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A guerra de Israel em Gaza e o papel da burguesia do Oriente Médio

Por Jean Shaoul
22 de janeiro de 2009

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Publicado originalmente em inglês no nosso site em 14 de janeiro de 2009

Enquanto pessoas ao redor de todo o mundo reagem com choque e raiva à ofensiva genocida israelense contra os indefesos palestinos em Gaza, é importante revisarmos os fatores que permitiram que essa blitzkrieg ocorresse.

Em primeiro lugar, o governo de Israel tem o suporte incondicional dos Estados Unidos, que por décadas forneceu-lhe o apoio militar, econômico e diplomático necessário para que o país seguisse com seu papel de policial dos EUA na região, e colocasse em primeiro plano, assim, a agenda política americana na região.

Em segundo lugar, as potências européias forneceram a cobertura ideal, justificando os crimes de guerra de Israel como atos de auto defesa e trabalhando para assegurar um cessar-fogo aceitável para Washington e Tel Aviv que envolvesse o presidente egípcio Hosni Mubarak e o regime-marionete dos EUA dirigido pela Autoridade Palestina, que policiará Gaza.

Mas isso evidencia para um terceiro fator crucial, cuja significância política na catástrofe que abateu os palestinos há muito tem sido subestimada: o papel da burguesia do Oriente Médio.

As classes dominantes não só falharam em ir ao auxílio dos palestinos, mas apoiaram as ações de Israel e trabalharam incessantemente para desmobilizar a oposição espalhada dentro de seus próprios países.

Em 1979, o Egito, o mais populoso e poderoso Estado árabe, foi o primeiro a abertamente abandonar os palestinos e fazer paz com Israel - e, consequentemente, com os EUA. Embora o Egito tenha sido inicialmente isolado por seus vizinhos, é hoje o mais explícito em suas relações com Tel Aviv e Washington.

Desde que Israel se retirou militarmente de Gaza em 2005, o president Hosni Mubarak teve um papel central em tornar Gaza uma prisão a céu aberto, concordando em policiar sua fronteira meridional em Rafah, restringir o movimento de pessoas e bens de consumo e forçar um embargo.

Junho passado, Mubarak agenciou um cessar-fogo entre Hamas e Israel, mas se recusou junto com Israel a retirar o embargo contra Gaza, a razão principal da aceitação do acordo pelo Hamas. As restrições foram marginalmente aliviadas, mas as importações de Gaza se mantiveram sempre muito abaixo do necessário e as exportações permaneceram inexistentes.

Foi Israel que quebrou o cessar-fogo em 4 de novembro, lançando uma incursão a Gaza e matando seis membros das Brigadas Qassem, a ala militante do Hamas. Seu objetivo era provocar a ação retaliatória do Hamas e prover a justificativa para o ofensiva sangrenta agora em curso. O Egito respondeu trabalhando com Israel para apertar ainda mais o embargo. O fechamento de fronteiras, ao lado do fechamento do aeroporto e portos por Israel, isolaram Gaza do resto do mundo e criaram um desastre humanitário.

O Egito afirma que não pode reabrir a passagem de Rafah sem oficiais da Autoridade Palestina e observadores da União Européia, como definido em um acordo trilateral de 2005 patrocinado pelos EUA entre Israel, a Autoridade Palestina e a União Européia. Mas como o Egito não foi sequer um signatário do acordo, que expirou após um ano e não foi renovado, isso é apenas uma desculpa para manter Rafah fechada e o Hamas, estreitamente relacionado com a Irmandade Islâmica, o maior partido de oposição do Egito, isolado.

Mas a colaboração do Egito com Israel ultrapassa a questão da fronteira. O Egito não fez qualquer esforço para contrapor a falsa propaganda de Israel dizendo que foi o Hamas que quebrou o acordo de cessar-fogo. Também não condenou o assassinato de líderes do Hamas.

Todos os sinais indicam que Israel e o Egito coordenaram suas ações desde o princípio da Operação Cast Lead. O ministro de relações exteriores israelense Tzipi Livni foi ao Cairo menos de 48 horas antes de o ataque contra Gaza ter começado, e instruiu Mubarak e o ministro de relações exteriores Ahmed Aboul-Gheit sobre as intenções de Israel, recebendo deles a aprovação silenciosa para a invasão.

Hamdi Hassan, parlamentar da Irmandade Islâmica, disse que “Israel não teria atacado Gaza dessa maneira sem a luz verde do Egito. O governo egípcio permitiu esse assalto a Gaza com a esperança de acabar com o Hamas”.

O porta-voz do Hamas Fawzi Barhoum disse que sua organização recebera falsas garantias do Egito, logo após as conversas no Cairo, de que um ataque israelense à Faixa de Gaza não era iminente.

A segurança egípcia se retirou de Rafah antes dos ataques, confirmando o pré-aviso de Israel. O governo egípcio selou a fronteira durante os primeiros dois dias da guerra e proibiu a entrada de todos os comboios de ajuda. Permitiu apenas auxílio limitado no terceiro e quarto dias, e isso somente devido a pressão popular acumulada.

O president francês Nicolas Sarkozy está agora em conversas com Mubarak, assegurando seu acordo para inserção de uma força internacional na fronteira meridional de Gaza no Egito e de uma força naval na costa da Gaza. A Autoridade Palestina, controlada por Egito e Fatah, assumiria a tarefa de policiar Gaza. Isso eximiria Israel de sua responsabilidade enquanto poder ocupante, segundo a lei internacional, de alimentar os 1,5 milhões de habitantes de Gaza, e forneceria um meio de restaurar o domínio de Abbas sobre Gaza.

Mubarak ainda hesita, embora tenha se recusado a abrir permanentemente a passagem fronteiriça de Rafah, a única que não passa por Israel, até que a Autoridade Palestina, liderada por Abbas, assuma o controle da fronteira. Ele teme que tal acordo inflame ainda mais a opinião pública doméstica, o que seria favorável à Irmandade Islâmica. Sua dependência sobre a assistência financeira de Washington e Europa, porém, indica que ele está apenas esperando por termos melhores para o acordo.

Os outros regimes árabes não são menos submissos.

A Jordânia há muito funciona como um Estado-cliente dos EUA na região, com seu antigo governante, o rei Hussein, na folha de pagamento da CIA por anos. Com refugiados palestinos e seus descendentes formando a maioria da população, Hussein foi sempre um dos maiores oponentes do nacionalismo palestino, que tornaria ilegítimo seu próprio governo. Ele mesmo admite que passou mais de 1000 horas em negociações secretas com Israel.

Após os acordos de Oslo entre Israel e a Organização para a Libertação da Palestina, a Jordânia assinou um acordo com Israel em 1994, abrindo relações comerciais entre os dois países. Nesse último assalto contra Gaza, o rei Abdullah esperou e observou o massacre. A oposição doméstica a Israel o forçou a se tornar mais claro em sua oposição a Israel, mas sua única ação foi pessoalmente doar sangue às vítimas de Gaza.

Os Estados ricos em petróleo, como a Arábia Saudita, também limitaram sua oposição à condenações ritualísticas. Os sauditas culparam o Hamas pela ofensiva, dizendo que o “massacre não teria acontecido se o povo palestino estivesse unido em torno de uma única liderança”.

A Liga Árabe, composta por 22 países, está tão falida policamente que se recusou a chamar um encontro de emergência, para evitar uma maior exposição e antagonizar mais ainda com seus próprios cidadãos, cujas manifestações se opuseram tanto a Israel quanto à cumplicidade de seus governos. O encontro dos ministros de relações exteriores no Cairo apenas pediu que a invasão fosse interrompida, concordando que nenhum exército árabe iria intervir.

Os assim chamados Estados radicais como Irã e Síria, e o Hezbollah no Líbano, que têm laços próximos com o Hamas, não agiram diferentemente.

O Irã, principal financiador do Hamas, abandonou seu aliado buscando se aproximar de Washington.

Apesar das ameaças reacionárias do presidente Mahmoud Ahmadinejad de “eliminar Israel do mapa”, o Irã deixou claro que também não está planeja um confronto com Israel. Se jamais tivesse havido qualquer conteúdo real nas ameças do Irã contra Israel, o assalto a Gaza teria fornecido o casus belli. Em vez disso, o alto comandante da guarda revolucionária iraniana, Mohammad-Ali Jafari, disse que os habitantes de Gaza não precisam de qualquer ajuda e podem contar com suas próprias armas e foguetes “feitos à mão”.

O ex-presidente Hashemi Rafsanjani pediu aos muçulmanos que forneçam tanto ajuda humanitária quanto militar aos habitantes de Gaza. “Não há falta de combatentes em Gaza. A nação islâmica deve estender sua assistência política e dar armas ao povo de Gaza”, disse Rafsanjani.

Um comandante militar iraniano pediu que os produtores de petroléo muçulmanos parem suas vendas a apoiadores de Israel — um pedido vazio no contexto dos preços declinantes do petróleo.

Na frente diplomática, Saeed Jalili, líder do Conselho Nacional de Segurança iraniano, principal negociador nuclear e conselheiro próximo do líder supremo Ali Khamenei, foi à Síria e ao Líbano para coordenar suas respostas e evitar que o conflito em Gaza atinja a proporção de guerra regional. Falando na rede de televisão do Hezbollah Al Manar na semana passada, ele essencialmente disse ao Hamas que este está por conta própria. De acordo com fontes árabes, Jalili foi além e expressou a vontade do Teerã em assegurar um acordo para acabar com a luta.

A Síria, único membro árabe da “Frente de Resistência”, que abriga o líder do Hamas Khaled Mashaal em Damasco, recentemente renovou suas relações com as potências européias, e forneceu indicações de um diálogo reaberto com os EUA sob a nova administração Obama. A Síria também não tem a intenção de se engajar numa guerra contra Israel. Sua única contribuição foi suspender as conversas informais com Israel sobre um acordo de paz e a devolução das Colinas de Golã, tomadas por Israel em 1967, e um encontro com Sarkozy durante sua visita ao Oriente Médio para forjar um fim às hostilidades em termos aceitáveis para Israel e os EUA.

No Líbano, liderado por um governo-marionete dos EUA, qualquer oposição ao imperialismo dos EUA ou apoio aos palestinos é associado ao Hezbollah, que é apoiado pelo Irã. O Hezbollah também deixou o Hamas no pântano. Isso contrasta fortemente com 2006, onde 12 dias após Israel lançar um ataque massivo a Gaza o Hezbollah abriu uma segunda frente de batalha na fronteira norte de Israel e lutou até que o ataque fosse interrompido.

Agora, parte do governo — e focado nas eleições de junho, quando espera aumentar sua base de votos e se tornar o maior partido parlamentar — e sem qualquer apoio do Irã em favor de hostilidades contra Israel, o Hezbollah não está disposto a comprometer seus objetivos políticos internos.

O líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, antes havia quase prometido que não se engajaria em outra guerra com Israel, dizendo que não teria ordenado o assalto através da fronteira em 2006 se soubesse que Israel responderia com uma guerra de 34 dias, matando 1000 pessoas e deixando boa parte do país em ruínas.

Numa manifestação massiva, Nasrallah conclamou o mundo árabe e islâmico a se levantar em favor de Gaza. Advertiu Israel de que qualquer ofensiva por terra em Gaza resultaria em muitas perdas para os israelenses. Mas apesar de dizer que não abandonará Gaza, não ofereceu qualquer apoio concreto. Em vez disso, disse aos seus próprios combatentes para permanecerem em alerta, caso Israel decida atacar o Líbano.

Quando dois foguetes Katyusha disparados do sul do Líbano explodiram no norte de Israel na semana passada, levando Israel a disparar projéteis de artilharia contra o Líbano, um ministro de governo do Hezbollah negou qualquer envolvimento de sua organização. A Frente Popular para a Libertação da Palestina-Comando Geral, desde então assumiu a responsabilidade do ataque.

Ali Fayyad, ex-oficial do Hezbollah e diretor de um instituto de pesquisa afiliado, justificou não ir em auxílio ao Hamas afirmando que a organização estaria indo bem por conta própria. “Não somos pessimistas em relação ao futuro dos combates”, disse. “Consideramos que a resistência é forte o bastante e pensamos que os israelenses estão cometendo o mesmo erro que cometeram na guerra de julho de 2006”.

É tão marcante a posição do Hezbollah que jornais árabes apontaram, em apoio aos líderes despóticos de seus próprios países, a óbvia discrepância entre as palavras e ações de Nasrallah.

As ações das classes dominantes em toda a região contrastam fortemente com as amplas manifestações que chamam pela ação contra Israel. Isso demonstra que a realização das tarefas nacionais e democráticas básicas nas nações oprimidas pode apenas ser alcançada através de mobilização política independente da classe trabalhadora sobre a base de uma perspectiva socialista e internacionalista.

A resolução da questão palestina, que tem sido o foco de conflitos amargos e tragédia política por quase um século, está inseparavelmente ligada ao sucesso da revolução socialista no Oriente Médio e em todo o mundo. A questão central colocada é a unificação da classe trabalhadora árabe e judaica em torno da luta pela deposição de todos os governos burgueses despóticos na região e a construção de uma Federação Socialista do Oriente Médio.

[traduzido por movimentonn.org]