Publicado originalmente em inglês em nosso site no
dia 12 de fevereiro de 2009
O Site Socialista de Interligação Mundial
(wsws.org) entrevistou Alain Krivine no congresso de fundação
do Novo Partido Anti-Capitalista (Nouveau Parti Anti-Capitaliste
NPA). As respostas dadas por Krivine o histórico
dirigente da Ligue Communiste Révolutionnaire (LCR)
esclarecem a importância política da decisão
da LCR em se dissolver dentro do NPA e repudiar qualquer associação
com o trotskismo.
Após expressar sua satisfação com o desenvolvimento
do congresso até aquele momento, Krivine falou aos repórteres
do WSWS sobre sua análise da crise econômica mundial,
assumindo uma posição ambígua: "Bem,
não sou um economista", disse ele. "Eu penso
que ninguém é capaz de dizer quanto tempo durará
e qual será seu impacto, mas será bastante considerável".
Questionado sobre as possíveis consequências políticas
da crise econômica, respondeu: "Quando você tem
um situação de angústia na vida das pessoas,
há somente duas respostas: ou as pessoas resistem e lutam,
o que é uma explosão, ou elas se voltam para sí
próprias, descréditas na luta, de uma forma individualista.
Ambas podem ocorrer, por isso sou cauteloso na resposta".
Após citar como um sinal entusiasmante a greve geral
de 2,5 milhões de pessoas que ocorreu na França
no dia 29 de janeiro, organizada por vários sindicatos
do país, acrescentou: "Então, eu diria que
existe uma situação explosiva... Mas ela explodirá?".
Encolheu os ombros.
Questionado sobre a eleição de Obama, Krivine
respondeu: "Obama, nós não temos ilusões,
ele tem o apoio dos grandes banqueiros, ele é pró-capitalismo".
Entretanto, logo acrescentou. "Mas também não
somos neutros. É verdade que a eleição de
uma pessoa negra, com tudo o que isso significa nos EUA, é
um passo adiante considerável."
Nos comentários seguintes, Krivine contradisse sua posição
de não depositar ilusões em Obama. "O aspecto
positivo, nos EUA, é o de que isso muda tudo", disse
ele. "Ele re-mobilizou a população americana
e isso é um aspecto positivo, as pessoas vão para
as ruas para ajuda-lo... Ocorrerão reformas melhores do
que aquelas do Bush. Não pode ser pior que o Bush, talvez
podemos criticar algo sobre o desemprego, ou sobre dar um monte
de dinheiro para os patrões".
Perguntado sobre o que prevê para as relações
EUA-Europa na situação política internacional
de guerras e intervenções extrangeiras, Krivine
respondeu: "A Europa, agora, é uma piada, são
os americanos que dominam tudo; então, a Europa, ainda
que se modifique um pouco, enquanto se mantiver capitalista não
mudará muita coisa". Acrscentou: "Sob Obama,
a Europa ficará, em certo sentido, um pouco melhor, ele
será um pouco menos desconcertante do que Bush".
Questionado sobre qual perspectiva o NPA oferecerá à
luta dos trabalhadores, disse que a meta do NPA é "ajudar
na luta não somos sindicalistas, tentamos trazer
a política para dentro, mas tentamos estabelecer uma coordenação
de lutas, portanto, não é 'cada um por sí'".
Sem temer a hostilidade pública das centrais sindicais
por tal posição, defendeu: "A idéia
central é a de prepararmos conjuntamente uma greve geral,
é claro".
Com frases cuidadosamente elaboradas e elipticas, Krivine delineou
a perspectiva de não defender a luta revolucionária
mas, caso surja tal situação, usa-la para formar
um governo de coalizão com partidos burgueses de esquerda
da França como, principalmente, o Parti Socialiste
(PS) e o Parti Communiste Français (PCF). Segundo
Krivine, o NPA trabalhará para que, "caso haja uma
greve geral amanhã o que não depende de nós
como a de 1968, ela será melhor resolvida, ou seja,
colocará a questão do poder".
Perguntado sobre como o NPA tentará agir de forma difirente
do que em 1968, Krivine respondeu: "[Em 1968] as pessoas
aprenderam a formar comitês de greve, eleger delegados e
enviá-los a Paris, ou seja, criar formas ilegais de poder
que, entretanto, são legítimas, um legítimo
contra-poder que poderia ter se candidatado ao poder".
No entanto, Krivine é hostil ao poder operario e insiste
na importancia das coalizões entre os partidos institucionais
franceses: "Aconteceram passeatas ao final de 1968 onde centenas
de milhares defenderam o poder operário. Aquilo não
significava nada. E para quem, com qual propósito, dar
o poder? Os partidos políticos da época não
o queriam como o PCF. O PS estava paralisado. Nós
éramos muito jovens, estudantes, então navia ninguém
para se candidatar ao poder".
Questionado se o NPA, hoje, tentaria assumir o poder, Krivine
respondeu: "Não necessariamente, não, eu diria
que esperamos que haja primeiro, por exemplo, uma articulação
nacional dos grevistas, um movimento de greve onde partidos políticos
como o nosso possam desempenhar alguma função..."
A orientação principal do NPA é pela construção
de uma nova coalizão de "esquerda". Quando o
WSWS questionou sobre quais outros partidos poderiam fazer parte
de tal coalizão, Krivine respondeu: "Não sei...
não sei exatamente que posição o PCF assumirá
na crise atual. Podem existir outras cisões importantes
no PS, como aquela do Mélenchon [que recentemente fundou
o Parti de Gauche Partido de Esquerda e defende
uma aliança eleitoral com o NPA]. Há ainda outros
grupos de esquerda que não se juntaram ao NPA Lutte
Ovrière e o Alternatifs. Além deles, existem
ainda outros grupos pequenos que estão entrando no NPA,
por suas diversão razões, mas que também
não são desprezíveis".
O objetivo de Krivine, no contexto de um levante revolucionário
da classe trabalhadora contra o capitalismo francês, é
o de traballhar conjuntamente com os partidos partidos de esquerda
estabelecidos na França e dividir o poder com eles.
Tal perspectiva é completamente imcompatível
com o trotskismo, ou seja, com o marxismo revolucionário.
Alianças envolvendo o PS e o PCF, dois defensores do capitalismo
na França, promoveram a derrota de duas promissoras situações
revolucionárias no país: a greve geral de 1936,
sob o governo de Frente Popular, ou seja, a união do Partido
Socialista, do Partido Comunista Francês e do Partido Radical;
e a greve geral de 1968, que irrompeu contra o governo de Charles
de Gaulle.
Escrevendo após a derrota da greve geral de 1936, Trotsky
insistiu que a luta revolucionária somente poderia triunfar
na França se fosse baseada numa completa independência
política e organizativa dos dois partidos de "esquerda",
o Comunista e o Socialista: "A única coisa capaz de
salvar a situação na França é a criação
de uma verdadeira vanguarda revolucionária de muitos milhares
de homens, que compreenda claramente a situação
e mantenha-se completamente livre de qualquer influência
da burguesia ou da opinião pública pequeno-burguesa
('socialista', 'comunista', 'anarco-sindicalista' etc.) e esteja
preparada para ir até o fim. Tal vanguarda saberá
como atingir o caminho até as massas".
No entanto, Krivine, propõe o estabelecimento de alianças
com tais partidos. Não à toa, apesar de algumas
poucas referências favoráveis, Krivine enxerga o
trotskismo e a história da Quarta Internacional, fundada
por Trotsky, com hostilidade e desprezo. Perguntado sobre a importância
de Trotsky hoje, Krivine respondeu: "O aspecto positivo do
Trotsky, que também tem vários erros, foi ter organizado
a luta contra o stalinismo".
Tal posição esconde uma gigantesca contradição:
Krivine argumenta que seu interesse pelo trotskismo advém
da luta contra o stalinismo, no entanto, considera, hoje, uma
possivel coalizão com o stalinista PCF.
Perguntado sobre quais erros de Trotsky seriam aqueles a que
se referiu, Krivine respondeu: "Eu penso que ele estava errado
sobre o stalinismo. Ele escreveu que após o stalinismo,
um socialismo democrático surgiria. [Mas] o que veio depois
foi terrível um capitalismo selvagem com Putin e
tudo o mais. Então, com tal análise, ele acreditava
que o stalinismo enfrentaria problemas, mas não foi bem
isso o que aconteceu".
Aqui Krivine simplesmente falsifica as posições
de Trotksy, que expressou seu julgamento do futuro da URSS, talvez
o mais famoso, na A Revolução Traída:
"Um desenvolvimento posterior das contradições
acumuladas pode levar tanto para o socialismo quanto de volta
para o capitalismo, no caminho para o capitalismo, a contrarevolução
terá de quebrar a resistência dos trabalhadores;
no caminho para o socialismo, os trabalhadores terão de
derrubar a burocracia. Em última análise, a questão
será decidida pela luta entre forças sociais vivas,
tanto na arena nacional quanto internacional".
O siginificado da falsificação de Krivine é
o de responsabilizar pela traição da revolução
socialista na URSS não quem realmente merece a burocracia
soviética e seus aliados internacionais, como o PCF, com
quem Krivine quer se unir mas o "curso dos eventos",
os quais Krivine avalia como praticamente inevitáveis.
Os repórteres do WSWS questionaram a opinião
de Krivine sobre a cisão de 1953 dentro da Quarta Internacional,
quando o Comitê Internacional da Quarta Internacional (CIQI)
surgiu em oposição aos agrupamentos que se orientavam
pelos partidos stalinistas, como a LCR, que apoiava a tática
de fazer entrismo nos partidos stalinistas e tentar influenciar
sua linha política. Krivine respondeu: "Eu penso que
esse tipo de discussão já se tornou completamente
irrelevante diante dos evetos atuais".
Se algo positivo pode ser tirado do congresso do NPA, é
precisamente o esclarecimento das posições políticas
assumidas por Alain Krivine, pela LCR e o NPA ou seja,
o abandono completo do trotskismo. As posições de
Krivine sobre o legado de Trotsky e a história da Quarta
Internacional estão ligadas a uma orientação
política bastante definida: a rejeição aberta
do socialismo e a formação de um "partido anti-acapitalista"
para cooptar altamente setores da esquerda pequeno-burguesa, trilhando
o caminho para formar governos de coalizão burgueses.