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Crise na Arábia Saudita ameaça uma guerra ainda mais ampla no Oriente Médio

Bill Van Auken
19 de dezembro de 2017

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Publicado originalmente em 13 de Novembro de 2017

As recentes prisões em massa na Arábia Saudita, combinadas com o sequestro do primeiro ministro do Líbano, a cada vez maior guerra contra o Iêmen e a acusação de Riad de que tanto o Irã quanto o Líbano “declararam guerra” ao reino saudita, apontam para uma imensa crise regional que ameaça ampliar o conflito no Oriente Médio.

Após mais de vinte e cinco anos de guerras de agressão ininterruptas dos EUA, ocupações e operações de mudança de regime que levaram a vida de mais de um milhão de pessoas e tiraram muitos milhões mais de suas casas, o Oriente Médio é um barril de pólvora.

Sociedades inteiras foram dizimadas por essas intervenções, do Iraque à Líbia, Síria e Iêmen. Esse imenso derramamento de sangue tem como principal força motriz as tentativas do imperialismo norte-americano em compensar o declínio relativo do seu domínio sobre a ordem mundial capitalista através de guerras de agressão, particularmente afirmando sua hegemonia sobre o Oriente Médio rico em petróleo.

Apesar do imenso poder destrutivo dos meios empregados, no entanto, eles foram incapazes de alcançar o que Washington queria. Depois de gastar cerca de US$ 2 trilhões, sacrificar a vida de mais de 4.400 soldados dos EUA no Iraque e trazer de volta dezenas de milhares gravemente feridos, os EUA não alcançaram seus objetivos de dominação inquestionável na região. No Iraque, na Síria e em outros países da região, os EUA enfrentam o Irã como um importante rival regional, com a Rússia e a China também desafiando o capitalismo americano para conseguirem controlar mercados e recursos energéticos.

A resposta dos EUA tem alimentado conflitos cada vez maiores que ameaçam arrastar toda a região para a guerra, com o potencial de atrair as principais potências nucleares do mundo.

A administração do Trump procurou deliberadamente provocar um conflito direto com o Irã, recusando-se a certificar seu cumprimento do acordo nuclear de 2015, negociado com a administração Obama e as demais grandes potências europeias. As afirmações absurdas de que o Irã não está cumprindo o “espírito” do acordo, ou seja, que está revertendo as exigências dos EUA para o desarmamento do país e a completa subordinação aos interesses americanos no Oriente Médio, levou a um aumento nas tensões com Teerã e está preparando o cenário para conflitos militares diretos entre os dois países.

Com sua viagem a Riad em Maio passado, Trump lançou as bases para uma aliança sectária sunita contra o Irã com os reinos reacionários ricos em petróleo do Golfo Pérsico liderados pela Arábia Saudita. Essa política dos EUA deu essencialmente uma carta branca ao regime saudita para realizar enorme repressão interna e aumentar a violência militar e as provocações em toda a região.

Esta orientação foi confirmada pela reação da Casa Branca ao amplo expurgo realizado pelo príncipe herdeiro saudita Mohammed bin Salman, que levou à prisão de algumas das figuras mais poderosas do reino, incluindo uma dúzia de príncipes, atuais e ex-ministros e um dos maiores bilionários do país, tudo isso sob o pretexto da luta contra a corrupção. Na realidade, a enorme repressão, acompanhada da colocação de aliados do príncipe herdeiro em posições-chave no reino saudita, faz parte da consolidação do poder das facções mais belicosas e contra o Irã do regime.

Isso foi acompanhado na semana passada, depois de chamado pelo regime saudita, da ida para Riad do primeiro ministro libanês Saad Hariri, da qual ele não retornou. Fontes confiáveis indicam que quando Hariri chegou à capital saudita, seu avião foi cercado por policiais, seu celular foi confiscado e ele foi detido até ler um discurso preparado na mídia estatal saudita renunciando ao cargo de primeiro-ministro e denunciando o Irã e o movimento xiita libanês Hezbollah. A monarquia saudita aparentemente decidiu que Hariri, um sunita que possui também cidadania saudita, teve que ser removido do cargo porque não conseguiu adotar uma política de rompimento com o Hezbollah, que faz parte de seu governo. Ele e sua família parecem permanecer reféns da Casa de Saud.

A resposta inicial da administração Trump a esses acontecimentos extraordinários, bem como a da mídia corporativa, foi essencialmente ecoar as palavras de Riad, lançando bin Salman como um “reformador”.

“Eu tenho grande confiança no Rei Salman e no Príncipe Herdeiro da Arábia Saudita, eles sabem exatamente o que estão fazendo”, Trump tuitou em resposta às prisões.

Da mesma forma, a administração Trump apoiou incondicionalmente as afirmações infundadas de que um míssil disparado do Iêmen em direção ao aeroporto internacional de Riad foi fornecido pelo Irã. A resposta da Arábia Saudita, também apoiada por Washington, foi aumentar ainda mais sua guerra quase-genocida contra o povo iemenita, intensificando bombardeios e fechando todas as fronteiras e portos do país para a entrada de materiais de socorro e abastecimento. A ONU advertiu que esse maior bloqueio apoiado pelos EUA ameaça desencadear uma fome de enormes proporções, levando milhões de pessoas à morte.

Enquanto conseguiu matar cerca de 12.000 iemenitas e demolir a sociedade mais pobre do mundo árabe, o exército saudita se mostrou incapaz de conquistar o país. Esse fracasso segue-se a suas tentativas mal sucedidas de realizar um bloqueio ao Qatar, submetê-lo a sua vontade e desintegrar a ação de “rebeldes” islâmicos ligados à Al Qaeda que patrocinou na Síria. A resposta da Arábia Saudita a tudo isso foi aumentar as ameaças de guerra com o Irã.

Nos últimos dias, as seções do establishment dominante e a mídia começaram a manifestar preocupações com esses eventos, em grande parte do ponto de vista de que a reestruturação em Riad e as provocações sauditas na região poderiam expor a Casa de Saud como uma frágil casa de cartas. Tentando consolidar o poder em suas próprias mãos, bin Salman corre o risco de desestabilizar o regime e abrir a ameaça de uma revolta popular em um país que é um dos mais desiguais do mundo e está atormentado por uma cada vez maior crise econômica, social e política impulsionadas pela queda dos preços do petróleo.

Assim, o New York Times publicou um editorial dizendo que, se o Irã tivesse realizado ações semelhantes às do regime saudita, teria havido expressões de “indignação” de Trump, do Congresso dos EUA e de outros do establishment dominante. O Times apressa-se a acrescentar, no entanto: “Há uma grande diferença, é claro, entre a Arábia Saudita e o Irã. O primeiro é um aliado americano, o último um antagonista.” Isso lembra a explicação de Franklin Delano Roosevelt sobre o apoio dos EUA à sangrenta ditadura nicaraguense do general Somoza: “Ele pode ser um filho da puta, mas ele é nosso filho da puta.”

O Washington Post, por sua vez, traçou paralelos entre a Casa de Saud e a Casa de Trump, notando o “desdém pelos tribunais e pela mídia” do presidente dos EUA e seu “desprezo pelas normas éticas”, denunciando ainda a viagem de seu genro, Jared Kushner, para Riad pouco antes das prisões.

Ao mesmo tempo que essas expressões de preocupação bastante silenciosas revelam desentendimentos dentro dos círculos governantes dos EUA, eles são de caráter inteiramente tático. As administrações dos Democratas e Republicanos têm apoiado a monarquia saudita, um dos regimes mais reacionários do planeta, como um elemento fundamental da política dos EUA no Oriente Médio há mais de sete décadas, armando-a até os dentes.

As diferenças giram em torno de se a pressa precipitada para uma guerra regional no Oriente Médio poderá prejudicar os interesses estratégicos mais amplos dos EUA em relação ao seu preparativo para o confronto com a China e a Rússia. Essa pressa também ameaça provocar conflitos com os antigos aliados europeus de Washington na OTAN, que mostraram-se pouco dispostos apoiar Washington em sua guerra contra o Irã, um país onde buscam por lucrativos mercados e investimentos.

Quaisquer que sejam essas diferenças táticas, os eventos políticos no Oriente Médio, com o sequestro de um primeiro ministro, afirmações provocativas sobre “declarações de guerra” e, claro, os EUA e a Rússia perseguindo objetivos diametralmente opostos na Síria através de ações militares, mais e mais ecoam o tipo de conflitos regionais, particularmente nos Balcãs, que deram origem à Primeira Guerra Mundial.

A ameaça da humanidade de ser arrastada para uma Terceira Guerra Mundial, desta vez com armas nucleares, só pode ser respondida pela classe trabalhadora internacional, mobilizando sua força de maneira independente a partir de um programa socialista destinado a colocar um fim ao capitalismo, a fonte da guerra e da desigualdade social.