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Líbia como um modelo de "redivisão"
do Oriente Médio
Por Bill Van Auken
6 de setembro de 2011
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Um artigo de Philip Zelikow intitulado "Queda de Khadafi
vai renovar a primavera árabe", publicado no site
do Financial Times nesta segunda-feira, oferece um vislumbre do
objetivo de longo prazo buscado por Washington e as outras grandes
potências imperialistas em suas intervenções
supostamente "humanitárias" na Líbia.
Zelikow é um ex-conselheiro do Departamento de Estado
de Condoleezza Rice no governo de George W. Bush e ex-assessor
do Conselho de Segurança Nacional de George H. W. Bush
durante o período do colapso do bloco soviético.
Ele é um agente de confiança e experiente dentro
do grupo no poder político dos EUA, tanto que foi escolhido
para servir como diretor-executivo da Comissão do 9/11.
Nessa posição, ele foi a pessoa com maior responsabilidade
por organizar um encobrimento do papel do governo dos EUA nos
ataques terroristas de 11 de setembro de 2001.
Próximo ao Projeto para um Novo Século Americano
e um dos autores da doutrina Bush de guerra preventiva, Zelikow
tem experiência íntima tanto em teoria quanto em
prática na condução do imperialismo dos EUA
de impor sua hegemonia sobre o Oriente Médio.
Zelikow começa seu artigo desbancando os argumentos
daqueles da direita republicana que se opuseram à guerra
da Líbia como um exemplo de "intervencionismo liberal."
Ele rejeita essa preocupação, dizendo que é
apenas um mal-entendido "alimentado por alguma retórica,
especialmente vinda do governo." A guerra, ele escreve, foi
lançada por causa da história e geografia
particulares da Líbia que justificam bem os cálculos
resolutos dos EUA, Grã-Bretanha, França e de muitos
outros países mostrando que eles deveriam aproveitar esta
oportunidade para ajudar os rebeldes a se livrar deste particular
regime demente."
Em outras palavras, as principais potências imperialistas
viram um conjunto de circunstâncias nos eventos da Líbia
que lhes permitiu "aproveitar a oportunidade" para executar
uma campanha militar para mudança de regime com o propósito
de estabelecer um controle firme sobre a nação norte-africana
rica em petróleo.
Em parte, essas circunstâncias foram condicionadas pelos
levantes na Tunísia e no Egito e seu eco no seio da população
da Líbia, sob a forma de manifestações reprimidas
brutalmente contra o regime de Gaddafi. Em parte, elas foram determinadas
pelo caráter da Líbia: um país de menos de
6,5 milhões de pessoas, sentado em cima da maior reserva
de petróleo no continente africano e com uma longa costa
mediterrânea de frente para o sul da Europa.
Tendo lutado até o fim para manter os regimes ditatoriais
de Mubarak e Ali Ben no poder no Egito e na Tunísia, os
imperialistas viram a oportunidade de usar a chamada "Primavera
árabe" como uma cobertura para assumir o controle
na Líbia, assim como eles e as elites dominantes locais
exploraram a ausência de direção revolucionária
para restabelecer seu domínio na Tunísia e no Egito.
Isto é o que deu origem à guerra supostamente
travada pelos "direitos humanos" e para "proteger
os civis da Líbia", pretextos que Zelikow justamente
descarta como mera retórica.
Como o ex-funcionário do Departamento de Estado deixa
claro, a Líbia não será o fim desse processo.
A guerra da Líbia, ele diz, "vai impor um novo ritmo."
Ele continua: "A luta na Síria, que aumenta lentamente,
vai passar ainda mais para primeiro plano."
Em outras palavras, o que está em jogo não é
apenas a tomada de um único país, mas sim, tão
importante quanto, o reordenamento de toda uma região.
E quem, de acordo com Zelikow, está na vanguarda desta
supostamente democratizante "Primavera árabe?"
"Grande parte da condução da definição
das políticas na primavera árabe está vindo
dos estados do Golfo Pérsico, como a Arábia Saudita,
os Emirados Árabes Unidos e o Qatar", escreve ele.
"É a hora deles. O governo saudita está desempenhando
um papel crítico na diplomacia árabe, agora isolando
a Síria. Os Emirados Árabes Unidos, mais os sauditas,
surgiram com os fundos que permitiram que os governantes interinos
do Egito não aceitassem os pacotes condicionais que estão
sendo oferecidos pelas instituições financeiras
internacionais. O governo do Qatar tem desempenhado um papel vital
na revolução na Líbia".
A "Primavera árabe", é "a hora
deles"? Estes supostos campeões da democracia e da
libertação das massas árabes são uma
coleção de monarquias absolutistas, onde oposicionistas
enfrentam a tortura, a prisão sem julgamento e até
a decapitação. Eles governam sociedades em que a
grande maioria da população trabalhadora é
oprimida, trabalhadores imigrantes têm quaisquer direitos
negados, e onde as mulheres não possuem seus direitos fundamentais.
Estes cruzados da "democracia" na Líbia e
Síria são, naturalmente, os mesmos regimes ditatoriais
que organizaram a repressão militar dos protestos em todo
o país no Bahrein que exigiam direitos democráticos
em oposição ao regime ditatorial da dinastia Al-Khalifa.
Com o apoio tático de Washington, dezenas foram mortos,
centenas foram presos e milhares demitidos de seus empregos na
repressão continuada no Bahrein.
Declarar que esta é a "hora" de tais regimes
odiosos é projetar um pesadelo de repressão e de
retrocesso social para os povos de todo o mundo árabe.
Zelikow segue o seu hino aos monarcas do Golfo Pérsico
embebidos de petrodólares com um comentário estranho.
"Eu me sentiria melhor", escreve ele, "se a França,
Grã-Bretanha, os EUA e esses três países estivessem
tendo discussões regulares em grupos de trabalho, em um
nível sênior, em uma base quase diária para
coordenar a estratégia. Talvez eles estejam."
A quem Zelikow pensa que engana? Não só a política
está sendo "coordenada" em um nível sênior,
como mercenários das forças especiais do Qatar têm
trabalhado lado a lado com agentes, tropas de operações
especiais e militares "contratados" da inteligência
norte-americana, britânica e francesa no solo da Líbia,
organizando e dirigindo a chamada ofensiva rebelde. Se estes regimes
são agora apontados como a vanguarda da "Primavera
árabe" é porque eles são os mais subservientes
à política dos EUA no Oriente Médio.
O que esta política/inteligência estrangeira dos
EUA veem como perspectivas para a Líbia e para o mundo
árabe? Vão surgir novos regimes repressivos que
representam as elites dominantes - como parece estar acontecendo
no Egito ou na Tunísia? Irão "extremistas islâmicos...
tomar o poder?" Ou será que "sociedades mais
abertas nos moldes ocidentais" irão surgir?
Zelikow sugere que uma "nova e distinta" alternativa
pode surgir, uma que "não se encaixa nessas categorias
preconcebidas."
"Leve em consideração os dilemas que os
novos líderes da Líbia terão de enfrentar
desde o início", escreve ele. "Sua economia baseia-se
predominantemente no complexo petrolífero, que o Estado
vai querer controlar. Sua política vai se transformar na
distribuição de poder e recursos entre os vários
grupos rivais preenchendo o vácuo deixado pela morte da
ditadura. Os líderes estarão cansados da luta e
do caos. Ao invés de voltar a impor uma nova ditadura para
forçar a todos um único molde e pagar por isso com
os rendimentos do óleo e gás, o curso natural será
fazer acordos de concessão de maior autonomia para várias
comunidades e partes da receita nacional. Isso não é
incomum. Comunidades multiétnicas em países como
a Líbia, Iraque e Síria estão e estarão
experimentando soluções federais ou talvez até
confederais. Nesta parte do mundo, o modelo de "estado totalitário"
em si que está desmoronando, o filho decrépito da
descolonização. Esse modelo unitário, estatizador,
tem sido o veículo para todo o nepotismo e que está
dando lugar a algo novo."
Aqui, "algo novo" parece muito com algo muito antigo,
ou pelo menos algo do século 19 e início do 20.
O que se propõe aqui não é um florescimento
da autonomia democrática, mas sim a maior redivisão
imperialista do Oriente Médio desde que a Grã-Bretanha
e a França impuseram seu sistema de mandatos coloniais
após a Primeira Guerra Mundial.
Tendo posto fim no "modelo unitário, estatizador",
descrito por Zelikow como o "filho decrépito da descolonização,"
o caminho está livre para a recolonização
total da região. Ou, mais precisamente, da maior parte
da região. Dificilmente se suspeita que Zelikow propõe
um fim ao "modelo unitário, estatizador" de Israel.
Com o desmantelamento do "modelo estatizador" em
um país como a Líbia, seria também presumível
se livrar do problema incômodo do controle estatal sobre
os recursos petrolíferos, abrindo o caminho para a Exxon-Mobil,
BP, Chevron e outros conglomerados de energia reivindicarem o
direto de propriedade dos campos de petróleo, assumindo
o controle da produção, precificando e paralisando
rivais na China, Rússia e Índia.
Zelikow conclui: "Estrangeiros podem contribuir com tudo
isto, através da oferta de informações, ideias
e incentivos. Mas não serão os estrangeiros quem
decidirão." É claro que, assim como os estrangeiros
da OTAN estão apenas "ajudando" os "rebeldes"
na Líbia.
Zelikow ganhou proeminência nos círculos do grupo
no poder norte-americano durante o período do colapso da
União Soviética e das burocracias stalinistas do
Leste Europeu. Ele, então, serviu como um conselheiro sênior
de segurança durante a Guerra do Golfo Pérsico de
1990-1991. Ele se tornou um defensor da política que levou
à invasão do Iraque em 2003, uma guerra que foi
possível graças a liquidação da URSS.
Agora ele está propondo uma grande escalada dessa política.
Seu artigo sobre a Líbia serve para confirmar que a
guerra não tem nada a ver com humanitarismo ou direitos
humanos, mas representa a subjugação violenta de
um país ex-colonial. E é um aviso: a Líbia
é apenas o começo de uma condução
imperialista para reordenar todo o Oriente Médio. Dado
o conflito de interesses entre as principais potências imperialistas,
este processo corre o risco de dar origem a novos conflitos sangrentos
no futuro.
(Traduzido
por movimentonn.org)
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