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A execução de Troy Davis

Por Kate Randall
25 de outubro de 2011

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Publicado originalmente em inglês no dia 22 de setembro de 2011.

O mundo ficou horrorizado na noite da quarta-feira quando o recluso Troy Davis no corredor da morte foi executado com uma injeção letal na prisão estadual próxima de Jackson, na Geórgia.

O assassinato sancionado pelo estado representou o terrível episódio final da grotesca paródia judicial que perdurou por mais de duas décadas. Na atual situação constitui uma acusação condenatória de todo um sistema político e de um vergonhoso capítulo da história dos Estados Unidos.

A morte de Davis aconteceu após a rejeição pela Corte Suprema dos Estados Unidos de um apelo de última hora para adiamento da execução cerca de 10h20 da tarde, hora local. Às 10h53, um sedativo foi-lhe injetado nas veias., tornando-o inconsciente. Uma segunda injeção paralisou-lhe todos os músculos, sufocando-o. A última injeção induziu-lhe violento ataque cardíaco, causando-lhe a morte às 11h08 seguintes.

A brutalidade do processo alcançou sua síntese na noite da quarta-feira. Horas antes da aplicação da mistura mortífera, originariamente aprazada para às 19h00, Davis ficou amarrado à cadeira de execução enquanto a Corte Suprema deliberava. Familiares e defensores permaneceram angustiados fora dos muros da prisão aguardando notícias. A decisão negativa chegou-lhes numa única linha, sem qualquer explicação.

Seriam suficientes somente cinco votos dos juízes para impedir que a morte acontecesse. No fim, mesmo esta medida temporária foi rejeitada pelos executores de togas negras.

Os protestos pacíficos, no lado de fora do prisão, em alguns momentos alcançando milhares de pessoas, foram rodeados por policiais, alguns portando equipamentos anti-distúrbios enquanto helicópteros circulavam em torno da área. No inicio da tarde, vários manifestantes que cruzaram a via nas proximidades da prisão; foram detidos e afastados.

Davis divulgou um pronunciamento antes de sua execução, em que se lê: “A luta pela justiça não finda comigo. Esta luta é por todos os Troy Davises que me precederam e todos aqueles que virão depois de mim”.

Seu exemplo atraiu as atenções de milhões de pessoas no país e no mundo.Uma petição instando por clemência foi assinada por 600 mil pessoas. Sua eliminação insensata e inútil sem dúvida atingiu algo profundo na psique popular - alguma coisa que não será esquecida e concorrerá para maior descrédito e solapará um sistema bárbaro, inflexível e impiedoso.

O sistema político americano em sua maior parte reagiu com indiferença. Particularmente sintomático foi o covarde silêncio do presidente Barack Obama, que se recusou a intervir no caso. Jay Carney, secretário de imprensa, friamente declarou na quarta-feira que o presidente “cuidara para assegurar equilíbrio e isenção no âmbito da justiça criminal”, mas que não interferiria na questão de Davis por que se tratava de “um assunto particular de um estado”.

Assim, Obama registrava seu apoio à pena de morte, prática banida por vasta maioria das nações industrializadas.

Este comportamento é parte integral do sistema político da América, seja democrático, seja republicano - o qual fecha os olhos à prática de assassinatos seletivos, à tortura, a prisões secretas e sente-se no direito de subjugar nações soberanas através do uso de golpes, invasões e ocupações.

Alguns dias antes que Troy Davis fosse injetado com substâncias químicas letais, Obama falou nas Nações Unidas saudando a guerra imperialista contra a Líbia como grande vitória da democracia.

A execução da quarta-feira foi o quarta e final data determinada para execução da sentença de morte que Davis enfrentou, um homem que passou 22 anos no corredor da morte protestando sua inocência. Sua execução foi aprazada previamente em três ocasiões, duas delas suspensas somente horas antes das programadas injeções.

Desde a prisão de Davis ligada à morte em 1989 de McPahil Mark, policial de folga (off-duty), autoridades de todos os níveis têm desrespeitado seus direitos básicos. O processo foi prejudicado por adulterações, suspensão de recursos e discriminações.

Há muitas evidências que apontam para a inocência de Troy Davis. Mas o tribunal de apelação estatal negou-lhe clemência na terça-feira, não obstante o fato de sete das nove testemunhas que depuseram no julgamento retratarem seus testemunhos, alegando intimidação policial, e jurados publicamente repudiaram seus próprios pareceres.

Davis não contou com defensor legal no decorrer das apelações. Um juiz federal distrital reconheceu que mesmo que a retratação das testemunhas chaves lançassem dúvida sobre a culpa de Davis, não lhe foi concedido o benefício de novo julgamento. No dia da execução, funcionários da prisão recusaram atender a solicitação do acusado para submeter-se a um teste de polígrafo com o fito de comprovar-se sua inocência.

O linchamento legal de Troy Davis traz à baila a perversa brutalidade da sociedade americana no século 21. Ele foi um dos calculados 3.251 prisioneiros que padecem nas filas da morte por todo os Estados Unidos, e a 35ª pessoa a ser executada em 2011.

Os Estados Unidos conta com a maior população prisional do mundo, tanto em números absolutos quanto em percentual populacional. Os últimos números disponíveis revelam algo em torno de 2,3 milhões de indivíduos encarcerados, uma relação de 750 prisioneiros para cada 100 mil residentes americanos. As prisões nacionais também estão desproporcionalmente repletas de membros de minorias raciais e étnicas.

Troy Davis, afro-americano, tinha 22 anos de idade por ocasião de seu julgamento. Casos similares ao seu surgem todos os dias nas delegacias policiais e nos tribunais por todo os Estados Unidos. Em 2009, 1 em cada 10 negros do sexo masculino, com a idade entre 25-29 anos, estava no cárcere.

Sem dúvida um fator por traz da decisão para que a corte suprema não interviesse no final foi a preocupação em evitar que questionamentos dos fundamentos jurídicos da execução de Davis lançassem dúvidas relativamente a todo sistema repressivo norte-americano.

O pano de fundo para este aparato é uma sociedade contaminada pela pobreza e o crescente abismo entre a vasta maioria popular e uma pequena e obscena elite endinheirada e opulenta. Cerca de 28 milhões de americanos estão desempregados, e mais de 6 milhões permanecem na fila dos sem trabalho há longo tempo. Enquanto os lucros corporativos e os salários dos altos executivos se elevam continuamente não há programa governamental algum para amenizar os flagelos da crise, do empobrecimento, da fome, da falta de moradia e de educação decente ou de assistência medica para milhões.

O assassinato legal de Troy Davis demonstra o fato de que não há força constituinte na esfera de poder capaz de pôr em prática os princípios básicos de uma democracia. Um fim à prática cruel e sádica da pena capital e a defesa dos direitos democráticos em geral, dependem do desenvolvimento de uma política independente, de um movimento socialista da classe trabalhadora.

Tradução: Odon Porto de Almeida.