo sua própria vontade. Era necessário que ele fosse derrubado por seu coveiro histórico, a classe trabalhadora – aquela força social criada pelo desenvolvimento do próprio capitalismo. Se isso não acontecesse, a própria civilização humana estaria arruinada.

O trabalho de Marx, embora baseado na mais rigorosa análise científica, não foi realizado a partir de um interesse em si científico. Esse trabalho foi realizado do ponto de vista de um revolucionário se esforçando para armar a classe trabalhadora com os instrumentos teóricos necessários para derrubar o capitalismo e levar a humanidade em direção a uma sociedade mais desenvolvida.

Esses dois aspectos de seu trabalho estavam intrinsecamente ligados. A classe trabalhadora não poderia chegar ao poder, Marx insistiu, a menos que estivesse armada com uma análise científica da ordem social contra a qual foi levada a lutar. Ao mesmo tempo, os avanços cruciais que ele fez em sua análise científica do capitalismo foram possíveis apenas porque Marx era um revolucionário, com uma atitude crítica em relação à sociedade capitalista, procurando penetrar e descobrir as formas ideológicas através das quais sua verdadeira natureza era mistificada. É muito significativo, portanto, que o subtítulo d’O Capital seja “Uma Crítica da Economia Política”.

Quando O Capital foi publicado pela primeira vez, foi amplamente ignorado nos círculos intelectuais burgueses. Mas as concepções e análises que expôs permitiram que avançasse. Foi traduzido para diferentes línguas e, em poucas décadas, tornou-se a “bíblia da classe trabalhadora”. O Capital estabeleceu uma análise da origem dos ataques do capitalismo e, acima de tudo, ofereceu ao crescente movimento dos trabalhadores uma perspectiva histórica e política.

Essa perspectiva só foi possível a partir do avanço crucial que Marx fez na ciência da economia política. Como todos os grandes pensadores científicos, Marx colocou-se sobre os ombros de seus antecessores, sobretudo os dois principais representantes da economia política clássica, Adam Smith e David Ricardo.

Tendo realizado seu trabalho no período em que a burguesia era uma classe ascendente e uma força social progressista, Smith e Ricardo se propuseram a realizar uma investigação científica sobre a nova sociedade que estava surgindo – o capitalismo industrial. Eles chegaram à teoria do valor-trabalho a partir de um estudo da economia burguesa: o valor das mercadorias trocadas era determinado pela quantidade de trabalho incorporado nelas.

Mas a aplicação dessa teoria encontrou uma contradição quando aplicada à própria sociedade burguesa. Como era possível o lucro se equivalentes eram trocados por equivalentes, como a teoria do valor previa? Por que, na troca mais importante na sociedade burguesa, entre capital e trabalho, a teoria do valor não parecia ser aplicável?

A resposta a essa questão – como era possível o lucro, de maneira que não entrasse em contradição com a teoria do valor, mas de acordo com ela – foi o centro ao redor do qual o trabalho intelectual de Marx se desenvolveu nos 20 anos que levaram à publicação d’O Capital.

A solução foi encontrada em uma análise e um exame das contradições da forma elementar da sociedade capitalista, a mercadoria, cujo produto do trabalho é destinado não para uso individual, mas para a troca. Portanto, O Capital assim começa: “A riqueza das sociedades em que o modo de produção capitalista prevalece aparece como uma ‘enorme coleção de mercadorias’. Nossa investigação, portanto, começa com uma análise da mercadoria.”

A mercadoria, Marx demonstrou, é uma unidade de opostos: o valor de uso e o valor de troca. A análise dessa contradição leva a um exame da forma valor, da origem do dinheiro e do capital, e a origem das mistificações ideológicas geradas pela própria economia capitalista – o que Marx chamou de “fetichismo das mercadorias”.

Foi através desta análise da relação mercadoria-dinheiro-capital que Marx descobriu o segredo da mais-valia. Ela surgia do fato de que a mercadoria que o trabalhador vendia ao capitalista não era o seu trabalho, mas sim sua força de trabalho, ou sua capacidade de trabalhar. Por isso, ele era pago de acordo com seu valor – o montante necessário para que o trabalhador sustente si próprio e sua família para produzir a próxima geração de trabalhadores. Mas o valor de uso da força de trabalho, que foi realizado no processo de produção e pertencia ao capitalista como seu comprador, estava na sua capacidade de gerar valor excedente, ou mais-valia. Essa mais-valia surgia do fato do trabalhador produzir o valor de sua força de trabalho em apenas uma parte do dia de trabalho, com o resto do valor criado durante esse dia indo para o capitalista.

Em outras palavras, a mais-valia e o lucro surgiam não em contradição com a teoria do valor, mas de acordo com ela. A exploração e tudo o que dela decorria eram o resultado das leis da própria economia capitalista. Essa descoberta também estabeleceu os fundamentos científicos do papel revolucionário da classe trabalhadora na sociedade capitalista.

O significado da descoberta do segredo da mais-valia recebeu especial atenção por parte de Engels. Suas observações não perderam nenhuma relevância para a sociedade contemporânea, onde bilhões de pessoas em todo o mundo se tornam cada vez mais hostis ao funcionamento da economia capitalista.

Engels observou que o socialismo antes de Marx criticara a sociedade capitalista e suas consequências, às vezes de maneira mordaz. “Mas não conseguiu explicá-los, e, portanto, não conseguiram dominá-los. Só poderia simplesmente rejeitá-los como ruins.”

Era necessário apresentar o modo de produção capitalista em sua conexão histórica e sua inevitabilidade em um determinado período, além de seu necessário fim, e “descobrir seu caráter essencial, que ainda era um segredo, pois seus críticos atacaram suas consequências malignas em vez do processo da coisa em si. Isso foi feito pela descoberta da mais valia.” E com isso, Engels continuou, juntamente com a teoria do materialismo histórico, o socialismo tornou-se uma ciência.

A burguesia e seus representantes ideológicos começaram por tentar ignorar O Capital. Mas à medida que sua influência aumentou, eles procuraram refutá-lo, e quando isso não deu certo, recorreram a mentiras e falsificações. Mas seus esforços foram em vão. Embora Marx, é claro, não pudesse analisar todo o funcionamento da economia capitalista em todos seus detalhes ou antecipar todos os aspectos do seu desenvolvimento histórico, não há outro trabalho que forneça uma análise de suas forças motrizes fundamentais.

A partir da descoberta do segredo da mais valia, Marx pôde descobrir a inevitabilidade das crises e a contradição inerente entre o crescimento das forças produtivas e o sistema de relações sociais baseado no trabalho assalariado e na produção de mercadorias, que tendem a diminuir a taxa de lucro.

Ninguém mais forneceu uma análise científica das forças motrizes da explosiva contradição entre a apropriação privada do lucro e o caráter socializado da produção, seja sob a forma de crises financeiras e econômicas desastrosas ou da devastação social resultante do recente impacto dos furacões nos Estados Unidos.

Nenhum outro trabalho forneceu uma explicação de por que, diante do enorme crescimento da produtividade do trabalho, que poderia desenvolver a humanidade como um todo, a desigualdade social e a pobreza estão aumentando, e a acumulação cada vez mais assume a forma, como Marx explicou, de enorme riqueza de um lado, e pobreza, miséria e degradação do outro.

A burguesia e seus representantes continuarão atacando O Capital e suas conclusões revolucionárias. Mas os fatos são insistentes demais para serem ignorados.

Trabalhadores e jovens que começam a lutar contra o funcionamento do sistema capitalista analisado por Marx encontrarão n’O Capital o guia mais seguro para o entendimento da situação que enfrentam, bem como as bases para uma orientação e perspectiva científica.

No entanto, a assimilação de tal trabalho não é fácil. Como o próprio Marx explicou, não existe uma estrada real para a ciência. É necessário esforço para realizar esse trabalho. Mas as recompensas desse esforço são ricas e duradouras. Aqueles que leem O Capital não só estarão armados com o entendimento da origem dos imensos e cada vez maiores problemas que enfrentam e de uma perspectiva pela qual lutar, como também estarão envolvidos com uma das obras-primas da literatura mundial. Ninguém, além de Shakespeare, contribuiu tanto para o desenvolvimento da linguagem como Marx.

Portanto, que o aniversário de 150 anos da publicação d’O Capital seja o momento para que os estudos dessa obra sejam renovados a fim de concretizar a perspectiva que ela promove: a criação de uma sociedade verdadeiramente humana baseada na propriedade coletiva dos meios de produção criados pelo trabalho, onde a exploração seja uma peça de museu e onde, nas palavras do Manifesto Comunista, no lugar da sociedade burguesa com suas classes e antagonismos de classe, “teremos uma associação na qual o livre desenvolvimento de cada um é a condição para o livre desenvolvimento de todos.”