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Peru: Humala derrota Fujimori
Por Luis Arce
14 de junho de 2011
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Com cerca de 90% dos votos apurados nas eleições
presidenciais do Peru, o ex-oficial do exército, Ollanta
Humara, já aparece claramente como vencedor do pleito.
De acordo com a agência nacional eleitoral, Humala -
o candidato da coligação Gana Peru -, havia conquistado
51,4% dos votos, mais do que 2,7% à frente de sua rival,
Keiko Fujimori da Fuerza 2011.?Com a maioria das urnas advindas
de regiões empobrecidas e ru
rais, nas quais Humala tem liderado a preferência, foi
reconhecido na segunda-feira que Fujimori não teria mais
como ultrapassar a diferença e, portanto, Humala assumirá
a presidência no próximo 28 de julho.
Humala foi vencedor em 18 regiões, e Fujimori em 8.
Apenas em uma região, Madre de Dios, localizada na bacia
Amazônica, ainda não há resultado determinado.
Em dez regiões Humala ganhou por uma margem de mais de
20%, chegando, em alguns casos, a mais de 30%.
Em Lima, Fujimori derrotou Humala por menos de 15% de diferença.
Por mais que esse resultado tenha sido sua maior margem de vitória
sobre Humala em todo o país, a diferença foi menor
do que a esperada. Humala foi primeiro lugar entre grande parte
da classe média, trabalhadora e em regiões mais
pobres da grande capital.
Os resultados eleitorais refletiram a rejeição
popular a décadas de políticas econômicas
neoliberais e à exploração dos recursos naturais
peruanos por empresas transnacionais. Enquanto que o país
registrou uma das maiores taxas de crescimento do hemisfério
- 8,7% em 2010 -, para a maioria da população, a
classe trabalhadora, as condições de vida só
se deterioraram em meio à pobreza extrema, salários
estagnados e custos cada vez mais altos de alimentos e combustível.
A classe dominante peruana e o capital estrangeiro não
demoraram a demonstrar sua preocupação de que a
vitória de Humala imporia uma mudança no modelo
de livre-mercado implementado pelos últimos três
presidentes peruanos - Alberto Fujimori, pai da candidata derrotada,
Keiko Fujimori; Alejandro Toledo e Alan Garcia - por um período
de 20 anos.
Humala fez sua campanha sobre vagas promessas de que iria usar
as riquezas do país para aliviar a desigualdade social,
enquanto Fujimori concorreu como a típica herdeira das
políticas de livre-mercado e defensora do legado de seu
pai, que atualmente cumpre uma sentença de 25 anos de prisão
após ter sido condenado por corrupção e homicídios
realizados por esquadrões da morte durante seu reinado
de uma década.
A bolsa de valores peruana foi fechada por duas horas após
o preço das ações ter decaído aproximadamente
11%. A liquidação foi liderada pelas ações
de mineração, levada pelo medo de que o governo
Humala imporá taxas altas sobre os enormes lucros registrados
pelas companhias mineradoras. Essa foi a maior queda ocorrida
em um dia desde que a crise financeira global afundou os mercados
mundiais em outubro de 2008.
O presidente da Confederação Nacional de Instituições
Privadas do Peru (Confederación Nacional de Instituciones
Privadas del Perú), Humberto Speziani, disse ao jornal
de Lima Perú21 que era "necessário deixar
para trás o processo eleitoral e continuar a trabalhar
para manter o Peru na trilha do desenvolvimento".
Speziani acrescentou que o setor privado mantinha suas portas
abertas para trabalhar com Humala. Ele pediu um sinal a Humala
para assegurar aqueles setores que possam estar preocupados, "Precisamos
acalmar os mercados [...] e os investidores nacionais e estrangeiros
[...] ele [Humala] tem que manter a mesma orientação
macroeconômica e demonstrar tranquilidade, do contrário,
o Peru sofrerá".
O "sinal" concreto que a política e a imprensa
conservadora reivindicam é a rápida nomeação
de um ministro da economia e do presidente do Banco Central do
Peru que gozem do respeito da aristocracia financeira e industrial
nacional e que sejam confiáveis da na defesa de seus interesses.
Outro sintoma de que a classe política peruana está
tomada pelo medo é o fato de que o antigo candidato à
presidência e banqueiro de Wall Street, Pedro Pablo Kuczynski,
conhecido como PPK, convocou seus seguidores às vésperas
da eleição a votarem em Keiko Fujimori.
Em uma carta que foi postada nas contas de seguidores de PPK,
possivelmente burlando a lei que proíbe propaganda política
24 horas antes do dia de votação, Kuczynski, ex-ministro
da economia e finanças, escreveu: "Eu sei que dói
e que ninguém se sente à vontade para votar na Keiko,
mas entendendo a correlação de forças, penso
que estamos jogando com o futuro".
"Fujimori Higuchi representa o futuro e está cercada
pelos melhores especialistas, que irão propiciar o desenvolvimento
do país, ao contrário de Ollanta Humala, que representa
o abuso e o militarismo de Estado que não deu certo na
Venezuela, gerando pobreza e violência", escreveu Kuczynski
no Twitter.
O governo do presidente Alan García declarou que estava
prestes a confrontar um ataque do capital nacional e internacional
contra o Sol, moeda peruana, e contra a bolsa de valores peruana.
O ministro da economia e finanças, Ismael Benevides,
disse: "Temos um plano de contingência para o Banco
Central injetar liquidez nos mercados".
Benavides também pediu a Humala que enviasse "um
sinal preciso para aplacar investidores e seguradoras", lembrando
que "os mercados caíram depois de Humala ter vendido
o primeiro turno em 10 de abril". Benavides lembrou aos leitores
do El Comercio que a bolsa de valores de Lima caiu em US$
18 bilhões entre os dias 8 e 18 de abril.
A resposta da equipe de Humala, por meio de seu assessor econômico,
Félix Jiménez, foi proclamar que a estabilidade
peruana estaria assegurada, ao mesmo tempo em que convocava o
Banco Central a intervir, se necessário. "Em caso
de um ataque especulativo, reitero meu chamado ao Banco Central
para cumprir com sua tarefa. O Banco tem instrumentos para deter
a especulação", disse Jiménez.
A imprensa internacional hispanófona noticiou a vitória
de Humala em tom mais sério, enfatizando sua aliança
com o ex-presidente Alejandro Toledo e intelectuais liderados
pelo vencedor do Nobel, Mario Vargas Llosa, e a incapacidade de
Keiko Fujimori de se desvencilhar dos crimes cometidos sob o regime
autoritário de seu pai.
O jornal espanhol ABC salientou a importância do apoio
de Mario Vargas Llosa para a vitória de Humala. "O
apoio de Mario Vargas Llosa no segundo turno, que dirigiu uma
frente de intelectuais e do ex-presidente Alejandro Toledo, significou
para ele [Humala] um grande impulso", disse o ABC.
No Chile, La Tercera noticiou: "Analistas peruanos
disseram ser praticamente impossível para Keiko reverter
a atual tendência. Especialistas notaram que os indecisos
finalmente acabaram por depositar seus votos em Humala.
O escritor Vargas Llosa - que a princípio descreveu
a disputa entre Humala e Keiko como uma competição
entre "a AIDS e o câncer terminal" - desdenhou
o medo que a elite financeira tem de Humala. Falando direto da
Espanha, onde ele permaneceu durante as eleições,
o escritor de direita disse: "a vitória de Humala,
ao contrário do que dizem seus adversários, não
coloca o desenvolvimento econômico em perigo. Acredito que
ele deu provas suficientes, principalmente no segundo turno, de
que respeitará a democracia, a economia de mercado e a
propriedade privada".
No entanto, havia indícios de que os resultados eleitorais
haviam despertado expectativas de mudança entre grandes
setores da população. Comemorações
espontâneas nas ruas ocorreram em Lima, nos bairros pobres
ao redor da capital e nas maiores cidades das regiões peruanas.
Milhares tomaram as ruas dançando e cantando em Iquitos,
cidade ribeira portuária nas margens do rio Amazonas, assim
como em Arequipa, Puno e Cuzco, as maiores cidades da região
Sul-Andina, reduto de Humala.
Em Lima, centenas de apoiadores de Humala reuniram-se na Plaza
Dos de Mayo - local tradicional de atos da classe trabalhadora
- para comemorar a vitória e exigir que Humala cumpra sua
promessa de ajudar os pobres.
Em contraste, os bairros ricos de Lima - La Molina, San Isidro,
Monterrico e áreas de Miraflores - ficaram em silêncio.
A julgar pelo otimismo e euforia demonstrados pelos entrevistados
pela TV nacional, muitos estão sob a ilusão de que
Humala fará uma distribuição mais justa da
riqueza. Depois de verem uma pequena elite abocanhar a maior parte
dos 60% de crescimento da riqueza nacional nos últimos
dez anos, eles votaram por uma mudança.
Essas pessoas irão, porém, decepcionar-se mais
cedo ou mais tarde. As promessas de Humala de "inclusão
social" e de um "Peru mais justo" são contrabalanceados
pelas exigências da elite dominante de manter um orçamento
equilibrado, proteger os investidores nacionais e internacionais
e manter os pactos de livre-comércio estabelecidos por
seus antecessores.
Nos dias que antecederam a votação de domingo,
Humala publicou uma carta aberta ao povo peruano na qual ele prometia
manter a economia de mercado capitalista e defender a propriedade
privada. O documento era praticamente uma reimpressão de
uma carta semelhante divulgada por Luiz Inácio Lula da
Silva, então candidato pelo Partido dos Trabalhadores,
às vésperas da sua primeira vitória eleitoral
para presidente em 2002.
Assim como Lula conseguiu ganhar a confiança de um setor
da elite financeira brasileira após ter sido derrotado
em duas eleições anteriores, Humala esperava superar
sua derrota por pouca margem nas eleições de 2006,
vencidas pelo atual presidente Alan García, ao executar
uma virada consciente à direita.
A natureza dessa virada foi revelada em parte por comunicados
diplomáticos confidenciais da embaixada americana em Lima,
divulgados no início da semana pelo WikiKeaks. Os documentos
detalhavam visitas de Humala à embaixada após sua
derrota eleitoral, nas quais ele insistia que não era um
esquerdista ou antiamericano, e sim um "pragmático",
que poderia salvar o país de "radicais que se opunham
ao sistema".
Enquanto em 2006 Humala havia se identificado como próximo
do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, com o qual compartilhava
uma história semelhante (ambos dirigiram golpes abortados
como oficiais militares e depois concorreram à presidência
como nacionalistas), nas eleições atuais ele declarava
um alinhamento com as políticas pró-capitalistas
de Lula no Brasil.
Isso é uma questão que vai além da retórica
eleitoral. Secretários do alto escalão do Partido
dos Trabalhadores de Lula foram enviados para atuar como assessores
principais da campanha de Humala, na qual Lula também se
envolveu pessoalmente.
Há fortes bases econômicas para esse alinhamento,
uma vez que empresas brasileiras estão injetando bilhões
de dólares na mineração e em projetos de
energia peruanos, com os investimentos diretos vindos do Brasil
sendo esperados a atingir US$ 30 bilhões na próxima
década.
Com o recente levante da população nativa Aymará
em Puno, ainda fresca na memória (vide),
os comentadores televisivos e analistas políticos peruanos
já estão chamando uma trégua política,
admitindo que o país foi polarizado pelo processo eleitoral.
Nas palavras de Hernando de Soto - o reconhecido economista
e assessor de direita a Keiko Fujimori, assim como de ditadores
como Mubarak no Egito, Gaddafi na Líbia e Suharto na Indonésia
antes dela - Humala enfrentará uma situação
interna complicada.
Em Puno, por exemplo, de Soto disse em uma entrevista televisiva
depois das eleições, Humala terá que escolher
entre as empresas mineradoras e os camponeses.
No debate presidencial que aconteceu uma semana antes das eleições,
Humala avisou que conflitos sociais são custosos a investidores.
Em uma rara referência aos eventos de Puno, ele pediu aos
trabalhadores [de Puno] que limpassem as pedras jogadas nas ruas
durante os protestos e fossem às urnas.
Humala disse que seu governo daria prioridade ao "diálogo"
e à "construção do consenso" para
prevenir a explosão de conflitos de classe. Dada a extrema
polarização social que se desenvolve no Peru, tal
perspectiva só poderá significar subordinar os direitos
dos trabalhadores, dos camponeses e da população
pobre aos interesses lucrativos do capital nacional e estrangeiro.
Vale a pena notar que os 17 mil aymarás que decidiram
sair da cidade ocupada de Puno para que as eleições
pudessem acontecer prometeram que irão retomar sua luta
na terça-feira que vem à meia-noite, caso suas exigências
não sejam atendidas.
(Traduzido
por movimentonn.org)
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