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Década de 1920 - o caminho para a depressão e o fascismo

Parte 2

Por Nick Beams
18 de setembro de 2009

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A seguir publicamos a parte final da palestra “Década de 1920 — o caminho para a depressão e o fascismo”, ministrada por Nick Beams, secretário nacional do Partido da Igualdade Socialista (Socialist Equality Party — SEP) da Austrália e membro do Comitê Editorial do WSWS, na escola de verão do SEP/WSWS em agosto de 2005, em Ann Arbor, Michigan.

Europa e América na crise do pós-guerra

A inviabilidade do esquema de reparações não tardou a se tornar aparente. A inflação na Alemanha, que havia escalado rapidamente durante a guerra e o período do imediato pós-guerra, começou a decolar durante 1922. Em janeiro de 1923, em retaliação ao não-pagamento de reparações pela Alemanha, forças francesas ocuparam o Ruhr, pondo em movimento uma crise política que continuaria até outubro.

Durante esse período a moeda alemã entrou em colapso de hiperinflação, causando a falência de seções inteiras das classes médias, mas beneficiando setores da indústria que foram capazes de liquidar suas dívidas. Não há duvidas de que já nos meses de verão, com o colapso do governo Cuno, derrubado por uma greve geral em Berlim, em agosto, a crise política assumia proporções revolucionárias.

O Partido Social-Democrata alemão e seus sindicatos filiados, que haviam fornecido a principal viga de sustentação à ordem capitalista no período do pós-guerra, rapidamente perdiam apoio dentro da classe trabalhadora para o Partido Comunista Alemão (KPD). Mas em nenhum estágio desse período o KPD avançou uma estratégia revolucionária pré-determinada e desenvolveu as táticas para implementá-la.

Nesse momento não nos cabe uma análise do papel do KPD. Basta dizer que seus problemas vieram de uma profunda e duradoura crise de direção que afligia o partido desde o assassinato de Rosa Luxemburgo em 1919. Os problemas do partido foram ainda mais exacerbados pelo início de um processo de degeneração política no Comintern, vinculado a crescentes ataques contra Trotsky vindos da burocracia que emergia sob a direção de Stalin.

A crise política na Alemanha chegou ao seu término em outubro, quando a liderança do KPD cancelou uma insurreição após sua proposta de uma greve geral não ter sido aceita por uma reunião de delegados sindicais e fabris em Chemnitz. A paralisia política do KPD foi depois resumida por Heinrich Brandler, dirigento do partido na época, que explicou que, embora não se opusesse às preparações para o levante de 1923, tampouco via “a situação como agudamente revolucionária.” [27]

As experiências da crise de janeiro-outubro prontificaram uma reavaliação nos círculos dirigentes, tanto na França quanto na Alemanha. A ocupação francesa do Ruhr havia sido impulsionada pelas sucessivas falhas da Alemanha em pagar reparações de guerra durante todo o ano de 1922. Mas a ocupação nada resolveu. Em vez de receber pagamentos adicionais, os franceses coletaram apenas $625.000 francos correspondentes a custos operacionais nos primeiros quatro meses de 1923, em comparação a $50 milhões no mesmo período de 1922. [28]

Para a burguesia alemã, a política de resistência passiva contra a ocupação francesa e a inflação da moeda apenas criaram uma crise política duradoura e aprofundada — com ameaças à estabilidade da ordem burguesa vindas da direita, na forma dos fascistas, e a ameaça mais séria da esquerda, na forma do KPD.

Uma virada tática foi feita por ambos os lados. O governo francês concordou com a mediação internacional para os pagamentos de reparação, de modo a alinhá-los com a capacidade da Alemanha em pagar, enquanto que as elites dominantes alemãs agiram para estabilizar a moeda e aceitar a obrigação de realizar pagamentos de reparação.

A erupção da crise de 1923 significou a exaustão das capacidades das classes dominantes europeias em organizar o restabelecimento político e econômico do continente no pós-guerra. Os antagonismos que levaram à guerra permaneceram, enquanto a turbulência econômica e política levava a confrontos com a classe trabalhadora que sustentadamente ameaçavam a estabilidade da ordem burguesa.

O período desde o armistício havia visto uma série de insurreições, não apenas na Alemanha, mas na Itália, Inglaterra e França. O levante revolucionário do pós-guerra havia sido contido, acima de tudo devido ao papel dos partidos social-democratas em fornecer apoio à burguesia para prevenir que o “bolchevismo” se espalhasse. Mas, como os acontecimentos da crise alemã de 1923 haviam demonstrado, a instabilidade política e econômica continuada tornaria a tarefa dos social-democratas incrivelmente difícil. Foi nesse ponto que uma nova potência entrou na cena da Europa pós-guerra — os Estados Unidos.

Os Estados Unidos intervieram para proteger seus próprios interesses econômicos, prevenir o espalhar da revolução social e efetivar uma reorganização do mundo em linha com seus interesses crescentemente globais. Essas motivações estavam no cerne de sua intervenção na crise das reparações de guerra.

Uma comissão foi estabelecida sob a direção de Charles Dawes, o primeiro diretor do Birô Americano de Orçamento, para considerar meios de equilibrar o orçamento alemão, estabilizando sua moeda e desenvolvendo um sistema viável de pagamentos de reparação anuais. O plano fornecia um calendário de pagamentos anuais começando em 1 bilhão de marcos de ouro no primeiro ano e atingindo 2,5 bilhões no quinto, com variações de acordo com as mudanças na situação econômica mundial e no preço do ouro. Uma Agência de Reparações deveria ser estabelecida em Berlim para supervisionar o processo e um empréstimo de 800 milhões de marcos deveria ser levantado para o governo alemão, com uma garantia fornecida por títulos das ferrovias alemãs.

O Plano Dawes e a restabilização da economia alemã viram a criação de uma nova moeda, o Reichsmark, convertido do antigo marco na razão de 1 trilhão para 1, em agosto de 1924. Sob o acordo, o Reichsbank se tornava independente do governo alemão, mantendo uma reserva de ouro e moedas estrangeiras e seguindo um regime de altas taxas de juros como base para seu programa deflacionário.

O Plano Dawes era tão necessário para a estabilidade da economia dos Estados Unidos quanto para as economias da Alemanha e do resto da Europa. O sistema de reparações sozinho, como originalmente pensado, era inviável.

O sistema de dívidas e reparações dependia de que a Alemanha e outras potências europeias fossem capazes de acumular moedas estrangeiras através de exportações. Mas os Estados Unidos não estavam inclinados a devolver os mercados ganhos de seus rivais durante a guerra, e nem estavam preparados para abrir seu mercado às exportações europeias. De fato, em 1921 os EUA subiram suas tarifas alfandegárias em antecipação a uma tentativa da Alemanha e outros exportadores europeus de aumentar sua penetração no mercado dos EUA através da depreciação de suas moedas.

Mas a economia dos EUA, tendo se tornado dependente dos mercados fornecidos pela Europa, não podia permitir que a Europa escorregasse em direção ao caos econômico. Como então suprir a Alemanha e outros países europeus endividados com dólares para pagar suas reparações e empréstimos sem comprometer a posição econômica dos EUA? O Plano Dawes parecia fornecer a resposta.

Um sistema triangular de pagamentos foi estabelecido — dos Estados Unidos para a Alemanha, da Alemanha para os Aliados, e então dos Aliados de volta para os Estados Unidos, com Wall Street na posição de principal beneficiária. Em 1926, o parlamentar do Partido Trabalhista Philip Snowden observou que os EUA receberiam $600 bilhões de dólares por ano em função das dívidas europeias. As reparações alemãs eram estimadas em $250 milhões por ano.

“Desse modo, tudo isso quer dizer que a América ficará com o todo das reparações alemãs e provavelmente uma soma adicional no mesmo valor. Esse não é um mau arranjo para um país que entrou na guerra com `Nada de indenizações, nada de ganhos materiais` grafado em suas bandeiras.`” [29]

O sistema de empréstimos e pagamentos não apenas demonstrava o caráter predatório do capital financeiro dos EUA — o Tio Sam era cada vez mais denunciado como Tio Shylock — era também, mais fundamentalmente, uma expressão da crise histórica da economia capitalista global.

O recurso às atividades financeiras — escravagismo das dívidas, especulação acionária, arbitragem financeira — é sempre uma manifestação de problemas no coração da economia capitalista, nos mecanismos para a acumulação de mais-valia. Isto é, quando o capital é incapaz de extrair mais-valia numa taxa suficiente para aumentar, ou ao menos manter, a taxa média de lucro, ele tenta superar esse problema através de métodos puramente financeiros, sem precisar assumir as árduas e complexas tarefas associadas com a produção industrial. E assim foi nesse caso.

O Plano Dawes, que procurava estabilizar a economia alemã, e mais generalizadamente a economia européia, abria o caminho para uma corrida do capital dos EUA para a Europa. Concomitantemente, outra pré-condição para esse processo foi estabelecida — o retorno do padrão ouro e a instituição de políticas deflacionárias para assegurar a estabilidade monetária. No caso da Alemanha, a deflação era necessária para atrair fundos dos EUA. Na Inglaterra, o impulso pelo retorno ao padrão ouro veio da cidade de Londres, onde foi reconhecido como essencial se a cidade deveria ter qualquer chance de manter sua posição no sistema financeiro global em face do desafio vindo de Nova Iorque.

Um memorando do Banco da Inglaterra para o chanceler do tesouro no início da década de 1920 declarava: “A primeira e mais urgente tarefa diante do País é retornar ao padrão ouro pelo descarte desta depreciação específica da moeda. Esse fim somente pode ser alcançado por uma reversão do processo pelo qual a depreciação específica foi produzida, a criação artificial de moeda e crédito, e para tanto o instrumento apropriado é a taxa de juros. O processo de deflação dos preços que pode ser esperado em seguida ao barrar da expansão do crédito deve necessariamente ser doloroso para algumas classes da comunidade, mas isso é inevitável.” [30]

O empréstimo do Plano Dawes, que teve $110 milhões de seu total levantados em Nova Iorque, foi a fagulha que pôs em movimento um fluxo financeiro vindo dos EUA. Os bancos e casas de investimento de Nova Iorque não mais esperariam que os aplicadores viessem até eles. Eles saíam com planos e propostas de empréstimos de uma maneira que não seria vista novamente até a “reciclagem” de petrodólares árabes na década de 1970.

A moeda estável e as altas taxas de juros na Alemanha encorajavam a compra de títulos do país. Entre 1924 e 1930 essas compras totalizaram $2,6 bilhões, com investidores americanos embolsando mais de 60 por cento. Em 1930, a Alemanha tinha uma dívida de 26 bilhões de Reichmarks, em relação a uma renda nacional de cerca de 75 bilhões de Reichmarks por ano. Ao mesmo tempo, os empréstimos alemães se tornaram uma parte importante do sistema financeiro dos EUA. Durante esse período, 20 por cento do mercado de capitais americano consistia na venda de títulos estrangeiros.

O Plano Dawes e a restabilização da Europa através da intervenção dos EUA levantavam questões fundamentais de perspectiva que Trotsky passou a elaborar.

A estratégia que guiara os bolcheviques durante a Revolução Russa partia de que a Guerra Mundial significava que o capitalismo havia exaurido seu papel historicamente progressista e que isso colocava a necessidade objetiva da transformação socialista. A tarefa não era construir o socialismo em um só país — a utopia reacionária mais tarde lançada por Stalin — mas a transformação socialista do planeta. A Revolução Russa era portanto um passo nessa direção.

Mas enquanto a primeira onda revolucionária retrocedia e a burguesia, não sem considerável dificuldade, conseguia se segurar ao poder e efetivar uma certa restabilização política e econômica, a questão surgia: a conquista do poder político na Rússia foi prematura? O capitalismo havia mesmo se exaurido?

Abordando essas questões num discurso feito em 1926, Trotsky explicou: “Se no final das contas o capitalismo se mostrasse capaz de exercer uma missão histórica progressista, de aumentar a riqueza dos povos, de tornar o trabalho mais produtivo, isso significaria que nós, o Partido Comunista da URSS, fomos prematuros em cantar sua de profundis; em outras palavras, significaria que nós tomamos o poder cedo demais para tentar construir o socialismo. Porque, como Marx explicou, nenhum sistema social desaparece antes de exaurir todas as suas possibilidades latentes. Confrontados com a nova situação econômica que se desdobra diante de nós no presente, com a ascendência da América sobre toda a humanidade capitalista e a virada radical na correlação das forças econômicas, nós precisamos novamente colocar a questão: o capitalismo está superado ou tem ainda diante de si mesmo uma perspectiva de tarefas progressistas?”

Para a Europa, Trotsky continuou, essa pergunta fora respondida no negativo. A guerra fora o resultado de uma revolta das forças produtivas contra o confinamento do sistema do Estado-nação. Mas o resultado da guerra foi uma situação “dez vez pior do que antes”—barreiras tarifárias ainda mais rígidas, mais fronteiras, mais exércitos numerosos, insolvência aumentada junto com mercados mais restritos. A América, porém, passava por um desenvolvimento dinâmico, enquanto na Ásia e na África o capitalismo havia dado apenas os seus primeiros passos importantes.

“A conclusão parece ser a seguinte: o capitalismo foi superado na Europa; na América ainda avança as forças produtivas, enquanto na Ásia e África tem diante de si um vasto campo virgem de atividade para muitas décadas senão séculos. Será mesmo este o caso? Se assim fosse ... isso significaria que o capitalismo ainda não exauriu sua missão em escala mundial.

“Mas vivemos sob condições de uma economia mundial. E é apenas isso o que determina o destino do capitalismo—para todos os continentes. O capitalismo não pode ter um desenvolvimento isolado na Ásia, independente do que acontece na Europa ou na América. A época de processos econômicos provinciais está muito aquém da memória. O capitalismo americano é muito mais forte do que o capitalismo europeu; pode olhar para o futuro com confiança muito maior. Mas o capitalismo americano não mais basta a si próprio. Não pode se manter sobre um equilíbrio interno. Precisa de um equilíbrio global. A Europa depende mais e mais da América, mas isso também significa que a América está cada vez mais dependente da Europa.” [31]

Dinâmica de uma crise sistêmica

A economia global do pós-guerra sofria de uma profunda crise estrutural. O capitalismo dos EUA passava por um rápido desenvolvimento, mas ao mesmo tempo se tornava cada vez mais dependente do capitalismo europeu, que havia começado a retroceder não apenas relativamente, mas em alguns casos absolutamente. Essa contradição se aprofundaria através da década de 1920, apesar da recuperação do pós-guerra, e assumiria formas ainda mais explosivas ao final da década.

Houve um grande influxo de investimento estrangeiro na Alemanha desde 1924—um total de $7 bilhões ao longo de seis anos. Mas uma grande parte desse investimento foi usada para financiar fusões, em vez de possibilitar a modernização da indústria alemã.

Por um tempo, o sistema de reciclagem posto em movimento pelo Plano Dawes, onde o capital excedente de investimento fluía dos EUA para a Alemanha e então de volta para os EUA na forma de pagamentos de empréstimo, financiados pelas reparações de guerra alemãs, parecia funcionar. A Alemanha importava cerca de 28 bilhões de RM no período de 1924-1930, dos quais pagava reparações no valor de 10,3 RM. Desde que o influxo de capital continuasse, o sistema funcionava bem.

Mas em 1928-1929 o investimento Americano começou a decair, e logo veio uma retirada dos fundos de curto prazo. Embora a retirada dos fundos fosse a causa imediata da crise financeira que engoliu a Alemanha de 1929 em diante, todo o sistema financeiro era inerentemente instável. Como colocava uma análise, escrita em 1932: “Mesmo se a depressão global não houvesse começado ao final de 1929 e o empréstimo internacional não houvesse repentinamente decaído para um ponto de quase desaparecimento, era inconcebível que novos empréstimos pudessem ter continuado a exceder as crescentes parcelas de reparações e dívidas devidas aos Aliados, mais encargos de juros sobre o vasto volume de insolvência privada que já havia sido criado.” [32]

A situação financeira inerentemente instável estava enraizada em problemas fundamentais das economias alemãs e européias como um todo. Como todos os historiadores do período perceberam, a maior parte do influxo de capital para a Alemanha não foi usada para modernizar e expandir a indústria, mas foi empregada no financiamento a projetos e atividades governamentais. Isto é, os empréstimos não foram investidos em capital produtivo.

A indústria alemã, que havia sido líder global no período pré-guerra de ascenso capitalista, agora estava sendo eclipsada em meio à luta por mercados mundiais. As exportações alemãs caíram marcadamente na primeira metade da década de 1920. A recuperação econômica em geral foi lenta. Foi só em 1925 que a Europa retornou aos níveis de produção que haviam sido obtidos em 1913. Foi calculado que se a economia européia tivesse continuado a crescer segundo sua taxa de crescimento do pré-guerra, os níveis de produção obtidos em 1929 teriam sido alcançados em 1921. Era essa a profundidade do declínio geral da economia européia.

Na Alemanha de 1928, o produto doméstico líquido havia subido para exatamente 103 por cento de seu nível em 1913. As exportações, porém, ainda estavam em 86% dos valores de 1913. No período de 1910-1913, a taxa de exportações para renda nacional era de 17,5%. Nos anos de 1924-1928 ela caiu para 14,9%. [33]

Conforme a Alemanha e outras potências européias decaíam, os Estados Unidos eram erguidos. Já em 1923 os EUA haviam se tornado o maior exportador mundial e o segundo maior importador. Entre 1926 e 1929 sua parcela da produção industrial mundial era de 42,2%, comparado com 35,8% em 1913. A importância de seus fluxos de investimento para a estabilidade da economia européia e mundial pode ser medida a partir das estatísticas seguintes. Entre 1919 e 1929 as posses americanas de investimentos de longo-prazo aumentaram em $9 bilhões. Em 1929 os investimentos americanos eram dois terços de todos os novos investimentos no mundo. As posses de investimentos estrangeiros pelos EUA subiram para $15,4 bilhões, dos quais $7,8 bilhões eram investimentos de portfólio e $7,6 bilhões eram investimentos diretos.

O segredo da expansão dos EUA não era difícil de discernir. Se encontrava nos novos métodos produtivos da indústria americana que, com o desenvolvimento do sistema de linha de montagem, haviam trazido um vasto aumento da produtividade do trabalho e na extração da mais-valia.

A estabilização financeira que se seguiu ao Plano Dawes e o ambiente deflacionário que ela criou impulsionaram uma intensa discussão nos círculos políticos, acadêmicos e industriais alemães sobre a necessidade da racionalização e modernização da indústria alemã. Não mais era possível acumular lucros simplesmente através do processo da inflação. Agora a estrada para lucros aumentados estava na maior produtividade, racionalização e redução de custos.

Em seu valoroso estudo desse processo, a historiadora Mary Nolan resume o impacto da indústria americana da seguinte forma: “Era a terra industrial da América que fascinava os alemães, ou a terra da segunda revolução industrial do ferro, aço e fabricação de máquinas. Essa era `a tecnologia de plataformas móveis e engrenagens,` um mundo de contínua produção e partes componentes, absurda produtividade, e um processo de trabalho subdividido aos minutos. Seus símbolos mais visíveis eram as fábricas da Ford Highland Park e River Rouge e o Modelo T, mas também incluíam as vastas plantas de ferro e aço que se estendiam da Pensilvânia ocidental, através de Ohio e Indiana, para dentro de Chicago. Essa era a contraparte bem-sucedida do setor de indústria pesada alemão; grande, intensivo em trabalho e tomado pela crise, que estava ao centro do movimento de racionalização em Weimar....

“O colossal tamanho das plantas Highland Park e River Rouge da Ford impressionavam os visitantes alemães. Highland Park, que abriu em 1910-1911 e introduziu a linha de montagem em 1912-1913, abarcava mais de 50 acres e empregava mais de 68.000 trabalhadores em 1924. E essa era a velha planta da Ford! River Rouge, cuja construção começou em 1916 e foi completada uma década depois, possuía 160 acres de espaço ao longo de mais de 93 prédios. Tinha 27 milhas de esteiras e 75.000 empregados... Ainda mais impressionante para os visitantes alemães do que a escala da produção era seu caráter inovador. Na Ford tudo era subordinado ao princípio da produção eficiente e barata de um produto padrão, em vez de uma multiplicidade de diferentes mercadorias. Partes individuais eram simplificadas e padronizadas num grau que causava inveja aos alemães, que viam as normas como o pré-requisito essencial da padronização com sucesso em seu país. Em vez de máquinas universais que podiam realizar muitas tarefas, as fábricas da Ford eram preenchidas com máquinas especializadas, talhadas para a produção de uma parte padronizada em particular e servidas por trabalhadores que realizavam apenas uma tarefa.” [34]

Os líderes sindicais e social-democratas não estavam menos entusiasmados quanto à introdução dos métodos americanos. Eles saudaram os métodos da Ford como criadores da possibilidade de reformar o capitalismo e resolver a questão social. Em setembro de 1925 a Confederação Geral de Sindicatos Alemães (ADGB) enviou uma delegação de 14 para os Estados Unidos, produzindo um relatório, assinado por quatro dos delegados, saudando o novo sistema como provedor da possibilidade de reestruturação do capitalismo segundo os interesses da classe trabalhadora. O relatório afirmava que “o problema central da economia européia é e continuará sendo o aumento do poder de compra das massas.... Assim está completamente claro que a luta sindical para aumento dos salários não é somente uma necessidade social mas também uma tarefa de cuja realização a continuação do desenvolvimento de toda a economia depende.” [35]

Essa avaliação era baseada em uma absoluta má-leitura do novo sistema de produção, em linha com o pensamento do próprio Henry Ford, que algumas vezes afirmou que o pagamento de salários mais altos criava o mercado de massa para carros e outros bens de consumo. De fato, a essência do novo sistema não era que pagava salários mais altos, mas que extraía lucros maiores, fornecendo a base para novos investimentos e maior expansão econômica.

Apesar do grande entusiasmo pelos métodos americanos, o fordismo, como passava a ser conhecido, não criou raízes na Alemanha. A razão se encontra nas profundas diferenças entre a situação do capitalismo americano e aquela do alemão.

O sistema Americano de produção era o resultado de uma verdadeira segunda revolução industrial que tinha suas origens nos anos seguintes à Guerra Civil. A consolidação da União, através da vitória da burguesia industrial do norte, e a criação de um mercado nacional estabeleceram o quadro para o sistema de produção em massa que se desenvolveria nas próximas cinco décadas, culminando no desenvolvimento da linha de montagem na indústria automobilística e na produção de bens de consumo em massa. Os lucros vinham dos métodos de produção intensivos em capital nos quais a escala das economias permitia a redução dos custos.

O capitalismo Americano foi capaz de se espalhar por todo um continente, com um vasto mercado interno criado através do desenvolvimento do sistema de ferrovias e um sistema comum de leis. O capitalismo alemão não pôde seguir esse caminho. Em todas as direções era contido pelas barreiras e fronteiras do sistema de Estado-nação europeu—um sistema de constrições que pioraram após o Tratado de Versalhes. Enquanto na América a concentração de capital se deu através do estabelecimento de companhias de grande tamanho, produzindo a baixo custo, na Alemanha e Europa em geral as restrições do mercado levaram à formação de cartéis, através dos quais os lucros eram extraídos pela restrição da produção e pela manutenção de altos preços.

O movimento de cartel alemão havia começado na década de 1890 precedido por uma rápida expansão industrial nos 20 anos anteriores, e foi uma faceta de todas as seções da indústria na década de 1920. No ínterim, as constrições sobre o mercado haviam se tornado ainda mais severas.

A industrialização germânica recebeu seu ímpeto inicial da Zollverein na década de 1830, levando eventualmente à unificação dos estados alemães sob Bismarck. Mas agora, mesmo uma união aduaneira com a Áustria estava banida pelo Tratado de Versalhes, para que uma economia alemã expandida não fosse capaz de trazer para sua órbita as economias da Europa do leste e do sudeste, enfraquecendo a posição da França.

Essas restrições impunham que o movimento de modernização alemão dos anos de 1920 era baseado em fusões e formação de cartéis, em combinação com a racionalização da força de trabalho em vez da expansão da produção. Em vez do desenvolvimento da produção em massa para um mercado em expansão, a modernização alemã envolvia maior cartelização, restrição da produção e manutenção de custos mais altos.

Enquanto a racionalização alemã envolvia o fechamento das fábricas mais ineficientes e a reestruturação de outras, ela nunca significou a “nova revolução industrial” que era saudada por alguns observadores. “A realidade da reestruturação industrial alemã era mais limitada, contraditória, e, para todos os envolvidos, insatisfatória do que tais declarações arrebatadoras implicavam. Entre a crise da estabilização e a depressão econômica mundial, apenas alguns anos e um capital relativamente limitado estavam disponíveis para modernizar a economia de Weimar, e as ações práticas não podiam se equiparar ao constante fluxo de palavras sobre a racionalização. As transformações dentro de um dado ramo da indústria eram altamente desiguais, e muitos projetos ambiciosos e de longo prazo para modernização diminuíram de ritmo ou pararam completamente quando a crise econômica começou em 1929.” [36]

Existe uma vasta diferença entre a racionalização desenvolvida com base em métodos existentes de produção e o desenvolvimento de novos sistemas e processos. A racionalização com base num sistema existente, através de maior exploração e cortes na força de trabalho, aumenta a produtividade do trabalho e melhora a posição de lucro da firma individual pela redução dos custos. Mas não leva a uma expansão na massa total de mais-valia ao longo da economia.

A significação do sistema americano era que trazia de fato tal expansão, e não através de práticas restritivas e aumento dos preços, mas através da produção em massa a custo menor. Na Europa, as constrições do sistema do Estado-nação tornaram tais métodos impossíveis na década de 1920. Conseqüentemente, os negócios procuraram manter seus lucros através de restrições produtivas que mantinham os preços no alto, de modo que o processo de racionalização na Europa era “apenas a simulação do despertar da visão produtiva americana conforme originalmente concebida.” [37]

O influxo de empréstimos dos Estados Unidos permitiu, porém, que a economia européia crescesse significativamente na segunda metade da década de 1920. Tomando os níveis de 1920 como a base 100, a produção industrial européia havia crescido para 123,1 em 1929, e a agrícola para 122,2. Mas o crescimento nunca foi auto-sustentado. O desemprego na Alemanha caiu para 7% em 1925, subiu para 18% em 1926, e então caiu para 8% e 9% até os meses finais de 1928, novamente aumentando sem paradas até a primavera de 1933.

A inundação de capital na Alemanha no despertar do Plano Dawes não trouxe uma reestruturação da economia alemã, mas tornou-a mais vulnerável aos fluxos de capital americanos, sob condições onde esses fluxos se tornavam cada vez mais instáveis. Com o começo do boom do mercado de ações, o capital de investimento, que se tornava cada vez mais de curto prazo em sua natureza, olhou para os mercados domésticos em busca de retornos rápidos. Em 1927 houve um declínio acentuado nos níveis de investimento estrangeiro no leste europeu, e no ano seguinte o influxo de capital para a Alemanha caiu também. Nos anos de 1927 e 1928, o influxo de investimento para a Europa era de $1,7 bilhões; em 1929 caiu para $1 bilhão. Isso numa época onde os crescentes influxos eram necessários para cobrir os pagamentos de juros de empréstimos passados.

Nenhuma das contradições da economia capitalista européia e do sistema de Estado-nação, que haviam erguido a guerra, havia sido superada. Em vez disso, elas tinham se intensificado. Havia tendências deflacionárias tanto nos países industriais quanto nos produtores de bens primários, capacidade em excesso em todas as seções da indústria, tarifas aumentadas e problemas financeiros vindos das reparações de guerra e dívidas, pareados com sistemas bancários cada vez mais instáveis.

Todos esses problemas eram exacerbados conforme a orgia de especulação em Wall Street levava à seca do influxo financeiro para a Europa. Quando o mercado de ações entrou em colapso em 1929, isso não foi tanto a causa da Grande Depressão quanto o cataclisma que pôs a catástrofe em movimento.

O Plano Dawes trouxe uma certa estabilização do capitalismo europeu e mundial. Mas não estabeleceu um novo equilíbrio. Para retornar ao quadro da análise de Trotsky no Terceiro Congresso, não criou as condições para um Nov ascenso na curva do desenvolvimento capitalista.

O que teria sido necessário para que isso acontecesse? Acima de tudo, o desenvolvimento e espalhamento de novos métodos de produção que pudessem avançar a acumulação de mais-valia e restaurar a taxa de lucro. Nomeadamente, os métodos que haviam sido desenvolvidos nos Estados Unidos.

Porém, isso não era suficiente. O capitalismo americano não podia mais avançar com base em um único continente. Sua expansão continuada estava vinculada com o crescimento da economia mundial, e, acima de tudo, da economia européia. Pois, como Marx colocara: “A mais-valia criada em um certo ponto requer a criação de mais-valia em outro ponto, pela qual ela pode ser trocada...” [38] O desenvolvimento de métodos mais produtivos na Europa, porém, era bloqueado pelas constrições do sistema do Estado-nação. Em outras palavras, as contradições que levaram à guerra não haviam sido superadas mas assumiam formas ainda mais malignas.

A revolução socialista não se espalhou depois da conquista vitoriosa do poder em outubro de 1917, e por isso a humanidade pagaria um preço terrível. A razão para o isolamento da URSS não está na força objetiva da economia capitalista, como Harding mantém, mas no papel exercido pelas lideranças social-democratas da classe trabalhadora. Consideremos as posições de Harding desse ponto de vista.

A erupção da guerra havia exposto uma crise excruciante no movimento operário—os partidos e organizações que a classe trabalhadora havia construído num período anterior para organizar sua luta contra o capitalismo, e transformar a própria sociedade, haviam eles mesmos se tornado o mecanismo central através do qual a classe trabalhadora estava acorrentada à ordem capitalista em decadência. Como esse problema poderia ser resolvido?

Suponhamos que os bolcheviques houvessem renunciado à luta pelo poder na Rússia. O resultado teria certamente sido algum tipo de regime militar-fascista. Embora várias possibilidades estivessem contidas na situação, a variante que pode definitivamente ser descartada é a do estabelecimento de algum tipo de democracia burguesa. De fato, os democratas burgueses, e seus apoiadores, os mencheviques e social-revolucionários, haviam tomado as rédeas do poder no período de fevereiro-maio. Dentro de alguns meses, tendo se provado incapazes de atender às exigências do movimento revolucionário, eles estavam abrindo as portas para a imposição da ditadura militar.

Era essa a situação na Rússia. O quadro internacional mostra as mesmas tendências. Se os bolcheviques não houvessem tomado o poder, então o controle da social-democracia teria se fortalecido. Os elementos revolucionários que buscavam um caminho para adiante após as traições dos líderes social-democratas teriam sido segurados para trás. Essa situação teria levado à formas ditatoriais de poder.

Se pode ser dito que os bolcheviques “apostaram” no espalhar da revolução socialista, então a social-democracia definitivamente apostou na manutenção da democracia burguesa e no retorno às condições pré-guerra de crescimento e expansão capitalista, o que teria permitido que buscassem um programa de reforma social. Mas a democracia burguesa provou não ter maior força no resto da Europa do que tinha na Rússia—fora da Rússia sua decomposição apenas demorou mais. E em vez de experimentar um novo ascenso, o capitalismo mundial mergulhou na maior crise econômica já vista.

Na Alemanha, não havia advogado mais fervoroso da democracia burguesa do que o Partido Social-Democrata (SPD). Eles até mobilizaram as forças armadas do Estado para caçar seus oponentes na esquerda. O SPD, no governo ou fora dele, era a fundação de todo regime parlamentar durante o período da República de Weimar. E mesmo depois que o SPD foi incerimoniosamente removido do governo na Prússia durante o golpe de 20 de julho de 1932, ele demonstrou sua lealdade inabalável ao Estado se submetendo às objeções da Corte Constitucional.

Os social-democratas apostaram na democracia burguesa e na estabilidade do capitalismo. O resultado de sua aposta foi ditadura militar e fascismo por toda a Europa. Sua aposta falhou precisamente porque as contradições objetivas da economia capitalista mundial, cuja existência havia sido reconhecida e servido de base para as práticas efetivas dos bolcheviques, se aprofundaram e intensificaram.

Notas:
[27] Veja Isaac Deutscher, Marxism, Wars and Revolutions (Londres, Verso, 1984), p. 162.
[28] Kindelberger, The World in Depression 1929-1939, (Harmondsworth, Penguin, 1986), p. 21.
[29] Michael Hudson, Super Imperialism, p. 14.
[30] Citado em Feinstein, et. al., The European Economy Between the Wars (Oxford, Oxford University Press, 1997), p. 46.
[31] Trotsky, Europe and America (Nova Iorque, Pathfinder, 1970), pp. 57-59.
[32] Moulton, op. cit., p. 91.
[33] Veja Gilbert Ziebura, World Economy and World Politics (Nova Iorque, Berg, 1990), p. 69.
[34] Veja Mary Nolan, Visions of Modernity (Oxford, Oxford University Press, 1994), pp. 27-36.
[35] Nolan, op. cit., pp. 67-68.
[36] Nolan, op. cit., p. 132.
[37] Charles. S. Maier, In Search of Stability (Cambridge, Cambridge University Press, 1987), p. 51.
[38] Marx, The Grundrisse, p. 407.

[traduzido por movimentonn.org]

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