O presidente russo Vladimir Putin enfaticamente advertiu que
ações dos Estados Unidos, violando normas que regiam
as relações internacionais desde o fim da II Guerra
Mundial, podiam levar a guerra.
Sua declaração surgiu em discurso pronunciado
em 24 de outubro numa reunião promovida pelo Valdai International
Discussion Club, no balneário de Sochi. O tema escolhido
para discussão, no encontro de que participaram, jornalistas,
especialistas em política internacional e acadêmicos
da Rússia e internacionais foi a Ordem Mundial ou Jogo
sem Regras.
Putin iniciou sua palestra afirmando "esta fórmula
descreve claramente o ponto crucial que alcançamos hoje
e a opção que todos devemos adotar....Mudanças
na ordem mundial - e o que vemos a cada dia são eventos
nesta escala frequentemente acompanhados por guerras e conflitos,
muito embora não globais, às vezes desencadeados
por meio de intensa cadeia de conflitos locais".
A palestra de Putin compreendeu uma série de acusações
à política externa norte-americana desde o fim da
Guerra Fria. Os Estados Unidos, afirmou ele, declararam-se vitoriosos,
não veem a necessidade de estabelecer "novo equilíbrio
de poder, essencial para a manutenção da ordem e
a estabilidade", e em seu lugar "assumem atitudes que
lançam o sistema em agudo e grave desequilíbrio".
As observações de Putin constituem uma condenação
não somente de Washington, mas também às
consequências da dissolução pelo Kremlin da
URSS em 1991 com o objetivo de restaurar o capitalismo. Na época,
os burocratas stalinistas em sua esmagadora maioria unanimemente
renunciaram ao conceito de imperialismo, considerando-o uma ficção
criada por Lênin e o Partido Bolchevique.
Desde então, o surgimento impopular de oligarcas super-ricos
na direção de várias antigas repúblicas
soviéticas firmadas em critérios étnicos-
nacionalistas, proporcionou às potências imperialistas
congregadas na OTAN terreno fértil para as "revoluções
coloridas" (color revolutions) e guerras civis étnicas,
até o golpe apoiado pelos Estados Unidos e a Alemanha na
Ucrânia este ano, levando a Rússia e a OTAN à
beira da guerra.
Putin equiparou as ações dos Estados Unidos ao
comportamento de novos ricos, "quando repentinamente esgotam
grandes fortunas, neste caso na forma de liderança e dominações
mundiais. Em vez de administrarem suas riquezas sabiamente em
beneficio próprio, também, acredito, têm cometido
muitas loucuras".
Em recente passado, afirmou Putin, leis internacionais foram
desrespeitadas diante de um "niilisno legal". Normas
legais foram substituídas por "interpretações
e posicionamentos vesgos". Ao mesmo tempo, "o controle
geral da mídia global tornou isso possível, quando
se pretende retratar o branco como preto".
Referindo-se às divulgações das operações
dos órgãos de inteligência dos Estados Unidos,
o presidente russo disse que "o grande irmão"
estava gastando bilhões de dólares, ao porem sob
vigilância até mesmo seus mais próximos aliados".
Criticando as ações dos Estados Unidos no Médio
oriente, no Afeganistão e na Ucrânia, Putin afirmou
que a imposição de um ditame unilateral, em lugar
de conduzir à paz e à prosperidade, produzia resultados
opostos. "Ao invés de resolver conflitos, levava à
escalação destes, ao invés de construir estados
soberanos e estáveis vemos a disseminação
do caos, ao invés de democracia há apoio crescente
e notório incentivo a declarados neofascistas e radicais
islâmicos".
Na Síria, os Estados Unidos e seus aliados armaram e
financiaram rebeldes e permitiram que permeassem suas fileiras
com mercenários de várias nacionalidades. "Permitam-me
indagar: onde esses mercenários conseguem fundos, armas
e assessoria militar? De onde vem tudo isto? Como os mal afamados
bandos do ISIL Onde conseguem meios para tornarem-se tão
poderosos, na verdade uma força armada?"
É inquestionavelmente um fato que Washington e seus
aliados europeus levaram o mundo à beira de uma guerra
apoiando os fundamentalistas sunitas ligados ao Al Qaeda seus
pais-mandados no Oriente Médio, e grupos fascistas tais
como as milícias direitistas da Ucrânia.
Contudo, as críticas de Putin são politicamente
vazias e impotentes. Seu próprio regime firma-se em sicários,
malfeitores nacionalistas e gangsters que controlam áreas
da Rússia destroçadas por guerras étnicas,
a exemplo da Tchetchénia e o norte do Cáucaso, e
apoia as milícias xiitas no Iraque e por todo o Oriente
Médio. Os comentários de Putin representam essencialmente
uma tentativa de elaborar parcerias com as elites dirigentes da
América e da Europa que se preocupam com o apoio dos Estados
Unidos à Al Qaeda e que os fascistas ucranianos possam
representar uma política muito arriscada.
Putin pressiona com o objetivo de maior reconhecimento dos
interesses do Kremlin, ao notar que o período de domínio
unipolar dos Estados Unidos revelaram que apenas um único
centro de poder não tornou a política mundial viável,
e abriu caminho para um inflado orgulho nacional, para a manipulação
da opinião pública que, no final, permite que os
mais violentos e mais expressivos fanfarrões suprimam os
mais fracos. Em essência, um mundo unipolar significa simplesmente
justificar ditaduras sobre povos e nações".
Putin advertiu que a não ser que exista um claro sistema
de acordos e obrigações disciplinando as relações
internacionais, juntamente com mecanismos de administração
e solução de crises, "os sintomas de anarquia
global inevitavelmente aumentarão".
"Muitas nações não veem outros meios
de assegurar sua soberania exceto obtendo suas próprias
bombas. Isto é extremamente perigoso", acrescentou.
Estas fundamentadas constatações feitas pelo
chefe de estado da maior potência nuclear constituem marcante
advertência às classes trabalhadoras.
Neste escalonamento militar, todavia, um maior perigo que enfrenta
a classe operária mundial é o chauvinismo reacionário
russo do regime de Putin. Hostil a qualquer apelo em relação
a sentimentos antiguerreiros no seio da classe operária
internacional, que ele teme como ameaça a suas próprias
mal-adquiridas riquezas, o regime de Putin reagiu diante da crise
da Ucrânia promovendo o militarismo russo e recorrendo a
métodos czaristas. .
Num discurso pronunciado no memorial militar em Moscou, no
Poklonnaia Hill em comemoração ao centenário
da I Guerra Mundial, Putin exaltou a "legendária"
ofensiva do general czarista Aleksei Brusilov, denunciou os bolcheviques
e a Revolução de Outubro. "A vitória
foi roubada do país", afirmou ele."Foi roubada
por aqueles que conseguiram a derrota de sua própria pátria
e de suas forças armadas, semearam a discórdia dentro
da Rússia, e conseguiram galgar o poder traindo os interesses
nacionais".
Este nacionalismo contra-revolucionário é extremamente
inválido diante da nova explosão de provocações
e guerras imperialistas.
As últimas observações de Putin parecem
motivadas, pelo menos na parte final, pelo temor de súbita
queda global das cotações do petróleo, ligada
às sanções impostas por insistência
dos Estados Unidos e suas implicações na economia
russa.
A queda do preço do petróleo de U$200,00 para
U$80,00 por barril, importaria em subtrair mais ou menos 2% do
PIB da Rússia, e seriamente atingir o orçamento
governamental, ao desestabilizar, assim, o regime de Putin, altamente
influenciado por uma rede de poderosos oligarcas.
Quaisquer que sejam as motivações por traz do
discurso, os perigos de guerra apontados são reais e crescentes.
As possíveis consequências suscitadas publicamente
por Putin quanto ao papel dos Estados Unidos sem dúvida
estão sendo discutidas a portas fechadas em círculos
políticos das maiores potências.
Como o impacto da queda dos preços do petróleo
demonstra, estas tensões geopolíticas serão
alimentadas pelo aprofundamento das crises econômicas e
pelas tendências que pesam na deflação e estagnação
da economia mundial.
Os riscos de guerra a que Putin alude foram minimizados em
comentários relativos à conferência por Christopher
Gaddy, especialista americano, no Instituto Brookings. Dois dias
antes do discurso de Putin, Gaddy evocou The Sleepwalkers (Os
Sonâmublos), recente livro sobre as origens da I Guerra
Mundial, de autoria de Christopher Clark que estabeleceu paralelos
com a presente situação.
"Eu temo isso deveras... há elementos de sonambulismo
nas políticas dominantes dos principais políticos
no mundo de hoje", afirmou Gaddy, ao sublinhar que as sanções
contra a Rússia foram decididas pelos Estados Unidos e
delineadas por um pequeno grupo com objetivos não claros
e de resultados questionáveis.