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Década de 1920 - o caminho para a depressão
e o fascismo
Parte 1
Por Nick Beams
15 de setembro de 2009
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com o autor
A palestra reproduzida a seguir foi ministrada por Nick
Beams, secretário nacional do Socialist Equality Party
(Partido da Igualdade Socialista) da Austrália e membro
do Comitê Editorial do WSWS, de 14 a 20 de agosto de 2005,
em Ann Arbor, Michigan.
O pós-Primeira Guerra Mundial: condições
revolucionárias na Europa
Na conclusão da palestra sobre a Primeira Guerra Mundial,
examinamos algumas das proposições do professor
Neil Harding. A acusação mais significativa que
ele levanta contra Lênin, e o marxismo como um todo, é
de que não há, e não pode haver, uma "ciência
da revolução" e, portanto, "a busca por
orientação definitiva no que diz respeito aos limites
'objetivos' da ação, particularmente e especialmente
em períodos de crise revolucionário, [está]
fadada ao fracasso." [1] Se essa acusação é
verdadeira, então seria preciso reconhecer o fracasso do
marxismo, que, como Lênin insistia, é, acima de tudo,
um guia para a ação.
Harding se baseia em observações de Engels em
seu prefácio para a obra de Marx As Lutas de Classes
em França. Engels nota que em qualquer dada situação
política não é possível ter conhecimento
pleno dos processos econômicos e mudanças subjacentes.
"É por si só evidente que essa inevitável
negligência das mudanças contemporâneas na
situação econômica, a própria base
de todos os processos a serem examinados, deve ser uma fonte de
erro. Mas todas as condições de uma apresentação
clara da história presente inevitavelmente incluem fontes
de erro o que, porém, não impede ninguém
de escrever a história presente."
Isso se aplica mais ainda à revolução.
Na visão de Harding, o marxismo se torna, a partir daí,
irresponsável, ou mesmo criminoso, porque exorta as massas
a "pôr suas vidas em jogo numa guerra civil" sem
que conheçam as mudanças na situação
econômica subjacente, que devem ser uma fonte de erro. Embora
Engels observe que os problemas que ele identificou não
impediam ninguém de escrever a história presente,
a questão é bastante diferente, de acordo com Harding,
quando se trata de escrevê-la através da condução
de um processo revolucionário.
"Precisamente as mesmas restrições",
continua ele, "podem ser estabelecidas contra a teoria leninista
do imperialismo (uma constante econômica em toda sua análise)
e a derivada teoria do Estado." [2]
Isto é, o argumento central contra a teoria do imperialismo,
que formava o fundamento teórico da tomada de poder pelos
bolcheviques, é de que ela não poderia fornecer
uma resposta definitiva quanto ao destino do capitalismo mundial.
"Lênin lançou seus seguidores para adiante
com a certeza de um ideólogo, e, consequentemente, precisou
ignorar as incertezas metodológicas que estão no
coração de sua análise. Isso não quer
dizer que Lênin violou a lógica do marxismo ao inspirar
e liderar a Revolução de Outubro. Meramente significa
que o marxismo jamais poderia fornecer antecipadamente
uma especificação das condições necessárias
e suficientes para uma revolução socialista bem
sucedida. A ação revolucionária marxista
poderia se basear somente em uma série de predições
ou inferências mais ou menos bem informadas vindas de uma
análise mais ou menos acurada de uma estrutura sócio-econômica
temporalmente distante. Sua 'justificação', portanto,
está sempre depois, em vez de antes, do evento.
É justificada se, e apenas se, suas previsões se
mostrarem acuradas. Era esse, precisamente, o fardo da diferença
entre fazer história e meramente escrevê-la. Nenhuma
das principais previsões, sobre as quais toda a aventura
revolucionária bolchevique estava baseada, de fato se materializaram.
O país foi engolido por seus próprios recursos arruinados
e pelo baixo nível cultural. Nessas circunstâncias
o regime, como o próprio Lênin estava preparado para
admitir, estava fadado a degenerar. Mas o que jamais se admitiu
foi a enorme responsabilidade de Lênin (e dos bolcheviques)
por inaugurar uma empresa de transformação total
que se tornou um cataclisma quando as principais predições
sobre as quais se baseava se provaram falsas. Os homens podem,
sem dúvida, ser inspirados por idéias a realizar
ações heroicas e abnegadas mas, de maneira similar,
essas mesmas ideias podem inspirar ações que, talvez
inadvertidamente, levam ao barbarismo. Ideologias jamais são,
desse modo, inocentes; elas sempre carregam a marca de Caim."
[3]
Em outras palavras, a Revolução Russa foi um
"salto no escuro", uma aposta gigantesca, uma empresa
criminosa, cujo fracasso trouxe consequências trágicas.
A responsabilidade última pelo stalinismo recai sobre Lênin
e os bolcheviques, pois, embora eles tenham se oposto a Stálin
e o aparato burocrático que liderado por ele conforme emergia,
lançaram a revolução em uma situação
onde, como os eventos mostrariam, as condições não
existiam para que ela se espalhasse. Eles lançaram uma
luta revolucionária em condições onde não
podiam saber qual seria o resultado, e são portanto responsáveis
por tudo o que veio depois.
A conclusão óbvia não é somente
que a Revolução Russa foi um erro, mas que a estrada
para a revolução jamais deve ser percorrida novamente
já que é impossível prever o resultado, porque
não pode ser determinado com certeza absoluta se as condições
econômicas estão suficientemente maduras.
A análise teórica fundamental por trás
da tomada de poder pelos bolcheviques era, como Lênin colocou,
a quebra do elo mais fraco da corrente do imperialismo. Não
foi apenas o elo que quebrou, mas toda a corrente isto
é, a Rússia era somente a expressão mais
avançada da situação revolucionária
que se desenvolvia na Europa como um todo.
Esta análise não era exclusiva a Lênin.
Líderes do imperialismo Europeu e o próprio presidente
dos EUA, Woodrow Wilson, a compartilhavam em maior ou menor grau.
Os famosos 14 Pontos de Wilson, publicados em janeiro de 1918,
eram uma resposta direta à Revolução Russa,
e, em particular ao chamado dos bolcheviques para que as negociações
com o Alto Comando alemão em Brest-Litovsk se tornassem
a base para um acordo geral de paz. Respondendo a um apelo de
Trotsky chamando os povos da Europa a forçar a realização
de uma conferência geral de paz, o Secretário do
Estado estadunidense Robert Lansing aconselhou que o apelo devia
ser ignorado.
Atacando os "erros fundamentais" do apelo, em um
memorando para Wilson, ele preveniu que os bolcheviques estavam
apelando "a uma classe e não a todas as classes da
sociedade, uma classe que não tem propriedade mas espera
obter uma parcela por processos de governo em vez da empresa individual".
Em uma amostra vívida das noções de superioridade
biológica que eram tão conhecidas entre as elites
dominantes, Lansing denunciou o documento como "um apelo
aos ignorantes e mentalmente deficientes, que devido a seus números
são urgidos a tornarem-se mestres. Aqui me parece haver
um perigo bastante real em vista da atual inquietação
social".
O perigo do apelo, escreveu, era que "ele pode muito bem
apelar ao homem comum, que não perceberá os erros
fundamentais". Além dos seus ataques à propriedade,
os bolcheviques estavam minando o nacionalismo pelo avanço
de "doutrinas que tornam a questão da classe superior
à noção geral de nacionalidade. (...) Tal
teoria seria absolutamente destrutiva para o tecido político
da sociedade e resultaria em constante abalo e mudança.
Isso simplesmente não pode ser feito se a ordem social
e a estabilidade de governo devem ser mantidas". [4]
Wilson, porém, sabia que os apelos dos bolcheviques
não podiam ser ignorados. A situação política
estava se tornando mais perigosa para todos os governos Aliados
conforme a insatisfação geral aumentava. Suas preocupações
foram elaboradas em uma discussão com o embaixador britânico
em 3 de janeiro.
De acordo com um relato do encontro: "Ele mesmo [o presidente],
com a aceitação plena do povo americano e com sua
aprovação expressa fez um apelo ao povo alemão
pelas costas do governo alemão. Os bolcheviques na Rússia
agora adotavam a mesma política. Eles fizeram um apelo
para todas as nações do mundo, para os povos e não
os governos. Ele estava sem informação naquele momento,
ou ao menos sem informações específicas,
sobre que recepção esse apelo havia encontrado.
Mas havia evidência em mãos de que certamente na
Itália e provavelmente também na Inglaterra e França
o apelo não havia sido ineficaz. Nos Estados Unidos agitação
ativa estava procedendo. Era muito cedo para dizer com certeza
positiva o quão bem-sucedida essa agitação
havia sido. Mas era evidente que se o apelo dos bolcheviques ficasse
sem resposta, se nada fosse feito para contrapô-lo, o efeito
seria enorme e aumentaria". [5]
Já antes do irromper da guerra, as tensões de
classe desenvolviam-se em meio a avisos de todas as principais
capitais europeias sobre uma situação pré-revolucionária
em formação. Na Áustria, os círculos
oficiais haviam concluído que a única alternativa
para a guerra civil era um conflito europeu generalizado. Na Rússia,
a onda de greves que se desenvolveu em 1913 e 1914 foi ainda maior
do que aquela que acompanhou a revolução de 1905.
Na Alemanha, especialmente depois da vitória do Partido
Social Democrata nas eleições de 1912, houve especulação
e discussão entre os círculos dominantes sobre a
possibilidade de um conflito externo e sua eficácia para
aliviar as tensões que se acumulavam. O príncipe
von Bullow escreveu em suas memórias: "Ao fim de 1912
eu escutei de Dusseldorf que Kirdorf, um dos maiores industrialistas
do Reno... havia declarado que se aquilo continuasse por mais
três anos, a Alemanha aterrissaria na guerra ou na revolução".
Na Itália, os meses que precederam o início da
guerra foram marcados por revoltas e greves em ampla escala e
pelo estabelecimento de repúblicas locais em muitas cidades.
A bandeira vermelha foi hasteada sobre a cidade de Bolonha. Na
França, havia uma crescente militância dentro da
classe trabalhadora, com 1.073 greves envolvendo um quarto de
milhão de trabalhadores em 1913, incluindo trabalhadores
dos serviços postal e telegráfico antes considerados
leais ao Estado. Greves de trabalhadores agrícolas frequentemente
levavam à insurgências e à queima de casas
de proprietários.
Na Inglaterra, o período imediatamente pré-guerra
foi de crescente violência no qual, de acordo com o relato
do escritor George Dangerfield, "chamas há muito dormentes
no espírito inglês repentinamente se acenderam, de
modo que ao final de 1913, a Inglaterra Liberal estava reduzida
à cinzas". O veterano político do Trabalho
Emanuel Shinwell registrou em suas memórias: "A insatisfação
das massas se espalhou, expressão de milhões de
pessoas comuns que ganharam nada ou muito pouco com a era vitoriana
de expansão industrial e imperialismo grandioso".
De acordo com o diplomata e político Harold Nicolson,
os crescentes levantes industriais, marcados pelo desdobrar de
um "espírito revolucionário", combinado
com a crise de poder na Irlanda, deixaram o país "à
beira da guerra civil". Em uma conferência realizada
no Palácio de Buckingham em julho de 1914, George V avisou:
"Esse grito de guerra civil está nos lábios
dos mais responsáveis e equilibrados entre os do meu povo."
O historiador Halevy descreveu a inquietação industrial
como "em momentos beirando a anarquia", concluindo que
era uma "revolta não somente contra a autoridade do
capital mas contra a disciplina dos sindicatos."
Agora a ameaça que rondava as classes dominantes europeias
que a assim chamada "questão social" um
dia daria luz à uma revolução havia
se materializado na forma da Revolução Russa. No
dia 4 de novembro de 1918, Beatrice Webb, uma das principais socialistas
fabianistas e advogada estridente do parlamentarismo, registrou
em seu diário os medos das elites dominantes através
da Europa: "Seremos confrontados com outra Rússia
na Áustria e possivelmente até mesmo na Alemanha
um continente em revolução rampante?"
[6]
Quando os Aliados se reuniram em Paris para esboçar
um tratado a ser apresentado para a Alemanha, o governo Soviético
não foi convidado. Mas nos meses de complexas negociações,
conforme os Aliados tentavam solucionar seus conflitos, a revolução
estava sempre presente. "A Rússia comunista",
escreveu Herbert Hoover, na época encarregado da distribuição
americana de suprimentos alimentícios na Europa, "era
um espectro que vagava pela Conferência de Paz quase diariamente."
[7]
Associado próximo de Wilson, o jornalista Ray Stannard
Baker apontou para o contraste entre o Congresso de Viena, que
aconteceu após a derrota de Napoleão em 1815, e
as negociações em Versalhes. "A todo momento,
em cada curva das negociações, se levantava o espectro
do caos, como uma nuvem negra vinda do leste, ameaçando
tomar e engolir o mundo. Não havia Rússia batendo
nos portões de Viena, aparentemente, a revolução
estava seguramente para trás deles; em Paris estava sempre
com eles." [8] Poucas pessoas, observou, percebiam o quão
"explosiva era a situação através da
Europa durante a conferência. Todos os governos estavam
inseguros; um pequeno passo em falso da parte de Lloyd George,
Clemenceau, Orlando, e seus ministérios poderiam ter caído."
[9]
Durante a Conferência de Paz, o primeiro-ministro britânico
Lloyd George enviou uma carta para o presidente francês
Clemenceau onde delineava seus medos: "O todo da Europa está
preenchido pelo espírito da revolução. Há
um senso profundo não só de descontentamento, mas
de raiva e revolução entre os trabalhadores contra
condições de pré-guerra. Toda a ordem existente
em seus aspectos políticos, sociais e econômicos
é questionada pelas massas da população de
um extremo da Europa ao outro". [10]
A Conferência de Paz realizou-se sob os slogans dos 14
pontos de Wilson. O documento final, entretanto, rompeu com tais
princípios. Quando um membro da delegação
norte-americana, Willian C. Bullitt, anunciou sua resignação
e repúdio a respeito dos termos de paz a serem apresentado
para a Alemanha, insistiu que Wilson deveria fazer um apelo às
massas, por cima dos governantes dos outros países. O principal
assessor do governo Wilson, "Colonel" Edward M. House,
explicou porque aquilo não seria possível.
Não havia dúvida, disse ele, que "se o presidente
exercesse sua influência entre os liberais e classes trabalhadoras,
ele poderia derrubar os governos" de alguns dos Aliados.
Mas isso teria desenvolvido uma curva fechada para a esquerda
em toda a Europa, criando as condições onde o "Bolchevismo"
poderia se fortalecer. Por isso, Wilson estava certo em não
se retirar da conferência. De outro modo, haveria "revolução
em todos países da Europa e... O presidente não
estava pronto para assumir essa responsabilidade". [11]
Essas citações, assim como os próprios
eventos, apontam para a existência de uma situação
revolucionária em toda a Europa no período do pós-guerra.
Que essa situação não tenha levado a uma
verdadeira revolução socialista se deve ao papel
dos líderes social democratas da classe trabalhadora, acima
de tudo na Alemanha. Lá, os líderes do Partido Social
Democrata formaram uma aliança contra-revolucionária
com o Alto Comando do Exército para preservar o Estado
alemão, ao mesmo tempo liberando os Freikorps, precursores
das stormtroopers nazistas, para esmagar os conselhos de
trabalhadores criados durante o levante revolucionário
de outubro-novembro de 1918 e assassinar os revolucionários,
em particular Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht.
Apesar da inegável existência de uma situação
objetivamente revolucionária após a guerra, ainda
ficamos diante da questão do longo prazo. Foi esse período
revolucionário meramente um momento histórico passageiro,
um epifenômeno da guerra, destinado a ser seguido por uma
estabilização na qual a classe capitalista retomaria
o controle, ou haveria contradições profundas no
coração da economia capitalista que levariam a maiores
erupções? Essa questão, que diz respeito
a todos os problemas levantados por Harding, pode ser respondida
somente por um exame cuidadoso da economia política do
período pós-guerra.
Crise capitalista, perspectiva política
e direção revolucionária
Qual deve ser a base de uma abordagem científica através
da qual procuramos conduzir um exame dos processos históricos
à luz das leis da economia política? Na introdução
de suas palestras sobre A Filosofia da História,
Hegel observou que "é o desejo de conhecimento racional,
e não meramente a acumulação de massas de
dados, que deve possuir a mente de alguém preocupado com
ciência".
Em uma apreciação de Marx, Joseph Schumpeter
apontou para "uma coisa de fundamental importância"
que ele realizou. "Economistas", escreveu ele, "sempre
fizeram seu trabalho em história econômica ou então
usaram o trabalho histórico de outros. Mas os fatos da
história econômica eram assinalados para um compartimento
separado. Eles adentravam a teoria, se chegasse a tanto, meramente
no papel de ilustrações, ou possivelmente de verificação
dos resultados. Se misturavam à teoria apenas mecanicamente.
Mas a mistura de Marx é uma mistura reativa; quer dizer,
ele introduziu os fatos da história econômica no
próprio argumento que produz o resultado. Ele foi o primeiro
economista de primeira linha a ver e ensinar sistematicamente
como a teoria econômica pode ser transformada em análise
histórica e como a narrativa histórica pode ser
transformada em histoire raisoneé." [12]
Se examinamos a história do capitalismo industrial nos
últimos 200 anos, fica claro que o crescimento econômico
se deu passando por uma série de flutuações.
O ciclo comercial, consistindo em períodos de boom,
estagnação e recessão e pontuado por crises,
é uma faceta permanente da economia capitalista, apesar
das afirmações periódicas de que ele foi
abolido.
Também fica claro que existem períodos longos
com suas próprias características e peculiaridades.
Por exemplo, o período de 1849 (início do boom de
meados da era vitoriana) até a quebra financeira de 1873
é diferente do período de 1873-1896, que passou
para os anais da história econômica como a grande
depressão do século XIX. Do mesmo modo, as décadas
de 1920 e 1930 são muito diferentes do boom pós-guerra
dos anos de 1950 e 1960, assim como esse período é
muito diferente do de hoje. Em todos esses períodos, o
ciclo comercial continuou a operar, embora o desenvolvimento econômico
fosse muito diferente. Claramente, existem processos em movimento
que moldam a operação do ciclo comercial e estabelecem
o quadro no qual o desenvolvimento econômico se dá
a longo prazo.
A relação entre o ciclo comercial e os períodos
históricos mais longos na "curva do desenvolvimento
capitalista" foi o assunto de um grande relatório
entregue por Trotsky ao Terceiro Congresso da Internacional Comunista
em junho-julho de 1921, e foi o assunto de muitos discursos e
artigos de Trotsky lidando com questões da perspectiva
nos anos que se seguiram.
Quando o Terceiro Congresso se reuniu, estava claro que o levante
revolucionário inicial que havia se seguido à Primeira
Guerra Mundial estava recuando. A classe trabalhadora havia falhado
em tomar o poder na Alemanha, a revolução na Hungria
havia sido derrubada, e havia uma certa retomada econômica
após a profunda crise de 1919-1920. Esses acontecimentos
impunham novos desafios ao desenvolvimento das perspectivas do
movimento revolucionário.
Na ala direita, os social democratas, tendo se alinhado contra
a Revolução Russa, declarando-a prematura, e organizando
a contra-revolução em detrimento da classe trabalhadora
alemã, apontaram a curva ascendente do ciclo comercial
como justificativa de sua posição. O crescimento,
apontavam eles, demonstrava que a conquista de poder pelos bolcheviques
era inválida do ponto de vista do marxismo e constituía
um "golpe" porque as forças produtivas ainda
eram capazes de passar por maiores desenvolvimentos dentro do
quadro do capitalismo. A perspectiva da conquista do poder pela
classe trabalhadora, portanto, precisava ser circunscrita ao futuro
indefinido, como antes da guerra.
Por outro lado, numerosas tendências de esquerda avançavam
a assim-chamada teoria da ofensiva. De acordo com essa perspectiva,
não havia possibilidade de uma ascensão na economia
capitalista. A crise econômica dos anos do imediato pós-guerra
iria aprofundar continuamente e inevitavelmente levar à
conquista do poder pela classe trabalhadora.
A análise de Trotsky tinha o objetivo de mostrar que
o capitalismo não havia estabelecido um novo equilíbrio
e que a perspectiva dos social democratas era falsa. A guerra
e a Revolução Russa não eram acidentes, mas
significavam que o sistema capitalista havia entrado em um período
de profundo desequilíbrio que iria continuar.
Ao mesmo tempo, ele entrou em conflito com os "esquerdistas"
que identificavam a curva descendente do ciclo comercial no pós-guerra
com a crise histórica da economia capitalista. A situação
era muito mais complexa. Em 1921, estava claro que um ascenso
econômico acontecia. Mas isso não queria dizer que
um novo equilíbrio fora estabelecido.
Em oposição aos "esquerdistas" e sua
identificação de uma curva descendente no ciclo
comercial com a crise histórica do capitalismo, Trotsky
explicou que se desenhássemos uma curva delineando o desenvolvimento
do capitalismo, ele seria visto como um "composto de dois
movimentos; um movimento primário que expressa o ascenso
geral do capitalismo, e um movimento secundário que consiste
nas constantes oscilações periódicas correspondentes
aos vários ciclos industriais." [13]
A relação entre esses dois movimentos era a seguinte:
"Em períodos de rápido desenvolvimento capitalista
as crises são curtas e superficiais em caráter,
enquanto os booms são duradouros e de longo alcance. Em
períodos de declínio capitalista as crises são
de caráter prolongado enquanto os booms são fugidios,
superficiais e especulativos. Em períodos de estagnação
as flutuações ocorrem ao mesmo nível."
[14]
Contra aqueles que sustentavam que a crise econômica
de 1919-1920, se tornando cada vez mais grave, teria de persistir
até a conquista do poder pela classe trabalhadora, Trotsky
insistiu que enquanto o capitalismo existisse, iria continuar
a oscilar cinicamente, como um homem continua a respirar mesmo
em seu leito de morte, e que, não importa quais forem as
condições gerais, uma crise econômica comercial
iria agir para varrer as mercadorias excedentes, desvalorizar
o capital existente, e, por essa mesma razão, criar a possibilidade
de uma revitalização industrial-comercial.
Mas isso de modo algum significava que o capitalismo poderia
restaurar as condições para o equilíbrio
isto é, as condições para o desenvolvimento
econômico que tornaram possível o seu crescimento
no pré-guerra. "Ao contrário", Trotsky
explicou, "é bem possível que após suas
primeiríssimas consequências este boom irá
colidir contra as trincheiras econômicas cavadas pela guerra."
Mas e se o capitalismo continuasse? Seria possível que
em algum momento do futuro um novo equilíbrio surgisse,
assegurando uma expansão geral como a que havia ocorrido
no século XIX e na primeira década do XX? Em seu
relato ao Terceiro Congresso, Trotsky não excluiu essa
perspectiva, mas deixou claro que isso era possível somente
sob condições bastante específicas.
"Se supormos e o façamos por um momento
que a classe trabalhadora falhe em levantar-se numa luta
revolucionária e dê à burguesia a oportunidade
de governar o destino do mundo por um longo número de anos,
duas ou três décadas, digamos, então seguramente
algum tipo de novo equilíbrio será estabelecido.
Milhões de trabalhadores europeus morrerão de desemprego
e subnutrição. Os Estados Unidos serão compelidos
a se reorientarem no mercado mundial, reconvertendo sua indústria
e sofrendo uma racionalização dos recursos por um
período considerável. Depois disso, depois que uma
nova divisão mundial do trabalho for assim estabelecida
em agonia por 15 ou 20 ou 25 anos, uma nova época de ascenso
capitalista pode talvez ter lugar." [16]
Retornando a essa questão num discurso seis meses depois,
no que tragicamente se mostrou uma previsão do destino
da classe trabalhadora europeia e internacional, ele novamente
enfatizou que não era uma questão da ação
recíproca automática dos fatores econômicos.
Somente se a classe trabalhadora permanecesse passiva e se o Partido
Comunista cometesse um desastre após o outro seria possível
para as forças econômicas "restaurar no longo
prazo algum tipo de novo equilíbrio capitalista sobre a
base de ossos de milhões e milhões de proletários
europeus e pela devastação de um número de
países. Em duas ou três décadas um novo equilíbrio
capitalista seria estabelecido, mas isso ao mesmo tempo significaria
a extinção de gerações inteiras, o
declínio da cultura europeia e assim por diante. Essa é
uma abordagem puramente abstrata, que desconsidera os fatores
mais importantes e fundamentais, nomeadamente, a classe trabalhadora,
sob a liderança e orientação do Partido Comunista".
[17]
As observações de Trotsky estabelecem um argumento
de imensa significação metodológica. Contrariamente
às posições de Harding, a evolução
histórica do capitalismo não pode ser considerada
por fora do desenvolvimento da luta de classes e do papel dos
partidos e tendências no movimento da classe trabalhadora.
Em outras palavras, o desdobrar da economia capitalista não
produziu em si e por si mesmo um único e inevitável
resultado. Na verdade, estabeleceu o chão sobre o qual
a luta de classes se daria uma luta na qual o papel do
fator subjetivo, a liderança revolucionária, assumiria
importância decisiva.
Se a classe trabalhadora fosse incapaz de derrubar a burguesia,
em razão das políticas de sua liderança,
então um novo equilíbrio seria possível
obtido a um terrível custo. A obtenção de
tal equilíbrio não significaria que o sistema capitalista
tinha um papel histórico progressista, mas que a classe
revolucionária, o proletariado, não tinha sido capaz
de derrubá-lo. Com uma liderança e políticas
diferentes, um resultado inteiramente diferente, vindo do mesmo
conjunto de condições econômicas, teria sido
possível.
As mesmas questões surgiam quando o processo histórico
era enxergado do ponto de vista da burguesia. Enquanto permaneceu
no poder, não o fez graças ao desenvolvimento automático
das leis objetivas da economia capitalista. Ao contrário,
a crise histórica do modo de produção capitalista
significava que o destino da burguesia dependia diretamente de
sua intervenção ativa.
O impasse econômico do pós-guerra
Análises históricas da economia política
da década de 1920 geralmente começam com uma discussão
sobre o impacto da guerra e seu resultado econômico. Essa
foi a abordagem adotada por observadores da época, para
os quais pareceu que os crescentes problemas dos anos de 1920
eram consequência da devastação da guerra
que tanto havia abalado o equilíbrio da economia mundial.
Do nosso ponto de vista, porém, o prolema com essa abordagem
imediatamente se torna aparente assim que comparamos o período
do pós-Primeira Guerra com o do pós-Segunda Guerra.
No primeiro caso, encontramos uma década de recuperação
altamente instável, pontuada por uma série de recessões
agudas e crises econômicas, finalmente levando à
mais profunda depressão na história do capitalismo
mundial e ao mais bárbaro regime jamais visto o
nazismo na Alemanha. No segundo caso, apesar da destruição
de capitais e infra-estrutura muito maior, vemos que 10 anos após
o fim da guerra, o capitalismo mundial passa pelo maior boom de
sua história.
Em vez de examinar o impacto da guerra sobre a economia capitalista,
é necessário abordar a questão pelo caminho
inverso. Isto é, examinar como as mudanças e viradas
de longo prazo da economia capitalista fizeram emergir a guerra
e os desenvolvimentos econômicos que se seguiram. Não
para sugerir que a guerra foi simplesmente um produto de processos
econômicos, ou que não teve qualquer impacto sobre
a economia subjacente. De fato, a guerra, e acima de tudo a reconstrução
da Europa empreendida a partir do Tratado de Versalhes, teve efeitos
econômicos de grande amplitude. Mas a guerra não
foi a causa das crises que abateram sobre a economia europeia
e mundial. Ela exacerbou tendências econômicas que
já se desenvolviam.
Em sua análise dessa questão, Trotsky apontou
para a relação entre a curva do desenvolvimento
capitalista, tomado como um todo, e a erupção da
guerra.
"Começando em 1913", escreveu em um relatório
para o Quarto Congresso da Internacional Comunista, "o desenvolvimento
do capitalismo, de suas forças produtivas, parou um ano
antes do irromper da guerra porque as forças produtivas
se chocaram com os limites fixados pela propriedade capitalista
e pelas formas capitalistas de apropriação. O mercado
foi cindido, a competição levada à mais alta
intensidade, e desse modo os países capitalistas puderam
buscar eliminar uns aos outros do mercado apenas por meios mecânicos.
Não foi a guerra que parou o desenvolvimento das forças
produtivas na Europa; na verdade a própria guerra surgiu
da impossibilidade das forças produtivas de se desenvolverem
na Europa sob condições de administração
capitalista." [18]
O crescimento econômico na Europa capitalista era mais
lento no período entre as guerras do que em qualquer outro
período do século XX. No período de 1913-1950,
o produto interno bruto per capita de 15 economias europeias Ocidentais
aumentou numa média de 0.5% ao ano comparado com 1.4% no
período 1890-1914 e 4.0% no período de 1950-1973.
O problema que confrontava as economias da Europa Ocidental
nos anos de 1920 não era tanto a destruição
da capacidade industrial, mas encontrar mercados para a capacidade
aumentada da indústria, que havia se expandido no decorrer
da guerra. Por exemplo, a capacidade mundial de construção
de navios havia quase dobrado desde 1914; a capacidade de produção
de ferro e aço na Grã-Bretanha e Europa Central
era 50% maior em meados da década de 1920 do que havia
sido antes da guerra. Ainda assim, essas indústrias experimentavam
condições de contínua depressão. Ao
mesmo tempo, a Alemanha, que havia sido uma líder na produção
de químicos no período pré-guerra, descobriu
que seus mercados de exportação haviam sido reduzidos
como resultado da produção aumentada dos Aliados.
A erupção da guerra na Europa em 1914 significou
que as forças produtivas haviam entrado em conflito com
o sistema do Estado-nação. O caráter agressivo
do imperialismo alemão representava o impulso da seção
mais dinâmica do capital europeu de reorganizar o velho
continente e criar as condições para sua expansão.
O Tratado de Versalhes, porém, não fez nada para
resolver os problemas contidos no desenvolvimento capitalista
que haviam feito surgir a guerra. Em vez disso, os exacerbou.
De fato, de acordo com a avaliação de um historiador
do período, "pode ser dito que as consequências
imediatas de mais de quatro anos de hostilidades eram menos importantes
que o acordo realizado no imediato pós-guerra em determinar
o futuro de longo prazo da Europa." [19]
Os acordos do pós-guerra envolviam o maior exercício
de redesenho da geografia política europeia jamais assumido.
Mas esse processo aprofundou todos os problemas. Houve a separação
de áreas que formavam unidades econômicas. A Alemanha
perdeu 6,5 milhões de habitantes e 13% de seu território.
A Alta Silésia foi perdida e o elo entre o carvão
do Ruhr e o minério de ferro de Lorena foi quebrado.
O número de unidades econômicas na Europa dentro
das quais fatores produtivos podiam se mover sem restrições
aumentou de 20 para 27. A economia austro-húngara integrada
foi fragmentada e distribuída em sete estados. Cinco novas
nações brotaram nas fronteiras ocidentais da Rússia.
Haviam agora 27 moedas separadas na Europa em vez das 14 de antes
da guerra e um adicional de 12.500 milhas em fronteiras, muitas
das fronteiras separavam fábricas de suas matérias
primas, fazendas de seus mercados, siderúrgicas das minas
de carvão.
Resumindo esse processo, o historiador William Keylor observou:
"Diferentemente do processo de unificação nacional
da Europa Ocidental no século XIX, que alargou unidades
econômicas e aumentou a produtividade, a formação
de nações na Europa Oriental depois da Primeira
Guerra Mundial reduziu o tamanho de unidades econômicas
existentes e assim fez cair a eficiência que tradicionalmente
resulta de economias de escala". [20]
Além das fronteiras redesenhadas, a questão mais
polêmica que surgiu do Tratado de Versalhes foi a decisão
de impor retaliações de guerra sobre a Alemanha.
O artigo 231 do tratado, a infame cláusula da "culpa
pela guerra", declarava: "Os Governos Aliados e Associados
afirmam, e a Alemanha aceita, a responsabilidade da Alemanha e
seus Aliados por causar toda a perda e dano aos quais os Aliados
e Governos Associados e suas populações nacionais
foram submetidos como consequência da guerra imposta sobre
eles pela agressão da Alemanha e seus Aliados".
As retaliações foram frequentemente apresentadas
como uma consequência do impulso da França de infligir
o máximo dano econômico sobre a Alemanha. Mas a França
não agiu diferente das outras grandes potências capitalistas,
incluindo os Estados Unidos, cada qual buscando estabelecer para
si a melhor posição possível no mundo pós-guerra.
Se tiveram respostas diferentes para os problemas surgidos, era
porque tinham interesses diferentes para perseguir.
A posição do presidente francês, Clemenceau,
como apontou Keynes, foi inteiramente lógica para alguém
que "assumia a visão de que a guerra civil europeia
deveria ser considerada como um estado normal, ou ao menos um
estado recorrente da conjuntura, e que o tipo de conflitos entre
grandes potências organizadas que ocupou os cem anos anteriores
também ocuparia os próximos cem anos." Quaisquer
concessões para a Alemanha baseadas em um tratamento igualitário
e justo teriam meramente o efeito de "encurtar o intervalo
da recuperação alemã e apressar o dia em
que ela novamente atacaria a França com seus números,
recursos e habilidades técnicas superiores". Assim,
a política da França tinha o objetivo de cortar
o território alemão, reduzindo sua população
e, acima de tudo, reduzindo sua força econômica para
tentar remediar a desigualdade de forças entre os dois
principais rivais na disputa pela hegemonia européia.
Se a Grã-Bretanha estava disposta a algumas vezes adotar
uma abordagem mais conciliatória apesar das exortações
feitas na eleição de dezembro de 1918, na qual Lloyd
George prometeu que a Alemanha seria apertada "até
virar suco" foi porque seus objetivos haviam sido
servidos pela destruição da frota alemã e
pela entrega de suas colônias. Com a posição
do Império assegurada, a Grã-Bretanha estava ansiosa
por garantir a revitalização da economia alemã,
que era um valoroso mercado de exportação.
A posição dos Estados Unidos era orientada pela
determinação em capitalizar sobre sua recém-estabelecida
dominância econômica e, consequentemente, recusar
todas as sugestões de que as dívidas entre países
Aliados, particularmente aquelas das quais os EUA eram credores,
fossem eliminadas ou reduzidas para atenuar as reparações
de guerra impostas sobre a Alemanha.
Depois da entrada dos EUA na guerra, um boletim oficial do
Tesouro dos EUA publicado no final de abril de 1917 declarava
que ao colocar uma parte da riqueza americana à disposição
dos Aliados europeus, o governo dos Estados Unidos não
estava apenas prestando auxílio, mas "diminuindo o
trabalho e perigo de nossos próprios homens ao trazer a
guerra para um término adiantado". Com os EUA incapazes
de colocar soldados em batalha até um anos depois da declaração
da guerra, as potências europeias consideravam os empréstimos
como, de certo modo, um pagamento por homens colocados na linha
de frente. Elas consideravam lutar como substitutos dos EUA, ao
menos depois de abril de 1917, e portanto não deveriam
ser obrigadas a pagar os empréstimos. Esse não era
o ponto de vista do Tesouro dos EUA. Assumiu a posição
em dezembro de 1918, que manteve por toda a década de 1920,
de que não havia qualquer conexão entre as dívidas
inter-Aliados e as reparações de guerra com os alemães.
Os Aliados seriam obrigados a pagar não obstante o que
a Alemanha pudesse pagar.
Quando o grande industrial Walther Rathenau propôs que
a Alemanha assumisse a dívida de guerra dos Aliados para
os Estados Unidos, equivalente a cerca de 44 bilhões de
marcos de ouro, em vez de pagar as reparações, os
americanos não concordaram, insistindo que não havia
conexão entre as reparações e as dívidas
de guerra. Os EUA estavam relutantes em fazer essa transferência,
pois temiam que a habilidade da Alemanha em pagar era menor que
a da França, Grã-Bretanha e outros aliado pela hipoteca
de uma Alemanha insolvente e derrotada.
Havia uma complexa rede de dívidas. A Alemanha tinha
11 credores. Os EUA recebiam pagamentos de 16 devedores. A Grã-Bretanha
coletava dívidas de 17 países e a França
de 10. Pequenos países como Hungria, Bulgária, Romênia
e Checoslováquia possuíam até 9 ou 10 credores
cada.
Não menos que 28 países estavam envolvidos em
relações de dívidas de guerra. Cinco eram
devedores apenas, 10 eram credores apenas, e 13 eram devedores
e credores ao mesmo tempo. Dez eram devedores líquidos
e 18 eram credores líquidos. Dos US$ 28 bilhões
em dívidas inter-Aliados, o governo dos EUA era credor
de US$ 12 bilhões, cerca de US$ 4,7 devidos pela Grã-Bretanha.
A Grã-Bretanha, por sua vez, era credora de US$ 11 bilhões
devidos pelos seus aliados europeus. Cerca de US$ 3.6 bilhões
eram devidos pela Rússia.
Antes das conversas de paz começarem, o governo francês
fez um pedido oficial em carta ao secretário do Tesouro
dos EUA, Carter Class, em 15 de janeiro de 1919, demandando que
a questão das dívidas se tornasse parte do acordo
da paz, e que fosse resolvida simultaneamente.
Glass respondeu que os EUA não apoiavam a discussão
das dívidas em Paris junto com a Conferência de Paz.
O efeito dessa decisão foi garantir que os Aliados, e a
França em particular, pressionassem a Alemanha pelo máximo
em reparações. Um valor para reparações
não foi incluído no tratado, mas a questão
foi encaminhada para uma Comissão de Reparações
de Guerra que emitiria um relatório em maio de 1921.
Em fevereiro de 1920, o governo britânico propôs
um cancelamento geral das dívidas de guerra, observando
que "a existência de uma vasta massa de endividamento
inter-governos não apenas envolve perigos políticos
muito graves, mas também forma no momento presente um sério
obstáculo à recuperação do mundo e
particularmente da Europa Continental do imenso abalo e sofrimento
causados pela guerra." [21]
A resposta oficial do secretário do Tesouro dos EUA
David F. Houston deixou claro que os EUA estavam determinados
a fazer que suas exigências fossem atendidas. Rejeitando
a afirmação de que o cancelamento das dívidas
iria auxiliar na recuperação econômica da
Europa e do mundo em geral, Houston insistiu que o cancelamento
"não toca problemas dos quais advém principalmente
as presentes dificuldades financeiras e econômicas da Europa".
[22]
Ele então prosseguiu para realizar uma palestra sobre
as virtudes do livre mercado e do equilíbrio nas finanças
governamentais. "O alívio dos presentes males, na
medida em que pode ser obtido", escreveu, "está
primariamente dentro do controle dos governos devedores e das
próprias pessoas. Muitos dos países devedores não
absorvem suficientes impostos de modo a equilibrar seus orçamentos,
e sequer tomaram quaisquer medidas enérgicas e adequadas
para reduzir gastos e atingir a meta dos recursos disponíveis.
Pouquíssimo progresso foi feito no desarmamento. Nenhum
progresso apreciável foi feito em deflacionar emissões
excessivas de moeda ou em estabilizar as moedas em novos níveis,
e na Europa Continental tem havido um constante aumento em emissões
de notas. A iniciativa privada não foi restaurada. Barreiras
econômicas desnecessárias e pouco inteligentes ainda
existem. Em vez da liberação do comércio
e das trocas através de medidas apropriadas, parece haver
esforços direcionados em obter vantagens discriminatórias
e concessões exclusivas. Não há ainda qualquer
disposição aparente da Europa em fazer um acordo
imediato e razoável sobre as reparações contra
a Alemanha ou adotar políticas que liberem a Alemanha e
a Áustria para as necessárias contribuições
à reabilitação econômica da Europa."
[23]
Além do mais, continuou Houston, a proposta de cancelamento
"não envolve sacrifícios mútuos por
parte das nações envolvidas; ela simplesmente envolve
uma contribuição vinda primariamente dos Estados
Unidos". Enquanto os EUA não teriam recebido ou buscado
quaisquer benefícios substanciais vindos da guerra, os
Aliados "embora tenham sofrido enormemente em perdas de vidas
e propriedade, sob os termos do tratado de paz e de outras formas,
adquiriram consideráveis porções de território,
populações, vantagens econômicas e de outros
tipos. Parece que, portanto, se tudo fosse contabilizado não
haveria qualquer desejo ou razão para pedir ao governo
deste país que continuasse a contribuir." [24]
A Comissão de Reparações entregou seu
relatório no dia 5 de maio de 1921. Fixou as reparações
alemãs em 130 bilhões de marcos de ouro, cerca de
US$ 33 bilhões. No que diz respeito aos Aliados, eles agora
se orientariam pela extração de pagamentos da Alemanha,
que então seriam usados para pagar os empréstimos
feitos pelos EUA.
"Que curioso espetáculo!" Churchill observaria
num discurso cerca de quatro meses depois. "As grandes nações
do mundo civilizado... Todas esperando conseguir enormes somas
umas das outras ou da Alemanha. De fato, você poderia dizer
que a coleta de dívidas se tornou nossa principal indústria..."[25]
Uma das motivações para o estabelecimento desse
sistema era a crise subjacente das finanças no pós-guerra.
De acordo com um cálculo, o custo total da guerra era de
US$ 260 bilhões, representando "cerca de seis e meio
vezes a soma de todo o endividamento nacional acumulado no mundo
desde de cerca do final do século XVIII até vésperas
da Primeira Guerra Mundial".[26]
Juntando todas as potências beligerantes, cerca de 80%
do excesso de gastos em relação aos níveis
dos últimos três anos de paz antes da guerra foi
financiado por empréstimos. Muito disso foi financiado
por créditos bancários. Esse método de financiamento
foi escolhido pelos beligerantes na crença de que poderiam
fazer o perdedor pagar.
A observação irônica de Churchill de que
a coleta de dívidas havia se tornado "nossa principal
indústria" aponta para o problema subjacente que confrontava
a Europa capitalista do pós-guerra a incapacidade
em estabelecer um novo fundamento para expansão econômica.
Em sua crítica ao Tratado de Versalhes, Keynes havia
apontado para a importância da economia alemã para
o todo da Europa continental. Mas para a França, o crescimento
econômico alemão era uma ameaça, não
um benefício. A expansão econômica no continente
europeu havia se tornado uma luta de todos contra todos
uma luta na qual a coleta de débitos formava uma parte
componente. Parecia não haver uma saída na arena
internacional.
Notas:
[1] Leninism (1996), p. 115.
[2] Ibid, p. 111.
[3] Ibid, p. 112.
[4] See Lloyd C. Gardner, Safe for Democracy, p. 161.
[5] See George F. Kennan, Russia Leaves the War (Princeton,
Princeton University Press, 1989) p. 249.
[6] Cited in Arno Mayer, Politics and Diplomacy of Peacemaking
(New York, Alfred A. Knopf, 1967), p. 8.
[7] Cited in William Appleman Williams, The Tragedy of American
Diplomacy, pp. 113-114.
[8] Mayer, op. cit., p. 10.
[9] Cited in John M. Thompson, Russia, Bolshevism and the
Versailles Peace (Princeton, Princeton University Press, 1966),
p. 14.
[10] Cited in E. H. Carr, The Bolshevik Revolution,
1917-1923, Vol. 3, pp. 135-136.
[11] Mayer, op. cit., pp. 800-801.
[12] Joseph Schumpeter, Capitalism, Socialism and Democracy
(London, Allen and Unwin, 1976), p. 44.
[13] Leon Trotsky, First Five Years of the Comintern,
Volume 1, pp. 252-253.
[14] Trotsky, op. cit., pp. 253-254. [15] Leon Trotsky, First
Five Years of the Comintern, Volume 2, p. 81.
[16] Leon Trotsky, First Five Years of the Comintern,
Volume 1, p. 263.
[17] Leon Trotsky, First Five Years of the Comintern,
Volume 2, p. 61.
[18] Leon Trotsky, First Five Years of the Comintern,
Volume 2, p. 306.
[19] Aldcroft, Studies in the Interwar European Economy,
p. 1.
[20] William Keylor, The Twentieth Century World, pp.
96-97.
[21] Harold Moulton and Leo Pasvolsky, War Debts and Reparations,
p. 61.
[22] Moulton, op. cit., p. 63.
[23] Ibid, p. 63.
[24] Ibid, p. 64.
[25] Cited in David Felix, Walther Rathenau and the Weimar
Republic pp. 110-111.
[26] See Paul Kennedy, Rise and Fall of the Great Powers
(New York, 1989), p. 279.
[traduzido por movimentonn.org]
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