Em meio a ataques contínuos contra os serviços
públicos nos Estados Unidos, a fome e o desabrigo estão
crescendo num ritmo epidêmico, de acordo com um relatório
divulgado na quinta-feira pela Conferência de Prefeitos
dos EUA.
A pesquisa anual dos índices de fome e desabrigo, feita
pelo grupo em 29 cidades-membro, afirma que requisições
de assistência alimentícia emergencial cresceram
15,5% no ano passado. O número de famílias sem-teto
cresceu 16%. A pesquisa cobre o período entre 1º de
setembro de 2010 a 31 de agosto de 2011.
O relatório dos prefeitos é somente o último
numa série de estudos que documentam o crescimento da pobreza
e da desigualdade social nos EUA. Dois dias antes, o Centro Nacional
de estudos sobre desabrigo relatou que entre 2007 e 2010 houve
um aumento de 38% nos níveis de desabrigo entre crianças,
de modo que uma em cada 45 crianças americanas não
tem teto.
A Associated Press, citando estatísticas do censo publicado
mês passado, informou na quinta-feira que metade da população
americana é pobre ou de baixa renda. Com o desemprego de
longo prazo atingindo níveis recordes, cozinhas de caridade
e abrigos para sem-teto estão superlotados.
Essas estatísticas sombrias, que constituem apenas uma
reflexão pálida do sofrimento humano e precariedade
social existentes, servem para zombar das declarações
da administração Obama e da mídia de que
os EUA passam por uma fase de "recuperação"
econômica. Nos últimos dias, Obama comemorou o relatório
de desemprego de novembro, que registrou um declínio de
0,4% na taxa oficial de desemprego para 8,6%, enquanto evidência
de que suas políticas estão fazendo efeito. Ele
ignora o fato de que a queda na taxa de desemprego foi devido
ao êxodo de 315 mil desempregados, que, desencorajados,
abandonaram a força de trabalho.
Durante suas tentativas teatrais de se apresentar como advogado
dos trabalhadores de "classe média", Obama nem
sequer mencionou qualquer um dos relatórios recentes que
documentam o desastre social impulsionado por suas políticas
pró-corporativas.
O relatório dos prefeitos cita cortes no suprimento
federal de commodities e no orçamento como um fator da
capacidade cada vez menor das cozinhas comunitárias e depósitos
governamentais de alimentos de acompanhar a demanda crescente.
O texto observa que 27% das pessoas que necessitam assistência
alimentar emergencial não a receberam.
A quantidade de comida distribuída não foi suficiente.
Embora a demanda por auxílio alimentício tenha crescido
em 15%, a quantidade de comida distribuída pelas cidades
aumentou em apenas 10%.
A inadequação dos recursos teve um efeito tangível:
86% das cidades incluídas na pesquisa afirmaram que seus
depósitos e cozinhas de emergência tiveram de reduzir
a quantidade de comida dada aos visitantes. Oitenta e dois por
cento disseram que se viram forçados a afastar pessoas
de suas cozinhas, e 68% disseram que tiveram de enrijecer as regras
que determinam com que frequência famílias podem
visitar as cozinhas de emergência.
Nenhuma das 29 cidades incluídas na pesquisa afirmaram
esperar que a demanda por alimentos de auxílio emergencial
caia no ano que vem, enquanto todas menos duas esperam que a demanda
aumente.
Enquanto isso, três quartos das cidades afirmam que esperam
que a quantidade de dinheiro disponível para o auxílio
emergencial caia no ano que vem, e 41% disseram que a queda seria
"substancial".
Cerca de metade dos que procuram assistência alimentícia
emergencial vieram como famílias. Um quarto possuía
emprego. Onze por cento eram sem-teto.
Sessenta por cento das cidades relataram um aumento na taxa
de desabrigo familiar. Entre indivíduos, o desabrigo cresceu
em 6%.
A pesquisa dos prefeitos descobriu que em média 18%
dos sem-teto que pediram assistência alimentícia
não a receberam. Também descobriu que abrigos em
dois terços das cidades incluídas na pesquisa foram
forçados a recusar a entrada de famílias com crianças,
enquanto 70% tiveram de recusar a entrada de indivíduos.
Sessenta e quatro por cento das cidades pesquisadas disseram
esperar que o número de famílias sem-teto aumente
no próximo ano, enquanto a mesma porcentagem de cidades
afirmou esperar que a quantidade de recursos disponíveis
para ajudar aos sem-teto caia.
Cidades individuais desenham um quadro ainda mais sombrio do
caos social. Em Detroit, o número de pedidos de ajuda alimentícia
cresceu em 30% durante o ano passado; em Salt Lake City, Utah,
o crescimento foi de 35%.
O relatório dos prefeitos vem um mês depois do
Birô do Censo divulgar seu Índice Suplementar de
Pobreza que, empregando parâmetros diferentes dos usados
no relatório oficial, aumentou a estimativa do número
de americanos vivendo na pobreza de 46,2 milhões para 49
milhões, e a taxa de pobreza de 15,1% para 16%.
Enterrado no relatório do Índice Suplementar
de Pobreza está provavelmente a sua descoberta mais chocante:
a porcentagem da população que se encaixa na categoria
"baixa renda", isto é, que ganha entre 100 e
200% do que ganham os pobres, quase dobrou. A estatística
oficial indica que a taxa de pessoas que ganham entre 100 e 200%
da renda de quem vive na pobreza é de 18,8% da população
total, enquanto a estatística baseada nos novos parâmetros
fala em 31,8%.
De acordo com o relatório suplementar do Censo, existem
49,1 milhões de pessoas vivendo na pobreza e um adicional
de 97,3 milhões que viveriam com baixa renda. As duas estatísticas
combinadas somam 146,4 milhões de pessoas, em uma população
de 300 milhões.
Junto ao desemprego em massa, os salários em queda têm
um papel crítico no impressionante crescimento da pobreza
nos EUA. Apenas nos últimos 12 meses, os salários
reais caíram em 1,7%.
Foi o resultado de um assalto corporativo nacional contra os
salários dos trabalhadores, inaugurado com a falência
forçada da General Motors e da Chrysler pela administração
Obama em 2009. Obama insistiu que os empréstimos do governo
às companhias de automóveis fosse condicionado a
uma vasta expansão dos salários de segundo escalão
(US$ 14/hora) para novas contratações, e uma redução
geral dos custos da força de trabalho em plantas não-sindicalizadas
de companhias estrangeiras.
Junto com o colapso dos preços dos imóveis residenciais,
o desemprego em massa e os cortes salariais jogaram até
mesmo as famílias com trabalhadores adultos na pobreza.
De acordo com um estudo realizado pelo Projeto de Famílias
Trabalhadoras Pobres divulgado neste mês, a porção
de famílias desempregadas classificadas como de baixa renda
cresceu de 27% em 2002 para 31,2% em 2010.
"Muitas dessas famílias podiam ser solidamente
classificadas como de classe média, mas viram suas rendas
caírem para aquém do nível de baixa renda
por conta de cortes salariais, redução das jornadas,
ou porquê um cônjuge perdeu o emprego", disse
Mark Mather, coautor da análise.
Em face a essa catástrofe social em acúmulo,
nenhum setor do establishment político, Democrata
ou Republicano, está propondo qualquer medida para aliviar
a crise e criar empregos. Em vez disso, toda a discussão
oficial gira em torno de medidas de austeridade selvagens para
fazer a classe trabalhadora pagar pelo resgate multi-trilionário
aos bancos. Essas medidas incluem centenas de bilhões de
dólares em cortes aos tickets de auxílio alimentício,
assistência para aquecimento domiciliar, educação
e programas sociais importantes como o Medicare, o Medicaid e
a Seguridade Social.