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Entrevista com um estudante-ativista iraniano

3 de setembro de 2008

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Publicado originalmente em inglês no WSWS em 14 de julho de 2008

Em dezembro e janeiro de 2007, o governo iraniano prendeu estudantes envolvidos em protestos de esquerda contra as instituições políticas iranianas e os planos de guerra dos EUA contra o Irã. A Internacional Estudantil pela Igualdade Social (International Students for Social Equality, ISSE), seção estudantil do Partido da Igualdade Socialista (Socialist Equality Party, SEP), organizou uma manifestação em 16 de fevereiro para protestar contra a prisão dos estudantes e exigir sua liberação imediata.

O WSWS contatou recentemente um indivíduo em Teerã que conhece os acontecimentos, para discutir a situação política e social no Irã. Por razões de segurança, omitimos seu nome.

Pergunta: Você poderia nos informar sobre o destino dos estudantes que foram presos e sobre como foram tratados enquanto estavam na prisão?

Resposta: Aqueles que foram presos foram privados de seu direito de continuar estudando. Eles estão sob o controle de forças de segurança. Precisam se reportar a elas, que os checam por telefone. Eles têm casos judiciais em aberto. Além disso, suas famílias estão sob investigação. Os estudantes, bem como as famílias, estão sob grande pressão. Eles estão suspensos dos estudos universitários. Algumas famílias tiveram de usar seus bens como fiança para soltar seus filhos; a maioria não foi capaz de pagar a fiança e precisou fazer empréstimos de seus parentes ou conhecidos. Em tais casos, a ameaça do confisco pelo governo ou poder judicial sempre existe. No Irã, a norma é que julgamentos não sejam realizados logo após a liberação. Os acusados podem ficar em um estado de suspensão judicial por um ou dois anos, antes de seus casos finalmente serem ouvidos. Essa é uma pressão psicológica constante que é projetada para forçá-los a não tomar parte em atividades políticas.

P: Quantas pessoas ainda esperam pelos julgamentos?

R: Ainda são entre 40-50 pessoas esperando pelos procedimentos legais. Elas são mantidas no limbo.

P: De que eles são acusados?

R: As acusações são diferentes para pessoas diferentes. As mais comuns incluem ações contra a segurança nacional; advogar contra o regime islâmico; filiação em grupos marxistas; filiação em ou suporte a grupos/partidos de oposição à República Islâmica; e organização de manifestações ou encontros ilegais.

P: Que tipo de sentenças eles podem receber?

R: Deve ser entendido que estes não são casos legais normais como aparentam ser quando vistos de fora. Este não é um procedimento legal. Os que definem as sentenças são as forças de segurança e inteligência. As acusações provavelmente serão retiradas para aqueles que decidirem abandonar a vida política, mas não completamente, mesmo nesse caso. Certamente, porém, as punições podem incluir o estado de suspensão e tempo na prisão. Se os estudantes forem soltos, eles serão forçados a não tomar parte em atividades políticas.

P: Você poderia dizer algo sobre como os estudantes foram tratados na prisão?

R: Foram duas ondas de prisões. A primeira aconteceu 40 dias antes da segunda. Os que foram presos antes estiveram sob intensa pressão física e psicológica, o que, na verdade, causou revolta na sociedade e nas organizações de direitos humanos. Em resposta, os que foram presos na segunda onda não foram tratados tão mal.

P: Que tipo de método foi usado?

R: Os presos na primeira onda foram mantidos entre 40 e 60 dias na solitária. Eles foram atacados e espancados, sofrendo tapas e socos no rosto ou em outras partes do corpo. Sofreram até medidas mais severas como penetração de objetos afiados nos ouvidos, espancamento para causar hemorragia interna e sangramento nos rins. Em alguns dos presos, choques elétricos terríveis foram usados. Alguns dos estudantes foram deixados nus enquanto eram espancados, para serem oprimidos psicologicamente e sexualmente.

P: E o objetivo era os fazer confessarem que eram membros de organizações?

R: Sim, a intenção era basicamente essa. Em certos casos, eles aplicaram choques elétricos e uma técnica específica de tortura, na qual as mãos são amarradas atrás das costas e o prisioneiro é pendurado no teto. Os espancamentos continuaram por um longo período de, digamos, 10 horas, com intervalos de interrogação.

P: Qual foi a reação nos campi a essas prisões?

R: A repressão a esses estudantes tiveram um grande impacto sobre a atmosfera geral das universidades e, até certo ponto, sobre a sociedade iraniana. Após a intensa repressão na década de 1980, depois da revolução, a esquerda foi marginalizada. Agora é novamente reconhecida como protagonista dentro da política e sociedade iranianas. Depois que a notícia das prisões foi divulgada, muitos grupos, em cidades-província sem nenhuma conexão anterior com esses estudantes, se apresentaram como parte dos Estudantes em Busca da Igualdade e Liberdade [Azady khah o Barabary talab].

Em algumas dessas províncias, nós tínhamos contatos já antes das prisões. Por causa da situação, eles estavam em uma posição melhor para atrair mais estudantes, então vimos um crescimento. Em outras províncias, grupos inteiramente novos se formaram.

Caso o Estudantes em Busca da Igualdade e Liberdade não continue suas atividades corriqueiras nas universidades, esse tipo de ação repressiva pode ter um impacto negativo sobre os outros estudantes, que se distanciariam da esquerda por preocupação com as conseqüências. Precisamos reconstruir a conexão com os estudantes nos campi, bem como as ligações com os ativistas envolvidos com a classe trabalhadora e a questão feminina.

P: Você diria que há uma nova radicalização política nos campi e na sociedade como um todo?

R: Seria um exagero dizer que a sociedade em geral está informada sobre o que aconteceu. Ainda assim, uma porção considerável da sociedade viu a notícia de que estudantes marxistas foram presos. As reações podem ser diferentes. Alguns podem dizer: “estão surgindo marxistas novamente”, enquanto antes eles simplesmente negligenciavam qualquer tendência de esquerda.

As coisas foram dificultadas pelo fato de não possuirmos uma mídia eficaz. É importante observar que jornais como o Voice of America, dos EUA, ignoraram e se recusaram a divulgar as prisões nos primeiros dias. Depois, após os eventos terem sido divulgados nos campi, eles não podiam mais negligenciá-los. Tentaram, porém, evitar a referência à base marxista e socialista dos estudantes. Convidaram pessoas para falar, comentadores, que foram estudantes liberais e fugiram do país. Eles tentaram apresentar os estudantes de esquerda como liberais e se referiram a eles por termos genéricos como “ativistas da universidade”, para ocultar, assim, sua real orientação radical e marxista e evitar seu uso contra o governo iraniano, sem apontar para a política verdadeira dos estudantes presos.

P: Para além desse evento imediato, qual é sua avaliação da situação política e econômica do Irã nesse momento?

R: A situação econômica é altamente crítica no Irã. Os preços dos alimentos subiram drasticamente nos vários meses passados. Duas ou três semanas atrás, em um dos municípios do sul de Teerã, houve revoltas por causa do alto preço do arroz, principal alimento entre os iranianos. O preço da terra e da moradia também subiu drasticamente, o que contribuiu para o levante no país.

Ao longo do ano passado, houve uma militarização da sociedade em geral. Não apenas na esfera da política, mas também nas esferas sociais da vida, o governo lançou vários ataques contra as liberdades, entre eles um plano chamado “plano de segurança social”, que prevê forças particularmente bem treinadas, inclusive atacando mulheres e prendendo-as pelo não-uso do véu.

A estrutura política iraniana está tentando se impor para que a burguesia mundial a aceite como um sistema convencional. Isto levou o governo a expandir seu poder e controle sobre a sociedade iraniana, sobre as vidas privadas dos cidadãos e sobre cada uma das esferas da sociedade. As tensões com a burguesia mundial e as sanções do embargo levaram o governo a estender sua hegemonia tanto em assuntos privados quanto públicos.

O aspecto mais importante na determinação desse conflito é a economia. A solução para essa situação está na economia. Para convencer a burguesia mundial a aceitar o regime iraniano, não há alternativa senão a sua transformação em um sistema capitalista convencional. As seções da burguesia iraniana que agora têm controle sobre o governo não possuem a legitimidade para levar adiante essas mudanças através de forças parlamentares, então precisam recorrer à força bruta.

Nos últimos anos, elas lançaram um ataque sobre os salários e promoveram políticas que levaram à deterioração das condições de trabalho e das leis que antes protegiam os trabalhadores. Também estão criando uma estrutura legal que garanta os investimentos, que, neste caso particular, entra em conflito com outras seções específicas da burguesia iraniana, particularmente o sistema do clero.

Olhando para a era reformista, você nota que Rasfanjani, por exemplo, iniciou a reestruturação da economia e sustentou a bandeira das reformas neoliberais, que seu sucessor Khatami também levou adiante. Ao mesmo tempo, eles seguravam o estandarte do nacionalismo, em oposição ao que agora se chama de fundamentalismo, representado por Ahmadinejad. Agora a situação mudou. A guarda revolucionária e outras seções que são chamadas de fundamentalistas estão levantando a bandeira do nacionalismo e tentando implementar as reformas neoliberais. A mudança é que sua política exterior é outra. Os reformistas favoreciam a entrega da economia do Irã ao capitalismo global. A outra facção está assumindo um papel mais afirmativo na região.

P: Você poderia dizer mais sobre a situação pela qual passa a classe trabalhadora no Irã?

R: A inflação no Irã é de quase 20 por cento, de acordo com o que o governo diz, e é a quarta maior do mundo. Em função da situação econômica, muitas companhias e fábricas cortaram funcionários e muitos trabalhadores perderam seus empregos. Existe um ataque mais amplo. A freqüência de greves e protestos tem aumentado dramaticamente. No Khuzistão, houve um grande protesto, que teve a adesão de muitas pessoas da cidade, e houve embates com a polícia em que muitos foram feridos. O Irã está à beira de uma explosão.

Há uma distinção interessante entre as lutas políticas que ocorriam sob os reformistas e as que acontecem sob Ahmadinejad. A eleição de Ahmadinejad foi uma acomodação, uma adaptação à situação em mudança no Irã. As condições econômicas, a luta de classes, as desigualdades de renda, se tornavam problemas dominantes naquele período, o que levou à agenda populista de Ahmadinejad. Durante Khatami, a maioria das manifestações e embates com a polícia foi ao redor de questões democráticas, liberdade de imprensa, etc. A maioria das lutas não se centra nessas exigências agora. Questões econômicas estão chegando ao primeiro plano. Porém, não há organização ainda. Apesar da situação objetiva ser bastante favorável a essas lutas, sua forma é de levantes espontâneos, que são alvo de repressão. O governo sequer tolera outras formas de organização, como os sindicatos.