Este artigo foi publicado no WSWS, originalmente em inglês,
no dia de Março de 2008.
Sob alegações de que teria se envolvido com uma
prostituta de luxo em um hotel em Washington DC no dia 13 de fevereiro,
o governador democrata de Nova Iorque, Eliot Spitzer, anunciou
sua renúncia-efetivada no dia 17- na última quarta-feira
dia 12 de março.
A retirada do governador do estado de Nova Iorque em meio a
um sórdido escândalo sexual é um fato político
de grande importância. Em questão de dias, os resultados
das eleições de 2006, em que Spitzer venceu com
69% dos votos-a mais alta margem de votos para Nova Iorque e a
segunda mais alta entre todos os estados americanos-sofreu uma
virada como resultado de uma operação policial dentro
do próprio governo e com a conivência da mídia.
O governo de Nova Iorque é uma das posições
políticas mais importantes nos EUA. O estado, com uma população
de cerca de 20 milhões de habitantes, é lugar de
poderosos interesses industriais e de grandes corporações,
e continua sendo um dos principais centros financeiros mundiais.
O governo de Nova Iorque já provou ser uma excelente plataforma
de campanha para quatro presidentes americanos, seis vice-presidentes,
dois chefes de justiça da Suprema Corte e três secretários
de Estado.
Era sabido que Spitzer tinha ambições de ascensão
política. Em sua breve declaração de renúncia
na quarta-feira, ele anunciou sua intenção de deixar
por completo a vida política.
Spitzer é-ou era-um "político de grandes
negócios", um multi-milionário, mas sem carisma
entre a classe trabalhadora. Não há qualquer indicação
de que ele tivesse quaisquer preocupações com os
princípios democráticos, ou de que ele fosse ao
menos uma pessoa "amigável"- ele referia a si
próprio como o "rolo compressor". No seu curto
período de governo, o governador de Nova Iorque propôs
e realizou cortes de centenas de milhões de dólares
no orçamento para programas sociais.
De qualquer forma, isso não altera o fato de que questões
de grande importância foram levantadas pela sua saída.
A verdadeira preocupação nesse episódio
está centrada nos métodos usados pelo Departamento
de Justiça do governo Bush e suas implicações
para a totalidade do sistema político. O que os fatos e
seu contexto sugerem fortemente é que Spitzer tenha sido
alvejado por poderosos inimigos no governo, que agem sem constrangimentos
em favor de seus interesses políticos.
Com seus infindáveis recursos tecnológicos e
financeiros, e poderes recém descobertos após as
leis criadas sob a farsa da "guerra contra o terror",
o governo federal tem os meios de "dar o troco" em seus
oponentes, podendo tanto intimidá-los a silenciarem e destruir
suas carreiras, quanto trancafiá-los na prisão.
Manobras políticas são estabelecidas dessa maneira,
e assim figuras proeminentes são eliminadas sem que se
verta uma só gota de sangue.
Quantos mais estão sob investigação? Que
tipo de impacto terá a cilada armada para Spitzer na vida
política americana, em que aqueles que levam uma vida "sem
culpa" são pouquíssimos?
Spitzer claramente não estava só no patrocínio
ao Emperor´s Club Vip e outros "serviços de
acompanhante". Considerando os preços cobrados, os
negócios deviam ir muito bem no Emperor´s Club. O
governador de Nova Iorque era "cliente-9", e nós
ainda não temos informações sobre quem eram
os clientes de 1 a 8, que aparentemente seriam advogados de grande
reputação e outros "jogadores" importantes.
A aparente predileção de Spitzer por prostitutas
expressa profundos e não-resolvidos problemas em seus próprios
traços psicológicos e, acima de tudo, dos traços
psicológicos de uma certa camada da sociedade cuja imensa
riqueza pessoal assumiu dimensões patológicas. Para
colocar a questão de maneira simples, Spitzer e as pessoas
de seu meio social têm dinheiro demais, o que não
pode ser saudável para eles próprios!
Porque para toda essa riqueza e poder, e em um grau significativo
por causa dessa riqueza e poder, Spitzer é claramente um
indivíduo seriamente desorientado. Apesar de sua aparente
arrogância, percebe-se que por trás disso está
o mais profundo ódio por si próprio. Trata-se de
um homem que precisa de ajuda.
Existem, evidentemente, sérios problemas sociais levantados
pela compra dos serviços de outro ser humano para objetivos
de satisfação pessoal. Mas não há
indicação de que a mídia, ou a política
a que ela serve, esteja particularmente interessada em abordar
o caso Spitzer por esse ponto de vista. Ao contrário, nesse
caso como em tantos outros o uso de um escândalo sexual
está inevitavelmente ligado à degradação
da vida política oficial e sua virada cada vez mais à
direita.
Muitas questões permanecem sobre o caso. Ao contrário
das alegações de vários comentadores de que
as autoridades estariam investigando um esquema de prostituição
e acidentalmente "esbarraram" em Spitzer, a investigação
parece certamente ter começado por causa dele.
De acordo com o Washington Post "A investigação
criminal sobre Spitzer começou quando o North Folk Bank
notificou o departamento financeiro de crimes do Tesouro sobre
atividade suspeita em uma das contas pessoais do governador. Outra
fonte familiarizada com o caso afirmou:
`Neste caso, a notificação do banco foi engatilhada
pela tentativa de Spitzer de realizar uma transação
em dinheiro de $10 000 em três parcelas, de acordo com um
oficial de justiça sênior familiarizado com as provas
do caso. Quando os investigadores investigaram mais profundamente
as transações, descobriram que os beneficiados eram
aparentemente empresas laranja associadas ao Emperor´s Club
[o alegado serviço de prostituição].´"
A ABC News declarou: "A investigação federal
sobre um esquema de prostituição nova iorquino foi
engatilhada pelas transferências suspeitas de dinheiro do
gov. Eliot Spitzer, que inicialmente levaram os agentes federais
a suspeitar que Spitzer estaria escondendo subornos, de acordo
com os oficiais federais."
"Foi apenas meses depois que o IRS [receita federal] e
o FBI determinaram que Spitzer não estava escondendo subornos,
mas sim pagamentos para uma empresa denominada QAT, que os promotores
dizem ser uma operação de prostituição
operando sob o nome do Emperor´s Club."
O analista legal Scott Horton do site da Harper´s Magazine
observa: "O Departamento de Justiça tem na verdade
que dar uma justificativa completa de porque estava investigando
os pagamentos de Spitzer, justamente porque a sugestão
na versão da ABC é de que eles não teriam
nada a ver com uma rede de prostituição. A sugestão
de que isso foi sugerido por um inquérito do IRS envolvendo
um banco pode aumentar, mais do que apaziguar, preocupações
sobre uma perseguição de motivações
políticas".
"Todos esses fatos são consistentes com um tipo
de processo que não é uma investigação
de um crime, mas na verdade uma tentativa de construir um caso
contra um indivíduo."
De fato é necessário que se pergunte em que nível
a operação investigativa teria sido aprovada. Teria
ela sido aprovada pelo advogado geral Michael Mukasey? Estaria
George W. Bush envolvido?
O caso se tornou propriedade da Seção de Integridade
Pública do Departamento de Justiça, notória
no governo Bush por investigar 5,6 vezes mais democratas do que
republicanos. De acordo com o seu web site, a Seção
de Integridade Pública "coordena os esforços
federais para combater a corrupção através
de processos contra todo tipo de figuras públicas eleitas
ou indicadas em todas as esferas governamentais." A investigação
de Spitzer não tinha nada a ver com com corrupção
ou conflito de interesses, outra das supostas preocupações
da seção.
Ter relações com uma prostituta é considerado
um crime menor na maioria das jurisdições dos EUA,
mas o Departamento de Justiça fez ainda assim uma dispendiosa
operação investigativa. De acordo com o Washington
Post, o FBI começou a "espionar Spitzer" em janeiro,
colocando uma "equipe de vigilância" no Mayflower
Hotel em Washington.
Quando Spitzer supostamente pagou uma garota de programa para
viajar de Nova Iorque a Washington em fevereiro, oficiais de justiça
ressuscitaram o famigerado Mann Act, a "Lei do Tráfico
de Escravas Brancas" de 1910, que baniu o transporte interestadual
de mulheres para "propósitos imorais" e que tem
sido usado numerosas vezes para propósitos reacionários,
incluindo os casos do boxeador negro Jack Johnson, Charlie Chaplin
e o músico Chuck Berry.
Nenhum dos relatórios da Seção de Integridade
Pública para 2006, 2005 ou 2004, que citam dúzias
de casos de recebimento de propina e tráfico de influência,
tem sequer uma referência sobre o Mann Act.
O caso se refere justamente à política nos EUA
e como ela é conduzida atualmente. Com grande alarde, o
governo americano iniciou a "guerra contra o terror",
estreitou as regras que regulam atividades bancárias para
combater "as finanças terroristas", e o que ele
alcançou com isso? Alcançou o envolvimento do governador
de Nova Iorque num sórdido escândalo sexual!
A resposta da imprensa rasteira era previsível, um misto
de obscenidade e moralização. O New York Post de
Rupert Murdoch publicou em sua primeira página a chamada
"Eu dormi com Spitzer", juntamente com uma fotografia
de uma loira em lingeries mínimas e manchetes como "Como
o cão safado armou o clima" e "Delícias
para viajem põe governador em má companhia",
ao mesmo tempo em que afirmava que o comportamento de Spitzer
era "tão barato, tão degradante para o cargo
que ocupa, tão pouco merecedor da confiança do público,
que as palavras faltam."
A resposta da imprensa liberal e liberal de esquerda era talvez
igualmente previsível. O New York Times foi quem publicou
o furo, somando mais uma a seu currículo de facilitador
para escândalos-fofoca da ala-direita. O Times emprestou
sua credibilidade ao caso Whitewater nos anos 90, alvejou os Clinton,
deu todo espaço para o escâdalo Mônica Lewinsky
e legitimou a inquisição sobre Kenneth Starr, e
mais tarde iniciou uma caça às bruxas ao cientista
nuclear de Los Alamos Wen Ho Lee. O Times está repetidamente
envolvido nesse tipo de operação, por oportunismo
e cegueira política.
Os liberais de esquerda do Nation reagiram ao escândalo
Spitzer com sua costumeira superficialidade. O colunista John
Nichols apenas conseguia escrever sobre o caso do ponto de vista
do impacto supostamente negativo nas aspirações
presidenciais da senadora de Nova Iorque Hillary Clinton, a quem
Spitzer estava apoiando contra o senador de Illinois Barack Obama.
A equipe editorial do Nation apóia amplamente a Obama.
Berrava Nichols: "Ano passado a Clinton falava e fala
[sic] sobre como ela queria tanto o apoio de Spitzer e quão
importante ela achava que isso era para sua campanha presidencial..."
"Clinton achara seu homem. Depois de muita bajulação,
ele endossou sua candidatura."
"Agora ele é outra dor de cabeça para a
Clinton..."
"ui."
"ui para Spitzer."
"ui para todos os democratas de Nova Iorque, incluindo
uma certa senadora Nova Iorquina."
A derrubada politicamente objetivada do governador de Nova
Iorque é um incidente significativo, parte da transformação
da cena política americana. A resposta de Nichols é
de uma total falta de seriedade. Será que essas pessoas
pensam sobre o que escrevem? A citação acima e a
que se seguia a ela, em que Nichols faz alarde da necessidade
de louvar o novo governador, David Paterson, um hesitante político
democrata, como um "ativista" e um "progressista",
são respostas banais a certas preocupações
políticas imediatas do corpo editorial do Nation.
O caso Spitzer é terrivelmente americano, reflexo de
um país onde questões sociais e de classes não
se desenvolvem ainda numa luta aberta, mas através de mensagens
codificadas, metáforas e escândalos. Enquanto isso,
a população trabalhadora não tem outra opção
senão escolher entre este ou aquele político milionário.
A crescente recorrência aos métodos de estado
policial para a regulação das diferenças
políticas demonstra que as questões sociais e de
classe estão ameaçando cada vez mais fortemente
emergir à superfície.