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O colapso capitalista e as perspectivas da IV Internacional

Parte 4

Por Nick Beams
7 de novembro de 2008

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Publicado originalmente em inglês em 8 de outubro de 2008.

Segue publicada abaixo a parte final do relato de Nick Beams ao encontro público realizado em Sydney para o 70º aniversário de fundação da Quarta Internacional. Beams é membro do Comitê Editorial Internacional do WSWS e Secretário Nacional do Partido da Igualdade Socialista australiano. A parte 1 foi publicada em 4 de outubro, a parte 2 em 6 de outubro e a parte 3 em 7 de outubro.

A atual crise põe em foco problemas políticos fundamentais que agora são confrontados pela classe trabalhadora. Que plano, que programa, representando os interesses da massa do povo mundial, pode prevenir a catástrofe que coloca em xeque toda a cultura da humanidade: crise econômica, ameaça de guerra e uma destruição cada vez mais profunda da natureza? Que tipo de partido político precisa ser construído para dirigir a luta para implementá-lo? Essas são as questões candentes do nosso momento.

Na elaboração da perspectiva da Quarta Internacional, em 1938, Trotsky explicou que ela deveria ser chamada de Partido Mundial da Revolução Socialista, em concordância com sua natureza e tarefa históricas. A erupção da Primeira Guerra Mundial, em 1914, encerrou permanentemente a viabilidade de perspectivas e programas políticos nacionais.

O partido mundial, explicava Trotsky, corporificava um programa, isto é, um sistema de idéias muito bem tecido, que elaborava as tarefas essenciais. Um programa não era meramente um conjunto de políticas e reivindicações imediatas, mas estava baseado numa avaliação das experiências históricas e estratégicas da classe trabalhadora internacional. Somente sobre a base de tal concepção seria possível educar e treinar uma direção revolucionária. Não era o partido que fazia o programa, mas o programa que fazia o partido, insistia Trotsky.

Tal concepção era negada por todas as várias tendências e organizações centristas da época — muitas delas maiores que as seções da Quarta Internacional — que afirmavam que a insistência em aprender lições da história e dos princípios era algo dogmático e sectário. Seria necessário juntar todas as tendências e agrupamentos de oposição para criar uma nova e ampla organização. Mas foi a perspectiva de Trotsky que se confirmou com os eventos subseqüentes. Nenhum dos outros partidos foi capaz de sobreviver à Segunda Guerra Mundial.

O pós-guerra levantou novos desafios e problemas para a Quarta Internacional. O restabelecimento da ordem política burguesa, tornado possível graças às traições dos partidos stalinistas, junto com a revitalização econômica que veio em seguida, aparentemente invalidava as perspectivas sobre as quais a Quarta Internacional havia sido fundada. Além disso, as conquistas da burocracia stalinista no Leste Europeu e a vitória das revoluções chinesa e iugoslava pareciam refutar a tese de que o socialismo só poderia ser realizado pela construção da Quarta Internacional, enquanto nova liderança revolucionária da classe trabalhadora.

A inédita situação criava tremendas pressões políticas no interior da Quarta Internacional. Essas pressões se manifestariam pelo desenvolvimento de teorias revisionistas, que defendiam, essencialmente, que as burocracias stalinista e trabalhista, assim como as lideranças pequeno-burguesas e nacionalistas burguesas, sob várias formas, ao invés de serem obstáculos ao socialismo, poderiam tornar-se, diante da pressão das massas, verdadeiros veículos para a realização da revolução. Essa perspectiva revisionista começou a ser desenvolvida pelos dois mais proeminentes dirigentes europeus da Quarta Internacional, Michel Pablo e Ernest Mandel.

Num documento intitulado "Where are we going?", [Para onde estamos indo?], emitido em 1951, Pablo escreveu: "Para o nosso movimento, a realidade objetiva consiste essencialmente no regime capitalista e no mundo stalinista. Além do mais, gostemos ou não, esses dois elementos são os que mais predominantemente constituem a realidade objetiva social, pois a grande maioria das forças de oposição ao capitalismo estão agora mesmo sob a liderança ou influência da burocracia soviética."

Essa passagem resume o método impressionista que seria o coração da perspectiva revisionista no pós-guerra. O mundo estava simplesmente divido entre EUA e seus aliados de um lado, e a burocracia soviética de outro. A classe trabalhadora não tinha qualquer papel independente a cumprir e, conseqüentemente, a Quarta Internacional também não. Tornava-se uma espécie de grupo de pressão, agindo no interior das grandes burocracias que dominavam a classe trabalhadora.

No Terceiro Congresso da Quarta Internacional, em 1951, Pablo proferiu as implicações de sua nova perspectiva. Era necessário, segundo ele, subordinar todas as questões de independência da Quarta Internacional à "real integração no movimento de massas" de todos os países.

Isto significava nada menos que a liquidação da Quarta Internacional. Era essa perspectiva que levou James P. Cannon, o dirigente do Socialist Workers Party (SWP), o partido trotskista americano, a escrever a "Carta Aberta" à Quarta Internacional. Foi a "Carta Aberta" — que reafirmava os princípios sobre os quais a Quarta Internacional tinha sido estabelecida em 1938 — que em 1953 levou à fundação do Comitê Internacional da Quarta Internacional (CIQI).

Numa carta escrita em março de 1954, Cannon sintetizou os problemas que surgiram da cisão, insistindo que a teoria leninista-trotskista do partido revolucionário e seu papel como direção da luta revolucionária dominava todas as outras na época presente. Sustentar que uma transformação socialista poderia de algum modo ser levada adiante de uma forma quase automática era abandonar completamente o marxismo.

"Não, só pode ser uma operação consciente e requer imperativamente a liderança do partido marxista que representa o elemento consciente no processo histórico. Nenhum outro partido servirá. Nenhuma outra tendência no movimento trabalhista pode ser reconhecida como substituta satisfatória. Por essa razão, nossa atitude em relação a todos os outros partidos é irreconciliavelmente hostil."

A fundação do CIQI em 1953 significou a abertura do que se tornaria uma luta prolongada contra o oportunismo dentro da Quarta Internacional. Em 1963, o SWP se reunificou com os pablistas, sobre a base de uma suposta solução dos problemas que uma década atrás os havia separado. A reunificação partia de uma avaliação comum sobre os eventos em Cuba — que o movimento nacionalista pequeno-burguês de Castro havia estabelecido um Estado Operário e que o próprio Castro se tornara um "marxista inconsciente". Todos os problemas de 1953 vinham à tona novamente, sob uma outra forma. Se o socialismo poderia ser alcançado em Cuba sob a liderança das forças nacionalistas pequeno-burguesas lideradas por Castro, então para que serviria a Quarta Internacional?

O regime cubano, entretanto, tinha seu caráter simbolizado no fato de Che Guevara — o ícone da luta revolucionária para todos os grupos radicais de classe média — ter recebido entusiasticamente Ramón Mercader, o assassino de Leon Trotsky, quando foi libertado da prisão e viajou até Cuba.

O repúdio contra a perspectiva liquidacionista do SWP foi liderado pelos trotskistas britânicos, Healy, Banda e Slaughter, que acirraram a luta contra o pablismo. Sua posição foi confirmada historicamente em 1964 , quando o LSSP, seção do movimento pablista no Sri Lanka, entrou para o governo burguês de coalizão do Sr. Bandaranaike.

Todos os problemas históricos e teóricos que emergiram da luta contra o pablismo culminaram na cisão do CIQI em 1985-86, produzida pela degeneração nacional-oportunista da seção britânica, o WRP.

Em 1982 a Workers League levantou diferenças com a linha política do WRP e sua sempre crescente guinada em direção ao oportunismo, especialmente em relação aos movimentos nacionalistas pequeno-burgueses do Oriente Médio. Essas críticas foram suprimidas pelos dirigentes Healy-Banda-Slaughter.

Mas, em 1985, quando o oportunismo do WRP causou uma explosão no partido, as criticas do secretário nacional da Workers League, David North, ganharam o suporte da maioria das seções do Comitê Internacional e de uma tendência interna ao próprio WRP.

No transcorrer da cisão, Gerry Healy resumiu a perspectiva de todos os oponentes oportunistas do trotskismo. Ele denunciou o Comitê Internacional por buscar "o mais cristalino socialismo, da água mais pura e do menor número de militantes". Em outras palavras, segundo ele, a aderência ao princípio, ao programa do trotskismo, só poderia produzir o isolamento. Como no caso de Pablo e sua chamada pela integração da Quarta Internacional ao "verdadeiro movimento de massas", a orientação de Healy e de várias tendências que romperam com o Comitê Internacional era em direção à burocracia stalinista.

A luta contra os oportunistas do WRP marcou um ponto de virada na difícil e prolongada luta do movimento trotskista dos anos do pós-guerra.

Todas as tendências oportunistas que atacaram a Quarta Internacional ao longo do pós-guerra tinham o fundamento de seus ataques, em última análise, na dominação das burocracias stalinistas sobre a classe trabalhadora. Mas, em 1985-86, enormes guinadas na economia mundial desencadearam um processo de quebra da estrutura política global. As burocracias stalinistas, sobre as quais os oportunistas se baseavam, estavam à beira do colapso.

Em suma, a crise do WRP era o resultado de vastas mudanças na economia mundial — como a globalização da produção, que viu a decadência e desintegração de todos os partidos e organizações focadas numa perspectiva nacionalista.

A vitória do Comitê Internacional sobre os oportunistas nacionais do WRP em 1985-86 foi o anúncio de uma histórica guinada política. A globalização da produção, a integração da economia mundial e, acima de tudo, a integração da classe trabalhadora internacional, criaram hoje as condições objetivas para a realização da perspectiva da Quarta Internacional — a construção do Partido Mundial da Revolução Socialista.

Numa carta a James P. Cannon, Trotsky uma vez escreveu: "Nós trabalhamos com as idéias mais corretas e poderosas do mundo, mas com forças numéricas e meios materiais inadequados. Mas idéias corretas, a longo prazo, sempre conquistam e tornam disponíveis para elas mesmas os meios e forças materiais necessárias". A perspectiva de Trotsky está agora se provando verdadeira.

De um ponto de vista superficial, os últimos 20 anos que se seguiram ao colapso da União Soviética foram difíceis. Aparentava a milhões de pessoas que a perspectiva do socialismo havia perdido todo o valor. Eles não entenderam que a desintegração da URSS, longe de representar a morte do socialismo, era o produto final de décadas de traição da Revolução de Outubro pela burocracia stalinista. A análise do Comitê Internacional, de que o colapso da URSS era resultado de processos sócio-econômicos que iriam, cedo ou tarde, quebrar as fundações do capitalismo mundial e da ordem política do pós-guerra, estava longe de ser aparente. De fato, o oposto aparentava ser o caso — o capitalismo estava entrando em uma nova fase de sua vida. Era o fim da história, de acordo com alguns.

Mas, a análise do CIQI foi verificada pelo colapso da ordem mundial capitalista que ocorre hoje — um colapso que definitivamente recolocou a perspectiva do socialismo mundial na agenda da história.

Esses desenvolvimentos sublinham a importância crítica da luta de mais de 50 anos conduzida pelo CIQI para defender o programa do trotskismo contra todas as formas de revisionismo e oportunismo.

Em 1903, a cisão entre os bolcheviques e os mencheviques foi tomada por muitos do movimento socialista como um produto da imaturidade do movimento revolucionário russo, ou foi simplesmente rebaixada ao nível de "querelas russas". Mas, em 1917, os mencheviques formaram o principal ponto de apoio do governo burguês, deposto sob a liderança dos bolcheviques na Revolução de Outubro.

Estamos novamente entrando em um período similar. A luta do movimento revolucionário contra o oportunismo assumirá importância decisiva no desenvolvimento das lutas da classe trabalhadora e milhões terão a clareza de que o conflito entre marxismo e oportunismo equivale ao conflito entre revolução e contra-revolução.

Permita-me dirigir sua atenção aos desenvolvimentos na França — país onde já se disse que a luta de classes é sempre disputada até a conclusão.

Lá, a Ligue Communiste Revolutionaire (LCR), o partido pablista, se prepara para fundar um novo partido anti-capitalista (o NPA) no começo do ano que vem. Numa entrevista em março passado, o líder da LCR, Olivier Besancenot, clarificou a base explicitamente oportunista sobre a qual essa nova organização será construída.

"O NPA pretende se integrar às correntes de várias tradições da esquerda radical. Terá como condição para essa integração discussão explícita sobre o legado dessas tradições, que também poderá ser feita através da prática e da convergência nas lutas concretas [?]. A discussão sobre os vários ‘legados' ideológicos e históricos pode ser interessante. Certamente, também será longa. Mas não podemos começar com isso! Especialmente agora, quando é nosso objetivo a unificação de homens e mulheres que, com direito, não têm um longo histórico de comprometimento político com partidos e não se identificam com nenhuma dessas tradições em particular."

Não há engano algum no significado político dessa rejeição da história e dos princípios. Trata-se de uma declaração de Besancenot à classe dominante francesa, afirmando que sob condições onde seus principais suportes falharem — o Partido Socialista e, acima de tudo, o Partido Comunista, que tiveram um papel tão crucial em resgatar o capitalismo francês em 1936, em 1944-45 e novamente em 1968 — o NPA estará pronto para preencher a lacuna. Com a abertura de uma crise revolucionária, entrará em um governo burguês para preservar a ordem capitalista.

E a burguesia respondeu: mensagem compreendida. Por isso Besancenot é o queridinho dos noticiários, talk shows e do circuito dos comentários políticos. Parece que a mensagem também foi recebida do outro lado do Atlântico. O New York Times de 13 de setembro inclui um artigo extremamente favorável a Besancenot, baseado numa entrevista extensa. Descreve-o como um "líder extremamente adepto da esquerda dura, um farol-guia para jovens membros insatisfeitos do Partido Socialista e para os remanescentes dos antigos poderosos Comunistas". Que direção esse farol proporciona! A manchete do artigo é: "Luz na esquerda guia seus camaradas em direção ao mainstream da França".

Setenta anos atrás, comemorando a fundação da Quarta Internacional, Leon Trotsky escreveu: "Nós não somos um partido como outros partidos. (...) Nosso objetivo é a total libertação material e espiritual dos oprimidos e explorados através da revolução socialista. Isso ninguém preparará ou conduzirá em nosso lugar".

Os velhos partidos, continuou Trotsky, estão inteiramente apodrecidos. Os "grandes eventos que precipitam sobre a humanidade" não deixarão pedra sobre pedra dessas organizações caducas. "Apenas a Quarta Internacional olha com confiança para o futuro. É o Partido Mundial da Revolução Socialista. Nunca houve maior tarefa na terra. Sob cada um de nós está uma tremenda responsabilidade histórica".

No contexto dos eventos que agora se desenrolam, tais palavras adquirem uma significância ainda maior.

Concluído

(Traduzido por movimentonn.org)