Publicado originalmente em inglês no wsws em 28 de
fevereiro de 2009
O motim de 33 horas dos guarda fronteira de Bangladesh, os
Bangladesh Rifles (BDR), apavorou o governo e os militares. Depois
de ter persuadido os amotinados a se entregarem com a oferta de
anistia geral aos amotinados e ameaça de uso do aparato
militar, o Governo da Primeira Ministra Sheik Hasina retoma brutalmente
sua autoridade.
O exército e a polícia já contabilizaram
200 homens do BDR que abandonaram seus postos. Hasina já
esqueceu sua promessa de anistia e declarou que os envolvidos
serão levados à justiça. "Eles cometeram
um crime hediondo... Tais atos devem ser condenados" disse
ontem a primeira ministra.
Os corpos dos oficiais da guarda continuam sendo encontrados
em valas rasas e esgotos dentro do QG do BDR na capital de Dhaka.
Até o anoitecer de ontem, 44 corpos haviam sido encontrados,
elevando a contagem dos mortos para 66, incluindo 4 civis. O comandante
do BDR, Major General Shakil Ahmed, estava entre os mortos. Doze
outros oficiais ainda estão desaparecidos.
Desviando o foco da atenção para os oficiais
assassinados, o governo e a mídia tentam criar o clima
político para represálias. As forças de segurança
de Bangladesh são famosas por seus métodos de tortura
e assassinatos extra-judiciais.
O motim começou na manhã de quarta-feira (25).
Cerca de 2 mil soldados do BDR, indignados com os privilégios
dos comandantes do exército deixaram seus postos no QG
do BDR em Dhaka e invadiram o salão em que ocorria a conferência
anual dos alto-comandantes do BDR.
O estopim da revolta foi a tentativa dos oficiais de ocultar
as reivindicações dos soldados quando a Primeira
Ministra Hasina esteve presente no quartel. Os amotinados tomaram
100 oficiais como reféns, incluindo o Major General Ahmed,
bloquearam estradas dos arredores e publicaram uma pauta de reivindicações.
As unidades do BDR em todo o país se juntaram à
rebelião, incluindo a de Chittagong, Rangpur, Chapainawabganj,
Satkhira e Jessore. O motim não aparenta ter sido premeditado
ou configurar um tentativa de tomada do poder. Foi muito mais
uma revolta explosiva contra as péssimas condições
de vida e o papel secundário do BDR nas forças armadas.
O BDR é uma força paramilitar auxiliar do exército
de Bangladesh, com quase 70 mil homens, responsável pelo
patrulhamento da extensa fronteira. Para garantir que se mantenham
firmemente sob o controle do exército, somente oficiais
do exército ocupam os altos postos, configurando uma aristocracia
militar que se tornou alvo principal dos amotinados.
Entre suas reivindicações estão melhores
salários, melhores condições de trabalho
e a exigência de que os oficiais comandantes sejam escolhidos
de dentro da própria tropa do BDR, ao invés de serem
selecionados do exército regular, com o direito de responderem
diretamente ao Ministério do Interior. Os soldados também
exigiam o direito de servir nas bem pagas missões de paz
da ONU no exterior.
As tropas do BDR recebem um soldo mensal de apenas $70 dólares,
junto com uma ração de arroz, trigo e açúcar.
Um soldado do BDR entrevistado pela rede de TV ATN disse: "Todos
sabem como nós vivemos na miséria. Não podemos
trabalhar livremente, não temos o nosso próprio
departamento... Nós queremos dizer a eles [ao Governo]
que queremos liberdade".
O contingente do BDR recebe rações suficientes
para apenas 3 meses do ano, enquanto funcionários do exército
contam com rações e privilégios ao longo
do ano todo. Os soldados queriam acabar com essa anomalia e acusaram
os seus comandantes de serem corruptos e abusivos. "Nós
fomos privados e torturados pelos burocratas do exército.
Não estamos recebendo o nosso salário e benefícios
e ainda por cima os burocratas do exército nos humilharam
e torturaram", disse um membro do BDR.
Um motivo que explica o fato do governo não ter ordenado
imediatamente a supressão do motim é o expressivo
apoio público de que gozavam os rebelados. A Associated
Press publicou imagens de pessoas comuns saudando os amotinados.
As reivindicações dos soldados foram de encontro
a um verdadeiro coro de trabalhadores que enfrentam a mesma situação
de aumento dos preços e aprofundamento da miséria.
Há ainda grande hostilidade popular em relação
ao exército, que controlou o país de janeiro de
2007 à dezembro de 2008.
Em carta aberta ao Primeiro Ministro, os rebelados do BDR se
apoiaram na ampla rejeição contra os militares,
afirmando: "Que tipo de nação somos nós
que necessitamos de militares por todo lado"? Porque todo
o nosso povo é mantido refém por eles? E pra que
serve o Ministério do Interior se o BDR, os Ansar [guardas
de vilarejos], os bombeiros, os carcereiros e o BAR [Batalhão
de Ação Rápida] estão sob comando
e controle militar?"
Nas eleições de dezembro, o povo votou massivamente
na Liga Sheik Hasina´s Awami e seus aliados como um modo
de expressar sua hostilidade ao militarismo do regime anterior
com seus métodos repressivos. O governo, que possui 260
cadeiras no parlamento de 300 cadeiras, surpreendeu-se claramente
com o irromper do motim apenas 2 meses depois da eleição.
Cautelosamente, Hasina participou de uma vídeo-conferência
com 14 dos rebeldes do BDR para discutir suas reivindicações.
Ela prometeu uma anistia total, melhores salários e um
fim qualificado ao controle do exército sobre o BDR que
ocorreria "gradativamente". Em carta endereçada
à nação, no entanto, alertou: "Não
queremos usar a força para acabar com a paralisação.
Mas não brinquem com nossa paciência. Não
hesitaremos em fazer o que for preciso para acabar com a violência
caso os meios pacíficos não sejam suficientes."
O exército enviou tropas e tanques para as áreas
no entorno dos quartéis dos BDR, mas os amotinados do BDR
aceitaram os termos da rendição. No entanto, mesmo
com as promessas de Hasina, centenas de soldados do BDR abandonaram
seus postos e levantaram acampamento em Dhaka e outros locais.
A polícia e as tropas do exército armaram bloqueios
rodoviários por todo o país, revistando ônibus
e barcos.
Em pronunciamento às viúvas dos oficiais mortos,
a Primeira Ministra Hasina, juntamente com o comandante do exército
General Moeen Uddin, declarou: "Ninguém conseguiria
ter feito a rebelião por si só. Deve haver algum
grupo por trás do ocorrido. Não eram todos que estavam
envolvidos, mas um certo grupo". O comentário aponta
claramente que represálias e uma verdadeira caça
às bruxas estão sendo preparadas.
Refletindo o medo das elites locais, Bhaskar Roy, um analista
de segurança do Grupo de Análise do Sul Asiático
em Nova Delhi, disse ao Los Angeles Times: "Estes
eventos devem ser mantidos nas fronteiras de Bangladesh, mas a
instabilidade é preocupante".
Sob o impacto da crise econômica global, o desemprego
e a pobreza crescem aceleradamente em todo o subcontinente. Bangladesh
já é um dos países mais pobres do mundo,
com uma renda per capta anual de $450 dólares, cerca de
40% da população vive abaixo da linha de pobreza.
Não bastasse isso, dezenas de milhares de postos de trabalho
foram destruíddos nos últimos meses como resultado
da baixa das exportações da indústria têxtil.
Apesar da rebelião ter surgido no interior das forças
de segurança de Bangladesh, isto já é um
sinal de um descontentamento muito mais agudo entre a classe operária,
que se tornará maior a medida que as condições
de vida se tornam cada vez mais intoleráveis.