Este artigo foi publicado no WSWS, originalmente em inglês,
no dia 15 de maio de 2008.
Dezenas de milhares de deslocados Timorenses estão ameaçados
de morrer de fome depois das agências de socorro internacional
terem cessado a entrega de ajuda alimentar em todos os campos
na capital da nação, Dili. No mês passado,
o Programa Mundial de Alimentação (WFP), uma agência
da ONU, cortou as suas rações regulares de arroz
nos centros de deslocados. Em Fevereiro a organização
tinha reduzido a ração mensal por pessoa de oito
para quatro quilogramas.
Os campos de deslocados foram montados depois de mais de 150,000
pessoas terem fugido das suas casas quando irrompeu a violência
em 2006. Dois anos mais tarde, 100,000 pessoas um décimo
da população continua classificada como deslocada.
Cerca de 30,000 deslocados vivem em campos no exterior de Dili,
com os restantes 70,000 forçados a refugiarem-se com amigos
e família.
As condições nos campos são horrorosas.
Um relatório emitido pelo International Crisis Group (ICG)
baseado na Europa em 31 de Março, intitulado Crise
de Deslocação em Timor-Leste, revelou alguns
aspectos da situação.
O ICG afirmava: A ONU reporta que os deslocamentos foram
acompanhados com a aumentada incidência de doenças
respiratórias, malária, diarreia e má-nutrição
apesar da última ser aliviada nos campos pelo programa
de distribuição de alimentos. Durante as chuvas,
alguns campos inundam, enquanto noutros os blocos sanitários
pingam ou extravasam.... Não foi tomada qualquer ação
em campos identificados em estudos de Maio e Julho de 2007 de
alta prioridade para serem fechados com base nas deficientes condições
sanitárias. Os campos têm um ambiente particularmente
problemático para mulheres e crianças. As tendas
e blocos sanitários insuficientes para o grande número
de pessoas providenciam pouca privacidade. As crianças
estão expostas a riscos relacionados com alojamento e condições
de vida inadequados. Crianças, mulheres, idosos e outros
grupos vulneráveis correm um risco maior de exploração
de abusos de vários tipos foram relatados casos
de prostituição e de tráfico humano forçado.
O relatório prosseguia a sublinhar a pobreza extrema
experimentada por pessoas a viver nesses campos: A população
nos campos é uma amostra da sociedade Timorense. Como na
população em geral, os níveis do desemprego
são extremamente altos.... Cada deslocado com trabalho
tem a necessidade de sustentar um número substancial de
familiares. Para os que estão no desemprego, pouca atividade
estruturada é disponível para além da participação
em atividades criminosas e gangues de artes marciais.
Muitos deslocados estão ainda demasiado aterrorizados
para voltarem para as suas casas depois da violência de
2006, enquanto outros tiveram as suas casas destruídas.
Para muita gente, contudo, a ameaça de fome permanece a
principal razão porque ficam nos campos. Timor-Leste continua
uma das nações mais empobrecidas no mundo, com alto
desemprego e pelo menos 40 por cento da população
vivendo debaixo da linha oficial de pobreza de 55 cêntimos
USA por dia.
Até o mês passado, os deslocados e as suas famílias
nos campos pelo menos recebiam uma ração básica
de alimentos, mesmo apesar de mulheres e crianças terem
de esperar em linha cada mês até seis horas para
receber o lote de quatro quilogramas de arroz e meio litro de
óleo alimentar.
A AFP entrevistou vários deslocados num campo improvisado
num convento em Dili onde 7,000 pessoas estão agora concentradas.
Gregório Sousa e o filho têm vivido numa tenda há
quase dois anos. Eu quero realmente ir para casa logo que
possível, mas não sei para onde posso ir depois
que sair daqui, disse Gregório. É por
isso que vivo aqui. Se o governo nos der a escolha e nos ajudar
financeiramente, regressarei à minha aldeia.
Filomena Soares que vivia no campo com a família desde
que a sua casa no oeste do país foi destruída pelo
fogo durante os conflitos. Não temos casa para onde
regressar, disse ela à agência de notícias.
Mesmo se quisermos partir, para onde é que iremos?
Não podemos simplesmente viver debaixo das estrelas. Estamos
prontos a voltar se o Estado nos der assistência financeira
para repararmos a nossa casa de forma que fique habitável
outra vez. Agora a segurança não é um problema
para nós, as pessoas de lá querem o nosso regresso.
O WFP tem negado alegações que a sua decisão
de cortar a ajuda alimentar aos deslocados tem o objectivo de
dispersar os deslocados e de fechar os campos. Funcionários
da ONU disseram à Integrated Regional Information Network
(IRIN) que uma pesquisa que tinham dirigido revelou que apenas
metade dos 70,000 deslocados registados nos campos e famílias
hospedadas sofriam atualmente de insegurança alimentar.
O WFP insistiu que eram também obrigados a assistir aquelas
pessoas que precisavam de ajuda alimentar mas não eram
deslocados. A agência, contudo, não explicou porque
é que não ajudava a toda a população
carente do Timor-Leste.
Não é claro a extensão em que a WFP foi
influenciada pela escalada mundial dos preços dos alimentos,
incluindo aquela do arroz. Desde o início de 2006, em grande
parte como resultado da especulação financeira nos
mercados financeiros mundiais, a média dos preços
dos alimentos subiu 217 por cento. Esta inflação
afetou o trabalho do WFP no Sudeste Asiático. No Cambodja,
por exemplo, o alto preço do arroz levou à suspensão
de um programa que dava um pequeno almoço gratuito a 450,000
alunos pobres. A inflação dos preços dos
alimentos no mundo tem afetado gravemente os Timorenses comuns.
O país importa cerca de 60 por cento das suas necessidades
de arroz, e os preços entraram em espiral nos últimos
meses. Um relatório disse que uma saca de 35 quilogramas
de arroz vendida por $US13 em Fevereiro custa agora $US20, e nalgumas
áreas remotas $US27.A inflação em espiral
aumentará mais as dificuldades enfrentadas pelos deslocados
que estão sendo forçados a sair dos campos.
O governo Timorense do Primeiro-Ministro Xanana Gusmão
falhou em alocar quaisquer fundos para ajuda alimentar humanitária.
O Secretário de Estado para a Assistência Social
Jacinto de Deus afirmou: Isso é algo que o governo
devia tomar sobre si, mas infelizmente não antecipamos
isto durante as discussões do orçamento para 2008.
Isto não tem qualquer credibilidade. A decisão do
WFP para cortar a ajuda alimentar era esperada, e o governo de
Gusmão tinha anteriormente apoiado a decisão da
agência da ONU de cortar as rações pela metade.
A realidade é que o governo não fez qualquer tentativa
de substituir o decréscimo da ajuda alimentar porque pretende
fechar os campos de deslocados.
Do mesmo modo, nenhum doador internacional de ajuda, incluindo
a Austrália, se ofereceu para providenciar os fundos necessários
para dar arroz aos centros de deslocados. O governo Australiano
e instituições de política estrangeira há
muito tempo que discutem abertamente a necessidade de dispersar
os campos, que são encarados como uma fonte potencialmente
explosiva de instabilidade social e política no país.
O documento recente do International Crisis Group sobre a crise
segue-se a numerosos outros relatórios que têm avisado
da insustentabilidade de deixar 10 por cento da população
de Timor-Leste como deslocados sem casa.
Tentativas anteriores de encerrar centros de deslocados já
foram consideradas incluindo uma oferta para subsídios
para reconstrução de casas de deslocados destruídas
em 2006 e mesmo que fosse pela força e repressão
direta. Em Fevereiro de 2007, tropas Australianas mataram a tiro
dois deslocados que tentavam evitar que o seu campo, perto do
aeroporto de Dili, fosse intimidado por forças de segurança
do governo e internacionais. Com o fracasso de tais métodos
para mudar os deslocados, eles vão ser efetivamente mortos
pela fome. O ministro dos estrangeiros do Labor Stephen Smith
anunciou em 1 de Maio um pacote adicional de ajuda de $30 milhões
para o WFP, dos quais apenas $1 milhão foi alocado para
Timor-Leste. Esta soma é um pingo no oceano comparado com
as necessidades de alimentos da população Timorense
e certamente não substitui a cessação do
programa da ração de arroz do WFP nos campos de
deslocados.
Tudo isto apenas mostra mais o caráter fraudulento da
afirmação do governo Australiano que as suas operações
em Timor-Leste são embasadas numa preocupação
humanitária pela população. Canberra (governo
da Austrália) gastou recursos significativos nas intervenções
lideradas pelos militares em 1999 e 2006 de modo a afastar poderes
rivais e garantir o seu controle em curso das reservas lucrativas
de petróleo e gás do Mar de Timor. O bem-estar da
população de Timor-Leste independente
nunca foi um fator relevante nas operações dos sucessivos
governos australianos, tanto aquele dos Liberal como aquele do
Labor.