Publicado originalmente em inglês no WSWS em 3 de
janeiro de 2009
Os líderes cubanos comemoraram os 50 anos da revolução
que derrubou a corrupta ditadura de Fulgencio Batista e conduziu
Fidel Castro ao poder com cerimônias relativamente pequenas
e singelas.
Fidel, já doente, com 82 e tendo transferido o poder
para seu irmão Raul, de 77 anos, emitiu uma declaração
de apenas 15 palavras, congratulando o heróico povo
de Cuba.
Raul, por sua vez, pronunciou um breve discurso no oeste da
cidade de Santiago - local de nascimento da revolução
- para uma audiência de 1.000 oficiais de Estado e convidados.
Já a população de Cuba foi instruída
a permanecer longe do local.
O presidente da Venezuela, Hugo Chavez, e sua cópia
boliviana, Evo Morales, cancelaram seus planos de visitar a ilha
- aparentemente em resposta à decisão dos dirigentes
cubanos de manter a população afastada das comemorações.
Grande parte do discurso de Raul Castro foi dedicado à
memória dos que morreram na revolução e a
uma descrição da revolução de 1959
como a realização dos ideais do líder nacionalista
cubano José Marti.
Ele também relembrou a ação doente
e vingativa do poderoso vizinho após a Revolução
Cubana, desde a invasão abortada da Baía dos Porcos
em 1961, passando pelos incontáveis atentados para assassinar
Fidel Castro e outros líderes cubanos, até o terrorismo
apoiado pela CIA e as cinco décadas de bloqueio econômico
dos EUA.
A revolução, insistiu, continua mais forte
do que nunca. E continuou: Isso significa que há
menos perigo? Não, não significa. Não vamos
nutrir nenhuma ilusão. Assim como nós comemoramos
esse meio século de vitórias, é tempo de
refletir sobre o futuro, os próximos 50 anos serão
também de luta permanente.
Vendo as reviravoltas no mundo contemporâneo, nós
não podemos pensar que os próximos anos serão
fáceis. Não digo isso para assustar ninguém,
mas porque é a simples realidade.
Raul citou um discurso feito por Fidel em novembro de 2005,
alertando: este país pode destruir a si mesmo, esta
Revolução pode destruir a si mesma, mas eles [os
inimigos] não podem destruí-la. Nós podemos
destruí-la nós mesmos, e isso seria apenas culpa
nossa.
O tom do discurso, sem dúvida alguma, foi condicionado
pelo impasse econômico pelo qual passa atualmente o regime
cubano, e aponta, principalmente, para o fato de que uma crescente
deterioração das condições sociais
podem levar ao desassossego popular na ilha.
No último mês, o governo descreveu o crescente
déficit da balança como um assunto estratégico
para a sobrevivência econômica do país.
O déficit subiu para aproximadamente 70% em 2008, alcançando
estimados US$ 5 bilhões. A economia foi pega em aperto
entre o aumento das importações de combustível
e comida e quedas das receitas do níquel, principal exportação
de Cuba. O preço do níquel tem desabado para um
quinto do que foi em 2007.
Enquanto isso, a crise financeira global torna mais difícil
para Havana obter novos créditos para continuar importando.
Entre os produtos importando está 60% da comida de Cuba,
cujos preços continuam subindo.
A crise foi agravada por três furacões que atingiram
Cuba no outono passado, destruindo 500.000 lares e infringindo
um prejuízo estimado em 10 bilhões de dólares.
Sem dinheiro, o Estado cubano se achou compelido a renegociar
seus débitos e atrasar pagamentos para os credores estatais
e privados.
Em um discurso ao parlamento cubano mês passado, Raul
Castro pediu o fim dos subsídios excessivos
e defendeu a necessidade de fazer pressão sobre
a classe trabalhadora cubana, para aumentar a produtividade.
A média mensal de salário atinge US$ 20 e a economia
têm aberto uma brecha social entre aqueles que - através
do trabalho no governo, na indústria turística ou
pela remessa de valores estrangeiros - têm acesso a pesos
convertíveis e aqueles que não o têm. Entre
os primeiros emergiu uma camada com dinheiro, enquanto muitos
dos últimos são condenados à pobreza extrema.
Sob essas condições, as medidas do governo carregam
a possibilidade de um levante social.
A economia cubana tem sido mantida em circulação
largamente através do combustível barato fornecido
pela Venezuela como parte de um acordo de troca, no qual Cuba
envia centenas de doutores e professores para os programas assistencialistas
de Chávez. O recente colapso nos preços dos combustíveis
e pressão crescente sobre a economia venezuelana colocaram
a estabilidade desse acordo em dúvida.
O efeito de uma ruptura nessa relação - não
tão desastrosa para Cuba quanto o colapso da União
Soviética em 1991 - seria enorme. A Venezuela correspondeu
a mais da metade das receitas do Estado cubano em 2007.
Além disso, o governo cubano tenta formar laços
econômicos liberais com a União Européia,
China e Rússia, integrando efetivamente a economia cubana
no mundo do mercado capitalista. Ele também foi bem vindo
novamente ao grupo dos governos burgueses da América Latina,
tendo sido admitido no Grupo do Rio pela primeira vez desde a
revolução.
Outra mudança em perspectiva no horizonte é a
retirada de algumas sanções econômicas impostas
por Washington. O presidente eleito dos EUA, Barack Obama, prometeu
durante sua campanha eleitoral retirar restrições
impopulares impostas pela administração Bush, como
as remessas de valores enviadas pelos cubano-americanos aos seus
familiares na ilha. A Câmara Americana de Comércio
e outros lobbies comerciais pressionam para que essa primeira
retirada das sanções dos EUA contra Cuba se torne
o início de uma abertura maior. Assim poderão explorar
mais ainda um mercado altamente lucrativo.
A normalização das relações econômicas
com os EUA pode apresentar uma maior ameaça à sobrevivência
do regime Castro do que o embargo em si.
Em um período recente, toda uma geração
de nacionalistas de esquerda na América Latina e pequeno-burgueses
radicais na Europa e Estados Unidos aclamaram a revolução
nacionalista liderada por Fidel Castro, apresentando falsamente
seu regime como o estado dos trabalhadores e promovendo o castrismo
como a nova via para a revolução socialista em toda
parte.
A mais perniciosa tendência nesse coro pequeno-burguês
a Castro foi a tendência revisionista pablista dentro na
Quarta Internacional (SU-QI), que se valeu da revolução
cubana para tentar liquidar o movimento trotskista e fazer com
que este abandonasse suas tarefas históricas essenciais.
Segundo essa tendência revisionista, a vitória
de Castro evidenciou que a revolução socialista
não mais exigiria a direção ativa da classe
trabalhadora, consciente das suas tarefas históricas. Um
atalho teria surgido, em que o socialismo poderia
ser alcançado por pequenos bandos de homens armados, conduzindo
guerras de guerrilhas e criando um novo estado, com a classe trabalhadora
e o resto das massas oprimidas reduzidas a pouco mais do que espectadores
passivos.
O impacto dessas concepções políticas
se provou totalmente catastrófico em toda a América
Latina. A promoção da guerrilha serviu para separar
os setores mais revolucionárias da juventude trabalhadora
da classe trabalhadora como um todo, pavimentando o caminho para
derrotas históricas e o surgimento de sangrentas ditaduras
militares por todo o continente.
A ascensão de Castro e as várias nacionalizações
e reformas educacionais/saúde produzidos pela revolução
não fazem de Cuba um estado socialista. Cuba nunca foi
um estado socialista justamente porque não foi um estado
criado pela classe trabalhadora, pela tomada do poder pela classe
trabalhadora. Muito mais, Cuba foi um estado imposto de cima para
baixo pelo Movimento 26 de julho de Castro, em aliança
com o Partido Comunista Stalinista de Cuba. O estado cubano nunca
permitiu órgãos independentes e democráticos
de poder dos trabalhadores e reprimiu duramente qualquer desafio
à dominação política dos irmãos
Castro.
O castrismo não representa o socialismo, mas uma variante
radical dos movimentos burgueses nacionalistas que tomaram o poder
em toda parte, como vários países da África,
Ásia e Oriente Médio durante o levante das lutas
anti-coloniais dos anos de 1950 e 1960. Ao final, o castrismo
se provou incapaz, como seus contrapartes dos outros países,
de forjar um caminho genuinamente independente do imperialismo.
Este é o resumo das observações feitas
por Raul Castro. O qüinquagésimo aniversário
da revolução cubana coincide com o desdobramento
da maior crise do mundo capitalista em 70 anos, trazendo consigo
a perspectiva de uma renovação na luta de classes
internacional e na luta pelo socialismo por toda a América
Latina e em escala mundial.
O regime esclerosado de Cuba vê esse desenvolvimento
como uma ameaça mortal, uma vez que pode derrubar sua frágil
economia e romper suas tentativas de firmar laços com as
classes capitalistas dominantes na América Latina, Europa
e atualmente EUA.
Mas, os trabalhadores cubanos e a juventude não ficarão
imunes à radicalização política global
que cresce em decorrência da crise econômica. Juntos
com os trabalhadores do resto da América Latina, o sucesso
de suas lutas requer a assimilação das amargas derrotas
de meio século de castrismo, e a construção
de um novo movimento independente e revolucionário da classe
trabalhadora, baseado no programa socialista internacionalista.