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Timor-Leste: cortadas as rações de arroz para os deslocados

Por Will Fulgenzi
23 de maio de 2008

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Este artigo foi publicado no WSWS, originalmente em inglês, no dia 15 de maio de 2008.

Dezenas de milhares de deslocados Timorenses estão ameaçados de morrer de fome depois das agências de socorro internacional terem cessado a entrega de ajuda alimentar em todos os campos na capital da nação, Dili. No mês passado, o Programa Mundial de Alimentação (WFP), uma agência da ONU, cortou as suas rações regulares de arroz nos centros de deslocados. Em Fevereiro a organização tinha reduzido a ração mensal por pessoa de oito para quatro quilogramas.

Os campos de deslocados foram montados depois de mais de 150,000 pessoas terem fugido das suas casas quando irrompeu a violência em 2006. Dois anos mais tarde, 100,000 pessoas — um décimo da população — continua classificada como deslocada. Cerca de 30,000 deslocados vivem em campos no exterior de Dili, com os restantes 70,000 forçados a refugiarem-se com amigos e família.

As condições nos campos são horrorosas. Um relatório emitido pelo International Crisis Group (ICG) baseado na Europa em 31 de Março, intitulado “Crise de Deslocação em Timor-Leste”, revelou alguns aspectos da situação.

O ICG afirmava: “A ONU reporta que os deslocamentos foram acompanhados com a aumentada incidência de doenças respiratórias, malária, diarreia e má-nutrição — apesar da última ser aliviada nos campos pelo programa de distribuição de alimentos. Durante as chuvas, alguns campos inundam, enquanto noutros os blocos sanitários pingam ou extravasam.... Não foi tomada qualquer ação em campos identificados em estudos de Maio e Julho de 2007 de alta prioridade para serem fechados com base nas deficientes condições sanitárias. Os campos têm um ambiente particularmente problemático para mulheres e crianças. As tendas e blocos sanitários insuficientes para o grande número de pessoas providenciam pouca privacidade. As crianças estão expostas a riscos relacionados com alojamento e condições de vida inadequados. Crianças, mulheres, idosos e outros grupos vulneráveis correm um risco maior de exploração de abusos de vários tipos — foram relatados casos de prostituição e de tráfico humano forçado.”

O relatório prosseguia a sublinhar a pobreza extrema experimentada por pessoas a viver nesses campos: “A população nos campos é uma amostra da sociedade Timorense. Como na população em geral, os níveis do desemprego são extremamente altos.... Cada deslocado com trabalho tem a necessidade de sustentar um número substancial de familiares. Para os que estão no desemprego, pouca atividade estruturada é disponível para além da participação em atividades criminosas e gangues de artes marciais.”

Muitos deslocados estão ainda demasiado aterrorizados para voltarem para as suas casas depois da violência de 2006, enquanto outros tiveram as suas casas destruídas. Para muita gente, contudo, a ameaça de fome permanece a principal razão porque ficam nos campos. Timor-Leste continua uma das nações mais empobrecidas no mundo, com alto desemprego e pelo menos 40 por cento da população vivendo debaixo da linha oficial de pobreza de 55 cêntimos USA por dia.

Até o mês passado, os deslocados e as suas famílias nos campos pelo menos recebiam uma ração básica de alimentos, mesmo apesar de mulheres e crianças terem de esperar em linha cada mês até seis horas para receber o lote de quatro quilogramas de arroz e meio litro de óleo alimentar.

A AFP entrevistou vários deslocados num campo improvisado num convento em Dili onde 7,000 pessoas estão agora concentradas. Gregório Sousa e o filho têm vivido numa tenda há quase dois anos. “Eu quero realmente ir para casa logo que possível, mas não sei para onde posso ir depois que sair daqui,” disse Gregório. “É por isso que vivo aqui. Se o governo nos der a escolha e nos ajudar financeiramente, regressarei à minha aldeia.”

Filomena Soares que vivia no campo com a família desde que a sua casa no oeste do país foi destruída pelo fogo durante os conflitos. “Não temos casa para onde regressar,” disse ela à agência de notícias. “Mesmo se quisermos partir, para onde é que iremos? Não podemos simplesmente viver debaixo das estrelas. Estamos prontos a voltar se o Estado nos der assistência financeira para repararmos a nossa casa de forma que fique habitável outra vez. Agora a segurança não é um problema para nós, as pessoas de lá querem o nosso regresso.”

O WFP tem negado alegações que a sua decisão de cortar a ajuda alimentar aos deslocados tem o objectivo de dispersar os deslocados e de fechar os campos. Funcionários da ONU disseram à Integrated Regional Information Network (IRIN) que uma pesquisa que tinham dirigido revelou que “apenas metade dos 70,000 deslocados registados nos campos e famílias hospedadas sofriam atualmente de insegurança alimentar.” O WFP insistiu que eram também obrigados a assistir aquelas pessoas que precisavam de ajuda alimentar mas não eram deslocados. A agência, contudo, não explicou porque é que não ajudava a toda a população carente do Timor-Leste.

Não é claro a extensão em que a WFP foi influenciada pela escalada mundial dos preços dos alimentos, incluindo aquela do arroz. Desde o início de 2006, em grande parte como resultado da especulação financeira nos mercados financeiros mundiais, a média dos preços dos alimentos subiu 217 por cento. Esta inflação afetou o trabalho do WFP no Sudeste Asiático. No Cambodja, por exemplo, o alto preço do arroz levou à suspensão de um programa que dava um pequeno almoço gratuito a 450,000 alunos pobres. A inflação dos preços dos alimentos no mundo tem afetado gravemente os Timorenses comuns. O país importa cerca de 60 por cento das suas necessidades de arroz, e os preços entraram em espiral nos últimos meses. Um relatório disse que uma saca de 35 quilogramas de arroz vendida por $US13 em Fevereiro custa agora $US20, e nalgumas áreas remotas $US27.A inflação em espiral aumentará mais as dificuldades enfrentadas pelos deslocados que estão sendo forçados a sair dos campos.

O governo Timorense do Primeiro-Ministro Xanana Gusmão falhou em alocar quaisquer fundos para ajuda alimentar humanitária. O Secretário de Estado para a Assistência Social Jacinto de Deus afirmou: “Isso é algo que o governo devia tomar sobre si, mas infelizmente não antecipamos isto durante as discussões do orçamento para 2008.” Isto não tem qualquer credibilidade. A decisão do WFP para cortar a ajuda alimentar era esperada, e o governo de Gusmão tinha anteriormente apoiado a decisão da agência da ONU de cortar as rações pela metade. A realidade é que o governo não fez qualquer tentativa de substituir o decréscimo da ajuda alimentar porque pretende fechar os campos de deslocados.

Do mesmo modo, nenhum doador internacional de ajuda, incluindo a Austrália, se ofereceu para providenciar os fundos necessários para dar arroz aos centros de deslocados. O governo Australiano e instituições de política estrangeira há muito tempo que discutem abertamente a necessidade de dispersar os campos, que são encarados como uma fonte potencialmente explosiva de instabilidade social e política no país. O documento recente do International Crisis Group sobre a crise segue-se a numerosos outros relatórios que têm avisado da insustentabilidade de deixar 10 por cento da população de Timor-Leste como deslocados sem casa.

Tentativas anteriores de encerrar centros de deslocados já foram consideradas — incluindo uma oferta para subsídios para reconstrução de casas de deslocados destruídas em 2006 — e mesmo que fosse pela força e repressão direta. Em Fevereiro de 2007, tropas Australianas mataram a tiro dois deslocados que tentavam evitar que o seu campo, perto do aeroporto de Dili, fosse intimidado por forças de segurança do governo e internacionais. Com o fracasso de tais métodos para mudar os deslocados, eles vão ser efetivamente mortos pela fome. O ministro dos estrangeiros do Labor Stephen Smith anunciou em 1 de Maio um pacote adicional de ajuda de $30 milhões para o WFP, dos quais apenas $1 milhão foi alocado para Timor-Leste. Esta soma é um pingo no oceano comparado com as necessidades de alimentos da população Timorense e certamente não substitui a cessação do programa da ração de arroz do WFP nos campos de deslocados.

Tudo isto apenas mostra mais o caráter fraudulento da afirmação do governo Australiano que as suas operações em Timor-Leste são embasadas numa preocupação humanitária pela população. Canberra (governo da Austrália) gastou recursos significativos nas intervenções lideradas pelos militares em 1999 e 2006 de modo a afastar poderes rivais e garantir o seu controle em curso das reservas lucrativas de petróleo e gás do Mar de Timor. O bem-estar da população de Timor-Leste “independente” nunca foi um fator relevante nas operações dos sucessivos governos australianos, tanto aquele dos Liberal como aquele do Labor.