Publicado originalmente em inglês no WSWS em 5 de
janeiro de 2009.
Abaixo segue a primeira parte de uma palestra realizada
na escola de verão do Socialist Equality Party [SEP - Partido
da Igualdade Socialista] em Ann Arbor, Michigan, em agosto de
2007.
A ascensão e queda da Segunda Revolução
Chinesa de 1925-1927 foi um dos mais significativos eventos politicos
na história do século XX. Essa revolução
fracassada terminou com a morte de milhares de trabalhadores comunistas
e a destruição total do Partido Comunista Chinês
(PCC) como movimento de massas organizado da classe trabalhadora.
Não se pode compreender os problemas fundamentais da história
moderna chinesa - e em particular o da natureza do regime maoísta
estabelecido em 1949 - sem compreender as lições
de 1925-27.
Em 1930, Trotsky fez o seguinte apelo: "Um estudo da revolução
chinesa é assunto de enorme importância e urgência
para todo comunista e trabalhador avançado. Não
é possível falar seriamente sobre a luta internacinal
do proletariado pelo poder sem o estudo, pela vanguarda proletária,
dos eventos fundamentais, forças-motrizes e métodos
estratégicos da revolução chinesa. Não
é possível compreender o que é o dia sem
compreender o que é a noite; não é possível
compreender o que é o verão sem haver experimentado
o inverno. Da mesma maneira, não é possível
compreender o significado dos métodos do levante de outubro
sem um estudo da catástrofe chinesa" (Leon Trotsky
on China, Monad Press, Nova Iorque, 1978, p. 475).
A perspectiva da revolução chinesa estava no
coração da luta de Trotsky contra a burocracia stalinista.
Nesta luta, sua teoria da Revolução Permanente foi
submetida a um gigantesco teste - pela segunda vez. Com o apoio
do aparato burocrático soviético, Stalin prevaleceu,
levando à traição de uma das mais promissoras
oportunidades revolucionárias desde 1917. A derrota na
China foi um golpe decisivo contra a Oposição de
Esquerda. Ao final de 1927, Trotsky foi expulso do Partido Comunista
da União Soviética e, em seguida, da URSS.
Esta palestra examinará e destacará o papel central
da direção revolucionária, em direta oposição
às análises da escola pós-soviética
de falsificação. Os métodos e argumentos
desenvolvidos por dois membros dessa tendência, os historiadores
britânicos Ian Thatcher e Geoffrey Swain, já foram
minuciosamente expostos e refutados por David North em seu trabalho
recente, Leon Trotsky & the Post-Soviet School of Historical
Falsification [Leon Trotsky & a Escola Pós-soviética
de Falsificação Histórica] (Mehring Books,
Detroit, 2007). As posições desses intelectuais
quanto à revolução chinesa merecem nossa
atenção.
De acordo com Thatcher - sobre os eventos de 1925-27 - Stalin
e Trotsky compartilhavam a mesma posição sobre a
"necessidade de uma China socialista". Trata-se da mistura
de duas perspectivas diametralmente opostas. Trotsky representava
a tendência internacionalista, que reconhecia que a primeira
revolução socialista na Rússia atrasada não
teve como principal fator condicionante as especificidades nacionais,
mas sim as contradições mundiais do capitalismo.
A Revolução de Outubro foi apenas o começo
de uma revolução socialista mundial nos países
capitalistas avançados, assim como nas colônias oprimidas.
Trotsky sustentou que o proletariado chinês, assim como
a classe trabalhadora russa, estava em posição de
tomar o poder porque a burguesia nacional não era mais
capaz, na época do imperialismo, de assumir um papel historicamente
progressista.
Contrariamente, Stalin ignorou o fato de que as forças
produtivas na época imperialista haviam superado os antiquados
estados-nação. Ele pensava a opressão imperialista
meramente como um obstáculo externo ao ascenso do capitalismo
"nacional" chinês e que ainda seria possível
seguir a via das revoluções burguesas clássicas
da Europa Ocidental e América do Norte. Para permitir que
a burguesia chinesa completasse suas tarefas nacional-democráticas,
Stalin insistiu que a classe trabalhadora precisava primeiro subordinar-se
ao regime burguês do Kuomintang (KMT). Assim, a perspectiva
da revolução proletária era adiado por anos,
ou até mesmo décadas.
Essas duas concepções opostas produziram políticas
muito diferentes. Trotsky exigiu a independência política
da classe trabalhadora; Stalin forçou os Comunistas Chineses
a se tornarem serviçais do Kuomintang. Trotsky chamou a
construção de Sovietes como organismos de poder
dos trabalhadores e camponeses; Stalin considerou o próprio
KMT um tipo de regime revolucionário democrático.
Trotsky avisou os trabalhadores chineses sobre o perigo iminente
de ambas as alas de direita e esquerda do KMT. Stalin primeiro
capitulou para todo o KMT e, então, depois que Chiang Kai-shek
massacrou os trabalhadores de Xangai em abril de 1927, ordenou
aos Comunistas que se voltassem à liderança de "esquerda"
do KMT, sob Wang Ching-wei, em Wuhan - apenas para vê-los
liquidados em um banho de sangue três meses depois.
Após a revolução entrar em um periodo
de declínio na segunda metade de 1927, Trotsky convocou
uma retirada sistemática para proteger o partido; Stalin
ordenou criminosamente que o PCC levasse adiante golpes, o que
apenas levou à morte milhares de quadros e à destruição
total das já despedaçadas organizações
comunistas de trabalhadores nos principais centros populacionais.
Apesar dessas diferenças fundamentais, Thatcher argumenta
que ela são completamente irrelevantes diante do trágico
fim da Segunda Revolução Chinesa. Afirma ele que,
mesmo que o Partido Comunista tivesse abandonado o Kuomintang
em 1926, como defendia Trotsky, "não há evidência
para sugerir que [o Partido Comunista] obteria maior sucesso em
1927" (Trotsky, Ian D. Thatcher, Routledge, 2003,
p. 156).
Para Thatcher, programa revolucionário, perspectiva,
direção e tática não têm qualquer
influência sobre o desenrolar dos eventos decisivos na história
humana.
As origens da Revolução Chinesa
Embora a primeira revolução socialista, a Revolução
Russa, tenha ocorrido em outubro de 1917, sua preparação
teórica dentro do movimento marxista levou décadas.
Na China não houve um desenvolvimento prolongado como o
ocorrido na Rússia. Assim como o surgimento da classe trabalhadora
chinesa foi produto da direta importação de capital
estrangeiro e equipamento industrial para um país semi-colonial
atrasado, o desenvolvimento do movimento marxista chinês
foi extensão direta da Revolução Russa, pulando
por cima de séculos de pensamento social ocidental e de
tradição social-democrata. A experiência da
Revolução de Outubro foi fundamental para a China,
por possuir características muito similares de desenvolvimento
histórico e social. Ambos os países lutavam para
subjugar o campo e possuíam questões democráticas
não resolvidas, com um pequeno, mas rápido, desenvolvimento
da classe trabalhadora.
A grande tragédia da revolução chinesa
se deu porque a autoridade monumental da Revolução
Russa foi utilizada, sob a liderança de Stalin, para defender
uma política oportunista, baseada na teoria menchevique
dos "dois estágios".
Para um estudo mais detalhado das três concepções
da Revolução Russa - a teoria dos "dois estágios",
a fórmula de Lenin da "ditadura democrática
do proletariado e campesinato" e a teoria da Revolução
Permanente de Trotsky - ver a palestra de David North ministrada
em 2001, "Towards a reconsideration of Trotsky's legacy
and his place in the history of the 20th century" [Para
uma reconsideração do legado de Trotsky e seu lugar
na história do Séc. XX].
A teoria da Revolução Permanente, afirmada num
sentido positivo pela Revolução Russa, também
foi afirmada - embora em um sentido trágico e negativo
- pelas derrotas sofridas na revolucão chinesa.
A principal questão sobre a revolução
chinesa é muito similar à que havia emergido na
Rússia. Diante das divisões criadas pelos senhores-guerreiros
e potências imperialistas; das reformas agrárias
para centenas de milhões de camponeses pobres, famintos
por terra e por um fim às barbaridades da exploração
semi-feudal, a China enfrentava a tarefa urgente da unificação
nacional e da independência. Mas, a burguesia chinesa se
provou ainda mais venal que sua contraparte russa - era dependente
do imperialismo, incapaz de integrar a nação, organicamente
amarrada aos latifundiários e usurários rurais e,
assim, impossibilitada de levar adiante a reforma agrária.
Acima de tudo, a burguesia chinesa temia profundamente a jovem
e combativa classe trabalhadora do país.
Como na Rússia, a ascensão da indústria
chinesa dependeu do capital internacional. Entre 1902 e 1914,
o investimento estrangeiro na China dobrou. Nos 15 anos seguintes,
o capital estrangeiro dobrou novamente, totalizando 3,3 bilhões
de dólares e predominando nas principais indústrias
chinesas, particularmente a têxtil, a ferroviária
e a portuária. Em 1916, havia 1 milhão de trabalhadores
industriais na China; em 1922, o número era duas vezes
maior. Esses trabalhadores estavam concentrados em uns poucos
centros industriais como Xangai e Wuhan. Dezenas de milhões
de semi-proletários - artesãos, lojistas, escriturários
e os pobres urbanos - compartilhavam aspirações
sociais com a classe trabalhadora.
Apesar de fisicamente pequeno - alguns milhões em uma
população de 400 milhões - o proletariado
chinês era impulsionado pelas contradições
mundiais do capitalismo a assumir um papel de vanguarda nas lutas
revolucionárias do começo do século XX. O
fracasso da primeira revolução chinesa em 1911,
sob a liderança de Sun Yat-sen, demonstrou que a burguesia
chinesa era absolutamente incapaz de completar suas próprias
tarefas históricas.
Sun Yat-sen começou a ganhar apoio na década
de 1890, depois que a dinastia Manchu rejeitou os apelos pelo
estabelecimento de uma monarquia constitucional. Inspirado pelas
revoluções burguesas clássicas da França
e América, Sun advogou os "Três Princípios
do Povo" - a derrubada do sistema imperial, a instituição
de uma república democrática e a nacionalização
da terra. Não fez, porém, qualquer tentativa de
construir um movimento político de massas e de um modo
geral se limitou a atividades conspiratórias: pequenos
golpes armados ou ações terroristas contra oficiais
dos Manchu.
A assim chamada "revolução" de 1911
significou um simplês peteleco, que derrubou uma estrutura
amplamente apodrecida. Financeiramente, o governo imperial estava
à beira da falência após décadas de
pilhagem pelas potências estrangeiras. Politicamente, a
corte dos Manchu estava completamente desacreditada após
a anexação pelas potências imperialistas de
territórios chineses na forma de colônias, como Hong
Kong e Taiwan, ou na forma de "concessões" em
cidades portuárias, onde tropas estrangeiras, polícia
e sistema legal dominavam o poder político. Em 1900, a
dinastia Manchu, moribunda, precisou confiar em tropas estrangeiras
para pôr abaixo a Rebelião Boxer - um amplo levante
anti-colonial pelos camponeses e pobres urbanos.
Quando a dinastia Manchu finalmente prometeu a reforma constitucional,
já era tarde demais. Seções significativas
da burguesia, burocracia e exército chineses haviam se
voltado na direção de Sun Yat-sen. Em 10 de outubro
de 1911, milhares de soldados em Wuchang, na província
de Hubei, ensaiaram uma rebelião e proclamaram a república.
A revolta rapidamente se espalhou por todas as províncias
chinesas, mas a falta de qualquer movimento de massas genuíno
deixou intactos os interesses velados. O resultado foi uma "República
da China" levemente federada, com Sun ocupando o cargo de
presidente provisório.
Essa nova república, porém, estava de fato nas
mãos do velho aparato burocrático-militar, que se
opunha a qualquer tentativa de dar terras ao campesinato. Sun
rapidamente se comprometeu com essas forças reacionárias,
querendo apenas reconhecimento internacional para a república
chinesa. Mas as potências imperialistas exigiram que Sun
entregasse a presidência ao último primeiro ministro
da dinastia Manchu, Yuan Shikai, considerado pelas grandes potências
um governante mais confiável - alguém com quem se
podia contar para manter a China no estado de país semi-colonial.
Depois que Yuan se tornou presidente, deu as costas a Sun e seu
KMT, ou partido Nacionalista, jogou fora a constituição
e dissolveu o parlamento. Em 1915, com o apoio do Japão,
Yuan se autoproclamou imperador. Sua curta tentativa de restaurar
o sistema imperial apenas terminou com revoltas dirigidas por
generais do sul da China que apoiavam a república. Yuan
foi forçado a renunciar e morreu pouco tempo depois.
Embora a república chinesa ainda existisse nominalmente,
foi fragmentada por senhores-guerreiros rivais, cada um apoiado
por diferentes potências imperialistas. O KMT sobreviveu
no sul da China, em Guangzhou (Cantão), com o suporte de
generais locais. Sun apelou aos senhores guerreiros menores, pedindo
que desafiassem os maiores e unificassem o país, mas ninguém
respondeu a seu chamado.
O Movimento de 4 de Março e a Revolução
Russa
O fracasso de 1911 impactou profundamente certas camadas da
intelectualidade chinesa. Chen Duxiu, fundador do Partido Comunista
e do movimento trotskista chinês, foi pioneiro na busca
por novos horizontes intelectuais. Essa foi uma era extraordinária,
que viu a rápida politização de muitos jovens,
que começaram a participar ativamente em lutas ideológicas,
culturais e políticas de enorme amplitude, impulsionadas
pela ambição de mudar o curso da história.
A revista de Chen, a Nova Juventude, mais tarde se tornou o órgão
oficial do Partido Comunista. Chen atraiu um grande número
de estudantes, que o viam como um guerreiro incorruptível
contra a influência reacionária do confucianismo.
Assumiu a iniciativa radical de introduzir a literatura e a filosofia
ocidentais a esses jovens chineses.
Os motores políticos decisivos vieram dos acontecimentos
internacionais. A deflagração da Primeira Guerra
Mundial em 1914, apesar de ter se dado principalmente na Europa,
teve um grande impacto sobre a China, assim como a vitória
da Revolução Russa em 1917, com suas implicações
monumentais. Li Dazhao, co-fundador do PCC, foi o primeiro a introduzir
o marxismo na China. Um dos primeiros ensaios marxistas da China
foi seu "The Victory of Bolshevism" [A Vitória
do Bolchevismo], escrito em 1918 e largamente inspirado na
obra de Trotsky, A Guerra e a Internacional.
Li argumentou que a Primeira Guerra Mundial marcou o início
da "luta de classes... Entre as massas proletárias
do mundo e os capitalistas do mundo".A revolução
bolchevique era apenas o primeiro passo na "destruição
das fronteiras nacionais atualmente existentes, que são
barreiras ao socialismo, e da destruição do sistema
de produção capitalista de monopólio e lucro".
Li saudou a revolução de outubro como "a nova
maré do século XX", o que logo foi confirmado
pelos eventos na China. (Li Ta-chao and the Origins of Chinese
Marxism, Maurice Meisner, Harvard University Press, 1967,
p. 68)
Sob pressão das potências aliadas, a China declarou
guerra contra a Alemanha e, formalmente, foi parte do campo vitorioso.
Mas, na barganha da Conferência de Versalhes em maio de
1919, as potências imperialistas novamente pisaram na soberania
chinesa, entregando ao Japão as concessões coloniais
alemãs em Shandong.
As ilusões populares na "democracia" anglo-americana
foram absolutamente despedaçadas. Houve um reconhecimento
geral entre estudantes e trabalhadores de que os campos rivais
na Primeira Guerra lutaram pela dominação global
e pelos interesses de suas próprias classes capitalistas.
Independentemente de quem ganhasse, a exploração
imperialista da China e outros países coloniais não
cessaria. A vitória da classe trabalhadora russa, por outro
lado, abria uma nova perspectiva para as massas chinesas.
A fundação do PCC em julho de 1921, sob a liderança
de Chen Duxiu e Li Dazhao, foi baseada no socialismo internacionalista.
Apesar de seus números pequenos, o PCC obteve forças
de seu programa e do prestígio da Revolução
de Outubro, crescendo rapidamente. O PCC prontamente abraçou
as táticas elaboradas pelo Segundo e Terceiro congressos
da nova Internacional Comunista, ou Comintern, no sentido de lutar
pela direção dos movimentos de liberação
nacional que emergiam.
No Segundo Congresso, Lenin conclamou os jovens partidos comunistas
dos países coloniais à participação
ativa nos movimentos nacionais de liberação que
surgiam, mas levantou especificamente a "necessidade da luta
determinada contra a tentativa de pintar as modas democrático-burguesas
de liberação em cores comunistas; a Internacional
Comunista precisa apoiar os movimentos democrático-burgueses
nacionais em países coloniais e atrasados somente com a
condição de que, em todos os países atrasados,
os elementos dos futuros partidos proletários, partidos
comunistas não apenas em nome, sejam agrupados entre si
e educados na apreciação de suas tarefas especiais,
ou seja, lutar contra os movimentos democrático-burgueses
dentro de suas próprias nações; a Internacional
Comunista precisa entrar em uma aliança temporária
com a democracia burguesa em países coloniais e atrasados,
mas não pode se fundir com ela e precisa sob todas as circunstâncias
assegurar a independência do movimento proletário
mesmo em sua forma mais rudimentar... (Lenin On the National
and Colonial Questions: Three Articles, Foreign Language Press,
Pequim, 1975, p. 27).
Com a derrocada da revolução alemã em
1923 e a morte de Lenin em 1924, o eixo político essencial
delimitado por Lenin foi abandonado. Em nome da oposição
ao "trotskismo", uma seção conservadora
da liderança bolchevique encabeçada por Stalin rejeitou
as lições básicas de 1917. Em vez de encorajar
uma ruptura revolucionária na China, essa direção
procurou estabelecer relações com a chamada facção
"democrática" da burguesia chinesa, para reverter
a pressão do imperialismo britânico e japonês
no extremo leste.
Juntando-se ao Kuomintang (KMT)
De início, a política do PCC de formação
de uma aliança temporária com o Kuomintang foi baseada
na manutenção da independência dos dois partidos,
cada um com sua própria organização. Mas,
em agosto de 1922, a liderança do Comintern ordenou que
os membros do PCC se juntassem, individualmente, ao KMT.
O PCC foi contra tal decisão, mas suas objeções
foram suprimidas pela liderança do Comintern sob Zinoviev.
Zinoviev justificou a decisão na base de que o liberal-democrático
KMT era o "único grupo nacional-revolucionário
sério" da China. O movimento independente da classe
trabalhadora ainda era fraco, logo, o pequeno PCC deveria entrar
no KMT para expandir sua influência.
Muitos anos depois, em novembro de 1937, Trotsky escreveu a
Harold Isaacs: "A entrada em si em 1922 não foi um
crime, e possivelmente nem mesmo um erro, especialmente no sul,
assumindo que o Kuomintang nessa época possuía um
número de trabalhadores e o jovem partido Comunista era
fraco e composto quase totalmente de intelectuais... Nesse caso,
a entrada teria sido um passo episódico na direção
de um partido independente, passo análogo à sua
entrada no Partido Socialista. A questão é: qual
era a finalidade deles ao entrar e qual foi a política
subseqüente?" (The Bolsheviks and the Chinese Revolution
1919-1927, Alexander Pantrov, Curzon Press 2000, p. 106).
Enquanto Stalin assumia o controle do Comintern, defendia a
entrada do PCC no KMT cada vez mais não como um passo na
construção de um partido de massas independente,
mas como uma política de longo-prazo, com o objetivo de
assegurar uma revolução democrático-burguesa
na China. Aos olhos de Stalin, a significância do KMT superava
largamente aquela da seção chinesa do Comintern.
Em 1917, tal ponto de vista teria sido denunciado pelos bolcheviques
como uma capitulação política em favor da
burguesia. Mas, agora, Stalin estava impondo sua política
sobre a China, afirmando que representava a continuidade do leninismo
e a herança da Revolução de Outubro.
Após o Terceiro Congresso do Comintern, o PCC formalmente
convocou todos os membros do partido a juntarem-se ao KMT e praticamente
abandonou sua própria atividade independente. Quando o
Comintern despachou Mikhail Borodin como seu novo delegado para
a China, este agiu como um conselheiro para o KMT, que foi reestruturado
de cima à baixo segundo linhas organizacionais "bolcheviques".
Dez membros líderes do PCC foram colocados no Comitê
Executivo Central do KMT, cerca de um quarto do total. Os quadros
comunistas frequentemente assumiam aspectos do trabalho do KMT.
O aparato militar do KMT foi produto direto da política
do Comintern. Até estabelecer seu "Exército
Revolucionário Nacional" em 1924, Sun Yat-sen possuía
apenas 150-200 guardas leais - em comparação aos
200.000-300.000 soldados controlados por cada um dos senhores
guerreiros no norte. A dependência de Sun quanto aos generais
do sul se tornou óbvia em 1922, quando foi forçado
a fugir para Xangai após uma tentativa de golpe local.
Só então, Sun pediu ajuda à Moscou.
A Academia Militar de Whampoa, em Guangzhou - a base sobre
a qual Chiang Kai-shek mais tarde subiu ao poder - foi estabelecida
com a assistência de conselheiros soviéticos. Sem
a ajuda militar soviética e a habilidade do PCC para mobilizar
trabalhadores e camponeses, a construção de um exército
do KMT, capaz de derrotar os poderosos senhores guerreiros, seria
completamente impensável.