Publicado originalmente em inglês em 6 de outubro
de 2008
Publicamos abaixo a segunda parte de um relato feito em
28 de setembro por Nick Beams a um encontro realizado em Sydney
sobre o 70o aniversário da Quarta Internacional. Beams
é membro do comitê editorial internacional do WSWS
e secretário nacional do Partido da Igualdade Socialista
da Austrália. Publicaremos este relato em 4 partes. A parte 1 foi publicada em
inglês em 4 de outubro.
À medida que a crise financeira se desenrola, ouvimos
esta frase com cada vez mais frequência: a privatização
dos lucros e a socialização das perdas. Isso não
é apenas um resumo eficiente do que está acontecendo,
mas aponta de forma mais ampla para as questões políticas
que serão disputadas no próximo período.
A pergunta é inevitável: no interesse de quem
será feita a reorganização econômica
da sociedade? Por que os recursos sociais devem ser utilizados
para resgatar a pequena minoria de milionários, aqueles
que se beneficiam das operações do sistema financeiro?
Se é necessário haver socialização
das perdas se os custos devem ser bancados pela sociedade
como um todo então por que não socializar
os lucros também? Ou, colocando de outra forma, por que
não transformar todo o sistema financeiro e bancário
em propriedade pública, para ser controlado e organizado
nos interesses da sociedade como um todo.
A razão por trás da imensa operação
de resgate é que sem ela um colapso econômico de
proporções verdadeiramente inéditas ocorreria.
O investidor bilionário Warren Buffet, por exemplo, alertou
sobre "a maior catástrofe da história americana."
Desse modo, argumenta-se que este não é de fato
o resgate dos super-ricos, mas a defesa dos interesses econômicos
da população como um todo.
Um artigo do Wall Street Journal descreveu a cena de 17 de
setembro, quando foi tomada a decisão de avançar
para a compra dos ativos podres do sistema financeiro pelo governo.
"Aconchegado em seu escritório com seus maiores
acessores, o secretário do tesouro Henry Paulson assistia
com alarme a seu terminal de dados financeiros enquanto um mercado
após outro começava a ficar desordenado. Investidores
fugiam de fundos mútuos do mercado monetário há
tempos considerados ultra-seguros. O mercado congelou para os
empréstimos a curto prazo nos quais os bancos apoiavam-se
para financiar seus negócios diários. Sem tais mecanismos,
a economia se destroçaria até estacionar. Em breve,
os consumidores entrariam em pânico." [Wall Street
Journal September 20, 2008].
Até quinta-feira, 18 de setembro, uma catástrofe
financeira estava por vir.
Mas isso apenas levanta a questão que nós colocamos
de uma maneira ainda mais forte. Por quanto tempo é possível
continuarmos com a atual ordem econômica? Já é
certamente tempo de pôr um fim num sistema econômico
e social cujas operações, baseadas no mercado capitalista
e na busca cruel pelo lucro, ameaça causar devastação
econômica sobre o povo dos Estados Unidos e a classe trabalhadora
de todo o mundo.
E se é necessário que todos os recursos disponíveis
sejam mobilizados para prevenir uma catástrofe, então
certamente é duas vezes mais necessário que estes
recursos sejam tirados das mãos daqueles que criaram o
desastre em primeiro lugar, e que sejam colocados sob o controle
democrático da classe trabalhadora, cujo trabalho
intelectual e braçal os criou.
A crise financeira americana certamente balançou os
mitos e mantras do mercado que cumpriram tal papel ideológico
para a classe capitalista nas últimas três décadas.
Assim que reivindicações por melhorias nos serviços
públicos, saúde, educação, infra-estrutura
e outras exigências da vida moderna surgiram, foi levantado
o seguinte: o Estado forte não é a solução!
Os problemas não podem ser resolvidos injetando dinheiro
neles! Os recursos não estão disponíveis
para atender tais necessidades! Os usuários pagando, e
não o fornecimento de serviços e facilidades públicas,
é o único programa viável para o futuro.
Esses chavões já estão bem destruídos,
e o interesse de classe que eles servem, bem expostos. Grande
governo? Só o céu é o limite quando se considera
a defesa dos interesses da plutocracia.
O declínio histórico do capitalismo
americano
Esta crise, no entanto, fez muito mais do que destruir os fundamentos
ideológicos do "livre mercado" das últimas
três décadas. Ela deixou claro que os fundamentos
econômicos sobre os quais o capitalismo mundial se apoiava
desde após a Segunda Guerra, à qual seguiram-se
quase quatro décadas de reviravolta política e econômica,
atingiram um estágio bem avançado de desintegração.
Se revermos o século XX como um todo, principalmente
os últimos 60 anos, fica claro que o principal fator objetivo
na sobrevivência do capitalismo até este ponto tem
sido a força do capitalismo americano.
Nosso movimento, a Quarta Internacional, expôs o crucial
papel político desempenhado pelas velhas lideranças
da classe trabalhadora os partidos comunistas stalinistas,
os partidos social-democratas e trabalhistas e as direções
sindicais, juntamente com seus epígonos e defensores entre
os grupos radicais de pequena-burguesia na sustentação
das classes dominantes capitalistas.
O programa de fundação da Quarta Internacional
começa desta forma: "A situação política
mundial no seu conjunto caracteriza-se, antes de mais nada, pela
crise histórica da direção do proletariado...
As premissas objetivas da revolução proletária
não estão somente maduras: elas comaçam a
apodrecer. Sem a vitória da revolução socialista
no próximo período histórico, toda a civilização
humana está ameaçada de ser conduzida a uma catástrofe.
Tudo depende do proletariado, ou seja, antes de mais nada, de
sua vanguarda revolucionária. A crise histórica
da humanidade reduz-se à crise da direção
revolucionária."
Essas palavras permanecem tão verdadeiras hoje quanto
quando foram escritas 70 anos atrás. O que explica a sobrevivência
do capitalismo desde então? Nosso movimento foi fundado
sobre a mais profunda consideração do papel do "fator
subjetivo" o papel da direção revolucionária
no processo histórico. E não há dúvidas
de que o capitalismo apenas sobreviveu devido às traições
das direções da classe trabalhadora.
Não somos, no entanto, subjetivistas históricos.
Revoluções só tornam-se possíveis
sob certas condições objetivas definidas, as quais
são produzidas pelo desenvolvimento histórico do
capitalismo e pelo trabalho sobre as contradições
internas a ele.
Não há dúvidas de que os poderosos processos
objetivos tornaram possível a sobrevivência do capitalismo
após a Segunda Guerra, tanto após os levantes revolucionários
que a precederam como após aqueles que a seguiram. O principal
dentre estes fatores tem sido a força do capitalismo americano,
que providenciou o fundamento econômico essencial para a
estabilidade da ordem capitalista mundial nas últimas seis
décadas.
É por isso que esta crise tem tamanhas implicações
revolucionárias: ela significa o declínio histórico,
a decadência e a desintegração do capitalismo
americano. Ela significa a abertura de uma nova época revolucionária,
para a qual tanto a IV Internacional quanto a classe trabalhadora
devem preparar-se.
Os defensores ideológicos da ordem capitalista compreendem
quase de maneira instintiva, semi-consciente, o significado do
papel do capitalismo americano. Essa é a razão pela
qual eles insistem que, apesar de esta ser a maior crise desde
a Grande Depressão, "o mundo não acabou".
Deixe-me ilustrar este ponto referindo-me a um artigo recente
escrito pelo editor associado e principal comentador econômico
do jornal Times de Londres, Anatole Kaletsky, publicado no Australian
no dia 9 de setembro, dois ou três dias após a divulgação
do plano de U$ 85 bilhões para resgatar as gigantes hipotecárias,
Freddie Mac e Fannie Mae.
Kaletsky abre seu artigo desta forma: "Será esta,
então, a "Grande", a monstruosa reviravolta,
geralmente acompanhada de algum tipo de ajuda governamental que
normalmente delimita o ponto mais baixo de cada grande crise financeira?
Em termos de escala não se pode haver dúvidas. O
resgate da Fannie Mae e Freddie Mac... é dez vezes maior
do que qualquer intervenção governamental anterior
sobre qualquer mercado financeiro em qualquer lugar do mundo."
Sua conclusão foi: "Se este programa não
é suficiente para colocar a economia americana e o sistema
financeiro de volta sobre seus pés, é difícil
imaginar o que poderia. Qualquer um que aposte contra esse pacote
está, portanto, apostando que a economia americana está
condenada ao declínio irreversível e inevitável.
Tal aposta sempre deu errado no passado e é provavel que
também dê errado desta vez. A de domingo foi provavelmente
a "grande" e a recuperação econômica
americana está reassegurada."
O mínimo que se pode dizer é que as afirmações
do sr. Kaletsky eram um pouco prematuras, dado o que se passou
nas próximas duas semanas. Se o resgate Fannie-Freddie
foi dez vezes maior do que qualquer um já feito antes,
então as operações atuais são no mínimo
90 vezes isso!
O importante aqui não é tanto a previsão
em si, mas a razão pela qual ela estava tão longe
do acerto. O sr. Kaletsky tomou como dada a permanência
do capitalismo americano e sua dominação global.
O crucial para o cenário econômico e político
dos últimos 60 anos um período que engloba
a vida da maioria da população atual e, de fato,
uma proporção considerável das pessoas que
já viveram sobre este planeta é que nada
mais é impensável. Como sempre, o pensamento sempre
está a uma boa distância de atraso dos processos
objetivos.
O colapso do capitalismo americano como isso poderia
ser possível? Porém, está acontecendo e significa
a abertura de uma nova época histórica, onde muitas
instituições antigas e aparentemente eternas tanto
da esfera econômica quanto política passarão
por mudanças inimagináveis. A partir disso, novas
relações e possibilidades políticas surgirão.
Nixon e Bretton Woods
Antes de deixarmos o sr. Kaletsky e seus companheiros especialistas,
precisamos analisar um pouco mais suas observações,
para esclarecer como chegamos a esse ponto. Kaletsky defende que
qualquer aposta na derrota dos EUA teria sido errada no passado,
e está errada agora.
Deixe-nos examinar essa questão historicamente, a começar
pela Grande Depressão. Como ela foi superada? Não
pelas atividades do governo americano de Roosevelt e seu New Deal
em 1930. As medidas que Roosevelt implementou falharam e, em 1937-38,
o capitalismo americano se movia para o buraco tão rapidamente
quanto em 1932.
A falência das medidas do New Deal levou parte dos principais
setores da elite política americana a certas conclusões
de longo alcance. Ao final da década de 30, haviam chegado
à conclusão de que a única forma de superação
da crise seria reconstruir a economia mundial.
As velhas divisões, os velhos impérios e blocos
deveriam ser quebrados para criarem as condições
necessárias para o reavivamento do mercado mundial assim
como o fluxo livre de produtos e capital, tão essencial
para a expansão do capitalismo americano e mundial. Esse
foi o programa com o qual, no sentido mais fundamental, os Estados
Unidos lutaram na guerra. Como Leon Trotsky explicara em 1934:
"O capitalismo americano enfrenta os mesmos problemas que
empurraram a Alemanha ao caminho da guerra em 1914. O mundo está
dividido? Ele deve ser redividido. Para a Alemanha era uma questão
de organizar a Europa'. Os Estados Unidos devem organizar'
o mundo."
Após a Guerra, as traições do stalinismo
na Europa (quando os partidos comunistas juntaram-se aos governos
na Itália e França) criaram as condições
para os EUA estabelecerem sua hegemonia e reorganizar o capitalismo
mundial sobre novas bases. O acordo de Bretton Woods de 1944 estabeleceu
um novo sistema monetário internacional e lançou
as bases para uma expansão no comércio mundial.
O Plano Marshall de 1947 reconstruiu as economias americanas e
lançou as bases para o desenvolvimento dos sistemas de
produção de linha de montagem na Europa. Junto a
isso, essas medidas estabeleceram os fundamentos para o crescimento
da economia capitalista do pós-guerra.
Esta reestruturação pós-guerra sob a hegemonia
dos EUA abriu caminho para um novo aprimoramento capitalista.
Parecia a aurora de uma era de ouro. Os ideólogos da burguesia,
ecoados nos politicos trabalhistas e social-democratas, assim
como as burocracias sindicais, proclamaram que as lições
da Grande Depressão haviam sido dadas. Era possível,
insistiam, regular o sistema capitalista. Os marxistas apocalípticos
estavam errados: o capitalismo não foi afundado por nenhuma
contradição.
A história, no entanto, mostraria rapidamente que tais
contradições de fato existiam e que estavam longe
de serem superadas. Elas manifestaram-se na crescente turbulência
econômica que começou a desenvolver-se nos anos 60.
Ao final desta década, os EUA estavam trabalhando com uma
balança de déficits cada vez maior, e, em 1971,
pela primeira vez após a Primeira Guerra, com uma balança
comercial deficitária.
Sob o sistema monetário de Bretton Woods, os valores
das maiores moedas mundiais foram fixados em relação
ao dólar americano, que tinha, por sua vez, lastro no ouro,
resgatável em U$ 35 por onça. Mas no começo
da década de 70, a quantia de dólares em circulação
no resto do mundo era muito maior do que os estoques de ouro guardados
nos EUA. A própria expansão do comércio mundial
havia minado o sistema monetário no qual a expansão
baseava-se.
Para preserver o sistema Bretton Woods seria necessária
uma redução nos gastos americanos no exterior, tanto
de investimento quanto militares a guerra no Vietnã
estava em seu auge e a imposição de condições
de recessão em casa. O governo americano não estava
preparado para tomar nenhuma dessas medidas. A outra alternativa
era forjar um novo sistema de relações monetárias
internacionais que reconhecesse a redução do poder
econômico relativo dos EUA, assim como o ressurgimento do
Japão e Europa. Isso também foi rejeitado.
O governo Nixon decidiu tomar um outro curso, destinado a preservar
a supremacia dos EUA. Em agosto de 1971, acabou com o lastro ouro
do dólar americano. Em 1973, o sistema de relações
cambiais fixadas foi abandonado e, no ano seguinte, mecanismos
que haviam sido postos em prática para regular o movimento
internacional do capital financeiro foram também abandonados.