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O que está por trás da crise do governo alemão?

Por Peter Schwarz
24 de junho de 2010

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Publicado originalmente em inglês nos dia 18 de junho de 2010

A crise da coligação do governo alemão prossegue há semanas. Não há praticamente nenhuma questão em que os três partidos da coligação—a União Democrata Cristã (CDU), seu partido irmão, a União Social Cristã (CSU), e o Partido Democrático Liberal (FDP)—estejam de acordo. Seja em relação às medidas de austeridade, política fiscal, saúde ou serviço militar, os partidos governantes, ou as diversas alas destes partidos, estão em desacordo.

A pesquisa eleitoral do governo da chanceler Angela Merkel (CDU) entrou em colapso. Se as eleições gerais fossem realizadas neste domingo, o FDP ganharia apenas cinco por cento dos votos—um brusco declínio em relação à eleição de nove meses atrás, quando o FDP obteve quase 15 por cento dos votos.

Os votos para a CDU/CSU estão em pouco mais de 30 por cento, enquanto a oposição do Partido Social-Democrata (SPD) permanece abaixo dessa marca. Por outro lado, os Verdes alcançaram um nível recorde de 18 por cento—uma clara indicação da turbulência política dentro da classe média.

O SPD e os Verdes estão registrando números mais altos do que a coligação do governo, mas eles poderiam alcançar uma maioria no governo apenas com o apoio do Partido de Esquerda, cujos números permanecem inalterados, em 11 por cento.

Nas últimas semanas, os principais jornais vêm prevendo o fim do governo liderado por Merkel e Guido Westerwelle do FDP. Alguns estão exigindo justamente isso.

A crise interna do governo poderá chegar ao ápice quando se realizarem os debates na próxima semana sobre a reforma da saúde. O FDP está pedindo veementemente por um esquema de captação, enquanto a CDU está também veementemente rejeitando-o.

Alternativamente, o governo poderia entrar em colapso se Christian Wulff, candidato em comum da CDU e do FDP para a presidência alemã, for derrotado na eleição de 30 de junho no Parlamento. Dentro do FDP há um considerável apoio a Joachim Gauck, nomeado pelo SPD e pelos Verdes como um candidato rival.

Muitos comentaristas colocam a culpa da crise do governo na fraqueza de seus principais personagens—a falta de determinação por parte de Merkel, o comportamento imaturo de Westerwelle, a imprevisibilidade do líder da CDU, Horst Seehofer. Mas as causas são mais profundas. O governo é confrontado por mudanças sociais fundamentais para as quais não tem resposta

Décadas de cortes de subsídios e as conseqüências da crise econômica internacional têm prejudicado a política de equilíbrio social, que deu à Alemanha uma certa estabilidade nas décadas do pós-guerra. Em particular, as classes médias, tradicional reduto da democracia parlamentar, estão sendo quebradas e enfraquecidas.

Não é por acaso que um estudo do Instituto Alemão de Pesquisa Econômica (DIW) sobre a erosão da classe média atraiu tanta atenção. Os pesquisadores chegaram à conclusão de que o crescimento no número de pessoas pobres, e, numa proporção muito menor, dos ricos, tem ocorrido à custa dos estratos de renda média. Eles advertem que uma classe média forte é "essencial para a manutenção da estabilidade social".

O FDP de Westerwelle, que combina indisfarçável lobby para a elite financeira com apelos ao egoísmo dos mais ricos, tinha se convencido de que poderia canalizar os temores de declínio social da classe média e dirigi-la contra os mais pobres da sociedade. Mas seus ataques aos beneficiários de subsídios, a quem denunciou como exemplos de "decadência romana tardia”, perderam completamente sua marca.

Um estudo empírico dos cientistas políticos em Göttingen conclui: "O centro [social] atualmente não tem a impressão de que o comportamento abusivo que ameaça a estrutura financeira da Alemanha é proveniente da essência do sistema social". Por outro lado, quando se trata de "executivos, banqueiros e especuladores financeiros ... a maioria dos que estáo no centro agora fala de forma mais radical do que o SPD".

Isso explica o rápido declínio do FDP.

A CDU/CSU está presa entre as bases sociais e alas regionais divergentes do partido. Os representantes das grandes empresas, pequenos empresários, agricultores, funcionários públicos e os trabalhadores não podem ser unidos sob a égide de um único partido quando a sociedade está sendo despedaçada. O catolicismo, por si só em uma crise profunda, há muito tempo perdeu sua viabilidade como um elo unificador do partido

Também nas relações exteriores, o governo federal enfrenta novos desafios. A aliança ocidental, um princípio orientador da política externa alemã desde Adenauer, está em pedaços. No contexto das guerras no Iraque e Afeganistão e crescentes tensões transatlânticas, a duradoura e estreita aliança com os EUA está emergindo como um refém da sorte. Na Europa, os conflitos aumentam e ameaçam destruir a União Européia.

Sob tais circunstâncias, mais e mais vozes estão pedindo um retorno do SPD ao poder. Desde a revolução de novembro de 1918, quando o SPD resgatou as relações de propriedade capitalista a partir da ofensiva dos trabalhadores e soldados, este partido é repetidamente chamado para defender a ordem existente e impor as mudanças necessárias em tempos de crise.

Em 1969, o Chanceler do SPD Willy Brandt tirou a juventude revoltada das ruas e ajudou a indústria exportadora alemã a encontrar novos mercados com a sua altamente controversa Ostpolitik. E em 1998, quando as grandes empresas queixaram-se da “estagnação" sob o governo de Helmut Kohl (CDU), Gerhard Schröder (SPD), destruiu o sistema de seguridade social com as suas “reformas” da Agenda 2010.

Ao contrário do FDP, que pretende reverter a influência do Estado, o SPD considera que um Estado forte seja indispensável em tempos de crise - não um Estado social forte, que foi destruído em grande parte, em sete anos da coligação SPD-Partido Verde e quatro anos de coalizão ampla - mas um Estado que se eleva acima das classes sociais e atua com uma mão firme, obrigando os beneficiários de subsídios a fazer trabalho comunitário e disciplinando os trabalhadores através dos sindicatos.

Por sua vez, os sindicatos estão mais do que dispostos a assumir esse papel. A principal prioridade do SPD é a manutenção da "paz social", ou seja, a supressão da luta de classes, mesmo que isso signifique a renúncia de todas as conquistas sociais das últimas seis décadas.

O SPD também pode contar com o apoio dos Verdes. O ex-partido do ambientalismo e da paz se tornou o campeão da disciplina orçamental rigorosa e das operações militares no exterior.

Quanto ao Partido da Esquerda, herdeiro do partido dominante na Alemanha Oriental stalinista, sempre entendeu o "socialismo" como um estado forte e autoritário que sufoca qualquer movimento independente dos trabalhadores. O ex-presidente do SPD, agora deixando o cargo de presidente do Partido de Esquerda, Oskar Lafontaine, desempenhou um papel de liderança nacional trinta anos atrás, quando foi prefeito de Saarbrücken, obrigando os beneficiários de subsídios a fazer trabalhos comunitários. Mais tarde, como premiê do estado do Sarre, ele supervisionou o fechamento das indústrias de siderurgia e mineração da região, em estreita colaboração com os sindicatos.

O Partido de Esquerda está determinado a ajudar o SPD a voltar ao poder, seja como parceiro de coalizão ou apoiando a um governo minoritário do SPD-Partido Verde, assim como se prepara atualmente na Renânia do Norte-Vestfália.

Se a coligação CDU/CSU-FDP realmente chegará a um fim prematuro é uma questão em aberto. A Constituição prevê uma mudança de governo no meio de uma legislatura só em circunstâncias excepcionais, e há poucos atrativos para novas eleições na CDU/CSU e FDP.

A questão de que tipo de coligação poderá substituir o atual governo também está indefinida. Uma coligação ampla da CDU e SPD, que comandaria uma maioria, mesmo sem novas eleições, uma coligação do SPD, FDP e Partido Verde, ou uma coligação SPD-Partido Verde, com a participação ou apoio do Partido de Esquerda? As duas últimas variantes poderiam obter uma maioria apenas através de uma nova eleição.

Uma coisa é certa: o retorno do SPD ao governo não representa um desenvolvimento da esquerda. Significa uma nova rodada de cortes aos subsídios e ataques aos direitos democráticos. Ao mesmo tempo, aumenta o risco de que a efervescência política na classe média encontre expressão na direita—como ocorreu recentemente no Reino Unido,na Holanda, na Bélgica e na Hungria.

O futuro depende da ação independente da classe trabalhadora. Ela não pode permitir que seja algemada por ilusões no SPD, dos sindicatos ou do Partido de Esquerda.

Ela deve estabelecer a sua independência política de todos os setores da burguesia e de todos os seus partidos, de "esquerda" e de direita. Empregos, salários e direitos democráticos e sociais só podem ser defendidos com base em um programa socialista, que converta os bancos e grandes corporações em propriedade social e os coloque sob controle democrático.

Isto exige a construção de um novo partido, o Partei für Soziale Gleichheit (Partido da Igualdade Socialista), seção alemã da Quarta Internacional.

(traduzido por movimentonn.org)

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