Este artigo foi publicado no WSWS, originalmente em inglês,
no dia 24 de maio de 2008.
Greves e protestos de massas explodiram por toda a França
em protesto contra a decisão do governo de aumentar o tempo
de contribuição previdenciária de 40 para
41 anos de trabalho, para ter direito à uma aposentadoria
integral. O efeito deverá ser uma queda brusca na renda
dos aposentados. Atualmente, a menor aposentadoria estatal é
de 628 Euros por pessoa (ou 1127 Euros para o casal).
A CGT (Confederação Geral do Trabalho) calcula
que 700 mil tomaram as ruas de 153 cidades através da França
(a polícia estimou 300 mil). Em Paris, 70 mil trabalhadores,
jovens e imigrantes considerados ilegais protestaram contra os
planos governamentais, que na prática irão aumentar
o tempo de trabalho médio durante a vida do trabalhador.
Já em Nantes, foram 25 mil pessoas que marcharam em defesa
de suas aposentadorias; em Lyon foram 12 mil; em Bordeaux foram
mais 25 mil que tomaram as ruas. Marselha, por sua vez, viu um
dos maiores protestos, com 60 mil mobilizados para lutar contra
a reforma previdenciária e contra a privatização
da zona portuária.
Apesar das ameaças de greves feitas pelos sindicatos,
nenhum deles chamou por greve no dia de protestos. Mesmo assim
vários setores da economia foram atingidos por paralisações
e passeatas realizadas pelos trabalhadores.
Um em cada dois trens parou nas ferrovias nacionais (SNCF),
com 24,9% dos ferroviários aderindo à greve. Entre
os trabalhadores dos correios, 11,33% aderiram, sendo 19,5% de
adesão na France Telecom, 20,8% na companhia de eletricidade
(EDF) e mais 16,2% de adesão à paralisação
entre trabalhadores da companhia de gás. Funcionários
das administrações locais, funcionários dos
hospitais e funcionários públicos registraram 8%
de participação.
Apenas 7,5% dos professores tomaram parte nos protestos, um
número pequeno em comparação com os 34% que
haviam participado dos protestos de 15 de maio contra os cortes
de empregos. Na verdade, isso ocorreu devido a uma manobra deliberada
da parte dos sindicatos para separar o problema da previdência
do problema dos cortes de empregos, impedindo um avanço
político do movimento que possa desafiar a livre destruição
das conquistas sociais pelo governo.
De acordo com pesquisa de opinião realizada pela CSA
o apoio às ações em defesa das aposentadorias
foi de 58%, enquanto apenas 24% se opuseram.
A resposta dos trabalhadores na última semana foi bem
maior do que em 2003, quando 500 mil participaram. Na época,
os trabalhadores foram traídos pela CGT, CFDT (Federação
Democrática Francesa do Trabalho) e FSU (Federação
Unificada dos Sindicatos Unitários, representando trabalhadores
do setor educacional), que concordaram então em aceitar
um aumento do tempo de contribuição previdenciária
de 37,5 para 40 anos de trabalho. Esse colossal retrocesso deixou
os funcionários públicos em paridade de condições
com os do setor privado.
A equipe de reportagem do WSWS em Paris observou uma ampla
participação espontânea nos protestos, assim
como uma enorme revolta contra os cortes sociais do governo. Participaram
estudantes, trabalhadores ferroviários, muitos professores
e trabalhadores hospitalares, assim como um forte contingente
de sans papier (sem documentos, trabalhadores ilegais).
Um contingente que ocupou o prédio da CGT no terceiro distrito,
exigindo que o sindicato incorporasse suas demandas por moradia,
recebeu grande apoio. Muitas pessoas assinaram sua petição
e fizeram doações em dinheiro.
No entanto, apesar da força das mobilizações
do dia 22 de maio os sindicatos não anunciaram nenhum tipo
de ação que desse continuidade aos protestos, aparentemente
apostando nas boas graças do governo para mudar a política!
Chutamos a bola para o campo do governo, disse a CGT.
O secretário geral da Force Ouvrière, Jean-Claude
Mailly disse que o governo seria culpado de negar a democracia
se não desse ouvido aos protestos. O líder sindical
da CFDT François Chérèque, por sua vez, afirmou
que o protesto de um dia foi um sucesso, e que após
uma demonstração de forças desse tipo, o
governo será obrigado a nos receber e nós poremos
nossas propostas na mesa.
Entretanto, o ministro do trabalho Xavier Bertrand imediatamente
deixou bem clara a intransigência do governo em relação
aos 41 anos de contribuição. O projeto, disse ele,
era balanceado, e o papel do governo não
era de contar número de manifestantes, mas de proteger
as pensões de todos os franceses. E ainda disse:
nós concordamos com os parceiros sociais [patrões
e sindicatos] quando dizem que o cerne do problema, a prioridade
das prioridades, está no emprego de trabalhadores mais
velhos, em como manter os trabalhadores mais velhos empregados
nas companhias.
De fato, os sindicatos têm estado em constante negociação
com o governo do presidente Nicolas Sarkozy em torno de um acordo
que aceitaria as mudanças governamentais na previdência
em troca do compromisso dos empresários em manter os trabalhadores
mais velhos na folha de pagamento. Atualmente, 38,1% dos trabalhadores
entre 55 e 64 anos continuam empregados. A UE espera aumentar
esse percentual para 50% em toda a Europa até 2010.
Outra concessão que o ministério do trabalho
estaria disposto a conceder para aprovar os 41 anos seria um aumento
de 25% no valor mínimo da aposentadoria num período
de 5 anos, além de um aumento de 54 a 60% no valor da pensão
para as viúvas.
A líder da organização dos empresários
(MEDEF), Laurence Parisot, indicou para onde o grande capital
pensa que o governo deve se dirigir. Em discurso no dia dos protestos,
sua defesa de que a idade legal para a aposentadoria deveria passar
dos 60 para os 63,5 anos revoltou os trabalhadores. Este seria
o único cenário que, em conjunção
com os 41 anos de contribuição, permitiria o financiamento
das aposentadorias, defendeu ela. Os sindicatos já haviam
aderido a essa proposta em 2003, quando abandonaram a defesa dos
37,5 anos de contribuição previdenciária
para os funcionários estatais e prepararam o desmantelamento
da aposentadoria especial defendida pelos ferroviários
(e traída pelos sindicatos) em greve do ano passado.
Enquanto os sindicatos continuam colaborando semanalmente com
o governo Sarkozy calculando como administrar a raiva e frustração
que cresce na população em torno de seus empregos,
educação e poder de compra dos salários,
muitos já questionam sobre como seguir adiante. Jacky Wagner,
representante local da CGT em Estrasburgo (França), observou:
estou feliz porque dissemos que seríamos mais fortes
do que nas manifestações anteriores, e de fato nós
fomos... Mas eu penso que será necessário voltar
ás ruas novamente, porque o Sarkozy não parece estar
ouvindo o que as ruas dizem. Os trabalhadores já estão
cansados com tudo isso, e nós vemos paralisações
praticamente todos os dias na região.
O WSWS entrevistou manifestantes nos protestos em Paris:
Stephan, 22, trabalha na SNCF desde setembro. Ele disse que
lá os trabalhadores estão sendo obrigados a trabalhar
cada vez mais, e que as condições de trabalho estão
declinando. Nós vamos ter que lutar para manter aquilo
pelo que nossos avós conseguiram com luta. É por
isso que tem tanta gente na rua. Nós queremos 37,5 anos
de contribuição com direito à aposentadoria
integral para todos. Os economistas falam que é impossível.
Mas se todos os sindicatos se juntarem, eu acho que podemos fazer
o governo recuar.
Durante os 10 dias de greve no ano passado, continuou
ele, nós estávamos muito motivados. Agora
eles querem que a gente recue, mas a gente não quer. Nós
não estamos aqui para derrubar o governo, mas temos que
convencer o governo de que não somos vacas leiteiras. Por
toda a Europa está-se tentando construir uma frente comum.
Têm havido protestos europeus unificados entre a CGT e outros
sindicatos. A juventude precisa se mobilizar. Eles deveriam ver
como está a situação dos sem-teto e dos sans
papier (imigrantes sem-documento). É realmente chocante.
Os sindicatos estão lá para defendê-los. Mas
atualmente, eu não acho que exista nenhum partido para
nós, nenhum candidato realmente de esquerda surgiu. E eles
não têm nenhum programa.
Jean, 54, trabalha para a SNCF em Seine-Saint-Denis. Logo ele
vai se aposentar. Ele disse ao WSWS que as coisas estão
cada vez piores, e que todos os direitos estão sendo retirados.
Nós devemos nos unir. A greve de 2007 foi uma farsa;
eu estou muito decepcionado. Os sindicatos ignoraram as demandas
da base. Nós não estamos aqui para derrubar o governo,
mas está claro que greves de 24 horas não são
o suficiente. Sarkozy não é diferente dos governos
do resto do mundo, onde todos os direitos também estão
sendo retirados em nome da globalização. Nós
estamos voltando à estaca zero, onde não há
mais direitos. A idade da pedra! Sarkozy está imitando
Thatcher e os Estados Unidos: essas coisas não estão
acontecendo só aqui na França.
Jean ainda acrescentou: Uma pequena percentagem das pessoas
impõe que sua lei e sua riqueza não são para
todos. A França manda navios e interfere com pessoas em
outros países. O futuro para os jovens é muito sombrio,
os secundaristas e todas as pessoas temem por seu futuro. Por
isso precisamos colocar todas as nossas idéias em conjunto,
elaborar um programa para avançarmos juntos. Nós
não deveríamos nos reunir atrás de bandeiras.
Devíamos nos livrar do Tratado de Maastricht, é
muito perigoso, significa fechar escolas para aumentar os lucros.
Os partidos de direita e esquerda deveriam se juntar.
Danièle, 59, também trabalha em Seine-Saint-Denis.
Nossos direitos estão indo pro saco e isso é
só o começo. Disse ela. As pessoas precisam
se unir, especialmente aquelas em dificuldade. Qual o significado
da vitória? Eu não saberia dizer. Estou pensando
nos palestinos e no povo em Gaza. O futuro está na luta,
na luta de todos os oprimidos."