O Conselho Nacional de Transição (CNT) da Líbia
está prestes a anunciar a realização da suposta
"libertação" do país neste fim
de semana após o linchamento do governante anterior, Muammar
Gaddafi.
O que será comemorado no discurso a ser pronunciado
pelo presidente do CNT, Mustafa Abdel Jalil, ex-ministro da justiça,
não é a libertação do povo líbio,
mas a vitória das maiores potências imperialistas
em uma guerra direcionada a fazer o relógio girar para
trás à época do colonialismo.
Isso foi conquistado por meio dos bombardeios da Otan que reduziu
grande parte da infraestrutura do país a ruínas,
deixando milhares de homens, mulheres e crianças líbias
mortos e feridos. Em seu último capítulo, o cerco
bárbaro da cidade litorânea de Sirte e o assassinato
de Gaddafi, seu filho e outros ex-membros de seu governo, apenas
faz ressaltar a criminalidade de toda essa empreitada.
Esses crimes são o último desmascaramento da
desculpa de que a guerra na Líbia ocorreu por objetivos
"humanitários", para proteger os civis líbios
do regime de Gaddafi. Em Sirte, a Otan providenciou cobertura
para que um exército de "rebeldes" perpetrasse
exatamente o tipo de ataque em um centro populacional civil que
a intervenção dos EUA/Otan supostamente deveriam
combater.
Desde seu início a guerra era voltada para a mudança
de regime, dirigida pelos EUA e as potências da Europa ocidental
em busca de interesses econômicos e geopolíticos
definidos. Entre seus objetivos nesta guerra incluía-se
uma brusca reversão da situação da China
e da Rússia na região, uma vez que ambas fecharam
grandes acordos de petróleo, armamento e infraestrutura
com o regime de Gaddafi, desafiando a hegemonia ocidental em um
país-chave na produção de energia no mar
Mediterrâneo.
As potências da Otan viram na derrubada de Gaddafi a
possibilidade de estabelecer um controle ainda maior sobre as
reservas líbias de gás e petróleo por grandes
conglomerados da indústria energética ocidentais
como a BP, ConocoPhilips, Total e ENI. Também viam a instalação
em Trípoli de um regime comprador totalmente subserviente
como um meio de impor o poder militar em uma região que
tem sido fortemente agitada por levantes populares, tanto na Tunísia
a oeste e no Egito a leste.
O regime que está se formando agora em Trípoli
e Bengazi será dominado por mafiosos, "bens"
das agências de inteligência ocidentais e ex-oficiais
líbios comprados, todos oferecendo seus serviços
na recolonização do país. Somente os elementos
mais corruptos, moral e politicamente, da assim chamada "esquerda"
na Europa e América Latina podem igualar essa empreitada
suja à "libertação" e "democracia".
Tanto o New York Times e o Washington Post responderam sexta-feira
em relação ao assassinato de Gaddafi com editoriais
que reivindicavam que Washington tomasse uma posição
agressiva para estabelecer um domínio americano sobre a
Líbia. O assassinato, escreveu o Washington Post, "deve
ser encarado como o início e não o fim da transformação
da Líbia". Observando que as riquezas em petróleo
da Líbia podem "pagar por uma missão de treinamento
das forças de segurança americanas", o editorial
argumentava que os EUA deveriam "tomar a direção".
Também acrescentou que a "estabilização
[da Líbia] sob um governo democrático poderia ajudar
a empurrar a onda de mudanças no Oriente Médio para
o lado que opta pela liberdade". Aqui a palavra liberdade"
é usada à maneira tradicional da política
exterior dos EUA para significar estar sob controle americano.
O New York Times aconselhou: "Mais do que dinheiro - graças
ao petróleo, a Líbia é rica - a Líbia
precisará de conselhos técnicos de suporte e dedicação
total". Sem dúvida, tal "conselho" engloba
a reformulação dos termos dos contratos de petróleo
da Líbia.
Ambos editoriais têm passagens preocupadas com a existência
de dezenas de milícias "rebeldes" e com a dispersão
dos estoques de armamentos líbios, incluindo mísseis
antiaéreos, que implicitamente dão o pretexto para
uma intervenção continuada dos EUA/Otan.
A morte brutal de Muammar Gaddafi foi um assassinato de Estado
que foi abertamente reivindicado por Washington. Cerca de 48 horas
antes de os caças da Otan e de um Predator americano atacarem
o comboio no qual Gaddafi fugia de Sirte, deixando ele à
mercê dos "rebeldes", a secretária de Estado
Hillary Clinton voou até Trípoli e reivindicou que
o chefe de governo líbio fugitivo fosse "capturado
ou morto" o mais cedo possível.
Inspirado no Nasserismo, Gaddafi dirigiu um golpe de jovens
oficiais em setembro de 1969. Quando morreu ele já havia
há tempos abandonado qualquer hipótese de nacionalismo
revolucionário. Naqueles dias do passado, os regimes nacionalistas
como o da Líbia haviam chegado ao poder em vários
países, proclamando uma política nacional e social
que era ligada com o movimento de massas anticolonial.
Na Líbia, isso significava também a derrubada
da corrupta monarquia do Rei Idris, que era completamente subserviente
ao imperialismo inglês e americano, o fechamento da base
aérea Wheelus, a maior base militar americana no continente
africano, a aplicação de negociações
mais duras com companhias estrangeiras de petróleo e o
incentivo à OPEP para usar o petróleo como arma,
inclusive por meio da instituição de embargos.
Foi essa política que levou Henry Kissinger, então
conselheiro de segurança nacional dos Estados Unidos, a
pressionar em 1969 a aprovação de uma ação
para matar ou derrubar Gaddafi.
Como todos os governantes radicais nacionalistas, Gaddafi buscava
ganhar espaço para manobra na arena internacional balançando
entre o imperialismo e a burocracia soviética, utilizando
uma combinação de repressão e reformas para
suprimir as lutas sociais dentro do país. A dissolução
da União Soviética em 1991 deixou a Líbia
e outros regimes lutando para se acomodar com as potências
imperialistas.
Em 2003, logo após a invasão do Iraque, a Líbia
buscou a normalização das relações
com o ocidente, renunciando qualquer ambição de
ter armas nucleares e condenando o terrorismo, ao mesmo tempo
que colaborava com a CIA na cruzada mundial contra a Al-Qaeda.
Uma vez adotado esse caminho, Gaddafi era cortejado por Washington
e todas as maiores potências da Europa ocidental em troco
de acordos de petróleo, contratos de armamento e outros
acordos lucrativos.
No entanto, as potências imperialistas nunca perdoaram
Gaddafi por seu radicalismo anterior e nunca confiaram nele. Assim,
as mesmas figuras políticas que o haviam bajulado por tanto
tempo se encheram de alegria quando souberam de seu sangrento
assassinato.
Informada da morte de Gaddafi na quinta-feira, Hillary Clinton
- que em 2009 tinha acolhido Moatessem, filho do governante líbio
assassinado, ao Departamento do Estado - riu e declarou: "Eu
vim, eu vi, ele morreu".
Isso resume o gangsterismo do governo americano, liderado por
um presidente que foi a público, na televisão, três
vezes nos últimos seis meses para reivindicar a autoria
de um assassinato de Estado, na ocasião o de um cidadão
americano, do estado do Novo México, o sacerdote muçulmano
Anwar al-Awlaki.
Em seu discurso na quinta-feira, Obama disse que o assassinato
de Gaddafi havia comprovado que "estamos assistindo à
força da liderança americana no mundo".
Isso é uma falácia. O assassinato enquanto uma
política continuada da política externa americana
é um sintoma não da força americana, mas
de seu declínio histórico. Isso reflete a crença
desesperada e irracional da elite dominante de que atos de violência
explícita podem de alguma forma compensar pela profunda
crise e decadência do capitalismo americano.
As ruínas produzidas pelas invasões americanas
no Iraque e Afeganistão apenas lançaram as bases
para novas guerras ainda mais sangrentas. Com Obama tendo usado
o ataque à Líbia para anunciar uma doutrina de guerra
preventiva, que abre espaço para ataques em qualquer lugar
onde seja percebido que os "valores e interesses" americanos
estão ameaçados, guerras desses tipo não
tardarão para acontecer.
A guerra na Líbia, culminando no assassinato de Gaddafi,
serviu para mostrar à classe trabalhadora o verdadeiro
caráter do imperialismo, que Lênin descreveu como
uma "reação até o fim da linha".
Guerras predatórias no exterior, em nome do interesse do
capital financeiro, são um componente de uma política
contrarrevolucionária dirigida em última instância
contra a classe trabalhadora. Elas são inevitavelmente
combinadas ao ataque impiedoso aos direitos democráticos
e sociais da classe trabalhadora.
A luta contra a guerra e a luta contra a destruição
de empregos, das condições de vida e dos direitos
fundamentais são inseparáveis. Só podem ser
vencidas por uma mobilização política internacional
da classe trabalhadora em unissonância na luta pelo socialismo.