Publicado originalmente em inglês no dia 22 de setembro
de 2011.
O mundo ficou horrorizado na noite da quarta-feira quando o
recluso Troy Davis no corredor da morte foi executado com uma
injeção letal na prisão estadual próxima
de Jackson, na Geórgia.
O assassinato sancionado pelo estado representou o terrível
episódio final da grotesca paródia judicial que
perdurou por mais de duas décadas. Na atual situação
constitui uma acusação condenatória de todo
um sistema político e de um vergonhoso capítulo
da história dos Estados Unidos.
A morte de Davis aconteceu após a rejeição
pela Corte Suprema dos Estados Unidos de um apelo de última
hora para adiamento da execução cerca de 10h20 da
tarde, hora local. Às 10h53, um sedativo foi-lhe injetado
nas veias., tornando-o inconsciente. Uma segunda injeção
paralisou-lhe todos os músculos, sufocando-o. A última
injeção induziu-lhe violento ataque cardíaco,
causando-lhe a morte às 11h08 seguintes.
A brutalidade do processo alcançou sua síntese
na noite da quarta-feira. Horas antes da aplicação
da mistura mortífera, originariamente aprazada para às
19h00, Davis ficou amarrado à cadeira de execução
enquanto a Corte Suprema deliberava. Familiares e defensores permaneceram
angustiados fora dos muros da prisão aguardando notícias.
A decisão negativa chegou-lhes numa única linha,
sem qualquer explicação.
Seriam suficientes somente cinco votos dos juízes para
impedir que a morte acontecesse. No fim, mesmo esta medida temporária
foi rejeitada pelos executores de togas negras.
Os protestos pacíficos, no lado de fora do prisão,
em alguns momentos alcançando milhares de pessoas, foram
rodeados por policiais, alguns portando equipamentos anti-distúrbios
enquanto helicópteros circulavam em torno da área.
No inicio da tarde, vários manifestantes que cruzaram a
via nas proximidades da prisão; foram detidos e afastados.
Davis divulgou um pronunciamento antes de sua execução,
em que se lê: A luta pela justiça não
finda comigo. Esta luta é por todos os Troy Davises que
me precederam e todos aqueles que virão depois de mim.
Seu exemplo atraiu as atenções de milhões
de pessoas no país e no mundo.Uma petição
instando por clemência foi assinada por 600 mil pessoas.
Sua eliminação insensata e inútil sem dúvida
atingiu algo profundo na psique popular - alguma coisa que não
será esquecida e concorrerá para maior descrédito
e solapará um sistema bárbaro, inflexível
e impiedoso.
O sistema político americano em sua maior parte reagiu
com indiferença. Particularmente sintomático foi
o covarde silêncio do presidente Barack Obama, que se recusou
a intervir no caso. Jay Carney, secretário de imprensa,
friamente declarou na quarta-feira que o presidente cuidara
para assegurar equilíbrio e isenção no âmbito
da justiça criminal, mas que não interferiria
na questão de Davis por que se tratava de um assunto
particular de um estado.
Assim, Obama registrava seu apoio à pena de morte, prática
banida por vasta maioria das nações industrializadas.
Este comportamento é parte integral do sistema político
da América, seja democrático, seja republicano -
o qual fecha os olhos à prática de assassinatos
seletivos, à tortura, a prisões secretas e sente-se
no direito de subjugar nações soberanas através
do uso de golpes, invasões e ocupações.
Alguns dias antes que Troy Davis fosse injetado com substâncias
químicas letais, Obama falou nas Nações Unidas
saudando a guerra imperialista contra a Líbia como grande
vitória da democracia.
A execução da quarta-feira foi o quarta e final
data determinada para execução da sentença
de morte que Davis enfrentou, um homem que passou 22 anos no corredor
da morte protestando sua inocência. Sua execução
foi aprazada previamente em três ocasiões, duas delas
suspensas somente horas antes das programadas injeções.
Desde a prisão de Davis ligada à morte em 1989
de McPahil Mark, policial de folga (off-duty), autoridades de
todos os níveis têm desrespeitado seus direitos básicos.
O processo foi prejudicado por adulterações, suspensão
de recursos e discriminações.
Há muitas evidências que apontam para a inocência
de Troy Davis. Mas o tribunal de apelação estatal
negou-lhe clemência na terça-feira, não obstante
o fato de sete das nove testemunhas que depuseram no julgamento
retratarem seus testemunhos, alegando intimidação
policial, e jurados publicamente repudiaram seus próprios
pareceres.
Davis não contou com defensor legal no decorrer das
apelações. Um juiz federal distrital reconheceu
que mesmo que a retratação das testemunhas chaves
lançassem dúvida sobre a culpa de Davis, não
lhe foi concedido o benefício de novo julgamento. No dia
da execução, funcionários da prisão
recusaram atender a solicitação do acusado para
submeter-se a um teste de polígrafo com o fito de comprovar-se
sua inocência.
O linchamento legal de Troy Davis traz à baila a perversa
brutalidade da sociedade americana no século 21. Ele foi
um dos calculados 3.251 prisioneiros que padecem nas filas da
morte por todo os Estados Unidos, e a 35ª pessoa a ser executada
em 2011.
Os Estados Unidos conta com a maior população
prisional do mundo, tanto em números absolutos quanto em
percentual populacional. Os últimos números disponíveis
revelam algo em torno de 2,3 milhões de indivíduos
encarcerados, uma relação de 750 prisioneiros para
cada 100 mil residentes americanos. As prisões nacionais
também estão desproporcionalmente repletas de membros
de minorias raciais e étnicas.
Troy Davis, afro-americano, tinha 22 anos de idade por ocasião
de seu julgamento. Casos similares ao seu surgem todos os dias
nas delegacias policiais e nos tribunais por todo os Estados Unidos.
Em 2009, 1 em cada 10 negros do sexo masculino, com a idade entre
25-29 anos, estava no cárcere.
Sem dúvida um fator por traz da decisão para
que a corte suprema não interviesse no final foi a preocupação
em evitar que questionamentos dos fundamentos jurídicos
da execução de Davis lançassem dúvidas
relativamente a todo sistema repressivo norte-americano.
O pano de fundo para este aparato é uma sociedade contaminada
pela pobreza e o crescente abismo entre a vasta maioria popular
e uma pequena e obscena elite endinheirada e opulenta. Cerca de
28 milhões de americanos estão desempregados, e
mais de 6 milhões permanecem na fila dos sem trabalho há
longo tempo. Enquanto os lucros corporativos e os salários
dos altos executivos se elevam continuamente não há
programa governamental algum para amenizar os flagelos da crise,
do empobrecimento, da fome, da falta de moradia e de educação
decente ou de assistência medica para milhões.
O assassinato legal de Troy Davis demonstra o fato de que não
há força constituinte na esfera de poder capaz de
pôr em prática os princípios básicos
de uma democracia. Um fim à prática cruel e sádica
da pena capital e a defesa dos direitos democráticos em
geral, dependem do desenvolvimento de uma política independente,
de um movimento socialista da classe trabalhadora.