Publicado originalmente no wsws em inglês em 6 de
janeiro de 2009.
Abaixo segue a segunda parte de uma palestra realizada em
uma escola de verão do Socialist Equality Party [SEP
Partido da Igualdade Socialista] em Ann Arbor, Michigan, em agosto
de 2007.
A explosão revolucionária
Um jovem membro do PCC [Partido Comunista Chinês], Peng
Shuzi, que havia voltado de Moscou em 1924 e mais tarde se tornaria
um líder no movimento trotskista chinês, demandava
fortemente, junto a outros membros da ala esquerda do partido,
uma política mais crítica em relação
ao KMT. Ele se opôs diretamente à linha oficial de
apoio à burguesia nacional que, unida por curtos laços
aos senhores-guerreiros e potências imperialistas, era hostil
à classe trabalhadora e incapaz de liderar a revolução
nacional-democrática. Peng argumentava que o proletariado
deveria tomar a liderança das lutas anti-coloniais.
Tal disputa polêmica teve um impacto significativo. O
PCC reconduziu seu trabalho ao foco de liderar o crescente movimento
de massas da classe trabalhadora, colocando em segundo plano suas
atividades no KMT. Quando o PCC realizou seu Segundo Congresso
Nacional do Trabalho no Primeiro de Maio de 1925, suas organizações
representavam 570.000 trabalhadores. Sua influência crescente
agitou uma onda de lutas da classe trabalhadora.
Durante a greve das fábricas de tecido controladas pelo
Japão em Xangai, um trabalhador comunista foi assassinado
a tiros, provocando manifestações anti-imperialistas
pela cidade. Em 30 de maio, milhares de estudantes e trabalhadores
protestaram em frente a uma delegacia de polícia em Xangai
para exigir a liberação dos manifestantes que haviam
sido presos. A polícia britânica abriu fogo, matando
12 pessoas e ferindo dezenas.
Aquele evento, que que ficou conhecido como o "Incidente
de 30 de Maio", desencadeou um levante sem precedentes da
classe trabalhadora, marcando o início da Segunda Revolução
Chinesa. Ocorreram cerca de 125 greves envolvendo 400.000 trabalhadores,
além de protestos em massa e rebeliões por todo
o país. Três semanas depois, em 23 de junho de 1925,
quando trabalhadores e estudantes protestavam em Guangzhou (Cantão),
a polícia anglo-francesa matou 52 pessoas a tiros. Quando
souberam do massacre, trabalhadores de Hong Kong responderam com
uma greve geral. Cem mil trabalhadores deixaram Hong Kong e foi
declarado um boicote sob a direção do Comitê
de Greve Cantão-Hong Kong às mercadorias
britânicas.
Inicialmente, a luta anti-imperialista envolvia "todo
o povo"; não apenas estudantes e trabalhadores, mas
também capitalistas chineses. A burguesia chinesa, porém,
logo chocou-se com o espírito de luta e o radicalismo da
classe trabalhadora. Os empresários chineses em Xangai
se retiraram rapidamente, passando à cooperação
com as potências imperialistas, contra o movimento de greve.
Depois da morte de Sun Yat-sen, em março de 1925, a
hostilidade da burguesia chinesa contra a classe trabalhadora
se expressou claramente na ascensão política de
Chiang Kai-shek. Filho de um comerciante rico, Chiang tinha ligações
com banqueiros e comerciantes de Xangai. Diferente de Sun, Chiang
Kai-shek não era um intelectual. Havia passado seus anos
de juventude entre os gangsters, assassinos e ladrões de
Xangai, que mais tarde se tornariam sua tropa de choque contra
a classe trabalhadora da cidade.
A radicalização da classe trabalhadora forçou
a direção do PCC a repensar suas relações
com o KMT. Em outubro de 1925, Chen Duxiu novamente sugeriu que
o PCC saísse do KMT e cooperasse apenas externamente, mas
o Comintern rejeitou a proposta. A clique stalinista queria usar
a morte de Sun para colocar líderes de "esquerda"
ou pró-Moscou, como Wang Ching-wei , assim como Chiang
Kai-shek na direção central do KMT.
A política menchevique de Stalin
Ninguém questionava que as tarefas imediatas da revolução
chinesa eram "nacional-democráticas" ou burguesas
em caráter. O problema era: que classe lideraria a revolução
a burguesia ou o proletariado e em que direção
rumo a uma república democrática da burguesia
ou a um Estado dos trabalhadores?
Depois do levante da classe trabalhadora em 1925, Stalin voltou-se
à esquerda, mas baseou-se sistematicamente numa política
claramente menchevique. Em oposição às lições
de 1917 na Rússia, ele sustentou a ilusão de que
o partido burguês KMT era um "partido dos trabalhadores
e camponeses", capaz de dirigir a luta revolucionária.
E ainda foi adiante, argumentando que, em países como a
China, a opressão imperialista unia todas as forças
"progressistas" a burguesia nacional, a intelligentsia
pequeno-burguesa, o campesinato e a classe trabalhadora
num "bloco de quatro classes".
Como os mencheviques russos, Stalin afirmava que a direção
da "revolução anti-imperialista" pertencia
naturalmente à burguesia nacional chinesa. A China era
atrasada demais para construir o socialismo, defendia ele, de
modo que a revolução proletária deveria ser
adiada para o futuro indefinido como um segundo estágio
da revolução. No primeiro estágio, a tarefa
dos comunistas chineses era empurrar o KMT para a esquerda, transformando-o
numa "ditadura democrática do proletariado e campesinato".
Na prática, a perspectiva de Stalin implicava que os comunistas
chineses eram responsáveis por ajudar o KMT a chegar ao
poder e a suprimir a luta da classe trabalhadora pelo poder.
O próprio fato de que o KMT era compelido a aliar-se
ao PCC refletia a fraqueza orgânica da burguesia. O oportunismo
de Stalin permitiu que os líderes do KMT aparecessem às
massas como "revolucionários" e "socialistas"
oportunidade que agarraram com as duas mãos. O Kuomintang
foi formalmente incluído na Sexta Plenária do Comitê
Executivo da Internacional Comunista de fevereiro-março
de 1926. Stalin considerou-o seção "simpatizante"
do Comintern, e pôs Chiang Kai-shek no presidium do Comintern,
com o cargo de presidente "honorário".
Os líderes do KMT apareciam como revolucionários
precisamente por causa da força do apelo do PCC. Em 1920,
o PCC consistia principalmente de um pequeno círculo de
intelectuais; em 1927, o partido dirigiu um movimento de quase
3 milhões de trabalhadores da indústria, mineração
e ferrovias a vasta maioria do pequeno mas concentrado
proletariado chinês. Em 1922, o PCC possuía apenas
130 membros. Cinco anos depois, o partido, incluindo seu movimento
de juventude, a Liga da Juventude Comunista, contabilizava 100.000
membros. Em 1923, quando o PCC começou a construir associações
camponesas, reunia somente 100.000 camponeses de Cantão;
em junho de 1927, o número alcançava 13 milhões
nas províncias de Hunan e Hubei. Além disso, dezenas
de milhares de soldados eram simpáticos ao movimento revolucionário.
Mas o partido manteve uma política conservadora que tinha
como objetivo conter essas massas radicalizadas, para manter a
aliança com a burguesia liberal.
A vinculação total do PCC ao KMT efetivada por
Stalin deixou o partido totalmente vulnerável à
inevitável virada do KMT contra o movimento revolucionário.
Em 20 de março de 1926, Chiang repentinamente iniciou um
golpe para aumentar seu domínio sobre o KMT. Não
só passou por cima da chamada liderança de "esquerda"
do KMT, como também prendeu 50 comunistas proeminentes
e colocou todos os conselheiros soviéticos em prisão
domiciliar. Desarmou o Comitê de Greve Cantão-Hong
Kong e se estabeleceu, efetivamente, como ditador militar em Cantão.
Após uma reação inicial de choque e confusão,
Stalin rapidamente decidiu manter a mesma política. Novamente
se opôs a uma iniciativa do PCC de deixar o KMT. Nos jornais
dos Soviets e do Comintern, todas as notícias sobre o golpe
de Chiang foram encobertas ou desconsideradas como propaganda
imperialista. Stalin aceitou as medidas hostis de Chiang, restringindo
o número de membros do PCC em qualquer comitê do
KMT a não mais que um terço da composição
total.
Mesmo quando Chiang já demonstrava abertamente suas
intenções contra-revolucionárias, Stalin
apoiou com entusiasmo seu plano militar de lançamento da
Expedição do Norte contra os senhores-guerreiros.
Em nome da assistência aos esforços de guerra do
KMT, a greve de 16 meses de Cantão-Hong Kong, que fez tremer
o imperialismo britânico, foi encerrada. Qualquer luta independente
por trabalhadores e camponeses foi banida.
Trotsky lançou um combate sistemático contra
a política de Stalin para a China. Em setembro de 1926,
Trotsky concluiu que o PCC deveria imediatamente deixar o KMT.
"O movimento para a esquerda das massas de trabalhadores
chineses," disse ele, "é um fato tão certo
quando o movimento para a direita da burguesia chinesa. À
medida em que o Kuomintang baseou-se na união política
e organizacional entre trabalhadores e burguesia, agora ele é
despedaçado pelas tendências centrífugas da
luta de classes. Não existem fórmulas políticas
mágicas ou recursos táticos inteligentes para contrabalançar
essas tendências, e nem poderia haver.
"A participação do PCC no Kuomintang foi
perfeitamente correta no período em que era apenas uma
sociedade de propaganda e se preparava para a futura atividade
política independente e que, ao mesmo tempo, procurava
tomar parte na luta de libertação nacional em andamento.
Os últimos dois anos viram a ascensão de uma poderosa
onda de greves entre os trabalhadores chineses... Este fato, por
si só, confronta o PCC com a tarefa de desenvolver-se,
saindo da classe preparatória em que se encontra e avançando
para um patamar mais elevado. Sua tarefa política imediata
precisa ser lutar pela liderança direta e independente
da classe trabalhadora que despertou não, é
claro, para removê-la do quadro da luta nacional-revolucionária,
mas para assegurá-la tanto o papel de combatente mais resoluta,
quanto o de líder política hegemônica, no
contexto da luta das massas chinesas" (Leon Trotsky on
China, Monad Press, Nova Iorque, 1978, p. 114).
A análise de Trotsky foi confirmada pelos acontecimentos.
Ao invés de desenvolver uma perspectiva proletária
independente, o PCC devotou sua energia ao apoio da Expedição
do Norte contra os senhores-guerreiros, convocando trabalhadores
e camponeses a auxiliar o Exército Revolucionário
Nacional. As massas forneciam informações de inteligência
e estabeleciam unidades de guerrilha para cortar os fluxos de
transporte e suprimento dos oponentes. Sem esse suporte popular
e o excepcional heroísmo dos comandantes comunistas do
exército, Chiang Kai-shek não teria alcançado
o vale do Rio Yang-Tsé da maneira que o fez, em menos de
quatro meses.
As tensões de classe, porém, estavam prontas
para explodir, pois as vitórias militares do KMT sobre
os senhores-guerreiros eram vistas pelas massas chinesas como
o mero início da revolução. Quando as forças
expedicionárias liberaram Hunan, por exemplo, quatro milhões
de fazendeiros encheram as associações camponesas
em apenas cinco meses e 500.000 trabalhadores entraram para a
Associação Geral do Trabalho, liderada pelo PCC.
EM Wuhan, um grande centro industrial no vale de Yang-Tsé,
300.000 trabalhadores formaram a Associação Geral
de Hubei, sob a direção do PCC. Além disso,
o movimento de massas se radicalizava rapidamente. Trabalhadores
tomaram espontaneamente o controle das concessões britânicas
em Hankou. O movimento camponês passou das exigências
de aluguéis menores à luta armada com o objetivo
de expulsar os latifundiários.
Abril de 1927: o golpe de Xangai
Conforme as massas se levantavam, Chiang Kai-shek caminhava
rapidamente em direção ao campo da burguesia, grandes
comerciantes e representantes do imperialismo no leste chinês,
buscando suprimir a revolução. Moscou afirmava que
o curso para a direita de Chiang podia ser contrabalançado
pela reconstrução da "esquerda" em torno
de Wang Ching-wei na liderança central do KMT, agora sediada
em Wuhan. No entanto, as diferenças entre a esquerda e
a direita do KMT eram puramente táticas. Ambas concordavam
em estabelecer um governo "nacional" burguês.
Sua diferenças eram, basicamente, sobre questões
de estratégia militar, divisão do poder e, principalemente,
a respeito de quando e como romper a aliança com o Partido
Comunista.
Apesar das afirmativas vazias de Chiang a Stalin de que não
estabeleceria a dominação burguesa na China, tal
posição era cada vez mais inevitável, à
medida em que os exércitos do KMT se aproximavam de Xangai
o centro econômico do país com uma grande
e radicalizada classe trabalhadora.
O PCC procurou tomar o controle da cidade antes das tropas
do KMT, mas a política de Stalin de evitar um conflito
"prematuro" com Chiang Kai-shek e manter o "bloco
de quatro classes" abalou e estrangulou essa iniciativa.
Os trabalhadores de Xangai tomaram o poder apenas para presenteá-lo
à burguesia e depois enfrentar a fúria das gangues
assassinas de ladrões controladas por Chiang.
Sob a pressão das lutas de massas em ascenso, a direção
do PCC lançou um chamado pela quebra da barreira entre
as tarefas nacional-democráticas e a revolução
socialista. O partido convocou a classe trabalhadora a alcançar
a revolução socialista "imediatamente",
"concentrando as ferrovias, portos, minas e grandes indústrias
sob o controle do estado e fazendo a transição em
direção ao socialismo" (History of Sino-Soviet
Relations 1917-1991, Shen Zhihua, Xinhua Press, p. 31).
Hostil a qualquer tentativa do PCC de violar sua teoria dos
"dois estágios", Stalin fez retroceder a iniciativa
revolucionária na segunda metade de março de 1927,
emitindo as seguintes ordens:
1. Nenhuma tomada de controle armada das concessões
estrangeiras em Xangai, para evitar uma intervenção
imperialista;
2. Manobrar entre as alas esquerda e direita do KMT, evitar
o confronto com o exército e preservar as forças
do PCC;
3. O PCC deve preparar-se para as lutas armadas, mas precisa
esconder suas armas por hora, uma vez que a correlação
de forças é desfavorável à classe
trabalhadora.
Essas diretivas serviram para transformar o que era uma situação
revolucionária excepcionalmente favorável num desastre
mortal. Em 21 de março de 1927, o PCC organizou uma insurreição
armada, apoiada por uma greve geral de 800.000 trabalhadores de
Xangai. A classe trabalhadora esmagou as forças dos senhores-guerreiros
e tomou o controle da cidade, mas não das concessões
estrangeiras. O P,cc porém, foi impedido pela política
de Stalin de estabelecer um governo dos trabalhadores, e formou
em seu lugar um governo "provisório" que incluía
representantes da burguesia. A principal tarefa dessa governo
"provisório" não era levar adiante os
interesses dos trabalhadores, mas dar as boas vindas a Chiang
Kai-shek e suas tropas.
Chiang Kai-shek, deliberadamente, permaneceu fora de Xangai
por semanas para que os trabalhadores se esgotassem nas batalhas
contra os senhores guerreiros, enquanto planejava seu golpe em
cooperação com a burguesia, gangsters de Xangai
e as potências imperialistas. O complô de Chiang não
era segredo para a direção do P,cc que concluiu
que a classe trabalhadora de Xangai precisava se armar e voltar-se
aos soldados simpáticos dentro dos Segundo e Sexto exércitos
do KMT.
Em 31 de março, porém, o Comintern, alinhado
com a prescrição de Stalin de evitar o conflito
"prematuro", enviou um telegrama a Xangai ordenando
que o PCC instruísse milhares de trabalhadores a esconder
suas armas. Um líder do P,cc Luo Yinong, denunciou raivosamente
a ordem como uma "política de suicídio".
Ainda assim, o PCC foi compelido a obedecer.
Trotsky e a Oposição de Esquerda enfaticamente
alertaram sobre os perigos e chamaram a construção
de Soviets como os necessários órgãos independentes
de poder das massas revolucionárias. Mas, em 5 de abril,
num infame discurso para milhares de quadros do partido no Hall
das Colunas em Moscou, Stalin insistiu que o PCC precisava manter
seu bloco com Chiang.
"Chiang Kai-shek se submete à disciplina. O Kuomintang
é um bloco, um tipo de parlamento revolucionário,
com a Direita, a Esquerda, e os Comunistas. Por que fazer um golpe?
Por que afastar a Direita quando temos a maioria e quando a Direita
nos escuta? (...) No presente, precisamos da Direita. Ela tem
pessoas capazes, que ainda dirigem o exército e o lideram
contra os imperialistas. Chiang Kai-shek não tem talvez
qualquer simpatia pela revolução mas ele está
liderando o exército e não pode fazer outra coisa
senão liderá-lo contra os imperialistas. Além
disso, os da Direita têm relações com o General
Chang Tso-lin [o senhor-guerreiro manchuriano] e compreendem muito
bem como desmoralizá-los e induzi-los a passar para o lado
da revolução, com mala e bagagem, sem dar um golpe.
Também, eles têm conexões com os comerciantes
ricos e podem levantar dinheiro a partir deles. Por isso, precisam
ser utilizados até o fim, espremidos como um limão,
e então jogados fora" (The Tragedy of the Chinese
Revolution, Harold R. Isaacs, Stanford University Press, 1961,
p. 162).
Em 12 de abril, apenas uma semana após o discurso de
Stalin, Chiang deu um golpe, enviando gangues de ladrões
para destruir a Associação Geral do Trabalho em
Xangai. No dia seguinte, o PCC convocou uma greve de 100.000 trabalhadores,
mas Chiang Kai-shek respondeu com tropas e metralhadoras, massacrando
centenas. Durante o reinado do "terror branco" nos meses
seguintes, milhares de trabalhadores comunistas foram assassinados
não apenas em Xangai mas também em outras cidades
sob o controle de Chiang.