Um agudo recuo no ritmo da produção fabril chinesa
está levando os empregadores a cortar salários,
impulsionando uma nova onda de greves.
Durante a semana, uma greve envolvendo 1.000 trabalhadores
na planta da cingapurense Hi-P International foi brutalmente reprimida
pela polícia. O website da Hi-P descreve a companhia como
componente de um "fabricante-por-contrato global e verticalmente
integrado, servindo às indústrias de comunicações
sem fio, eletrônicos de consumo, computação
e automóveis".
A greve começou quando a Hi-P decidiu cortar empregos
e transferir mais linhas de produção para Tianjin
e Suzhou, onde os custos de mão de obra são menores.
Os trabalhadores demitidos não receberam qualquer compensação,
apenas promessas de transferência para os novos locais.
A resposta dos operários foi ocupar a planta e bloquear
o portão. A Reuters informou que os empregados gritavam
"nos deem justiça" e levantavam estandartes que
diziam "nós queremos uma explicação,
nós queremos a verdade". Os trabalhadores também
acusaram a companhia de práticas ilegais. "Algumas
vezes, eles nos pedem para trabalhar por 18 ou 19 horas num dia",
um trabalhador disse à Associated Press. "Algumas
vezes as horas extras somadas ultrapassam a própria jornada
normal de 8 horas".
Na terça-feira, primeiro dia de greve, veículos
da polícia bloquearam as estradas principais mais próximas,
e no dia seguinte centenas de oficiais foram encarregados de acabar
à força com os protestos. A polícia bateu
nos trabalhadores e arrastou vários pelos cabelos, incluindo
mulheres. Diversos trabalhadores foram feridos e mais de uma dúzia
foi presa. De acordo com a Associated Press, até ontem
os trabalhadores se mantinham em greve, e "vans da polícia
e carros sem identificação observavam mas não
intervinham".
Não é a primeira greve dos trabalhadores da Hi-P.
Em julho e agosto, eles organizaram uma greve de 10 dias contra
o plano da companhia de transferir duas linhas de produção
para a fábrica de Suzhou. Essa ação também
foi quebrada pela polícia.
Uma onda de greves atingiu os centros manufatureiros na província
meridional de Guangdong durante as últimas semanas.
Uma greve de 1.100 trabalhadores da fábrica da japonesa
Citizen em Shenzhen terminou em 19 de novembro após uma
batalha de 1 mês. Em outubro, a planta decidiu mudar o sistema
de pagamento de uma taxa por produto fabricado para uma taxa horária.
Numa indústria de baixa sofisticação como
a de produção de componentes de relógio,
os trabalhadores dependem do aumento da produção
para manter um salário que garanta a sobrevivência.
O pagamento-hora baixo oferecido pela companhia vai reduzir drasticamente
seus salários.
Em resposta ao sistema de pagamento-hora, os trabalhadores
exigiram que a administração os compensasse com
salários equivalentes aos 40 minutos já deduzidos
de sua jornada diária desde 2005 como tempo para ir ao
banheiro e beber água. Mas eles só receberam 70%
do tempo não pago. Os operários foram forçados
a voltar ao trabalho com policiais e oficiais de segurança
para vigiá-los em cada departamento da produção.
Na cidade de Kunshan da província de Jiangsu, no leste,
1.200 trabalhadores da taiwanesa Lisheng, que produz eletrônicos
- incluindo notebooks, mouses e celulares - organizaram uma greve
no dia 22 de novembro contra a carga de trabalho horária
excessiva. A administração chamou a polícia
para acabar com a greve e a manifestação. Diversos
trabalhadores foram feridos.
Um trabalhador da Lisheng escreveu um post num website local
explicando que a administração muda seus turnos
arbitrariamente, sem qualquer compensação. Eles
só recebiam um salário mensal básico de 1.140
yuan (US$ 179,00), mas após a dedução de
450 yuan para pagar a comida fornecida pela fábrica, 120
yuan para cobrir os fundos de seguridade social, e 400 yuan pelo
aluguel, "não temos nada para mandar de volta para
casa".
O operário lembrou que no dia 22 de novembro, quando
a greve começou, de 30 a 40 integrantes da polícia
especial e da polícia comum chegaram à cena. A polícia
especial é uma força paramilitar especializada em
repressão doméstica, inclusive controle de multidões.
"Pensávamos que era uma grande coisa termos eles para
defenderem a justiça para nós", ele disse.
"Quem poderia imaginar - eles atacaram qualquer pessoa que
encontravam imediatamente após descerem dos seus veículos.
Um jovem que disse algo errado foi arrastado para o carro da polícia
e espancado. Uma garota que estava perto demais também
foi violentamente atacada, tendo seu canal auditivo quebrado e
um ferimento na cabeça. Ela ficou no chão por duas
horas, mas a polícia a ignorou."
O operário expressou raiva quanto ao suplício
de milhões de trabalhadores migrantes super-explorados
da China: "O birô do trabalho nos ignora, a polícia
não liga! Nós, trabalhadores migrantes sofremos
os abusos deles [os empregadores] sempre que eles querem abusar
de nós, onde está a justiça? Onde está
a lei?"
Os trabalhadores estão enfrentando um implacável
estado policial que defende os interesses das empresas. As principais
corporações mundiais se articulam estreitamente
com a classe capitalista emergente, e também com a burocracia
stalinista chinesa corrupta, para explorar conjuntamente a classe
trabalhadora.
Essa relação social básica foi posta em
evidência por um relatório investigativo em torno
da BYD, uma fabricante privada de baterias e carros elétricos,
publicado no final de outubro pelo China Labour Watch, baseado
em Nova Iorque. A BYD, que pertence em parte ao bilionário
americano Warren Buffett, emprega 130.000 trabalhadores. O CEO
da companhia Wang Changfu era o homem mais rico da China em 2009.
?Na planta de Shenzhen da BYD, os trabalhadores ganham apenas
US$ 204,00 por mês - menos que o gasto mínimo de
vida em Shenzhen, estimado em US$ 243. Os trabalhadores estão
presos ao fornecimento de comida e habitação pela
empresa, e com 144 horas de horas extras impostas todos os meses,
não têm qualquer chance de se educarem ou de conseguirem
um emprego melhor.
?O relatório do China Labour Watch apontava: "A
BYD está preocupada somente com a maximização
de seus lucros baseada nos custos de produção mais
baixos possíveis [...] clientes dessa multinacional, como
Nokia, Motorola e Samsung, estão preocupadas somente com
a fabricação de produtos de alta qualidade a um
baixo custo. Para trazer esses produtos ao mercado o mais rápido
possível, as companhias exigem um ritmo de produção
extremamente acelerado. Desse modo, os trabalhadores precisam
enfrentar durante longas horas um trabalho em ritmo alucinante."
O relatório concluía com o aviso: "Os trabalhadores
estão extremamente tensos e sentem desesperança
em relação ao futuro. Se esses problemas não
puderem ser resolvidos, ferozes conflitos sociais surgirão
dentro das fábricas".
A BYD não é mais do que um microcosmo de incontáveis
fábricas ao redor da China, onde condições
de trabalho já consideradas terríveis estão
piorando cada vez mais.
Em maio-junho de 2010, uma onda de greves iniciada por trabalhadores
de uma fábrica de automóveis da Honda na província
meridional de Guangdong foi em grande parte impulsionada pela
reivindicação de salários maiores. Em meio
a massivas medidas de estímulo financeiro na China e também
na Europa e nos EUA, a manufatura chinesa continuou a se expandir,
tornando possível que os empregadores e o regime stalinista
oferecessem concessões limitadas para cortar a cabeça
do levante que se construía.
A elite corporativa não está mais na posição
de oferecer concessões. Há uma conexão inegável
entre as greves que surgem na China e o último índice
oficial de consumo (PMI) que mostra uma contração
da produção fabril em novembro. Esse declínio
se deve principalmente à demanda em queda de dois dos maiores
mercados da China - Europa e EUA. O PMI de novembro é de
49 - o menor desde fevereiro de 2009, logo após o colapso
do Lehman Brothers. Cerca de 23 milhões de vagas de emprego,
ocupadas principalmente por trabalhadores migrantes, foram destruídos
em 2008/09.
Uma nova onda de fechamentos de fábricas ameaça
detonar uma explosão social da classe trabalhadora chinesa.
Uma indicação do que está por vir foi soletrada
pela Federação das Indústrias de Hong Kong,
que recentemente avisou que um terço das 5 mil fábricas
de empresas de Hong Kong na província de Guangdong podem
sofrer reduções na força de trabalho e fechar
até o final deste ano.