No decorrer de toda semana passada, o Brasil assistiu a seus
maiores protestos desde o fim da ditadura militar em 1985. Essa
explosão de luta popular tem exposto, acima de tudo, a
crise de liderança revolucionária no seio da classe
trabalhadora.
O disparo inicial para a escalada de protestos foi o aumento
das passagens de ônibus, que subsequentemente resultou numa
tentativa de afastar qualquer tentativa de inquietação
social. Contudo, quinta-feira entre algo em torno de um e dois
milhões de pessoas foram às ruas no Rio de Janeiro,
em São Paulo e em dezenas de outras cidades país
afora, reivindicando maiores investimentos em educação,
saúde e ao mesmo tempo manifestando a ira popular contra
os bilhões profusamente dissipados na construção
de estádios para a Copa Mundial em prejuízo do povo.
Em muitos casos, os manifestantes enfrentaram brutais repressões,
inclusive gás lacrimogênio, balas de borracha e investidas
de cavalarias policiais.
Mobilizações populares de tão vultosas
dimensões não se explicam apenas por eventos imediatos,
desencadeados, por exemplo, pelo simples aumento de 20 centavos
nos bilhetes de ônibus; no caso particular da Turquia, as
manifestações originaram-se no emprego de tratores
para demolição do parque Gezi de Istambul, mas na
verdade representam contradições sedimentadas nessas
sociedades, e imensamente agravadas pela histórica crise
do capitalismo globalizado.
O Brasil da mesma forma que a Turquia, foi aclamado nos últimos
anos como exemplo de sucesso econômico. No entanto, o "milagre
brasileiro" aparentemente esgotou-se.
Enquanto gerou cerca de 50 bilionários e mais de 150
mil milionários, revelou-se incapaz de resolver a herança
da opressão imperialista e o atraso econômico de
sua estrutura social básica. Programas restritos de assistência
social apontados como redutores dos índices de extrema
pobreza e que teriam criado uma nova "classe média"
pouco fizeram para mudar o status de um dos países mais
desiguais do planeta.
Há crescentes sinais de crise econômica, com taxa
de crescimento decrescente de 0,9% em 2012 e 0,6% no primeiro
trimestre deste ano. A produção industrial caiu
0,3%, o que importa em demissões e menos contratações
de mão de obra. O consumo cai, na medida em que a maioria
da população se endivida. A inflação
alcança o índice oficial de 6,5%, com o custo de
vida básico a subir rapidamente.
Enquanto o número de graduado nas universidades dobrou
na última década, a maioria dos que deixaram a universidades
não pôde conseguir empregos compatíveis com
seus diplomas ou salários decentes.
Os jovens universitários e recém-formados, compõem
porção substancial dos manifestantes que encheram
as ruas por odo o Brasil esta semana, com o maior número
deles participando de ações de massa pela primeira
vez na vida.
A inevitável confusão política de tal
movimento popular foi explorada, particularmente na quinta-feira,
por forças de extrema-direita. Bandos de malfeitores lançaram-se
contra grupos de manifestantes esquerdistas e um pequeno numero
de sindicalistas, rasgando e queimando faixas, atacando-os com
esguichos de pimenta, granadas de efeito moral e canos de metal,
e por último expulsando-os das passeatas. Isto aconteceu
em São Paulo, no Rio de Janeiro e em várias outras
cidades, a indicar uma campanha bem organizada, sem dúvida
nenhuma sob a coordenação de policiais e possivelmente
militares.
A direita procurou afastar a direção política
dos protestos e tentou descaracterizá-la como luta pela
igualdade social, gritando o slogan "fora partido" e
denunciando a corrupção política, os altos
impostos e a criminalidade.
Enquanto a maioria daqueles que se manifestava permanecia desatenta
para essas ações sinistras, o fato tem na verdade
significação política, e é necessário
acentuar que os desordeiros fascistas podiam agir impunemente.
A maior parte daqueles que protestava passou a vida sob o efeito
da pregação política do Partido dos Trabalhadores,
de governantes ligados ao ex-líder operário Luiz
Inácio Lula da Silva e à presidenta Dilma Rousseff
sucessora por ele escolhida para a presidência do Brasil.
O Partido dos Trabalhadores ocupa o poder há uma década..
.
Formado em 1983 por ocasião de tumultuosas e maciças
greves que abalaram a ditadura militar, o Partido dos Trabalhadores
e sua confederação sindical, a CUT, desde o começo
tem servido de instrumento diversionista, empurrando o movimento
dos trabalhadores brasileiros de volta à influência
do estado burguês.
Ademais, uma série de organizações falsamente
de esquerda dedicou-se a semear a ilusão de que o PT podia
tornar-se veículo para implantação do socialismo
no Brasil.
Na medida em que nomeou servidores para cargos nos municípios
e nos estados, sua política voltou-se cada vez mais para
a direita, até Lula ser eleito presidente em 2002, baseado
na garantia de continuar a política econômica ditada
pelo FMI. O capitalismo brasileiro e o internacional consideraram
o PT o melhor instrumento para a proteção de seus
interesses contra uma revolução de baixo para cima.
Alguns dos supostos penduricalhos esquerdistas desgarram-se
do PT, enquanto outros com ele permaneceram, com membros ocupando
posições de influência. No caso do Secretariado
Pabloita Unido (*), as duas coisas confirmaram-se.
Parte da seção brasileira foi expulsa, e formou
novo partido na mesma linha originária do PT, o PSOL -
Partido Socialismo e Liberdade, enquanto outros permanecem com
um membro, Miguel Rossetto, nomeado ministro da reforma agrária
e que atuou simpaticamente aos grandes proprietários rurais.
Outros que previamente se autoproclamaram trotskistas, inclusive
Antonio Palocci, 53, que foi ministro da Fazenda e Luiz Gushiken,
63, do Libelu, ex-secretário de Comunicação
de Lula. Os dois foram acusados de manterem ligações
com a onda de corrupção e com o escândalo
de compra de votos que envolveu o governo petista.
O papel criminoso desempenhado por estes elementos pseudoesquerdistas,
todos de tendências nacionalistas, tiveram o simples objetivo
de prover o PT de uma coloração partidária
"socialista" numa facção de tendência
capitalista que trabalhava sistematicamente para subordinar toda
forma de luta social aos interesses dos grandes negócios
e do estado brasileiro. Eles assim atuaram, em parte promovendo
os sindicatos, que desde então deixaram de ser vistos pela
população como veículo de transformação
social; e brilham pela ausência nas atuais manifestações.
Esta situação abriu espaço total para
a direita, que se engajou à forma reacionária e
populista notada nos recentes protestos, a explorar a ira popular
contra o aparato político corrupto e pró-capitalista
petista. Os efetivos perigos apresentados pela presente situação,
em um país que por duas décadas foi dominado por
uma ditadura militar, e onde nenhum dos responsáveis por
assassinatos, torturas, prisões ilegais e outros crimes
jamais foi punido.
Como na Turquia e noutros países, as limitações
do vagalhão espontâneo de protestos, não importa
de que tamanho seja, cedo se evidenciarão no Brasil. A
tarefa política decisiva colocada por estes acontecimentos
e pela crise global do capitalismo representará uma virada
para a classe trabalhadora e a construção dentro
dela de nova liderança revolucionária firmada num
programa socialista e internacionalista.
Isto significará uma implacável política
de críticas ao PT e aos grupos falsamente esquerdistas
que giram ao seu redor. É necessário rearmar os
trabalhadores brasileiros de perspectivas revolucionárias
e forjar sua independência política em relação
a todos os setores da burguesia.