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França: uma conversa com Alain Krivine, do NPA

Por Alex Lantier
26 de fevereiro de 2009

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Publicado originalmente em inglês em nosso site no dia 12 de fevereiro de 2009

O Site Socialista de Interligação Mundial (wsws.org) entrevistou Alain Krivine no congresso de fundação do Novo Partido Anti-Capitalista (Nouveau Parti Anti-Capitaliste — NPA). As respostas dadas por Krivine — o histórico dirigente da Ligue Communiste Révolutionnaire (LCR) — esclarecem a importância política da decisão da LCR em se dissolver dentro do NPA e repudiar qualquer associação com o trotskismo.

Após expressar sua satisfação com o desenvolvimento do congresso até aquele momento, Krivine falou aos repórteres do WSWS sobre sua análise da crise econômica mundial, assumindo uma posição ambígua: "Bem, não sou um economista", disse ele. "Eu penso que ninguém é capaz de dizer quanto tempo durará e qual será seu impacto, mas será bastante considerável".

Questionado sobre as possíveis consequências políticas da crise econômica, respondeu: "Quando você tem um situação de angústia na vida das pessoas, há somente duas respostas: ou as pessoas resistem e lutam, o que é uma explosão, ou elas se voltam para sí próprias, descréditas na luta, de uma forma individualista. Ambas podem ocorrer, por isso sou cauteloso na resposta".

Após citar como um sinal entusiasmante a greve geral de 2,5 milhões de pessoas que ocorreu na França no dia 29 de janeiro, organizada por vários sindicatos do país, acrescentou: "Então, eu diria que existe uma situação explosiva... Mas ela explodirá?". Encolheu os ombros.

Questionado sobre a eleição de Obama, Krivine respondeu: "Obama, nós não temos ilusões, ele tem o apoio dos grandes banqueiros, ele é pró-capitalismo". Entretanto, logo acrescentou. "Mas também não somos neutros. É verdade que a eleição de uma pessoa negra, com tudo o que isso significa nos EUA, é um passo adiante considerável."

Nos comentários seguintes, Krivine contradisse sua posição de não depositar ilusões em Obama. "O aspecto positivo, nos EUA, é o de que isso muda tudo", disse ele. "Ele re-mobilizou a população americana e isso é um aspecto positivo, as pessoas vão para as ruas para ajuda-lo... Ocorrerão reformas melhores do que aquelas do Bush. Não pode ser pior que o Bush, talvez podemos criticar algo sobre o desemprego, ou sobre dar um monte de dinheiro para os patrões".

Perguntado sobre o que prevê para as relações EUA-Europa na situação política internacional de guerras e intervenções extrangeiras, Krivine respondeu: "A Europa, agora, é uma piada, são os americanos que dominam tudo; então, a Europa, ainda que se modifique um pouco, enquanto se mantiver capitalista não mudará muita coisa". Acrscentou: "Sob Obama, a Europa ficará, em certo sentido, um pouco melhor, ele será um pouco menos desconcertante do que Bush".

Questionado sobre qual perspectiva o NPA oferecerá à luta dos trabalhadores, disse que a meta do NPA é "ajudar na luta — não somos sindicalistas, tentamos trazer a política para dentro, mas tentamos estabelecer uma coordenação de lutas, portanto, não é 'cada um por sí'". Sem temer a hostilidade pública das centrais sindicais por tal posição, defendeu: "A idéia central é a de prepararmos conjuntamente uma greve geral, é claro".

Com frases cuidadosamente elaboradas e elipticas, Krivine delineou a perspectiva de não defender a luta revolucionária mas, caso surja tal situação, usa-la para formar um governo de coalizão com partidos burgueses de esquerda da França — como, principalmente, o Parti Socialiste (PS) e o Parti Communiste Français (PCF). Segundo Krivine, o NPA trabalhará para que, "caso haja uma greve geral amanhã — o que não depende de nós — como a de 1968, ela será melhor resolvida, ou seja, colocará a questão do poder".

Perguntado sobre como o NPA tentará agir de forma difirente do que em 1968, Krivine respondeu: "[Em 1968] as pessoas aprenderam a formar comitês de greve, eleger delegados e enviá-los a Paris, ou seja, criar formas ilegais de poder que, entretanto, são legítimas, um legítimo contra-poder que poderia ter se candidatado ao poder".

No entanto, Krivine é hostil ao poder operario e insiste na importancia das coalizões entre os partidos institucionais franceses: "Aconteceram passeatas ao final de 1968 onde centenas de milhares defenderam o poder operário. Aquilo não significava nada. E para quem, com qual propósito, dar o poder? Os partidos políticos da época não o queriam — como o PCF. O PS estava paralisado. Nós éramos muito jovens, estudantes, então navia ninguém para se candidatar ao poder".

Questionado se o NPA, hoje, tentaria assumir o poder, Krivine respondeu: "Não necessariamente, não, eu diria que esperamos que haja primeiro, por exemplo, uma articulação nacional dos grevistas, um movimento de greve onde partidos políticos como o nosso possam desempenhar alguma função..."

A orientação principal do NPA é pela construção de uma nova coalizão de "esquerda". Quando o WSWS questionou sobre quais outros partidos poderiam fazer parte de tal coalizão, Krivine respondeu: "Não sei... não sei exatamente que posição o PCF assumirá na crise atual. Podem existir outras cisões importantes no PS, como aquela do Mélenchon [que recentemente fundou o Parti de Gauche — Partido de Esquerda — e defende uma aliança eleitoral com o NPA]. Há ainda outros grupos de esquerda que não se juntaram ao NPA — Lutte Ovrière e o Alternatifs. Além deles, existem ainda outros grupos pequenos que estão entrando no NPA, por suas diversão razões, mas que também não são desprezíveis".

O objetivo de Krivine, no contexto de um levante revolucionário da classe trabalhadora contra o capitalismo francês, é o de traballhar conjuntamente com os partidos partidos de esquerda estabelecidos na França e dividir o poder com eles.

Tal perspectiva é completamente imcompatível com o trotskismo, ou seja, com o marxismo revolucionário. Alianças envolvendo o PS e o PCF, dois defensores do capitalismo na França, promoveram a derrota de duas promissoras situações revolucionárias no país: a greve geral de 1936, sob o governo de Frente Popular, ou seja, a união do Partido Socialista, do Partido Comunista Francês e do Partido Radical; e a greve geral de 1968, que irrompeu contra o governo de Charles de Gaulle.

Escrevendo após a derrota da greve geral de 1936, Trotsky insistiu que a luta revolucionária somente poderia triunfar na França se fosse baseada numa completa independência política e organizativa dos dois partidos de "esquerda", o Comunista e o Socialista: "A única coisa capaz de salvar a situação na França é a criação de uma verdadeira vanguarda revolucionária de muitos milhares de homens, que compreenda claramente a situação e mantenha-se completamente livre de qualquer influência da burguesia ou da opinião pública pequeno-burguesa ('socialista', 'comunista', 'anarco-sindicalista' etc.) e esteja preparada para ir até o fim. Tal vanguarda saberá como atingir o caminho até as massas".

No entanto, Krivine, propõe o estabelecimento de alianças com tais partidos. Não à toa, apesar de algumas poucas referências favoráveis, Krivine enxerga o trotskismo e a história da Quarta Internacional, fundada por Trotsky, com hostilidade e desprezo. Perguntado sobre a importância de Trotsky hoje, Krivine respondeu: "O aspecto positivo do Trotsky, que também tem vários erros, foi ter organizado a luta contra o stalinismo".

Tal posição esconde uma gigantesca contradição: Krivine argumenta que seu interesse pelo trotskismo advém da luta contra o stalinismo, no entanto, considera, hoje, uma possivel coalizão com o stalinista PCF.

Perguntado sobre quais erros de Trotsky seriam aqueles a que se referiu, Krivine respondeu: "Eu penso que ele estava errado sobre o stalinismo. Ele escreveu que após o stalinismo, um socialismo democrático surgiria. [Mas] o que veio depois foi terrível — um capitalismo selvagem com Putin e tudo o mais. Então, com tal análise, ele acreditava que o stalinismo enfrentaria problemas, mas não foi bem isso o que aconteceu".

Aqui Krivine simplesmente falsifica as posições de Trotksy, que expressou seu julgamento do futuro da URSS, talvez o mais famoso, na A Revolução Traída: "Um desenvolvimento posterior das contradições acumuladas pode levar tanto para o socialismo quanto de volta para o capitalismo, no caminho para o capitalismo, a contrarevolução terá de quebrar a resistência dos trabalhadores; no caminho para o socialismo, os trabalhadores terão de derrubar a burocracia. Em última análise, a questão será decidida pela luta entre forças sociais vivas, tanto na arena nacional quanto internacional".

O siginificado da falsificação de Krivine é o de responsabilizar pela traição da revolução socialista na URSS não quem realmente merece — a burocracia soviética e seus aliados internacionais, como o PCF, com quem Krivine quer se unir — mas o "curso dos eventos", os quais Krivine avalia como praticamente inevitáveis.

Os repórteres do WSWS questionaram a opinião de Krivine sobre a cisão de 1953 dentro da Quarta Internacional, quando o Comitê Internacional da Quarta Internacional (CIQI) surgiu em oposição aos agrupamentos que se orientavam pelos partidos stalinistas, como a LCR, que apoiava a tática de fazer entrismo nos partidos stalinistas e tentar influenciar sua linha política. Krivine respondeu: "Eu penso que esse tipo de discussão já se tornou completamente irrelevante diante dos evetos atuais".

Se algo positivo pode ser tirado do congresso do NPA, é precisamente o esclarecimento das posições políticas assumidas por Alain Krivine, pela LCR e o NPA — ou seja, o abandono completo do trotskismo. As posições de Krivine sobre o legado de Trotsky e a história da Quarta Internacional estão ligadas a uma orientação política bastante definida: a rejeição aberta do socialismo e a formação de um "partido anti-acapitalista" para cooptar altamente setores da esquerda pequeno-burguesa, trilhando o caminho para formar governos de coalizão burgueses.

[traduzido por movimentonn.org]