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Alemanha: O Senado de Berlim, o Partido de Esquerda e os hedge funds internacionais

Por Emma Bode
18 de maio de 2010

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Em 2005, Franz Müntefering, então presidente do Partido Social-Democrata Alemão (SPD), referiu-se depreciativamente aos hedge-funds (fundos de cobertura) internacionais como "pragas". Desde então, o SPD e o Partido de Esquerda têm explorado cada campanha eleitoral na denúncia dessas "pragas", alegando que nunca venderiam serviços de utilidade pública ou de habitação para especuladores.

Um olhar mais atento sobre Berlim, no entanto, evidencia que essas "pragas" encontraram ricos apoios na capital alemã, onde o Senado é governado nos últimos oito anos por uma coligação entre o SPD e o Partido de Esquerda.

O processo começou com a privatização da Companhia de Recursos Hídricos de Berlim, sob a coligação CDU-SPD no conselho municipal. Isso levou a um aumento drástico nas contas de água, redução de investimento, menores salários para os funcionários e 1.000 demissões.

Com a privatização da Sociedade Cooperativa de Habitação e Construção (GSW) — um conjunto habitacional cooperativo fundado em 1924, o maior do país — a coalizão SPD-Partido de Esquerda no senado de Berlim foi muito além de seus antecessores.

Em 2004, o Senado de Berlim vendeu a GSW às empresas de Wall Street Goldman Sachs e Cerberus Capital Management. Um dos consultores financeiros empregados pela Cerberus é o ex-presidente do SPD, Rudolf Scharping. Scharping recebe anualmente €125.000 por este trabalho — que consiste em uma teleconferência quinzenal e na participação em uma reunião em Frankfurt a cada seis semanas —, não incluido a gratificação por desempenho.

O Senado de Berlim decidiu vender sua maior empresa de construção de habitação pública para investidores privados, a fim de financiar um déficit orçamentário causado por um notório escândalo bancário. Em 2001, o Senado financiou o consórcio bancário de Berlim (Bankgesellschaft Berlim) com €1,7 bilhão e entregou €21.6 bilhões como garantia contra perdas futuras. Isso aumentou o peso da dívida individual dos berlinenses para cerca de três vezes a média nacional. Doze por cento do orçamento de Berlim agora é usado para pagar juros sobre os empréstimos.

A Cerberus e o Goldman Sachs pagaram a Berlim €405 milhões pela GSW e, em troca, tornaram-se donos de 65.000 apartamentos residenciais. Esse é um preço ligeiramente superior a €6.000 por apartamento, cerca de um décimo do preço usual de mercado. Mesmo que se leve em conta o peso da dívida média por apartamento no valor de €24.000, os termos do acordo estão inteiramente do lado das empresas de Wall Street. Os investidores souberam tirar proveito disso.

Em 2009, as duas empresas obtiveram um lucro de €447 milhões com a GSW. Para conseguir este lucro, venderam 15.000 apartamentos a um preço médio de €50.000. Eles também assaltaram os cofres da GSW, que incharam com os fundos graças às rendas médias e aos custos reduzidos de manutenção.

Depois de apenas cinco anos, a Cerberus e a Goldman Sachs já haviam recuperado o preço de compra com um bônus de 10%. Além disso, ainda possuíam 50 mil apartamentos e controlavam mais de 20.000. O valor de mercado da empresa aumentou de €800 bilhões para 900 bilhões, ou seja, o dobro do investimento de compra original. Isto se deve à política do consórcio de aumentar sistematicamente as rendas entre 2,5% a 3% ao ano. Os aluguéis básicos de apartamentos da GSW aumentaram duas vezes mais rápido que o aumento médio anual de 1,4% em Berlim.

Pelo fato dos apartamentos alugados serem vendidos como propriedade privada, os alojamentos disponíveis para locação estão diminuindo e os preços aumentando. A média dos aluguéis em Berlim aumentou cerca de 4,5% em relação ao ano passado. Os maiores aumentos de aluguel ocorreram no bairro de Friedrichshain-Kreuzberg, onde moram muitos jovens. Níveis de aluguel subiram cerca de 7,2%. Ao mesmo tempo, os moradores têm a menor renda disponível. Isto tem expulsado as pessoas de suas moradias, transformadas cada vez mais em residências de luxo.

Apesar do enorme lucro, a Cerberus e o Goldman Sachs decidiram colocar os apartamentos remanescentes da GSW no mercado. Para isso, primeiro teriam que obter o acordo do Senado de Berlim. A condição do acordo de compra em 2004 foi de que, até 2014, somente um máximo de 49,9% dos imóveis poderiam ser vendidos sem a autorização do Senado. Os investidores, para pressionar, ameaçaram fazer exatamente o que a cláusula mandava, mas no período de um ano: vender os 49,9% — o que destruiria seu negócio com o município, levaria a perdas de emprego imediatas, ao fechamento da sede da GSW em Berlim e a correspondentes reduções nos impostos municipais sobre renda de negócios.

O Partido de Esquerda e o SPD posteriormente cederam a essa pressão e deram permissão para as empresas colocarem a GSW na bolsa de valores. O Ministro das Finanças, Ulrich Nussbaum, cinicamente, justificou essa decisão argumentando que Berlim poderia agora se alegrar com a saída dos investidores. A coalizão foi apoiada nesta decisão pelos senadores do direitista Partido Liberal-Democrata (FDP).

A Associação de Inquilinos de Berlim fez campanha para os senadores votarem contra a decisão proposta. "A privatização da GSW não é compatível com os objetivos de manutenção da propriedade e o longo prazo de fornecimento de habitações acessíveis", escreveu seu presidente. Os senadores da CDU e do Partido Verde votaram contra as propostas e expressaram suas preocupações com os inquilinos, no entanto sem pôr, com isso, algum impedimento para a privatização.

O Senado usou o argumento de que a venda traria um adicional de €30.000.000 para os cofres do Estado. Nussbaum disse que €10 milhões seriam reservados para a proteção do inquilino e para o financiamento do desenvolvimento do bairro. Isso ainda está para ser visto. No entanto, uma despesa adicional de €5 milhões será necessária para as despesas retrospectivas do orçamento. Mas o Ministro das Finanças não mencionou isto em seu discurso para o Senado.

Em comparação com os lucros futuros esperados, o custo de €30 milhões do negócio significa muito pouco. Especialistas em finanças estimam que o Goldman Sachs e o fundo Cerberus ficarão com €230 e €350 milhões na bolsa, respectivamente. Cerca de €140 milhões desse montante será utilizado para consolidar o capital fixo da GSW, e o restante vai para os bolsos dos investidores. Além disso, estes pretendem reter 37% das ações da GSW, cujo valor total estimado de €950.000.000 pode subir em previstos €350 milhões.

A GSW foi colocada no mercado de ações em 03 de maio. O Goldman Sachs e o Deutsche Bank AG de Frankfurt foram contratados para conduzir a venda. No evento, o Goldman Sachs e a Cerberus adiaram a ação, afirmando que "o aumento da volatilidade do mercado" o tornou inadequado para fazer um negócio no momento. A ação tinha sido programada para começar a negociação na Bolsa de Frankfurt em 7 de maio. O adiamento do lançamento coincidiu com as revelações na América das práticas completamente criminais da Goldman Sachs em relação à crise do sub-prime.

Diante das críticas indignadas ao acordo de privatização por parte de inquilinos e seus eleitores, o Partido de Esquerda humildemente admitiu que a venda inicial da GSW em 2004 tinha sido um erro. O partido tentou apagar seu passado, alegando que buscava ampliar o acordo original de 2004 para incluir algumas cláusulas de proteção para os locatários. No entanto, essas cláusulas de proteção só são válidas até 2014. Depois disso, os interesses do lucro dos acionistas vão prevalecer ainda mais sobre os interesses dos locatários.

Antes ter sido vendida para os hedge funds em 2004, a GSW realizou uma campanha publicitária em todo o estado, sob o lema "GSW: moradia boa e segura". Locatários de Berlim podem agradecer aos políticos do SPD e do Partido de Esquerda por garantir que tais moradias sejam coisa do passado.

As ligações financeiras entre os dois notórios hedge funds e o Senado de Berlim revelam, sobretudo, a hipocrisia absoluta do Partido de Esquerda, que apenas há pouco tempo inseriu em seu projeto de programa a nacionalização dos bancos. Os representantes do Partido de Esquerda votaram a favor de medidas imediatas no Parlamento alemão para resgatar os bancos alemães em 2008. Apenas algumas semanas atrás, concordaram com um procedimento similar para garantir a rápida implementação do pacote de resgate e atendimento das demandas de medidas de austeridade na Grécia. Os bancos alemães e os hedge funds internacionais aprenderam, há muito tempo, que não é preciso temer o Partido de Esquerda alemão.

[traduzido por movimentonn.org]

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