Publicado originalmente em inglês no nosso site em
14 de janeiro de 2009
Enquanto pessoas ao redor de todo o mundo reagem com choque
e raiva à ofensiva genocida israelense contra os indefesos
palestinos em Gaza, é importante revisarmos os fatores
que permitiram que essa blitzkrieg ocorresse.
Em primeiro lugar, o governo de Israel tem o suporte incondicional
dos Estados Unidos, que por décadas forneceu-lhe o apoio
militar, econômico e diplomático necessário
para que o país seguisse com seu papel de policial dos
EUA na região, e colocasse em primeiro plano, assim, a
agenda política americana na região.
Em segundo lugar, as potências européias forneceram
a cobertura ideal, justificando os crimes de guerra de Israel
como atos de auto defesa e trabalhando para assegurar um cessar-fogo
aceitável para Washington e Tel Aviv que envolvesse o presidente
egípcio Hosni Mubarak e o regime-marionete dos EUA dirigido
pela Autoridade Palestina, que policiará Gaza.
Mas isso evidencia para um terceiro fator crucial, cuja significância
política na catástrofe que abateu os palestinos
há muito tem sido subestimada: o papel da burguesia do
Oriente Médio.
As classes dominantes não só falharam em ir ao
auxílio dos palestinos, mas apoiaram as ações
de Israel e trabalharam incessantemente para desmobilizar a oposição
espalhada dentro de seus próprios países.
Em 1979, o Egito, o mais populoso e poderoso Estado árabe,
foi o primeiro a abertamente abandonar os palestinos e fazer paz
com Israel - e, consequentemente, com os EUA. Embora o Egito tenha
sido inicialmente isolado por seus vizinhos, é hoje o mais
explícito em suas relações com Tel Aviv e
Washington.
Desde que Israel se retirou militarmente de Gaza em 2005, o
president Hosni Mubarak teve um papel central em tornar Gaza uma
prisão a céu aberto, concordando em policiar sua
fronteira meridional em Rafah, restringir o movimento de pessoas
e bens de consumo e forçar um embargo.
Junho passado, Mubarak agenciou um cessar-fogo entre Hamas
e Israel, mas se recusou junto com Israel a retirar o embargo
contra Gaza, a razão principal da aceitação
do acordo pelo Hamas. As restrições foram marginalmente
aliviadas, mas as importações de Gaza se mantiveram
sempre muito abaixo do necessário e as exportações
permaneceram inexistentes.
Foi Israel que quebrou o cessar-fogo em 4 de novembro, lançando
uma incursão a Gaza e matando seis membros das Brigadas
Qassem, a ala militante do Hamas. Seu objetivo era provocar a
ação retaliatória do Hamas e prover a justificativa
para o ofensiva sangrenta agora em curso. O Egito respondeu trabalhando
com Israel para apertar ainda mais o embargo. O fechamento de
fronteiras, ao lado do fechamento do aeroporto e portos por Israel,
isolaram Gaza do resto do mundo e criaram um desastre humanitário.
O Egito afirma que não pode reabrir a passagem de Rafah
sem oficiais da Autoridade Palestina e observadores da União
Européia, como definido em um acordo trilateral de 2005
patrocinado pelos EUA entre Israel, a Autoridade Palestina e a
União Européia. Mas como o Egito não foi
sequer um signatário do acordo, que expirou após
um ano e não foi renovado, isso é apenas uma desculpa
para manter Rafah fechada e o Hamas, estreitamente relacionado
com a Irmandade Islâmica, o maior partido de oposição
do Egito, isolado.
Mas a colaboração do Egito com Israel ultrapassa
a questão da fronteira. O Egito não fez qualquer
esforço para contrapor a falsa propaganda de Israel dizendo
que foi o Hamas que quebrou o acordo de cessar-fogo. Também
não condenou o assassinato de líderes do Hamas.
Todos os sinais indicam que Israel e o Egito coordenaram suas
ações desde o princípio da Operação
Cast Lead. O ministro de relações exteriores israelense
Tzipi Livni foi ao Cairo menos de 48 horas antes de o ataque contra
Gaza ter começado, e instruiu Mubarak e o ministro de relações
exteriores Ahmed Aboul-Gheit sobre as intenções
de Israel, recebendo deles a aprovação silenciosa
para a invasão.
Hamdi Hassan, parlamentar da Irmandade Islâmica, disse
que Israel não teria atacado Gaza dessa maneira sem
a luz verde do Egito. O governo egípcio permitiu esse assalto
a Gaza com a esperança de acabar com o Hamas.
O porta-voz do Hamas Fawzi Barhoum disse que sua organização
recebera falsas garantias do Egito, logo após as conversas
no Cairo, de que um ataque israelense à Faixa de Gaza não
era iminente.
A segurança egípcia se retirou de Rafah antes
dos ataques, confirmando o pré-aviso de Israel. O governo
egípcio selou a fronteira durante os primeiros dois dias
da guerra e proibiu a entrada de todos os comboios de ajuda. Permitiu
apenas auxílio limitado no terceiro e quarto dias, e isso
somente devido a pressão popular acumulada.
O president francês Nicolas Sarkozy está agora
em conversas com Mubarak, assegurando seu acordo para inserção
de uma força internacional na fronteira meridional de Gaza
no Egito e de uma força naval na costa da Gaza. A Autoridade
Palestina, controlada por Egito e Fatah, assumiria a tarefa de
policiar Gaza. Isso eximiria Israel de sua responsabilidade enquanto
poder ocupante, segundo a lei internacional, de alimentar os 1,5
milhões de habitantes de Gaza, e forneceria um meio de
restaurar o domínio de Abbas sobre Gaza.
Mubarak ainda hesita, embora tenha se recusado a abrir permanentemente
a passagem fronteiriça de Rafah, a única que não
passa por Israel, até que a Autoridade Palestina, liderada
por Abbas, assuma o controle da fronteira. Ele teme que tal acordo
inflame ainda mais a opinião pública doméstica,
o que seria favorável à Irmandade Islâmica.
Sua dependência sobre a assistência financeira de
Washington e Europa, porém, indica que ele está
apenas esperando por termos melhores para o acordo.
Os outros regimes árabes não são menos
submissos.
A Jordânia há muito funciona como um Estado-cliente
dos EUA na região, com seu antigo governante, o rei Hussein,
na folha de pagamento da CIA por anos. Com refugiados palestinos
e seus descendentes formando a maioria da população,
Hussein foi sempre um dos maiores oponentes do nacionalismo palestino,
que tornaria ilegítimo seu próprio governo. Ele
mesmo admite que passou mais de 1000 horas em negociações
secretas com Israel.
Após os acordos de Oslo entre Israel e a Organização
para a Libertação da Palestina, a Jordânia
assinou um acordo com Israel em 1994, abrindo relações
comerciais entre os dois países. Nesse último assalto
contra Gaza, o rei Abdullah esperou e observou o massacre. A oposição
doméstica a Israel o forçou a se tornar mais claro
em sua oposição a Israel, mas sua única ação
foi pessoalmente doar sangue às vítimas de Gaza.
Os Estados ricos em petróleo, como a Arábia Saudita,
também limitaram sua oposição à condenações
ritualísticas. Os sauditas culparam o Hamas pela ofensiva,
dizendo que o massacre não teria acontecido se o
povo palestino estivesse unido em torno de uma única liderança.
A Liga Árabe, composta por 22 países, está
tão falida policamente que se recusou a chamar um encontro
de emergência, para evitar uma maior exposição
e antagonizar mais ainda com seus próprios cidadãos,
cujas manifestações se opuseram tanto a Israel quanto
à cumplicidade de seus governos. O encontro dos ministros
de relações exteriores no Cairo apenas pediu que
a invasão fosse interrompida, concordando que nenhum exército
árabe iria intervir.
Os assim chamados Estados radicais como Irã e Síria,
e o Hezbollah no Líbano, que têm laços próximos
com o Hamas, não agiram diferentemente.
O Irã, principal financiador do Hamas, abandonou seu
aliado buscando se aproximar de Washington.
Apesar das ameaças reacionárias do presidente
Mahmoud Ahmadinejad de eliminar Israel do mapa, o
Irã deixou claro que também não está
planeja um confronto com Israel. Se jamais tivesse havido qualquer
conteúdo real nas ameças do Irã contra Israel,
o assalto a Gaza teria fornecido o casus belli. Em vez disso,
o alto comandante da guarda revolucionária iraniana, Mohammad-Ali
Jafari, disse que os habitantes de Gaza não precisam de
qualquer ajuda e podem contar com suas próprias armas e
foguetes feitos à mão.
O ex-presidente Hashemi Rafsanjani pediu aos muçulmanos
que forneçam tanto ajuda humanitária quanto militar
aos habitantes de Gaza. Não há falta de combatentes
em Gaza. A nação islâmica deve estender sua
assistência política e dar armas ao povo de Gaza,
disse Rafsanjani.
Um comandante militar iraniano pediu que os produtores de petroléo
muçulmanos parem suas vendas a apoiadores de Israel
um pedido vazio no contexto dos preços declinantes do petróleo.
Na frente diplomática, Saeed Jalili, líder do
Conselho Nacional de Segurança iraniano, principal negociador
nuclear e conselheiro próximo do líder supremo Ali
Khamenei, foi à Síria e ao Líbano para coordenar
suas respostas e evitar que o conflito em Gaza atinja a proporção
de guerra regional. Falando na rede de televisão do Hezbollah
Al Manar na semana passada, ele essencialmente disse ao Hamas
que este está por conta própria. De acordo com fontes
árabes, Jalili foi além e expressou a vontade do
Teerã em assegurar um acordo para acabar com a luta.
A Síria, único membro árabe da Frente
de Resistência, que abriga o líder do Hamas
Khaled Mashaal em Damasco, recentemente renovou suas relações
com as potências européias, e forneceu indicações
de um diálogo reaberto com os EUA sob a nova administração
Obama. A Síria também não tem a intenção
de se engajar numa guerra contra Israel. Sua única contribuição
foi suspender as conversas informais com Israel sobre um acordo
de paz e a devolução das Colinas de Golã,
tomadas por Israel em 1967, e um encontro com Sarkozy durante
sua visita ao Oriente Médio para forjar um fim às
hostilidades em termos aceitáveis para Israel e os EUA.
No Líbano, liderado por um governo-marionete dos EUA,
qualquer oposição ao imperialismo dos EUA ou apoio
aos palestinos é associado ao Hezbollah, que é apoiado
pelo Irã. O Hezbollah também deixou o Hamas no pântano.
Isso contrasta fortemente com 2006, onde 12 dias após Israel
lançar um ataque massivo a Gaza o Hezbollah abriu uma segunda
frente de batalha na fronteira norte de Israel e lutou até
que o ataque fosse interrompido.
Agora, parte do governo e focado nas eleições
de junho, quando espera aumentar sua base de votos e se tornar
o maior partido parlamentar e sem qualquer apoio do Irã
em favor de hostilidades contra Israel, o Hezbollah não
está disposto a comprometer seus objetivos políticos
internos.
O líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, antes havia
quase prometido que não se engajaria em outra guerra com
Israel, dizendo que não teria ordenado o assalto através
da fronteira em 2006 se soubesse que Israel responderia com uma
guerra de 34 dias, matando 1000 pessoas e deixando boa parte do
país em ruínas.
Numa manifestação massiva, Nasrallah conclamou
o mundo árabe e islâmico a se levantar em favor de
Gaza. Advertiu Israel de que qualquer ofensiva por terra em Gaza
resultaria em muitas perdas para os israelenses. Mas apesar de
dizer que não abandonará Gaza, não ofereceu
qualquer apoio concreto. Em vez disso, disse aos seus próprios
combatentes para permanecerem em alerta, caso Israel decida atacar
o Líbano.
Quando dois foguetes Katyusha disparados do sul do Líbano
explodiram no norte de Israel na semana passada, levando Israel
a disparar projéteis de artilharia contra o Líbano,
um ministro de governo do Hezbollah negou qualquer envolvimento
de sua organização. A Frente Popular para a Libertação
da Palestina-Comando Geral, desde então assumiu a responsabilidade
do ataque.
Ali Fayyad, ex-oficial do Hezbollah e diretor de um instituto
de pesquisa afiliado, justificou não ir em auxílio
ao Hamas afirmando que a organização estaria indo
bem por conta própria. Não somos pessimistas
em relação ao futuro dos combates, disse.
Consideramos que a resistência é forte o bastante
e pensamos que os israelenses estão cometendo o mesmo erro
que cometeram na guerra de julho de 2006.
É tão marcante a posição do Hezbollah
que jornais árabes apontaram, em apoio aos líderes
despóticos de seus próprios países, a óbvia
discrepância entre as palavras e ações de
Nasrallah.
As ações das classes dominantes em toda a região
contrastam fortemente com as amplas manifestações
que chamam pela ação contra Israel. Isso demonstra
que a realização das tarefas nacionais e democráticas
básicas nas nações oprimidas pode apenas
ser alcançada através de mobilização
política independente da classe trabalhadora sobre a base
de uma perspectiva socialista e internacionalista.
A resolução da questão palestina, que
tem sido o foco de conflitos amargos e tragédia política
por quase um século, está inseparavelmente ligada
ao sucesso da revolução socialista no Oriente Médio
e em todo o mundo. A questão central colocada é
a unificação da classe trabalhadora árabe
e judaica em torno da luta pela deposição de todos
os governos burgueses despóticos na região e a construção
de uma Federação Socialista do Oriente Médio.