Muito pouco foi dito sobre as implicações das
medidas decididas no encontro da União Europeia para a
classe trabalhadora. A mídia focou quase que exclusivamente
na defesa do primeiro-ministro David Cameron do veto da Grã-Bretanha.
Este silêncio sobre as implicações do tratado
intergovernamental que agora está sendo traçado
só reforça o desprezo da mídia e da classe
dominante europeia pela classe trabalhadora. As medidas do tratado
antecipam uma destruição massiva de postos de trabalho,
das condições de vida e dos serviços públicos
dos quais milhões dependem, ao mesmo tempo que a Europa
se transforma em uma zona de austeridade gigantesca.
O tratado foi descrito como um plano para Estados escravos
dentro da Zona do Euro. Mais precisamente, ele é o projeto
de escravização dos trabalhadores europeus, que
devem ser reduzidos a pouco mais do que trabalho avassalado à
oligarquia financeira representada pelo Banco Central Europeu
e pelo Fundo Monetário Internacional.
Será criada uma estrutura legal para impor disciplina
fiscal em cada país, com a Comissão Europeia
e a Corte de Justiça Europeia detendo o poder de controlar
os orçamentos nacionais. Reformas no mercado de trabalho
serão santificadas constitucionalmente para reverter direitos
trabalhistas, estender a jornada de trabalho e cortar os salários,
aposentadorias e outros direitos. Tudo isso será garantido
por meio de sanções automáticas - incluindo
retirar o direito de voto na UE de Estados que não obedeçam
às regras e até mesmo a possível expulsão
dos mesmos da Zona do Euro.
Uma demonstração do que está em jogo pode
ser vista na Grécia, onde sucessivos orçamentos
de austeridade jogaram dezenas de milhares no desemprego - empurrando
o índice do mesmo para quase 20%, sendo ainda maior para
a juventude. Aposentadorias serão cortadas em mais 15%
em janeiro, e mais de 40 mil trabalhadores do funcionalismo público
estão sujeitos a cortes salariais de até 40%.
As elites dominantes sabem que tais medidas não podem
ser implementadas democraticamente. Já planejaram golpes
políticos na Grécia e na Itália, instalando
governos tecnocráticos dirigidas por banqueiros.
Apoiados pelos grandes partidos burgueses, esses governos incorporam
as forças mais reacionárias, inclusive, na Grécia,
o partido neofascista LAOS. Uma preocupação central
do encontro da UE foi a de encontrar mecanismos quase legais para
implementar as medidas fiscais sem acionar dispositivos constitucionais
de referendos em alguns países.
A Grã-Bretanha não foi menos inflexível
que os outros 26 Estados-membros em relação ao fato
de os trabalhadores não serem autorizados a dar nenhuma
opinião nas medidas políticas sendo planejadas contra
eles. A classe dominante europeia está unida no uso da
crise financeira como uma oportunidade de destruir direitos sociais
e democráticos conquistados a duras penas a fim de tornar
o capital europeu mais competitivo contra seus rivais asiáticos
e americanos.
Cameron estava em total acordo com a perspectiva de fortalecer
os poderes da UE para empurrar cortes nos direitos sociais, mas
somente até o ponto em que a oligarquia financeira e a
City of London [distrito financeiro de Londres] se encontrem protegidos.
O projeto de reforma da UE desvelado pela chanceler alemã,
Angela Merkel, e pelo presidente francês, Nicolas Sarkozy,
diante do encontro inclui planos para que transações
com denominação em euros sejam confinadas à
Zona do Euro. Com mais de 70% das transações de
derivativos em euros sendo atualmente feitas em Londres, o ministro
das finanças britânico, George Osborne, denunciou
o plano como uma bala dirigida a acertar o coração
da City of London. Afinal, a soberania defendida por
Cameron e pela burguesia britânica era aquela da City of
London.
Cameron torcia por um acordo por meio do qual ele concordaria
com mudanças no tratado em troca de garantias de que a
Grã-Bretanha pudesse optar por participar ou não.
Isso atenderia às demandas da City of London, satisfaria
democratas liberais pró UE do governo de coalizão
de Cameron, e acalmaria os céticos em relação
ao Euro dentro de seu próprio Partido Conservador. Garantias
de opção poderiam ser usadas como uma prova de que
nenhuma transferência de poder estava envolvida nas mudanças
do tratado, evitando assim um referendo que pudesse quebrar a
coalizão e derrubar o governo Cameron.
Merkel e Sarkozy insistiram que a Grã-Bretanha não
deveria receber nenhuma concessão especial, uma vez que
elas poderiam abrir uma caixa de Pandora por toda
a Europa. Afinal, o poder de a Grã-Bretanha optar foi totalmente
rejeitado.
Enquanto lamentava o resultado do encontro, o líder
do Partido Trabalhista, Ed Miliband, e o líder dos democratas
liberais, Nick Clegg, eram indiferentes aos cortes punitivos a
ser implementados contra os trabalhadores europeus. Sua única
crítica era a de que a Grã-Bretanha deveria ter
uma cadeira na mesa de negociação para decidir como
implementar essa agenda.
O recente encontro expôs a União Europeia como
um instrumento do capital financeiro para impor de maneira unificada
ataques sem precedente sobre a classe trabalhadora europeia -
com ou sem o consentimento do governo reacionário de Cameron.
A resposta da classe trabalhadora deve ser: Abaixo a União
Europeia e os bancos! Por um movimento unificado da classe trabalhadora
europeia contra as medidas de austeridade e a ditadura!
Os trabalhadores não podem depositar nenhum voto de
confiança na perspectiva, proposta por diversas burocracias
sindicais nacionais e seus apêndices de esquerda,
de greves nacionais curtas para pressionar governos nacionais
individualmente. Trabalhadores de toda a Europa encontram-se na
véspera de lutas explosivas de classe e de um confronto
revolucionário com a burguesia, que usará as medidas
mais desesperadas para se ater ao poder.
Essa é a importância dos comentários do
General Martin Dempsey, chefe do Estado-maior das forças
armadas, em um encontro do Conselho do Atlântico em Washington.
A Zona do Euro está em sério risco,
disse ele, alertando que os militares americanos podem estar expostos
à quebra da Zona do Euro devido ao potencial de inquietação
civil.
Esses comentários são assustadores, uma vez que
os EUA têm mais de 80 mil tropas em bases na Europa. É
certo que discussões nesse sentido vêm ocorrendo
em capitais de toda a Europa. As medidas antidemocráticas
sendo implementadas por toda o continente reforçam o fato
de que a burguesia está disposta a impor uma contrarrevolução
social usando a brutalidade da força.
A classe trabalhadora da Europa deve estabelecer sua própria
política de classe, com o mesmo nível de determinação.
Contra a UE e os governos do grande capital, deve forjar um movimento
político de massas pela derrubada do capitalismo e pelo
estabelecimento de governos operários organizados sob os
Estados Unidos Socialistas da Europa.