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Ernest Mandel, 1923-1995: Uma avaliação crítica de seu papel na história da Quarta Internacional

Primeira Parte

Por David North
22 de outubro de 2008

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Este texto foi publicado no WSWS, originalmente em inglês, em 23 de outubro de 1995.

A importância da uma análise objetiva

Ernest Mandel, dirigente de longa data do Secretariado Unificado, morreu no dia 20 de julho de 1995. Com sua morte, sai de cena um homem que cumpriu um papel de destaque na história da IV Internacional durante o pós-guerra. Deve-se reconhecer que, em qualquer história objetiva e confiável da IV Internacional, sua vida e trabalho terão de ser objeto de avaliação crítica e estudo sério.

Grande responsabilidade pesa sobre o Comitê Internacional ao fornecer seu balanço das concepções e atividades políticas de Mandel. Aqueles que possuem um mínimo conhecimento da história da IV Internacional sabem que o Comitê Internacional foi, por mais de quatro décadas, o opositor político mais consistente e irreconciliável de Ernest Mandel. O Comitê Internacional foi fundado 42 anos atrás, em meio a uma dura batalha contra a tendência política da qual Mandel era o principal dirigente.

O propósito desta resenha sobre a vida de Mandel não é somente reivindicar os argumentos e ações colocados por aqueles que fundaram o Comitê Internacional em 1953. A história, é claro, tem suas exigências. Mas o estudo do passado oferece seu maior tesouro na medida em que ele nos providencia lições das quais podemos fazer uso hoje. Portanto, nosso objetivo não é marcar pontos no placar partidário contra Ernest Mandel, nem mesmo colocar em dúvida a sinceridade de suas convicções socialistas. Nosso objetivo é, muito mais, procurar compreender, através de uma análise de sua vida, a duradoura significância política para a classe trabalhadora internacional das lutas que foram travadas dentro da IV Internacional.

Este objetivo deve ser colocado de forma mais enfática: “A duradoura significância política” não traz em si a urgência e relevância das questões políticas que preocuparam e preocupam a IV Internacional. Para os filisteus, as lutas dentro da IV Internacional não são mais do que rixas sectárias, sem importância para qualquer um que não seja diretamente envolvido nas disputas.

Não nos preocupamos minimamente com essa atitude de desprezo, que expressa a falência intelectual daqueles responsáveis pela formulação das políticas da burguesia. Só é preciso notar que as turbulências desta década chegaram completamente de surpresa para todos os dirigentes políticos dos grandes Estados capitalistas. Há menos de uma década atrás, nenhum deles anteciparia a queda dos regimes stalinistas na Europa do Leste, quanto mais a dissolução da União Soviética. Todos os grandes acontecimentos pegaram a burguesia internacional de surpresa. Ainda hoje, a burguesia não apresenta nenhuma compreensão coerente ou integrada dos processos históricos que fundamentaram as transformações políticas da última década. Ignorância e estupidez cumprem um papel que não é pequeno na formulação cotidiana da política de classe da burguesia.

Desde que foi concebida, a IV Internacional se preocupa com os problemas políticos fundamentais de todo seu período histórico. Mais uma vez, estamos certos de que os filisteus considerariam esta afirmação imodesta e presunçosa, quando não ridícula. Para começo de conversa, a própria concepção de que existem “problemas políticos fundamentais” associados à “todo seu período histórico” é totalmente estranha às mentes de orientação pragmática. A burguesia não pensa em termos de “períodos históricos”, mas em ciclos comerciais, altas e baixas de tendências.

Mas, para os marxistas, o período histórico é o da revolução socialista mundial. Suas condições objetivas estão enraizadas nas inexoráveis contradições do sistema capitalista internacional. Os “problemas políticos fundamentais” desta época são os que se relacionam com a resolução da crise de direção da classe trabalhadora e o desenvolvimento e implementação de sua estratégia socialista internacional. Deste ponto de vista, em direta oposição às alegações dos representantes intelectuais da burguesia, principalmente aqueles que se encontram nas universidades, a revolução de Outubro de 1917 não foi uma aberração, um mero desvio do curso “normal”, quer dizer, capitalista, de desenvolvimento social, mas uma virada fundamental na história mundial. Apesar do destino do estado advindo desta revolução — e é uma questão de registro histórico o fato de o movimento trotskista ter previsto há muito tempo que o stalinismo levaria a União Soviética a um desastre — o caráter essencial da época em que vivemos ainda é definido pelo conflito entre duas classes sociais internacionais irreconciliavelmente antagônicas, a burguesia e o proletariado.

Ninguém negará que muito mudou desde 1917. Mas essas mudanças não trouxeram uma alteração fundamental das bases econômicas e da estrutura de classes da sociedade. Pelo contrário, a mudança mais significante na estrutura social — o aumento massivo da população urbana e o declínio quantitativo e de significância econômica do campesinato — acentuaram ainda mais a polarização de classe da sociedade. Não há dúvidas de que continuamos vivendo em uma sociedade capitalista baseada na propriedade privada dos meios de produção e na extração de mais-valia de trabalhadores assalariados.

De todos os lados, ouvimos falar do fim do marxismo, do qual a queda da União Soviética seria supostamente o principal episódio. Normalmente, essa afirmação procede da identificação teoricamente absurda e desprovida de bases factuais do stalinismo com o marxismo. Também ouvimos falar da falência do marxismo por aqueles que sabem diferenciar um pouco o stalinismo do marxismo, mas que, em face do aparente triunfo da reação, jogaram suas mão ao céu em desespero e decidiram, sem ao menos tentar refletir sobre o problema de forma mais cuidadosa, que o socialismo não passa de uma utopia irrealizável.

Certamente, as aspirações socialistas da revolução de Outubro foram traídas, o partido bolchevique destruído e, após um processo de degeneração política e social que se arrastou por décadas, a União Soviética dissolveu-se. A classe trabalhadora sofreu sérias derrotas. O capitalismo tem demonstrado uma flexibilidade extraordinária. Mas ainda é fato que este século presenciou, após 1917, lutas revolucionárias de caráter monumental. Há não muito tempo atrás, a sobrevivência do capitalismo parecia difícil mesmo para os defensores mais ardentes da burguesia. Não acrescenta em nada, para a compreensão deste século, afirmar, seja com malícia ou resignação, que o marxismo falhou. Do contrário, é necessário estudar, em detalhes, a história do movimento internacional de trabalhadores no século XX e desvelar as verdadeiras causas dos recuos e derrotas da classe trabalhadora.

Tal estudo requer um sério exame da história da IV Internacional. É dentro deste movimento que os processos objetivos da luta de classes refletiram-se conscientemente e tornaram-se objeto de análise teórica. As polêmicas e lutas dentro da IV Internacional, provocadas pelos trágicos e importantes eventos deste século, foram os meios pelos quais episódios históricos específicos foram elevados ao nível de experiências estratégicas.

A educação da classe trabalhadora é um processo longo e difícil. O progresso da classe trabalhadora deve ser medido não só em termos do que se ganhou materialmente, mas também do que se apreendeu teoricamente. Somente a medida que a classe trabalhadora assimila as experiências estratégicas de todo o período do pós-guerra que ela será capaz de encarar os desafios de um novo período de luta revolucionária. É por este motivo que é necessário estudar o papel de Ernest Mandel na história da IV Internacional.

Por que Trotsky fundou a IV Internacional

Ernest Mandel não foi parte da geração que participou diretamente das lutas políticas que levaram à formação da IV Internacional em 1938. A atividade política de Mandel se inicia após a erupção da Segunda Guerra Mundial e o assassinato de Leon Trotski. No entanto, para que possamos entender as polêmicas que cumpririam um grande papel na vida de Mandel, é necessário rever os eventos que deram início à fundação da IV Internacional.

A história da IV Internacional não começa em seu congresso de fundação, em setembro de 1938, mas na formação da Oposição de Esquerda, sob direção de Leon Trotski, dentro do Partido Comunista da Rússia no outono de 1923. Os primeiros documentos da Oposição protestavam contra a burocratização do partido e a crescente supressão da democracia interna. A disputa se aprofundou e tomou dimensão internacional em 1924 quando Stalin, emergindo rapidamente como líder político da burocracia soviética, apresentou sua “teoria” de “socialismo em um só país”. Tal concepção descolava o desenvolvimento da União Soviética em direção ao socialismo do desenvolvimento das lutas revolucionárias da classe trabalhadora internacional. Isso trouxe trágicas conseqüências tanto para União Soviética quanto para a Internacional Comunista. A confusão política que essa teoria produziu dentro da Internacional Comunista contribuiu para uma série de derrotas devastadoras da classe trabalhadora, principalmente na China em 1927 e na Alemanha em 1933.

Dentro da Rússia Soviética, a Oposição de Esquerda buscou reformar o Partido Comunista. Enquanto tendência internacional, a Oposição de Esquerda buscou reformar a Internacional Comunista. O apogeu desta luta se deu na Alemanha, quando a Oposição de Esquerda Internacional lutou para mudar as políticas ultra-esquerdistas desastrosas que foram baixadas ao Partido Comunista Alemão pelo Comintern, controlado por Moscou, e que claramente abriam caminho para a vitória de Hitler.

Escrevendo do exílio na ilha de Prinkipo, na costa da Turquia, Trotski conclamou o Comintern e o Partido Comunista Alemão a estabelecer uma frente única com o Partido Social-Democrata, para o propósito de unificar as forças da classe trabalhadora em torno de uma luta comum contra o perigo fascista. Ele submeteu às críticas impiedosas o argumento stalinista de que não havia diferenças entre a social-democracia e o fascismo, e que a vitória de Hitler seria seguida pela vitória do Partido Comunista. Trotski denunciou esse argumento como insanidade política, advertindo que a vitória de Hitler seria a maior catástrofe que poderia recair sobre o movimento socialista europeu e alemão. Seus avisos foram ignorados. De fato, Trotski e seus seguidores foram denunciados pelo Comintern como “fascistas sociais”. Em janeiro de 1933, os nazistas chegaram ao poder sem qualquer resistência organizada da classe trabalhadora. Dentro de semanas, o Partido Comunista foi declarado ilegal e seus membros e apoiadores foram deportados ao novo campo de concentração perto do vilarejo de Dachau, criado pelos nazistas para comportar opositores ao seu regime. Não muito tempo depois disso, o Partido Social-Democrata foi declarado ilegal e os grandes sindicatos foram dissolvidos.

A Internacional Comunista recusou-se a submeter as políticas que produziram a catástrofe à menor crítica. Em reunião após esses eventos, o Comintern declarou que sua política estava correta e que ela não era de forma alguma responsável pela derrota.

Trotsky respondeu a essa vergonhosa abdicação de responsabilidade política e moral ao proclamar que a III Internacional estava falida como uma organização revolucionária. A vitória de Hitler foi para a III Internacional o que o início da Primeira Guerra fora para a II Internacional. Era necessário construir uma nova organização revolucionária, a IV Internacional.

Uma questão crítica: A natureza do stalinismo

Não houve sinal algum de subjetividade política na decisão de lançar um chamado pela fundação da Quarta Internacional. Primeiramente, Trotsky resistiu, por muitos anos, à idéia de romper com o Comintern. Enquanto o destino da classe operária alemã estava em disputa, Trotsky considerava prematuro abandonar a luta pela reforma da Internacional Comunista. Mesmo depois, imediatamente após a vitória do nazismo, ele reteve o chamado por uma nova internacional. Ainda esperou para ver se alguma seção da Terceira Internacional reclamaria uma discussão ou assumiria uma atitude crítica em relação à política do Kremlin para a Alemanha. Como ele explicou mais tarde, mesmo a crítica de uma única seção teria indicado a possibilidade de restaurar a política marxista dentro do Comintern. Mas, a ausência de críticas não deixou alternativas à Oposição de Esquerda Internacional. Em termos políticos e objetivos, o apoio do Comintern às políticas desastrosas dessa magnitude significou que este não respondia mais aos anseios da classe operária. Sua política refletia, agora, as necessidades e interesses de outra força social, a burocracia soviética.

Nos anos que se seguiram, Trotsky aprofundou suas análises a respeito do regime soviético, demonstrando que os crimes e as traições de Stalin eram a expressão necessária dos interesses materiais da burocracia que usurpou o poder político da classe trabalhadora. O papel da burocracia soviética, insistia Trotsky, era contra-revolucionário. Dentro da União Soviética, ela suprimiu sem escrúpulos todos os elementos da democracia operária. A fixação pela manutenção dos seus próprios privilégios a tornou o maior obstáculo para o desenvolvimento das forças produtivas nacionalizadas, com base numa economia genuinamente planejada. Internacionalmente, em seus acordos com as potências imperialistas, a diplomacia do Kremlin tratou dos interesses da classe operária como pequenas barganhas. Enquanto Trotsky continuou definindo a União Soviética como Estado Operário — mesmo ela tendo sofrido uma longa e profunda degeneração — dizia que sua sobrevivência a longo prazo, sem mencionar seu desenvolvimento em linhas genuinamente socialistas, dependia da derrubada da burocracia por uma revolução política.

Trotsky rejeitou todos os argumentos de que a burocracia stalinista representava uma nova classe social. Ela era, muito mais, uma casta social, que sobrepunha seus interesses através do monopólio do poder político. A burocracia exercia esse poder para desfrutar parasiticamente dos privilégios baseados nas formas de propriedade criadas pela revolução proletária. Do ponto de vista histórico, o regime burocrático não ofereceu nenhum caminho de desenvolvimento e progresso. Quanto mais ela mantivesse sua força política, alongando a degeneração da sociedade soviética, maior seria o perigo de uma restauração capitalista. Trotsky explicou que, mesmo não sendo uma nova classe, a burocracia conteria em si as tendências que produziriam, em determinado tempo, os fundamentos sociais necessários para a constituição de uma nova classe capitalista. Como escreveu em A revolução Traída:

“O fato da apropriação do poder político num país onde os mais importantes meios de produção estão concentrados nas mãos do estado cria uma nova, e até aqui desconhecida, relação entre a burocracia e as riquezas da nação. Os meios de produção pertencem ao estado. Mas o estado, por assim dizer, “pertence” à burocracia. Se essas relações inteiramente novas se solidificarem, se tornarem norma e se legalizarem, com ou sem a resistência dos trabalhadores, elas liquidarão, a longo prazo, as conquistas sociais da revolução proletária” (Leon Trotsky, The Revolution Betrayed [Detroit: Labor Publications, 1991], p. 211).

A urgência da Quarta Internacional

As análises de Trotsky a respeito do regime soviético e do caráter político da burocracia fundamentaram cientificamente a luta pela Quarta Internacional. Tendo estabelecido uma oposição irreconciliável entre os interesses materiais defendidos pela burocracia e os interesses objetivos da classe operária internacional, Trotsky insistiu que o chamado por uma nova internacional deveria ser a expressão de uma necessidade histórica, e não uma manobra tática.

Foi justamente a respeito disso que Trotsky entrou em conflito com grande número dos grupos políticos ativos na esquerda européia do meio dos anos trinta. Muitas dessas tendências diziam possuir um acordo geral com as análises de Trotsky sobre o stalinismo. Reconheciam que a burocracia soviética reinava despoticamente dentro da USSR e havia traído os interesses da classe operária internacional. No entanto, eles discordavam daquilo que diziam ser uma esquerdista e irreal proposta de ação para estabelecer uma nova internacional. Essas tendências — das quais o britânico Independent Labour Party [Partido Trabalhista Independente, ILP, na sigla em inglês], com seu Bureau de Londres, era o mais representativo — argumentavam ser prematuro proclamar a Quarta Internacional. Argumentavam que uma nova internacional não poderia ser estabelecida artificialmente; que a formação de uma nova internacional dependeria de “grandes eventos”, ou seja, uma revolução vitoriosa. Eles citavam o exemplo da Terceira Internacional que, insistiam, surgiu da vitória bolchevique de 1917.

Um profundo ceticismo e pessimismo embasavam esses argumentos. Resumidamente, a posição do ILP, dos emigrados alemães do SAP, do POUM espanhol, do grupo de Henricus Snievliet na Holanda, para citar os mais conhecidos, era a de que não existia apoio suficiente nas massas para construir uma nova internacional politicamente digna de crédito. A Terceira Internacional, assim como o remanescente da segunda, ainda possuíam a fidelidade das largas massas de trabalhadores socialistas. Seriam muito poucos, diziam eles, aqueles que militariam pela Quarta Internacional.

É necessário compreender que esses argumentos, contra a formação da Quarta Internacional, tinham muitas e necessárias implicações práticas. Em geral, as organizações que consideraram prematura a formação da Quarta Internacional adotaram, na prática, uma atitude errada e comprometedora diante dos stalinistas. Com razão, Trotsky usava o termo “centrista” para tais organizações. Elas tentavam encontrar um curso intermediário entre o marxismo, stalinismo e reformismo social-democrata. A conseqüência trágica de tal tentativa foi demonstrada pela Revolução Espanhola, onde a política adotada pelo POUM, sob a direção de Andres Nin, levou à sua própria destruição pelos stalinistas.

Nos muitos artigos escritos por Trotsky em resposta aos centristas, realçava repetidamente que os interesses históricos da classe operária somente poderiam ser atendidos por um partido que dissesse a verdade às massas, a verdade e nada mais que a verdade. Até o momento em que a classe operária estivesse sob a influência do stalinismo e/ou da social-democracia, ela seria levada a derrotas e catástrofes. Opor-se à formação da Quarta Internacional porque os stalinistas eram ainda muito fortes significava contribuir com a perpetuação da política que, segundo os próprios centristas, era o maior obstáculo para a construção de uma nova internacional. Em outras palavras, a política dos centristas deixava a classe operária num labirinto político, onde não havia saída. O SAP assumiu tal posição afirmando o seguinte: “A proclamação de uma nova internacional, apesar de ser necessária objetivamente, é impossível neste momento por conta das condições subjetivas” (extraído do Writings of Leon Trotsky 1934-35 [New York: Pathfinder Press, 1974], p. 262)

As “condições subjetivas” que os centristas lamentavam, certamente, como um “grande problema”, eram, naturalmente, a falta de compreensão da necessidade de uma nova direção revolucionária dentro da classe trabalhadora e a manutenção de ilusões nos partidos de massa existentes da classe trabalhadora.

Trotsky respondeu, severamente, a esse tipo de racionalização: “Sem uma nova internacional o proletariado, simplesmente, será esmagado. Mas as massas ainda não compreendem isso. Que mais é a tarefa dos marxistas, senão elevar o fator subjetivo ao nível do objetivo e aproximar a consciência das massas da compreensão da necessidade histórica — em termos mais simples: explicar às massas seu próprio interesse, que ainda não compreendem? O ‘problema central’ dos centristas é a enorme covardia diante das grandes e inquestionáveis tarefas. Os dirigentes do SAP não compreendem a importância da intervenção revolucionária e consciente da classe na história...

“A questão não é sobre o que as massas pensam hoje, mas com que espírito e em que direção os Srs. Dirigentes estão preparando a educação das massas” (ibid., pp. 262-63).

Trotsky também refutou o argumento de que a fundação de uma nova internacional dependeria de um “grande evento” catalítico, como a Revolução Bolchevique de 1917. Em primeiro lugar, mesmo ela tendo facilitado, certamente, o rápido crescimento da Terceira Internacional, os centristas da década de 30 não deveriam se esquecer que Lênin lançou o chamado por uma nova internacional três anos antes da Revolução de Outubro, no outono de 1914, quando da traição da Segunda Internacional diante do início da I Guerra Mundial. Naquela época, a facção de Lênin constituía uma pequena maioria, não apenas na Segunda Internacional, mas também entre o pequeno número de revolucionários internacionalistas que se opuseram à guerra.

De qualquer forma, a Quarta Internacional foi fundada com base em “grandes eventos”: as maiores derrotas na história do movimento internacional dos trabalhadores — na Itália, na China, na Alemanha, na Espanha, na Checoslováquia e na França. A desmoralização da classe operária e a vitória do fascismo em país após país, combinados com o extermínio físico sistemático dos socialistas na União Soviética, demonstraram a falência e mesmo o caráter criminoso das antigas organizações operárias, trazendo a humanidade para a beira do abismo. Uma vez que classe operária não surgiu para ser vítima inofensiva do processo histórico, ela deve ser armada com uma nova perspectiva e um novo programa.

Chegamos, então, ao elemento mais profundo da argumentação de Trotsky contra os centristas, contido na sua referência à “importância da intervenção revolucionária e consciente da classe na história” para a direção revolucionária. Para Trotsky, a maior falsificação do marxismo é a que apresenta o “processo histórico” como algo que discorre sozinho, independente do pensamento e da pratica humanos, como se os eventos políticos fossem meramente o desdobramento inevitável e predeterminado das “condições objetivas”. O que esse fatalismo passivo ignora é o papel da consciência na história, que não apenas reflete o curso objetivo do desenvolvimento histórico, mas também o interpreta e planeja os meios de influenciá-lo e mudá-lo. Como exemplo, Trotsky apontou o papel de Lênin na revolução de 1917. Sem ele, a Revolução de Outubro não teria ocorrido.

“Lênin representa um dos elementos vivos do processo histórico. Ele personificou a experiência e a perspicácia da seção mais ativa do proletariado. Seu oportuno aparecimento na arena da revolução foi fundamental para mobilizar a vanguarda e ajudá-la a organizar a classe operária e as massas camponesas. Liderança política nos momentos cruciais de transformação histórica pode ser um fator tão decisivo quanto o papel de um comandante nos momentos críticos de guerra” (Leon Trotsky, The Spanish Revolution 1931-39, [New York: Pathfinder Press, 1973], pp. 361-62).

Questões fundamentais do método marxista estão embasadas na luta contra os centristas. A dialética entre o objetivo e o subjetivo está entre os problemas filosóficos mais complexos. Não é uma redução do marxismo reconhecer que o fator objetivo contém dentro de si fatores subjetivos operando. Para a finalidade da análise teórica, podemos “abstrair” o fator objetivo (ou seja, as contradições econômicas do sistema capitalista) e considerá-lo independentemente dos outros. Tal abstração é necessária para estabelecer, ao nível mais elementar, a orientação do partido. Mas o desenvolvimento de uma análise mais profunda requer o exame de muitos e complexos “fatores subjetivos”, sem os quais nossa compreensão da situação objetiva se manterá abstrata.

A análise de uma situação objetiva pode alcançar o nível de concretude requerido pelo marxismo apenas quando abarcar o impacto potencial das forças e dos fatores subjetivos, incluindo, acima de tudo, a ação da classe operária e de sua direção revolucionária.

Ao contrário da pretensão de muitos dos seus críticos centristas, Trotsky foi profundamente realista em sua avaliação das possibilidades políticas. Melhor do que ninguém naquele momento, compreendeu a dificuldade e a complexidade dos problemas com que se confrontavam a classe operária internacional e muitos dos seus elementos políticos mais avançados. Ele sabia muito bem que esses problemas não poderiam ser superados meramente com frases e gestos vazios. Trotsky, certamente, reconheceu que o estabelecimento formal da Quarta Internacional não poderia, por si só, garantir a vitória da revolução socialista. Entretanto, ele sabia, a possibilidade de exercer influência decisiva nas condições objetivas requer a existência do partido. Além disso, a capacidade do partido em conquistar a classe trabalhadora no meio de uma revolução depende do que ele já realizou no decorrer do período precedente. A elaboração do programa do partido, o desenvolvimento de perspectivas políticas, a educação teórica e prática de seus quadros e o aumento de sua autoridade entre os grupos de trabalhadores conscientes não podem esperar pela erupção da revolução.

“De fato”, escreveu Trotsky, “durante uma revolução, ou seja, quando os eventos transcorrem rapidamente, um fraco partido pode tornar-se, rapidamente, poderoso, caso entenda claramente o curso da revolução e possua quadros leais, que não se intoxicam por frases e não se aterrorizam com a perseguição política. Mas tal partido deve estar constituído antes da revolução, uma vez que o processo de educar os quadros requer tempo, e a revolução não dispõe de tempo” (ibid., p. 363).

Deste modo, Trotsky considerou distração perigosa toda discussão sobre as perspectivas da revolução socialista que não assumissem o ponto de vista da elaboração das tarefas teóricas e políticas independentes do partido marxista, tomado enquanto o fator consciente decisivo na luta de classes. Sempre e sempre, Trotsky retornava a esse ponto: as condições objetivas, mesmo as mais favoráveis, por si, oferecem à classe trabalhadora nada mais do que a possibilidade de conquistar o poder político. Não há dialética cósmica ou histórica que predetermine a vitória ou a derrota da classe trabalhadora. Dezessete anos após a Revolução de Outubro, Trotsky lembrava seus críticos centristas:

“No ano de 1917, a Rússia passava por sua maior crise social. Alguém certamente poderia dizer, entretanto, com base em muitas lições da história, que, se não houvesse o Partido Bolchevique, a imensurável energia revolucionária das massas teria se esgotado em infrutíferas explosões esporádicas e os maiores levantes teriam terminado nas ditaduras mais contra-revolucionárias. A luta de classes é o motor principal da história. Ela exige um programa correto, um partido firme, uma direção corajosa e digna de confiança — não heróis de salão, com suas frases parlamentares, mas revolucionários, prontos para ir até o fim. Essa é a maior lição da Revolução de Outubro” (Writings of Leon Trotsky 1935-36, [New York: Pathfinder Press, 1977], p. 166).

(continua)