Publicado originalmente em inglês em 1 de novembro
de 2008.
O Fundo Monetário Internacional (FMI), apoiado pelos
bancos centrais dos EUA e da Europa, tomou medidas drásticas
durante a semana passada para revigorar as chamadas economias
emergentes de todo o mundo, como as da Ásia, Europa oriental
e América Latina.
No início do mês, o FMI previu que as economias
emergentes continuariam a crescer até 6% mesmo se os EUA,
Europa e Japão caíssem numa recessão. Agora,
muito desses países estão se deparando com o transtorno
econômico são atingidos pela turbulência
dos mercados exportadores, pela baixa dos preços das commodities
e pela quebra do crédito global. Investidores estrangeiros
têm sacado dinheiro em busca de um porto seguro para lidar
com a falta de dinheiro em caixa, levando o dinheiro circulante
e as bolsas de valores ao colapso dentro dos vulneráveis
mercados emergentes.
O Instituto de Finanças Internacionais de Washington
estima que mais de US$ 20 bilhões saíram dos mercados
de ações dos países emergentes somente no
terceiro trimestre. O índice de medida MSCI dos mercados
emergentes atingiu a maior baixa em quatro anos nsta terça-feira,
caindo cerca de 45% desde o dia 15 de setembro, antes de saltar
ao final da semana por conta da anunciação dos planos
do FMI.
Escrevendo ontem pro Der Standard, o diretor do FMI, Dominique
Strauss-Kahn disse que as economias emergentes "não
só deverão enfrentar a baixa de suas exportações
e a redução da confiança como também
são as últimas vítimas de uma crise financeira
que começou nos Estados Unidos, se estendeu à Europa
e está transbordando agora para além das fronteiras
européias". A seca do crédito global acertou
em cheio esses países, explicou ele, alertando para possíveis
quedas generalizadas dos salários, protecionismo e controles
bancários. "Isso não servirá apenas
para esses países, mas para toda a economia mundial por
anos", acrescentou.
O FMI está em processo de finalização
dos pacotes de emergência para Ucrânia (US$ 16.5 bilhões)
e Finlândia (US$ 2.4 bilhões). A Hungria juntou-se
a lista na terça-feira, com o resgate de US$ 25 bilhões
do FMI, em conjunto com o Banco Mundial e instituições
européias. Paquistão, Bielorússia e Sérvia
estão negociando com o FMII a respeito de fundo emergenciais.
Todos esses pacotes vêm com condições pesadas,
incluindo o corte da despesa pública, que agravará
a turbulência política em cada um desses países.
Não são, entretanto, apenas as economias mais
fracas que as vulneráveis. O FMI anunciou um novo programa
na quarta-feira no valor de US$ 100 bilhões para fortalecer
as finanças dos países considerados estruturalmente
sólidos. Conhecida como Linha de Liquidez de Curto Prazo
(SLF, em inglês) permitirá que os países obtenham
três meses de empréstimos até um limite fixo
sem restrições. Para receber tais empréstimos,
o país precisa provar ter aquilo que um alto funcionário
do FMI denominou "uma boa conduta histórica"
e garantir que continuará a ter "políticas
fortes".
Em outras palavras, só aqueles países que já
cumprem os critérios econômicos rigorosos do FMI
terão acesso às novas facilidades. Paralelamente,
o Federal Reserve americano anunciou na quarta-feira que concederá
mais de US$ 30 bilhões para quatro países
Brasil, México, Coréia do Sul e Singapura
uma indicação de que esses países se beneficiarão
de um empréstimo sem restrições do FMI. Anteriormente,
o FED estendeu dinheiro para os bancos centrais da Europa e de
outras economias desenvolvidas.
Todos esses quatro países têm sido fortemente
atingidos pela crise financeira mundial, que tem efetivamente
cortado seu acesso aos mercados do capital internacional. Na Coréia
do Sul, os valores de ações e dos wons têm
afundado com as preocupações crescentes sobre a
estabilidade do setor bancário. Comentando sobre o Brasil,
o Wall Street Journal escreveu na quinta-feira: "Nos
últimos dias, a capital financeira do Brasil, São
Paulo, foi influenciada pela especulação de que
a falta de moeda circulante e a falta de dólar para financiamento
poderiam impulsionar uma onda de quebras de corporações,
inclusive podendo derrubar partes centrais do sistema financeiro...
Mesmo empresas "saudáveis" encontram dificuldade
em obter os dólares necessários para fazer seus
negócios".
Os anúncios do FMI e do FED produziram um ressurgimento
de dinheiro e ações nos mercados emergentes. O won
sul-coreano, que tinha caído cerca de 30% contra o dólar
americano nesse ano, aumentou 10% na quinta-feira. O florim húngaro,
o rand Sul africano e o real brasileiro têm subido mais
de 5% desde terça-feira. O índice MSCI dos mercados
emergentes de ações tem disparado em mais de 24%
desde sua baixa na terça-feira.
Na atual volatilidade dos mercados, esses ganhos podem evaporar
rapidamente. Além disso, a divisão dos países
dentro do que o Wall Street Journal denominou "uma
lista-A, das nações que se qualificam para empréstimos
sem restrições, e uma lista-B, para todos os outros"
pode ser profundamente desestabilizadora. Uma razão para
o vôo do capital das economias emergentes foi o anúncio
de pacotes de resgate gigantescos nos EUA e na Europa, tornando
aqueles mercados mais atrativos. Agora o guarda-chuva financeiro
tem se estendido para poucos países, colocados na "Lista-A",
o que lança um ponto de interrogação sobre
aqueles países não inclusos.
Como disse Michael Hugman, estrategista do Standard Bank, ao
Financial Times ontem: "Sempre há um perigo,
particularmente dentro do mercado atual, de que qualquer intervenção
(...) tenha efeitos negativos naqueles excluídos das novas
facilidades". Assim, como aponta o jornal: "Exclusão
pode sinalizar políticas insustentáveis, fraqueza
ou falta de apoio internacional".
Economias vulneráveis
Aqueles países da "lista-B" forçados
a buscar financiamento emergencial com o FMI serão obrigados
a aceitar medidas severas. As condições aplicadas
nos acordos com a Islândia, Ucrânia e Hungria não
tornaram-se públicas, mas o impacto já é
evidente.
A Islândia foi forçada a aumentar as taxas de
juros essa semana de 6% para assustadores 18% apenas duas
semanas após ter caído para 3,5% na tentativa de
estimular a economia. Brian Coulton, diretor da Fitch Ratings,
disse ao Financial Times: "Elevar taxas de juros significa
que irão enfrentar a maior de todas as recessões.
Mas a chave é a estabilidade". Por inúmeras
que sejam as estimativas, a economia espera contração
de mais de 10%, com a inflação atingindo mais de
20% e o desemprego 8%.
O resgate financeiro ucraniano intensificou ainda mais a dura
divisão política do país. Depois de grande
atraso, o parlamento aprovou, ontem, a parte final da legislação
que mudava as regulamentações bancárias
243 a 0, com abstenção da oposição.
O hrvynia, moeda local, bateu um recorde de baixa na quarta-feira,
com queda de 7.2 em relação ao dólar americano.
O mercado acionário caiu mais de 70% nesse ano e já
espera pela queda do país em uma recessão no próximo
ano. A produção de aço, que representa 6%
do PIB e 40% das exportações, já está
abaixo de 30%.
A Hungria será forçada a reduzir os gastos governamentais,
baseados em cortes fiscais e aumento de taxas feitos anteriormente.
Pagamentos extras aos aposentados e funcionários do setor
público podem ser os primeiros alvos. Segundo o Financial
Times, um excedente orçamental e uma redução
de 3,7% no consumo estão em discussão nos círculos
oficiais. O veredicto do público é resumido amplamente
na frase "os tempos negros ainda estão por
vir". É esperado que a economia cresça 2% nesse
ano e recue 1% ano que vem.
A lista das economias vulneráveis se estende além
daquelas que estão em discussões imediatas com o
FMI para financiamentos de emergência ou seja, Paquistão,
Bielorrúsia e Sérvia. Segundo o BusinessWeek,
mercados emergentes devem cerca de US$ 4.7 trilhões em
dívidas externas, mais 38% em relação ao
últimos dois anos. A Europa Oriental, em particular, tem
sido inundada por créditos baratos. Altos níveis
de dívidas externas têm deixado muitas dessas economias
emergentes com grande déficit comerciais, portanto, mal
vistas pelo crédito global.
Empréstimos de pouco interesse em euro, iene e franco
suíço foram disponibilizados na Europa Oriental
não somente em bancos e empresas, como também para
hipotecas. Como o valor da moeda local despencou, instituições
financeiras, empresas e indivíduos têm se deparado
com dívidas ainda maiores. Na Romênia, Hungria e
Bulgária, mais da metade de todo o crédito é
estrangeiro. Os três poderiam entrar em recessão,
unindo-se aos pequenos Estados Bálticos. A crise financeira
na Europa Oriental irá afetar enormemente os maiores bancos
europeus. Agências de Rating recentemente reduziram suas
perspectivas "negativas" para os três maiores
credores estrangeiros UniCredit da Itália e Erste
Bank e Raiffeisen International da Áustria.
Neil Shearing, analista da Capital Economics, disse à
Associated Press nessa semana que a Romênia, a Estônia,
a Letônia e Bulgária seriam possíveis candidatas
para o financiamento emergencial do FMI. Também discorreu
sobre a Turquia, amplamente apontada como um grande negócio,
dizendo que esta precisaria de aproximadamente US$ 190 bilhões
em financiamento estrangeiro para 2008. "Uma recente visita
a Istambul nos convenceu de que a Turquia está muito mais
perto da necessidade de assistência financeira do que muitos
no mercado acreditam", disse ele.
A crise financeira pode esgotar rapidamente os recursos do
FMI, que situa-se aproximadamente em US$ 200 bilhões, mais
um adicional de US$ 50 bilhões. O FMI já comprometeu
US$ 50 bilhões em resgates financeiros emergenciais e US$
100 bilhões em sua Linha de Liquidez de Curto Prazo. Como
disse o ex-chefe economista do FMI, Simon Johnson, ao Financial
Times na terça-feira: "Talvez, se o FMI tivesse
US$ 2 trilhões, poderia ser um sério agente mundial.
Mas US$ 200 bilhões podem desaparecer muito rapidamente.
Há muitos países na mesma posição
que a Ucrânia e você só precisa adicionar um
ou dois países grandes para esgotar a fonte".
Seja qual for o resultado imediato das tempestades financeiras,
o aprofundamento da recessão nos EUA, Europa e Japão
terá um impacto devastador em muitas economias emergentes,
com o recuo dos mercados de exportação. A contração
da economia dos EUA no terceiro trimestre anunciada nesta quinta-feira
irá ecoar por toda a Ásia, Europa e América
Latina na forma de um abrandamento econômico, fechamento
de fábricas e demissões em massa.