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A tragédia da Revolução Chinesa de 1925-1927

Parte 2

Por John Chan
7 de fevereiro de 2009

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Publicado originalmente no wsws em inglês em 6 de janeiro de 2009.

Abaixo segue a segunda parte de uma palestra realizada em uma escola de verão do Socialist Equality Party [SEP — Partido da Igualdade Socialista] em Ann Arbor, Michigan, em agosto de 2007.

A explosão revolucionária

Um jovem membro do PCC [Partido Comunista Chinês], Peng Shuzi, que havia voltado de Moscou em 1924 e mais tarde se tornaria um líder no movimento trotskista chinês, demandava fortemente, junto a outros membros da ala esquerda do partido, uma política mais crítica em relação ao KMT. Ele se opôs diretamente à linha oficial de apoio à burguesia nacional que, unida por curtos laços aos senhores-guerreiros e potências imperialistas, era hostil à classe trabalhadora e incapaz de liderar a revolução nacional-democrática. Peng argumentava que o proletariado deveria tomar a liderança das lutas anti-coloniais.

Tal disputa polêmica teve um impacto significativo. O PCC reconduziu seu trabalho ao foco de liderar o crescente movimento de massas da classe trabalhadora, colocando em segundo plano suas atividades no KMT. Quando o PCC realizou seu Segundo Congresso Nacional do Trabalho no Primeiro de Maio de 1925, suas organizações representavam 570.000 trabalhadores. Sua influência crescente agitou uma onda de lutas da classe trabalhadora.

Durante a greve das fábricas de tecido controladas pelo Japão em Xangai, um trabalhador comunista foi assassinado a tiros, provocando manifestações anti-imperialistas pela cidade. Em 30 de maio, milhares de estudantes e trabalhadores protestaram em frente a uma delegacia de polícia em Xangai para exigir a liberação dos manifestantes que haviam sido presos. A polícia britânica abriu fogo, matando 12 pessoas e ferindo dezenas.

Aquele evento, que que ficou conhecido como o "Incidente de 30 de Maio", desencadeou um levante sem precedentes da classe trabalhadora, marcando o início da Segunda Revolução Chinesa. Ocorreram cerca de 125 greves envolvendo 400.000 trabalhadores, além de protestos em massa e rebeliões por todo o país. Três semanas depois, em 23 de junho de 1925, quando trabalhadores e estudantes protestavam em Guangzhou (Cantão), a polícia anglo-francesa matou 52 pessoas a tiros. Quando souberam do massacre, trabalhadores de Hong Kong responderam com uma greve geral. Cem mil trabalhadores deixaram Hong Kong e foi declarado um boicote — sob a direção do Comitê de Greve Cantão-Hong Kong — às mercadorias britânicas.

Inicialmente, a luta anti-imperialista envolvia "todo o povo"; não apenas estudantes e trabalhadores, mas também capitalistas chineses. A burguesia chinesa, porém, logo chocou-se com o espírito de luta e o radicalismo da classe trabalhadora. Os empresários chineses em Xangai se retiraram rapidamente, passando à cooperação com as potências imperialistas, contra o movimento de greve.

Depois da morte de Sun Yat-sen, em março de 1925, a hostilidade da burguesia chinesa contra a classe trabalhadora se expressou claramente na ascensão política de Chiang Kai-shek. Filho de um comerciante rico, Chiang tinha ligações com banqueiros e comerciantes de Xangai. Diferente de Sun, Chiang Kai-shek não era um intelectual. Havia passado seus anos de juventude entre os gangsters, assassinos e ladrões de Xangai, que mais tarde se tornariam sua tropa de choque contra a classe trabalhadora da cidade.

A radicalização da classe trabalhadora forçou a direção do PCC a repensar suas relações com o KMT. Em outubro de 1925, Chen Duxiu novamente sugeriu que o PCC saísse do KMT e cooperasse apenas externamente, mas o Comintern rejeitou a proposta. A clique stalinista queria usar a morte de Sun para colocar líderes de "esquerda" ou pró-Moscou, como Wang Ching-wei , assim como Chiang Kai-shek na direção central do KMT.

A política menchevique de Stalin

Ninguém questionava que as tarefas imediatas da revolução chinesa eram "nacional-democráticas" ou burguesas em caráter. O problema era: que classe lideraria a revolução — a burguesia ou o proletariado — e em que direção — rumo a uma república democrática da burguesia ou a um Estado dos trabalhadores?

Depois do levante da classe trabalhadora em 1925, Stalin voltou-se à esquerda, mas baseou-se sistematicamente numa política claramente menchevique. Em oposição às lições de 1917 na Rússia, ele sustentou a ilusão de que o partido burguês KMT era um "partido dos trabalhadores e camponeses", capaz de dirigir a luta revolucionária. E ainda foi adiante, argumentando que, em países como a China, a opressão imperialista unia todas as forças "progressistas" — a burguesia nacional, a intelligentsia pequeno-burguesa, o campesinato e a classe trabalhadora — num "bloco de quatro classes".

Como os mencheviques russos, Stalin afirmava que a direção da "revolução anti-imperialista" pertencia naturalmente à burguesia nacional chinesa. A China era atrasada demais para construir o socialismo, defendia ele, de modo que a revolução proletária deveria ser adiada para o futuro indefinido — como um segundo estágio da revolução. No primeiro estágio, a tarefa dos comunistas chineses era empurrar o KMT para a esquerda, transformando-o numa "ditadura democrática do proletariado e campesinato". Na prática, a perspectiva de Stalin implicava que os comunistas chineses eram responsáveis por ajudar o KMT a chegar ao poder e a suprimir a luta da classe trabalhadora pelo poder.

O próprio fato de que o KMT era compelido a aliar-se ao PCC refletia a fraqueza orgânica da burguesia. O oportunismo de Stalin permitiu que os líderes do KMT aparecessem às massas como "revolucionários" e "socialistas" — oportunidade que agarraram com as duas mãos. O Kuomintang foi formalmente incluído na Sexta Plenária do Comitê Executivo da Internacional Comunista de fevereiro-março de 1926. Stalin considerou-o seção "simpatizante" do Comintern, e pôs Chiang Kai-shek no presidium do Comintern, com o cargo de presidente "honorário".

Os líderes do KMT apareciam como revolucionários precisamente por causa da força do apelo do PCC. Em 1920, o PCC consistia principalmente de um pequeno círculo de intelectuais; em 1927, o partido dirigiu um movimento de quase 3 milhões de trabalhadores da indústria, mineração e ferrovias — a vasta maioria do pequeno mas concentrado proletariado chinês. Em 1922, o PCC possuía apenas 130 membros. Cinco anos depois, o partido, incluindo seu movimento de juventude, a Liga da Juventude Comunista, contabilizava 100.000 membros. Em 1923, quando o PCC começou a construir associações camponesas, reunia somente 100.000 camponeses de Cantão; em junho de 1927, o número alcançava 13 milhões nas províncias de Hunan e Hubei. Além disso, dezenas de milhares de soldados eram simpáticos ao movimento revolucionário. Mas o partido manteve uma política conservadora que tinha como objetivo conter essas massas radicalizadas, para manter a aliança com a burguesia liberal.

A vinculação total do PCC ao KMT efetivada por Stalin deixou o partido totalmente vulnerável à inevitável virada do KMT contra o movimento revolucionário. Em 20 de março de 1926, Chiang repentinamente iniciou um golpe para aumentar seu domínio sobre o KMT. Não só passou por cima da chamada liderança de "esquerda" do KMT, como também prendeu 50 comunistas proeminentes e colocou todos os conselheiros soviéticos em prisão domiciliar. Desarmou o Comitê de Greve Cantão-Hong Kong e se estabeleceu, efetivamente, como ditador militar em Cantão.

Após uma reação inicial de choque e confusão, Stalin rapidamente decidiu manter a mesma política. Novamente se opôs a uma iniciativa do PCC de deixar o KMT. Nos jornais dos Soviets e do Comintern, todas as notícias sobre o golpe de Chiang foram encobertas ou desconsideradas como propaganda imperialista. Stalin aceitou as medidas hostis de Chiang, restringindo o número de membros do PCC em qualquer comitê do KMT a não mais que um terço da composição total.

Mesmo quando Chiang já demonstrava abertamente suas intenções contra-revolucionárias, Stalin apoiou com entusiasmo seu plano militar de lançamento da Expedição do Norte contra os senhores-guerreiros. Em nome da assistência aos esforços de guerra do KMT, a greve de 16 meses de Cantão-Hong Kong, que fez tremer o imperialismo britânico, foi encerrada. Qualquer luta independente por trabalhadores e camponeses foi banida.

Trotsky lançou um combate sistemático contra a política de Stalin para a China. Em setembro de 1926, Trotsky concluiu que o PCC deveria imediatamente deixar o KMT. "O movimento para a esquerda das massas de trabalhadores chineses," disse ele, "é um fato tão certo quando o movimento para a direita da burguesia chinesa. À medida em que o Kuomintang baseou-se na união política e organizacional entre trabalhadores e burguesia, agora ele é despedaçado pelas tendências centrífugas da luta de classes. Não existem fórmulas políticas mágicas ou recursos táticos inteligentes para contrabalançar essas tendências, e nem poderia haver.

"A participação do PCC no Kuomintang foi perfeitamente correta no período em que era apenas uma sociedade de propaganda e se preparava para a futura atividade política independente e que, ao mesmo tempo, procurava tomar parte na luta de libertação nacional em andamento. Os últimos dois anos viram a ascensão de uma poderosa onda de greves entre os trabalhadores chineses... Este fato, por si só, confronta o PCC com a tarefa de desenvolver-se, saindo da classe preparatória em que se encontra e avançando para um patamar mais elevado. Sua tarefa política imediata precisa ser lutar pela liderança direta e independente da classe trabalhadora que despertou — não, é claro, para removê-la do quadro da luta nacional-revolucionária, mas para assegurá-la tanto o papel de combatente mais resoluta, quanto o de líder política hegemônica, no contexto da luta das massas chinesas" (Leon Trotsky on China, Monad Press, Nova Iorque, 1978, p. 114).

A análise de Trotsky foi confirmada pelos acontecimentos. Ao invés de desenvolver uma perspectiva proletária independente, o PCC devotou sua energia ao apoio da Expedição do Norte contra os senhores-guerreiros, convocando trabalhadores e camponeses a auxiliar o Exército Revolucionário Nacional. As massas forneciam informações de inteligência e estabeleciam unidades de guerrilha para cortar os fluxos de transporte e suprimento dos oponentes. Sem esse suporte popular e o excepcional heroísmo dos comandantes comunistas do exército, Chiang Kai-shek não teria alcançado o vale do Rio Yang-Tsé da maneira que o fez, em menos de quatro meses.

As tensões de classe, porém, estavam prontas para explodir, pois as vitórias militares do KMT sobre os senhores-guerreiros eram vistas pelas massas chinesas como o mero início da revolução. Quando as forças expedicionárias liberaram Hunan, por exemplo, quatro milhões de fazendeiros encheram as associações camponesas em apenas cinco meses e 500.000 trabalhadores entraram para a Associação Geral do Trabalho, liderada pelo PCC. EM Wuhan, um grande centro industrial no vale de Yang-Tsé, 300.000 trabalhadores formaram a Associação Geral de Hubei, sob a direção do PCC. Além disso, o movimento de massas se radicalizava rapidamente. Trabalhadores tomaram espontaneamente o controle das concessões britânicas em Hankou. O movimento camponês passou das exigências de aluguéis menores à luta armada com o objetivo de expulsar os latifundiários.

Abril de 1927: o golpe de Xangai

Conforme as massas se levantavam, Chiang Kai-shek caminhava rapidamente em direção ao campo da burguesia, grandes comerciantes e representantes do imperialismo no leste chinês, buscando suprimir a revolução. Moscou afirmava que o curso para a direita de Chiang podia ser contrabalançado pela reconstrução da "esquerda" em torno de Wang Ching-wei na liderança central do KMT, agora sediada em Wuhan. No entanto, as diferenças entre a esquerda e a direita do KMT eram puramente táticas. Ambas concordavam em estabelecer um governo "nacional" burguês. Sua diferenças eram, basicamente, sobre questões de estratégia militar, divisão do poder e, principalemente, a respeito de quando e como romper a aliança com o Partido Comunista.

Apesar das afirmativas vazias de Chiang a Stalin de que não estabeleceria a dominação burguesa na China, tal posição era cada vez mais inevitável, à medida em que os exércitos do KMT se aproximavam de Xangai — o centro econômico do país com uma grande e radicalizada classe trabalhadora.

O PCC procurou tomar o controle da cidade antes das tropas do KMT, mas a política de Stalin de evitar um conflito "prematuro" com Chiang Kai-shek e manter o "bloco de quatro classes" abalou e estrangulou essa iniciativa. Os trabalhadores de Xangai tomaram o poder apenas para presenteá-lo à burguesia e depois enfrentar a fúria das gangues assassinas de ladrões controladas por Chiang.

Sob a pressão das lutas de massas em ascenso, a direção do PCC lançou um chamado pela quebra da barreira entre as tarefas nacional-democráticas e a revolução socialista. O partido convocou a classe trabalhadora a alcançar a revolução socialista "imediatamente", "concentrando as ferrovias, portos, minas e grandes indústrias sob o controle do estado e fazendo a transição em direção ao socialismo" (History of Sino-Soviet Relations 1917-1991, Shen Zhihua, Xinhua Press, p. 31).

Hostil a qualquer tentativa do PCC de violar sua teoria dos "dois estágios", Stalin fez retroceder a iniciativa revolucionária na segunda metade de março de 1927, emitindo as seguintes ordens:

1. Nenhuma tomada de controle armada das concessões estrangeiras em Xangai, para evitar uma intervenção imperialista;

2. Manobrar entre as alas esquerda e direita do KMT, evitar o confronto com o exército e preservar as forças do PCC;

3. O PCC deve preparar-se para as lutas armadas, mas precisa esconder suas armas por hora, uma vez que a correlação de forças é desfavorável à classe trabalhadora.

Essas diretivas serviram para transformar o que era uma situação revolucionária excepcionalmente favorável num desastre mortal. Em 21 de março de 1927, o PCC organizou uma insurreição armada, apoiada por uma greve geral de 800.000 trabalhadores de Xangai. A classe trabalhadora esmagou as forças dos senhores-guerreiros e tomou o controle da cidade, mas não das concessões estrangeiras. O P,cc porém, foi impedido pela política de Stalin de estabelecer um governo dos trabalhadores, e formou em seu lugar um governo "provisório" que incluía representantes da burguesia. A principal tarefa dessa governo "provisório" não era levar adiante os interesses dos trabalhadores, mas dar as boas vindas a Chiang Kai-shek e suas tropas.

Chiang Kai-shek, deliberadamente, permaneceu fora de Xangai por semanas para que os trabalhadores se esgotassem nas batalhas contra os senhores guerreiros, enquanto planejava seu golpe em cooperação com a burguesia, gangsters de Xangai e as potências imperialistas. O complô de Chiang não era segredo para a direção do P,cc que concluiu que a classe trabalhadora de Xangai precisava se armar e voltar-se aos soldados simpáticos dentro dos Segundo e Sexto exércitos do KMT.

Em 31 de março, porém, o Comintern, alinhado com a prescrição de Stalin de evitar o conflito "prematuro", enviou um telegrama a Xangai ordenando que o PCC instruísse milhares de trabalhadores a esconder suas armas. Um líder do P,cc Luo Yinong, denunciou raivosamente a ordem como uma "política de suicídio". Ainda assim, o PCC foi compelido a obedecer.

Trotsky e a Oposição de Esquerda enfaticamente alertaram sobre os perigos e chamaram a construção de Soviets como os necessários órgãos independentes de poder das massas revolucionárias. Mas, em 5 de abril, num infame discurso para milhares de quadros do partido no Hall das Colunas em Moscou, Stalin insistiu que o PCC precisava manter seu bloco com Chiang.

"Chiang Kai-shek se submete à disciplina. O Kuomintang é um bloco, um tipo de parlamento revolucionário, com a Direita, a Esquerda, e os Comunistas. Por que fazer um golpe? Por que afastar a Direita quando temos a maioria e quando a Direita nos escuta? (...) No presente, precisamos da Direita. Ela tem pessoas capazes, que ainda dirigem o exército e o lideram contra os imperialistas. Chiang Kai-shek não tem talvez qualquer simpatia pela revolução mas ele está liderando o exército e não pode fazer outra coisa senão liderá-lo contra os imperialistas. Além disso, os da Direita têm relações com o General Chang Tso-lin [o senhor-guerreiro manchuriano] e compreendem muito bem como desmoralizá-los e induzi-los a passar para o lado da revolução, com mala e bagagem, sem dar um golpe. Também, eles têm conexões com os comerciantes ricos e podem levantar dinheiro a partir deles. Por isso, precisam ser utilizados até o fim, espremidos como um limão, e então jogados fora" (The Tragedy of the Chinese Revolution, Harold R. Isaacs, Stanford University Press, 1961, p. 162).

Em 12 de abril, apenas uma semana após o discurso de Stalin, Chiang deu um golpe, enviando gangues de ladrões para destruir a Associação Geral do Trabalho em Xangai. No dia seguinte, o PCC convocou uma greve de 100.000 trabalhadores, mas Chiang Kai-shek respondeu com tropas e metralhadoras, massacrando centenas. Durante o reinado do "terror branco" nos meses seguintes, milhares de trabalhadores comunistas foram assassinados não apenas em Xangai mas também em outras cidades sob o controle de Chiang.

Continua.

[traduzido por movimentonn.org]