Este texto foi publicado no WSWS, originalmente em inglês,
em 23 de outubro de 1995.
A importância da uma análise objetiva
Ernest Mandel, dirigente de longa data do Secretariado Unificado,
morreu no dia 20 de julho de 1995. Com sua morte, sai de cena
um homem que cumpriu um papel de destaque na história da
IV Internacional durante o pós-guerra. Deve-se reconhecer
que, em qualquer história objetiva e confiável da
IV Internacional, sua vida e trabalho terão de ser objeto
de avaliação crítica e estudo sério.
Grande responsabilidade pesa sobre o Comitê Internacional
ao fornecer seu balanço das concepções e
atividades políticas de Mandel. Aqueles que possuem um
mínimo conhecimento da história da IV Internacional
sabem que o Comitê Internacional foi, por mais de quatro
décadas, o opositor político mais consistente e
irreconciliável de Ernest Mandel. O Comitê Internacional
foi fundado 42 anos atrás, em meio a uma dura batalha contra
a tendência política da qual Mandel era o principal
dirigente.
O propósito desta resenha sobre a vida de Mandel não
é somente reivindicar os argumentos e ações
colocados por aqueles que fundaram o Comitê Internacional
em 1953. A história, é claro, tem suas exigências.
Mas o estudo do passado oferece seu maior tesouro na medida em
que ele nos providencia lições das quais podemos
fazer uso hoje. Portanto, nosso objetivo não é marcar
pontos no placar partidário contra Ernest Mandel, nem mesmo
colocar em dúvida a sinceridade de suas convicções
socialistas. Nosso objetivo é, muito mais, procurar compreender,
através de uma análise de sua vida, a duradoura
significância política para a classe trabalhadora
internacional das lutas que foram travadas dentro da IV Internacional.
Este objetivo deve ser colocado de forma mais enfática:
A duradoura significância política não
traz em si a urgência e relevância das questões
políticas que preocuparam e preocupam a IV Internacional.
Para os filisteus, as lutas dentro da IV Internacional não
são mais do que rixas sectárias, sem importância
para qualquer um que não seja diretamente envolvido nas
disputas.
Não nos preocupamos minimamente com essa atitude de
desprezo, que expressa a falência intelectual daqueles responsáveis
pela formulação das políticas da burguesia.
Só é preciso notar que as turbulências desta
década chegaram completamente de surpresa para todos os
dirigentes políticos dos grandes Estados capitalistas.
Há menos de uma década atrás, nenhum deles
anteciparia a queda dos regimes stalinistas na Europa do Leste,
quanto mais a dissolução da União Soviética.
Todos os grandes acontecimentos pegaram a burguesia internacional
de surpresa. Ainda hoje, a burguesia não apresenta nenhuma
compreensão coerente ou integrada dos processos históricos
que fundamentaram as transformações políticas
da última década. Ignorância e estupidez cumprem
um papel que não é pequeno na formulação
cotidiana da política de classe da burguesia.
Desde que foi concebida, a IV Internacional se preocupa com
os problemas políticos fundamentais de todo seu período
histórico. Mais uma vez, estamos certos de que os filisteus
considerariam esta afirmação imodesta e presunçosa,
quando não ridícula. Para começo de conversa,
a própria concepção de que existem problemas
políticos fundamentais associados à todo
seu período histórico é totalmente
estranha às mentes de orientação pragmática.
A burguesia não pensa em termos de períodos
históricos, mas em ciclos comerciais, altas e baixas
de tendências.
Mas, para os marxistas, o período histórico é
o da revolução socialista mundial. Suas condições
objetivas estão enraizadas nas inexoráveis contradições
do sistema capitalista internacional. Os problemas políticos
fundamentais desta época são os que se relacionam
com a resolução da crise de direção
da classe trabalhadora e o desenvolvimento e implementação
de sua estratégia socialista internacional. Deste ponto
de vista, em direta oposição às alegações
dos representantes intelectuais da burguesia, principalmente aqueles
que se encontram nas universidades, a revolução
de Outubro de 1917 não foi uma aberração,
um mero desvio do curso normal, quer dizer, capitalista,
de desenvolvimento social, mas uma virada fundamental na história
mundial. Apesar do destino do estado advindo desta revolução
e é uma questão de registro histórico
o fato de o movimento trotskista ter previsto há muito
tempo que o stalinismo levaria a União Soviética
a um desastre o caráter essencial da época
em que vivemos ainda é definido pelo conflito entre duas
classes sociais internacionais irreconciliavelmente antagônicas,
a burguesia e o proletariado.
Ninguém negará que muito mudou desde 1917. Mas
essas mudanças não trouxeram uma alteração
fundamental das bases econômicas e da estrutura de classes
da sociedade. Pelo contrário, a mudança mais significante
na estrutura social o aumento massivo da população
urbana e o declínio quantitativo e de significância
econômica do campesinato acentuaram ainda mais a
polarização de classe da sociedade. Não há
dúvidas de que continuamos vivendo em uma sociedade capitalista
baseada na propriedade privada dos meios de produção
e na extração de mais-valia de trabalhadores assalariados.
De todos os lados, ouvimos falar do fim do marxismo, do qual
a queda da União Soviética seria supostamente o
principal episódio. Normalmente, essa afirmação
procede da identificação teoricamente absurda e
desprovida de bases factuais do stalinismo com o marxismo. Também
ouvimos falar da falência do marxismo por aqueles que sabem
diferenciar um pouco o stalinismo do marxismo, mas que, em face
do aparente triunfo da reação, jogaram suas mão
ao céu em desespero e decidiram, sem ao menos tentar refletir
sobre o problema de forma mais cuidadosa, que o socialismo não
passa de uma utopia irrealizável.
Certamente, as aspirações socialistas da revolução
de Outubro foram traídas, o partido bolchevique destruído
e, após um processo de degeneração política
e social que se arrastou por décadas, a União Soviética
dissolveu-se. A classe trabalhadora sofreu sérias derrotas.
O capitalismo tem demonstrado uma flexibilidade extraordinária.
Mas ainda é fato que este século presenciou, após
1917, lutas revolucionárias de caráter monumental.
Há não muito tempo atrás, a sobrevivência
do capitalismo parecia difícil mesmo para os defensores
mais ardentes da burguesia. Não acrescenta em nada, para
a compreensão deste século, afirmar, seja com malícia
ou resignação, que o marxismo falhou. Do contrário,
é necessário estudar, em detalhes, a história
do movimento internacional de trabalhadores no século XX
e desvelar as verdadeiras causas dos recuos e derrotas da classe
trabalhadora.
Tal estudo requer um sério exame da história
da IV Internacional. É dentro deste movimento que os processos
objetivos da luta de classes refletiram-se conscientemente e tornaram-se
objeto de análise teórica. As polêmicas e
lutas dentro da IV Internacional, provocadas pelos trágicos
e importantes eventos deste século, foram os meios pelos
quais episódios históricos específicos foram
elevados ao nível de experiências estratégicas.
A educação da classe trabalhadora é um
processo longo e difícil. O progresso da classe trabalhadora
deve ser medido não só em termos do que se ganhou
materialmente, mas também do que se apreendeu teoricamente.
Somente a medida que a classe trabalhadora assimila as experiências
estratégicas de todo o período do pós-guerra
que ela será capaz de encarar os desafios de um novo período
de luta revolucionária. É por este motivo que é
necessário estudar o papel de Ernest Mandel na história
da IV Internacional.
Por que Trotsky fundou a IV Internacional
Ernest Mandel não foi parte da geração
que participou diretamente das lutas políticas que levaram
à formação da IV Internacional em 1938. A
atividade política de Mandel se inicia após a erupção
da Segunda Guerra Mundial e o assassinato de Leon Trotski. No
entanto, para que possamos entender as polêmicas que cumpririam
um grande papel na vida de Mandel, é necessário
rever os eventos que deram início à fundação
da IV Internacional.
A história da IV Internacional não começa
em seu congresso de fundação, em setembro de 1938,
mas na formação da Oposição de Esquerda,
sob direção de Leon Trotski, dentro do Partido Comunista
da Rússia no outono de 1923. Os primeiros documentos da
Oposição protestavam contra a burocratização
do partido e a crescente supressão da democracia interna.
A disputa se aprofundou e tomou dimensão internacional
em 1924 quando Stalin, emergindo rapidamente como líder
político da burocracia soviética, apresentou sua
teoria de socialismo em um só país.
Tal concepção descolava o desenvolvimento da União
Soviética em direção ao socialismo do desenvolvimento
das lutas revolucionárias da classe trabalhadora internacional.
Isso trouxe trágicas conseqüências tanto para
União Soviética quanto para a Internacional Comunista.
A confusão política que essa teoria produziu dentro
da Internacional Comunista contribuiu para uma série de
derrotas devastadoras da classe trabalhadora, principalmente na
China em 1927 e na Alemanha em 1933.
Dentro da Rússia Soviética, a Oposição
de Esquerda buscou reformar o Partido Comunista. Enquanto tendência
internacional, a Oposição de Esquerda buscou reformar
a Internacional Comunista. O apogeu desta luta se deu na Alemanha,
quando a Oposição de Esquerda Internacional lutou
para mudar as políticas ultra-esquerdistas desastrosas
que foram baixadas ao Partido Comunista Alemão pelo Comintern,
controlado por Moscou, e que claramente abriam caminho para a
vitória de Hitler.
Escrevendo do exílio na ilha de Prinkipo, na costa da
Turquia, Trotski conclamou o Comintern e o Partido Comunista Alemão
a estabelecer uma frente única com o Partido Social-Democrata,
para o propósito de unificar as forças da classe
trabalhadora em torno de uma luta comum contra o perigo fascista.
Ele submeteu às críticas impiedosas o argumento
stalinista de que não havia diferenças entre a social-democracia
e o fascismo, e que a vitória de Hitler seria seguida pela
vitória do Partido Comunista. Trotski denunciou esse argumento
como insanidade política, advertindo que a vitória
de Hitler seria a maior catástrofe que poderia recair sobre
o movimento socialista europeu e alemão. Seus avisos foram
ignorados. De fato, Trotski e seus seguidores foram denunciados
pelo Comintern como fascistas sociais. Em janeiro
de 1933, os nazistas chegaram ao poder sem qualquer resistência
organizada da classe trabalhadora. Dentro de semanas, o Partido
Comunista foi declarado ilegal e seus membros e apoiadores foram
deportados ao novo campo de concentração perto do
vilarejo de Dachau, criado pelos nazistas para comportar opositores
ao seu regime. Não muito tempo depois disso, o Partido
Social-Democrata foi declarado ilegal e os grandes sindicatos
foram dissolvidos.
A Internacional Comunista recusou-se a submeter as políticas
que produziram a catástrofe à menor crítica.
Em reunião após esses eventos, o Comintern declarou
que sua política estava correta e que ela não era
de forma alguma responsável pela derrota.
Trotsky respondeu a essa vergonhosa abdicação
de responsabilidade política e moral ao proclamar que a
III Internacional estava falida como uma organização
revolucionária. A vitória de Hitler foi para a III
Internacional o que o início da Primeira Guerra fora para
a II Internacional. Era necessário construir uma nova organização
revolucionária, a IV Internacional.
Uma questão crítica: A natureza
do stalinismo
Não houve sinal algum de subjetividade política
na decisão de lançar um chamado pela fundação
da Quarta Internacional. Primeiramente, Trotsky resistiu, por
muitos anos, à idéia de romper com o Comintern.
Enquanto o destino da classe operária alemã estava
em disputa, Trotsky considerava prematuro abandonar a luta pela
reforma da Internacional Comunista. Mesmo depois, imediatamente
após a vitória do nazismo, ele reteve o chamado
por uma nova internacional. Ainda esperou para ver se alguma seção
da Terceira Internacional reclamaria uma discussão ou assumiria
uma atitude crítica em relação à política
do Kremlin para a Alemanha. Como ele explicou mais tarde, mesmo
a crítica de uma única seção teria
indicado a possibilidade de restaurar a política marxista
dentro do Comintern. Mas, a ausência de críticas
não deixou alternativas à Oposição
de Esquerda Internacional. Em termos políticos e objetivos,
o apoio do Comintern às políticas desastrosas dessa
magnitude significou que este não respondia mais aos anseios
da classe operária. Sua política refletia, agora,
as necessidades e interesses de outra força social, a burocracia
soviética.
Nos anos que se seguiram, Trotsky aprofundou suas análises
a respeito do regime soviético, demonstrando que os crimes
e as traições de Stalin eram a expressão
necessária dos interesses materiais da burocracia que usurpou
o poder político da classe trabalhadora. O papel da burocracia
soviética, insistia Trotsky, era contra-revolucionário.
Dentro da União Soviética, ela suprimiu sem escrúpulos
todos os elementos da democracia operária. A fixação
pela manutenção dos seus próprios privilégios
a tornou o maior obstáculo para o desenvolvimento das forças
produtivas nacionalizadas, com base numa economia genuinamente
planejada. Internacionalmente, em seus acordos com as potências
imperialistas, a diplomacia do Kremlin tratou dos interesses da
classe operária como pequenas barganhas. Enquanto Trotsky
continuou definindo a União Soviética como Estado
Operário mesmo ela tendo sofrido uma longa e profunda
degeneração dizia que sua sobrevivência
a longo prazo, sem mencionar seu desenvolvimento em linhas genuinamente
socialistas, dependia da derrubada da burocracia por uma revolução
política.
Trotsky rejeitou todos os argumentos de que a burocracia stalinista
representava uma nova classe social. Ela era, muito mais, uma
casta social, que sobrepunha seus interesses através do
monopólio do poder político. A burocracia exercia
esse poder para desfrutar parasiticamente dos privilégios
baseados nas formas de propriedade criadas pela revolução
proletária. Do ponto de vista histórico, o regime
burocrático não ofereceu nenhum caminho de desenvolvimento
e progresso. Quanto mais ela mantivesse sua força política,
alongando a degeneração da sociedade soviética,
maior seria o perigo de uma restauração capitalista.
Trotsky explicou que, mesmo não sendo uma nova classe,
a burocracia conteria em si as tendências que produziriam,
em determinado tempo, os fundamentos sociais necessários
para a constituição de uma nova classe capitalista.
Como escreveu em A revolução Traída:
O fato da apropriação do poder político
num país onde os mais importantes meios de produção
estão concentrados nas mãos do estado cria uma nova,
e até aqui desconhecida, relação entre a
burocracia e as riquezas da nação. Os meios de produção
pertencem ao estado. Mas o estado, por assim dizer, pertence
à burocracia. Se essas relações inteiramente
novas se solidificarem, se tornarem norma e se legalizarem, com
ou sem a resistência dos trabalhadores, elas liquidarão,
a longo prazo, as conquistas sociais da revolução
proletária (Leon Trotsky, The Revolution Betrayed
[Detroit: Labor Publications, 1991], p. 211).
A urgência da Quarta Internacional
As análises de Trotsky a respeito do regime soviético
e do caráter político da burocracia fundamentaram
cientificamente a luta pela Quarta Internacional. Tendo estabelecido
uma oposição irreconciliável entre os interesses
materiais defendidos pela burocracia e os interesses objetivos
da classe operária internacional, Trotsky insistiu que
o chamado por uma nova internacional deveria ser a expressão
de uma necessidade histórica, e não uma manobra
tática.
Foi justamente a respeito disso que Trotsky entrou em conflito
com grande número dos grupos políticos ativos na
esquerda européia do meio dos anos trinta. Muitas dessas
tendências diziam possuir um acordo geral com as análises
de Trotsky sobre o stalinismo. Reconheciam que a burocracia soviética
reinava despoticamente dentro da USSR e havia traído os
interesses da classe operária internacional. No entanto,
eles discordavam daquilo que diziam ser uma esquerdista e irreal
proposta de ação para estabelecer uma nova internacional.
Essas tendências das quais o britânico Independent
Labour Party [Partido Trabalhista Independente, ILP, na sigla
em inglês], com seu Bureau de Londres, era o mais representativo
argumentavam ser prematuro proclamar a Quarta Internacional.
Argumentavam que uma nova internacional não poderia ser
estabelecida artificialmente; que a formação de
uma nova internacional dependeria de grandes eventos,
ou seja, uma revolução vitoriosa. Eles citavam o
exemplo da Terceira Internacional que, insistiam, surgiu da vitória
bolchevique de 1917.
Um profundo ceticismo e pessimismo embasavam esses argumentos.
Resumidamente, a posição do ILP, dos emigrados alemães
do SAP, do POUM espanhol, do grupo de Henricus Snievliet na Holanda,
para citar os mais conhecidos, era a de que não existia
apoio suficiente nas massas para construir uma nova internacional
politicamente digna de crédito. A Terceira Internacional,
assim como o remanescente da segunda, ainda possuíam a
fidelidade das largas massas de trabalhadores socialistas. Seriam
muito poucos, diziam eles, aqueles que militariam pela Quarta
Internacional.
É necessário compreender que esses argumentos,
contra a formação da Quarta Internacional, tinham
muitas e necessárias implicações práticas.
Em geral, as organizações que consideraram prematura
a formação da Quarta Internacional adotaram, na
prática, uma atitude errada e comprometedora diante dos
stalinistas. Com razão, Trotsky usava o termo centrista
para tais organizações. Elas tentavam encontrar
um curso intermediário entre o marxismo, stalinismo e reformismo
social-democrata. A conseqüência trágica de
tal tentativa foi demonstrada pela Revolução Espanhola,
onde a política adotada pelo POUM, sob a direção
de Andres Nin, levou à sua própria destruição
pelos stalinistas.
Nos muitos artigos escritos por Trotsky em resposta aos centristas,
realçava repetidamente que os interesses históricos
da classe operária somente poderiam ser atendidos por um
partido que dissesse a verdade às massas, a verdade e nada
mais que a verdade. Até o momento em que a classe operária
estivesse sob a influência do stalinismo e/ou da social-democracia,
ela seria levada a derrotas e catástrofes. Opor-se à
formação da Quarta Internacional porque os stalinistas
eram ainda muito fortes significava contribuir com a perpetuação
da política que, segundo os próprios centristas,
era o maior obstáculo para a construção de
uma nova internacional. Em outras palavras, a política
dos centristas deixava a classe operária num labirinto
político, onde não havia saída. O SAP assumiu
tal posição afirmando o seguinte: A proclamação
de uma nova internacional, apesar de ser necessária objetivamente,
é impossível neste momento por conta das condições
subjetivas (extraído do Writings of Leon Trotsky
1934-35 [New York: Pathfinder Press, 1974], p. 262)
As condições subjetivas que os centristas
lamentavam, certamente, como um grande problema, eram,
naturalmente, a falta de compreensão da necessidade de
uma nova direção revolucionária dentro da
classe trabalhadora e a manutenção de ilusões
nos partidos de massa existentes da classe trabalhadora.
Trotsky respondeu, severamente, a esse tipo de racionalização:
Sem uma nova internacional o proletariado, simplesmente,
será esmagado. Mas as massas ainda não compreendem
isso. Que mais é a tarefa dos marxistas, senão elevar
o fator subjetivo ao nível do objetivo e aproximar a consciência
das massas da compreensão da necessidade histórica
em termos mais simples: explicar às massas seu próprio
interesse, que ainda não compreendem? O problema
central dos centristas é a enorme covardia diante
das grandes e inquestionáveis tarefas. Os dirigentes do
SAP não compreendem a importância da intervenção
revolucionária e consciente da classe na história...
A questão não é sobre o que as massas
pensam hoje, mas com que espírito e em que direção
os Srs. Dirigentes estão preparando a educação
das massas (ibid., pp. 262-63).
Trotsky também refutou o argumento de que a fundação
de uma nova internacional dependeria de um grande evento
catalítico, como a Revolução Bolchevique
de 1917. Em primeiro lugar, mesmo ela tendo facilitado, certamente,
o rápido crescimento da Terceira Internacional, os centristas
da década de 30 não deveriam se esquecer que Lênin
lançou o chamado por uma nova internacional três
anos antes da Revolução de Outubro, no outono de
1914, quando da traição da Segunda Internacional
diante do início da I Guerra Mundial. Naquela época,
a facção de Lênin constituía uma pequena
maioria, não apenas na Segunda Internacional, mas também
entre o pequeno número de revolucionários internacionalistas
que se opuseram à guerra.
De qualquer forma, a Quarta Internacional foi fundada com base
em grandes eventos: as maiores derrotas na história
do movimento internacional dos trabalhadores na Itália,
na China, na Alemanha, na Espanha, na Checoslováquia e
na França. A desmoralização da classe operária
e a vitória do fascismo em país após país,
combinados com o extermínio físico sistemático
dos socialistas na União Soviética, demonstraram
a falência e mesmo o caráter criminoso das antigas
organizações operárias, trazendo a humanidade
para a beira do abismo. Uma vez que classe operária não
surgiu para ser vítima inofensiva do processo histórico,
ela deve ser armada com uma nova perspectiva e um novo programa.
Chegamos, então, ao elemento mais profundo da argumentação
de Trotsky contra os centristas, contido na sua referência
à importância da intervenção
revolucionária e consciente da classe na história
para a direção revolucionária. Para Trotsky,
a maior falsificação do marxismo é a que
apresenta o processo histórico como algo que
discorre sozinho, independente do pensamento e da pratica humanos,
como se os eventos políticos fossem meramente o desdobramento
inevitável e predeterminado das condições
objetivas. O que esse fatalismo passivo ignora é
o papel da consciência na história, que não
apenas reflete o curso objetivo do desenvolvimento histórico,
mas também o interpreta e planeja os meios de influenciá-lo
e mudá-lo. Como exemplo, Trotsky apontou o papel de Lênin
na revolução de 1917. Sem ele, a Revolução
de Outubro não teria ocorrido.
Lênin representa um dos elementos vivos do processo
histórico. Ele personificou a experiência e a perspicácia
da seção mais ativa do proletariado. Seu oportuno
aparecimento na arena da revolução foi fundamental
para mobilizar a vanguarda e ajudá-la a organizar a classe
operária e as massas camponesas. Liderança política
nos momentos cruciais de transformação histórica
pode ser um fator tão decisivo quanto o papel de um comandante
nos momentos críticos de guerra (Leon Trotsky, The
Spanish Revolution 1931-39, [New York: Pathfinder Press, 1973],
pp. 361-62).
Questões fundamentais do método marxista estão
embasadas na luta contra os centristas. A dialética entre
o objetivo e o subjetivo está entre os problemas filosóficos
mais complexos. Não é uma redução
do marxismo reconhecer que o fator objetivo contém dentro
de si fatores subjetivos operando. Para a finalidade da análise
teórica, podemos abstrair o fator objetivo
(ou seja, as contradições econômicas do sistema
capitalista) e considerá-lo independentemente dos outros.
Tal abstração é necessária para estabelecer,
ao nível mais elementar, a orientação do
partido. Mas o desenvolvimento de uma análise mais profunda
requer o exame de muitos e complexos fatores subjetivos,
sem os quais nossa compreensão da situação
objetiva se manterá abstrata.
A análise de uma situação objetiva pode
alcançar o nível de concretude requerido pelo marxismo
apenas quando abarcar o impacto potencial das forças e
dos fatores subjetivos, incluindo, acima de tudo, a ação
da classe operária e de sua direção revolucionária.
Ao contrário da pretensão de muitos dos seus
críticos centristas, Trotsky foi profundamente realista
em sua avaliação das possibilidades políticas.
Melhor do que ninguém naquele momento, compreendeu a dificuldade
e a complexidade dos problemas com que se confrontavam a classe
operária internacional e muitos dos seus elementos políticos
mais avançados. Ele sabia muito bem que esses problemas
não poderiam ser superados meramente com frases e gestos
vazios. Trotsky, certamente, reconheceu que o estabelecimento
formal da Quarta Internacional não poderia, por si só,
garantir a vitória da revolução socialista.
Entretanto, ele sabia, a possibilidade de exercer influência
decisiva nas condições objetivas requer a existência
do partido. Além disso, a capacidade do partido em conquistar
a classe trabalhadora no meio de uma revolução depende
do que ele já realizou no decorrer do período precedente.
A elaboração do programa do partido, o desenvolvimento
de perspectivas políticas, a educação teórica
e prática de seus quadros e o aumento de sua autoridade
entre os grupos de trabalhadores conscientes não podem
esperar pela erupção da revolução.
De fato, escreveu Trotsky, durante uma revolução,
ou seja, quando os eventos transcorrem rapidamente, um fraco partido
pode tornar-se, rapidamente, poderoso, caso entenda claramente
o curso da revolução e possua quadros leais, que
não se intoxicam por frases e não se aterrorizam
com a perseguição política. Mas tal partido
deve estar constituído antes da revolução,
uma vez que o processo de educar os quadros requer tempo, e a
revolução não dispõe de tempo
(ibid., p. 363).
Deste modo, Trotsky considerou distração perigosa
toda discussão sobre as perspectivas da revolução
socialista que não assumissem o ponto de vista da elaboração
das tarefas teóricas e políticas independentes do
partido marxista, tomado enquanto o fator consciente decisivo
na luta de classes. Sempre e sempre, Trotsky retornava a esse
ponto: as condições objetivas, mesmo as mais favoráveis,
por si, oferecem à classe trabalhadora nada mais do que
a possibilidade de conquistar o poder político. Não
há dialética cósmica ou histórica
que predetermine a vitória ou a derrota da classe trabalhadora.
Dezessete anos após a Revolução de Outubro,
Trotsky lembrava seus críticos centristas:
No ano de 1917, a Rússia passava por sua maior
crise social. Alguém certamente poderia dizer, entretanto,
com base em muitas lições da história, que,
se não houvesse o Partido Bolchevique, a imensurável
energia revolucionária das massas teria se esgotado em
infrutíferas explosões esporádicas e os maiores
levantes teriam terminado nas ditaduras mais contra-revolucionárias.
A luta de classes é o motor principal da história.
Ela exige um programa correto, um partido firme, uma direção
corajosa e digna de confiança não heróis
de salão, com suas frases parlamentares, mas revolucionários,
prontos para ir até o fim. Essa é a maior lição
da Revolução de Outubro (Writings of Leon
Trotsky 1935-36, [New York: Pathfinder Press, 1977], p. 166).